quinta-feira, 29 de março de 2012

DARCY RIBEIRO e a Educação de nível superior no brasil

As diretrizes da universidade constituem um corpo que, em sua carne, encontra-se enriquecido de princípios e finalidades cuja existência atesta a importância e a atenção que devemos atribuir a ela. Os problemas que a circundam, sejam eles de ordem política ou não, são também seus e devem ser encarados com a seriedade suficiente para dirimi-los, de modo que o ensino superior dê a si mesmo uma razão de existir e fuja à vacuidade dos propósitos que os “CÃES de guarda do pensamento burguês” têm imposto como aspirações fundamentais dele. Desse modo, cabe ao acadêmico encarnar o espírito irrequieto que direciona os passos de uma ciência ocupada com as questões mais caras ao seu tempo, tornando-se imune às meias-verdades vendidas descaradamente por aí. Para tanto, inobstante as possíveis dificuldades, faz-se necessário, naquele, uma inclinação sincera à busca ilimitada do conhecimento e à indagação permanente, a fim de que, em gozo da plena liberdade, possa contribuir com o fomento de uma universidade cujo único horizonte é a utopia – isto é, o avanço e a transformação social através da produção do saber e da descoberta de novos conhecimentos.

Darcy Ribeiro, eminente antropólogo brasileiro, em um texto-apresentação de 1985, Universidade Para quê?, ratifica os pontos anteriormente levantados, engendrando uma reflexão profunda acerca do ensino superior a partir da realidade que vivera enquanto peça-chave na criação da Universidade de Brasília. Esta instituição, então pensada como a vanguarda de uma revolução universitária no Brasil, durante o período em que a ditadura esteve instaurada no país sofreu com o descaso e a indigência de pessoas muito pouco comprometidas com questões caras à emancipação nacional. Se a UNB, quando de sua criação, ostentava como ideais a liberdade de pesquisa e o experimentalismo, se abarcava em seu esteio um corpo docente altamente qualificado e escolhido a dedo, o governo militar, uma vez no poder, fere-a naquilo que tinha de mais ambicioso e inovador: achata o livre-pensamento que enriquece; persegue, tortura, mata e extradita os professores que ali ensinavam. Ainda sob o calor destas circunstâncias, Darcy evoca alguns nomes tão importantes quanto o dele mesmo na mudança de rumos da educação brasileira e que também viram os seus sonhos e aspirações serem espoliados pelos milicos. Como é perspícuo ao interlocutor, as reflexões que sucedem no opúsculo são referenciadas pelo significado que a opressão contra a inteligência ganhou durante o período ditatorial.

Tencionando que o degredo responsável por imergir a UNB em trevas não se repita, o antropólogo coloca algumas metas para a universidade, ressaltando que de nada vale uma instituição de nível superior, onde o contraste e a busca são imperativos, descompromissada com a verdade. A utopia deve perfazer o seu horizonte, reunindo em uma unidade concentrada e vigorosa todo o saber humano, criando-se assim um diálogo sem intermitências entre variadas áreas para que, no espírito do trabalho conjunto motivado pelas mesmas razões, respostas e saídas sejam finalmente vislumbradas, sem o risco de que alguém, por pensar de determinada forma, seja tolhido. O Brasil, entretanto, deve ser o seu problema elementar, o interesse mais expressivo de sua existência – pensá-lo, dito de outro modo, é sua obrigação. E isso implica um esforço generalizado em todos os níveis: tanto estudantes quanto professores devem criar condições para que a universidade se realize, constituindo-se em lugar adequado a um país que, frequentemente, faz exames de consciência e enxerga os pontos em que precisa mudar ou continuar acertando. Não basta, para que tal aspiração se concretize, que doutores e mais doutores sejam formados, proliferando-se sobre a vida intelectual do Brasil como parasitas auleiros, sempre prontos a serem coniventes com o despotismo das gestões arbitrárias e a manutenção do bem-estar das classes dominantes. É imprescindível, sim, gente séria e sequiosa pela construção de um país melhor e mais solidário, que, se possível, sirva de exemplo a outros que enfrentam percalços parecidos. Como muito bem coloca Darcy Ribeiro, ao se valer da importância que os cientistas tiveram para super-nações como EUA e Rússia em época de corrida armamentista, “conhecimento é poder, é uma arma”, e manejá-lo requesta grande responsabilidade. Portanto, se os bacharéis formados não têm consciência do que está sendo posto em questão, se intentam desarmar de qualquer forma os benefícios da crítica vigilante, sabemos que eles são os frutos de uma universidade de mentira, interessada em mostrar à sociedade apenas uma hegemonia quantitativa que, no fundo, não reflete nada a não ser falsas-verdades e um interesse malicioso de que as leis educacionais fomentadas pelas elites sedimentem cada vez mais uma estrutura social defasada e ignorante sobre si mesma.

O que alarma nas reflexões de Darcy Ribeiro é a atualidade que podem reclamar. Se é conveniente caracterizar o período quando elas foram escritas como incôndito, confuso, posto estar ainda muito próximo do término do regime militar, tornando-o um autêntico tempo de ressaca, o hoje, quando não temos a opressão declarada e já amadurecemos as discussões sobre o porquê da universidade, pode ser caracterizado com quais adjetivos? Os elementos que compreendem a espinha-dorsal do texto de Darcy abarcam os déficits do ensino superior atual, como se ele não tivesse vencido a etapa inicial que conduz ao desenvolvimento efetivo, conservando a sua inutilidade e degenerescência. A função social da universidade não se traduz em ações reais, predominando dentro de todas e cada uma o verbalismo inócuo do artigo anacrônico, a malícia perniciosa do pós-doutor desnecessário, a vontade quase generalizada por coisa alguma. Por fim, recrudescendo a pontualidade da pergunta que intitula o texto aqui abordado, incrementamo-la com algumas indagações feitas por Darcy em dado momento de sua dissertação, por as acharmos exatamente atuais: “Que universidade nossa discute as causas do atraso de suas cátedras, como uma questão fundamental? Que universidade toma esses temas como sua causa? Todo o saber acumulado nelas é fiel ao povo que as subsidia para formar e manter as cabeças mais brilhantes?”.

11 comentários:

  1. João,

    Posso dizer que em primeiro lugar, enquanto não houver uma distribuição mais igualitária na sociedade brasileira, seja através da renda e da informação, a universidade se manterá alienígena. O que um acadêmico escreve não é traduzido por aquele a quem ele diz se preocupar em dialogar que é o povo. O povão continua segregado, sem informações, sem vocabulários suficientes para entender as cansativas prolixidades conceituais e as obscuras argumentações dos ditos doutos.

    Nesse sentido, a universidade tende a favorecer meramente os interesses de uma classe dominante. Esse papo de que o importante é existir educadores comprometidos, apesar de ser muito lindo, não passa de uma afirmação descontextualizada se tratando da real conjuntura brasileira. Mesmo que um educador venha elaborar projetos que possueam finalidades sociais de grande importância, inevitavelmente ele se esbarra em toda uma estrutura obstruida por corrupções e pela luta pelo poder. Vale lembrar que esse poder é mantido pelos próprios educadores, inclusive os educadores que possuem um compromisso ético com a sua função, pois a própria conjuntura submetida aos ditames do capital internacional é que se encontra no final das contas, centralizando e gerenciando tudo.

    Acredito que esse discurso de "é melhor assim", "o educador tem que atuar assado", perde-se no discurso idealista, no que deve ser, e se esqueçe de olhar de forma mais crua a forma como se constitui a estrutura educacional, ou seja, como ela é. Acredito que é indagando sobre o porquê das coisas não acontececerem apesar de sabermos o que é melhor para elas, que chegaremos a algum lugar. Ao inves de ficarmos achando caminhos de como seria melhor, o mais importante é detectarmos e questionarmos sobre quais os motivos, quais causas, que fazem com que esse melhor caminho nao consiga ser atingido. É isso: um olhar que encare a práxis, e não o ideal das coisas.

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  2. Bem...

    "O Brasil, entretanto, Deve ser O Seu Problema Elementar, o Interesse mais expressivo de sua existência – Pensá-lo, dito de outro modo, É Sua Obrigação. E isso Implica um Esforço Generalizado em todos os níveis: tanto Estudantes quanto Professores devem criar condições para que a universidade se realize, constituindo-se em lugar adequado a um país que, frequentemente, faz exames de consciência e Enxerga os pontos em que precisa Mudar ou Continuar acertando. Não basta, para que tal aspiração se concretize, que doutores e mais doutores sejam formados, Proliferando-se sobre a vida intelectual do Brasil como Parasitas Auleiros, Sempre prontos a serem Coniventes com o Despotismo das Gestões Arbitrárias e a Manutenção do Bem-estar das Classes Dominantes. É Imprescindível, sim, Gente SÉRIA e Sequiosa pela Construção de um país Melhor e Mais SOLIDÁRIO, que, se possível, Sirva de Exemplo a outros que enfrentam percalços parecidos."

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    1. João,

      Sim, concordo plenamente com você, mas você há de convir que, apesar desse ser de fato o caminho mais sensato e mais ético a ser seguido, a conjuntura educacional e politica de um país desigual como o Brasil, termina por obstruir essa perspectiva exposta por você e também compartilhada por mim.

      Aí eu penso: certo, mas como se realizar isso? Diante da burocracia da instituição educacional universitária, quais são os caminhos que estão impossibilitando que isso aconteça? Por que é que isso não acontece? Quais são os caminhos que podemos usar como estratégias para que tudo isso venha a assumir uma configuração diferente?

      Tudo bem, a conscientização é o caminho, mas como atingirmos essa conscientização levando-se em conta que existe uma burocracia nociva e corrupta que impede inclusive os profissionais que compartilham dessa sua visão? Quais são os caminhos possiveis para que possamos romper com essas gestões despóticas? Acredito que para encontrarmos novas alternativas devemos nos perguntar: como surgem essas gestões? Por que elas assumem esse despotismo? Por que os professores muitas vezes se submetem a esse despotismo?

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  3. As respostas para estas perguntas vocês, sociólogos, antropólogos e juristas, que são aqueles que trabalham com o levantamento de dados factuais, é que devem procurar. E que a incidência de fatos tenebrosos não os leve ao niilismo fatalista, mas à vontade do desafio.

    Quando digo, no entanto, que o Brasil deve ser o principal problema da universidade e que se deve haver um esforço generalizado na tarefa de sua compreensão, implícita e conceitualmente afirmo, de uma só vez, as questões de primeira ordem colocadas por você, como tarefas e problemas que devem nortear os passos do ensino superior. E, quando evoco as diretrizes da universidade como um corpo enriquecido de princípios e finalidades, o faço porque sei que ela, enquanto organismo vivo, é uma crítica radical do direito - isto é, nada do que ela é concretamente corresponde ao que está assegurado que ela seja no plano jurídico.

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    1. João,

      Sim, mas quebrando um pouco essa ideia de achar que só a um determinado profissional se é dado o dever de achar a resposta sobre tal coisa, eu só posso dizer que as perguntas colocadas por mim serviriam para eu conhecer através de sua pessoa ou de qualquer outra que venha ler esse texto, novos pontos de vista. Sim, até por que eu acho que não é pelo fato de eu não ser um cientista politico que eu não me dê o direito de questionar a política, de eu não ser um advogado e não questionar as leis, de não ser um educador fisico e não questionar sobre saúde. Enfim.

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    2. Claro que a consciência e o questionamento não esta unicamente ligada ao individuo que direcionou sua educação para tal, e é fundamental que não seja assim, porém, vi no comentário de João uma tentativa de mostrar uma maneira prática de transpor ao nosso meio aquilo que tanto é estudado, que seria "de fato" pelos profissionais que se dedicaram a isso.
      (Só um adendo!)
      outro João!

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    3. Anônimo

      Acredito que esse seja o caminho, contudo, acho que para se chegar a esse caminho, devemos partir para muitos questionamentos, para conseguirmos atingir ou talvez nos aproximar desse ideal. Não acredito que falarmos a melhor maneira de como deve se comportar um professor universitário, fará a gente chegar a algum resultado, pois os resultados precisam de perguntas, para com isso, atingir as respostas e as novas soluções.

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  4. ola joao paulo,

    A educacao brasileira, e creio que boa parteda educacao mundial, se encontra em um estado circo-permanente de dis-sincronia com a realidade. Particularmente no BRasil, nao conheci uma contextualizacao emsua cultura e ses vestigios historicos que cimentaram a nossa epoca. A ditadura tentou dar uma sacudida, um `Acorda Brasil` para nos, supostos cidadaos brasileiros, em resposta a leviana polietica alienante naquele tempo, onde tudo era `corrigido`na base do cacete. Politica e impotante, desde que nos faca pensar e nos fca ampliar os nossos olhare a nosa volta. Uma boa questao seria, O que fazer com as doceis cabecas pensantes dos morfados intelectuais basileiros o qualpreferm acreditar em formulas mirabolantes ou ideias desconexas dos primeiro-mundistas? Sinceramente, nao sei.

    Abracos

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    1. Maíra,

      Acredito que um dos grandes fatores que impedem os docentes do ensino superior em atuarem de acordo com esse ideal de educação, é justamente essa relação da necessidade do Brasil de querer reproduzir modelos de países do primeiro mundo, sendo que sua realidade é muito diferente da realidade desses países que eles querem reproduzir. Pensamos em uma conjuntura ideal, assim como a conjuntura do primeiro mundo, mas a nossa estrutura não se consolida sequer de forma aproximada com as conjunturas desses paises (pelo menos na forma que fazemos ideias aqui no terceiro mundo tupiniquim). Enfim, sonhamos que os profissionais podem atuar de uma forma como se eles estivessem imersos a uma conjuntura propicia para isso, mas na verdade eles se encontram em uma conjuntura contextualizada pelas corrupções, pela falta de compreensão cultural acerca da importância do bem público. Ou seja, mesmo que existam profissionais comprometidos eticamente, a forma como essa conjuntura se encontra organizada, dificulta a esses profissionais levarem esse compromisso adiante. Agora eu pergunto: como alterar essa conjuntura? O que faz ela se tornar assim? Questões e questões...

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  5. vina,

    Vejo que ate no Primeiro Mundo ha uma alienacao terrivel com a realidade. Muitos paises da Europa, nao todos, preferem seguir um modelo tradicional que ha tempos ja se desfez. Considero que a denominacao de intelectualidade nao esteja arraigada numa formula fixa prevista pelos estruturalistas ou em experimentos uniformes. Intelectualidade se baseia em questionar criticamente o contexto social e cultural, sempre relevando pontos que nos coloquem na comunidade internacional, ou seja, nao somos ilhados pelas perspectivas nacionalistas, precisamos de paramentros, nao que algum continente seja exemplar a um outro.

    um abraco

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    1. Maira

      Concordo plenamente com suas palavras. É por isso que eu continuo insistindo que a perspectiva de encarar qual a melhor forma de um educador lidar com a sua função paira apenas no plano do ideal. Justamente por eu saber que as estruturas não são uniformes, que eu bem sei que as circunstâncias históricas de cada realidade possuem formas peculiares em sua organização. Por isso mesmo que acho necessário que a gente começe a formular questões acerca da conjuntura educacional brasileira para que com isso a gente encontre caminhos suficientes para respondermos sobre a forma como cada educador precisa lidar com o seu papel. Acho que dizer que se devem haver profissionais com comprometimentos éticos, apesar de ser o melhor argumento, sinto que faltam problematizações mais concretas para respondermos e encontrarmos melhores alternativos para que isso seja mais aproximado.

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