Ela é o inferno. É a faisca que rasga o mato. É o incêndio que esquenta as cabeças dos desavisados. É a brasa queimando pelas brechas o que não se compreende. É a labareda esquentando o frio que mata a obviedade do tolo. É a explosão de fogaréus que assusta qualquer corpo de bombeiros. Ela incendeia o mais do mesmo, destrói o caminho reto, assanha os cabelos dourados do fogo mais do que qualquer ventania.
Ela é um fluxo. É uma correnteza sem destino. É um redemoinho que come a carne da terra, liquidifica e liquida qualquer possibilidade de manter alguma coisa em seu lugar. É a voz que se apresenta, mas que se perde, mas que se reverbera, mas que ecoa. É a dinâmica ansiosa por surpresas. É a calma ansiosa por dilemas. É a simplicidade das pequenas coisas grandes. É a imprecisão de um fim. É o desconhecido de um buraco negro. É a frente do espelho se refletindo em espelhos. É a fuga, o fugaz, a luz.
Ela é uma transeunte nas ruas curvadas da cidade oscilante. Ela é cheia de pensamentos voláteis. Vive em volta de precisões com inúmeros lados sem qualquer conclusão. Vive em volta de placas de todas as direções. Vive em volta de um eixo desencontrado. Vive com sua bússola cheia de reviravoltas em um mapa marcado por rabiscos. Ela se encontra em um lugar determinado sem temporalidade alguma. Ela vive conhecendo coisas novas e se perdendo.
Para a mentalidade dos simplórios, ela é complicada. Para as mentes disponíveis às desconstruções e reformulações das próprias afirmações, ela é complexa e geradora de novas surpresas e novos estímulos. Ela se nega buscar o prático. Ela não compactua com a monologia e com a onomatopéia que anda reinando entre a espécie humana. Ela se nega a aceitar o esvaziamento existencial por apenas se alimentar do mero entretenimento. Ela se nega a fazer do bobo algo que não seja provocativo. Ela não se finaliza no raso da existência.
Assim como livros e lp´s encontrados em sebos, ela se apresenta desgastada pela intensidade periculosa do tempo, mas reflete toda uma poética por expressar a passagem desse tempo e por manter as marcas legadas pelas construtivas e problemáticas experiências. Ela é como um vinil e um livro desmerecido pelo mundo e jogado em meio a um depósito marcado por rugas de um passado, mas que vez ou outra encontra mãos que tocam e sentem pelo fascínio e pelo afeto do tempo.
Ela é a constante síntese em processo de construção. Ela não adormece em pólos extremos. Ela não admite o certo ou o errado. Ela é a reformulação desses dois lados gerando um terceiro que, por ser fruto do questionamento, sempre deixa espaços para novas brechas e para novas sínteses.
O legal é tê-la e não encontrá-la. É ter o esperado e não ter o que se espera. É ter a expectativa realizada e continuar tendo o desejo sempre desejante. Ter a casa, ter o teto, a mesa, a cama, os chinelos, sem ter nada disso. Ela é o resultado e a espera da resolução desse resultado. Ela é conclusão e a surpresa. Ela é o outro lado e qualquer espaço sem lado nenhum.
Voltei a sua casa, bati na sua porta, mas já não havia nem casa, nem porta. As luzes ficaram acessas, mas vi que ela havia retirado as lâmpadas. Vi que ela tinha ido embora, mas vi que ela ainda se encontrava por lá. Ela estava em um lugar, mas não a encontrei em lugar algum. Ela é o endereço deslocado de qualquer rua. É o lugar sem tempo. É o encontro desmedido e desencontrado do mundo.
Sim, e sonhamos e acordamos e ela continua lá. Muito bom texto. Tão bom como ela.
ResponderExcluirela, uma promessa sem sexo. Um individuo, um lugar e um tempo quase que inalcansavel. Ela e uma idealizacao, uma profecia, uma religiao que se faz para situar qualquer subjetividade perdida. Uma paixao que arde e queima, mas que se torna platonica, ardente e transcendente. Ela e o imperativo do desconcerto do mundo.
ResponderExcluirUm abraco
Maira,
ExcluirEla é a força que te leva para frente e a fraqueza que te leva para trás. Ela é a busca, a capacidade de construções lógicas e tradutoras das certezas. Ela a constante duvida e a incessante incapacidade de construir qualquer definição do que seja perfeito. Ela é o sonho e o pé no chão. Ela é o tiro certo no alvo errado, é o tiro errado no alvo certo. Ela é a reconstrução da obviedade do tempo. Ela é busca, a luta, o cansaço, a desilusão, a coragem e o medo. É o meio, o inicio e o fim. É a falta do fim, do inicio e do meio. É um quase, é um quase, é um quase...