sexta-feira, 23 de março de 2012

Desamparo

Quis deitar sobre as mãos o mundo inteiro, cingir contra o rosto todos os continentes e oceanos, quis encarnar à pele a cor de todos os povos civilizados e selvagens e ser o instante efervescente de tensão entre bárbaros e pacifistas. Quis reter de todo o espírito refinado sua paixão concentrada e nobreza, sendo também intempestivo como quem se sentisse oprimido e, agoniado, tivesse se lançado contra as máquinas repressoras. Quis imergir ao corpo forças satânicas que ele não suportaria, fazendo de cada parte que o constitui um artífice bélico a ser usado em defesa da total liberdade, de modo que eu explodisse de tanta convicção quanto aos meus propósitos. Quis amar como um naturalista toca às plantas que descobre, retirar de Whitman o oxigênio frasal para ir adiante e não ser modesto quando eu tivesse de sentir. Sim, todos os meus propósitos foram absolutamente desumanos, todos eles absolutamente grandes e soberbos – todos eles desiguais! Mas ao acordar para o dia novo, plasmado sobre a minha cabeça sem mãos que o modelassem, não encontrei do ontem sequer o pó de suas pegadas. Quis apoiar o meu braço e o encosto desparecera para esta possibilidade. E, ao meu redor, só escombros e entulhos trastejando um som áspero. Que seria, pois, da vida agora?

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