terça-feira, 6 de março de 2012

Super-Nada: o herói cansado

Por esses dias, Zé Órbita me apresentou um conhecido seu, o Super-Nada. Super-Nada é um herói cansado que vive criticando o mundo com a língua enrolada por seu constante excesso de álcool.

Super-Nada quando mais jovem, vivia lendo teorias e teorias sobre revoluções, buscava compreender todas as manifestações sociais que ocorriam pela cidade. Todos os jornais alternativos que circulavam pelos guetos undergrounds eram lidos por nosso idealizador frustrado. Nosso querido herói vivia jogando discursos cheios de ódios aos nossos burgueses, condenava quem tomava cafezinho espumante nos shoppings, e principalmente quem comia hambúrgueres minúsculos e secos da McDonald´s.

Super-Nada trabalhou muito. Todos os dias ele voltava do trabalho aborrecido por se ver submetido aos ditames do capital. Ele não passava de um súdito de merda que criticava o sistema tendo que inevitavelmente se rebaixar às exigências da produtividade tão cobrada por seus inimigos burgueses. Seu ódio ia aumentando cotidianamente, até que um certo dia, Super-Nada, depois de ter convencido os seus colegas de trabalho a se manifestarem contra a exploração na qual eles estavam submetidos, criou um furdunço em seu trabalho.

Nesse dia, Super-Nada se tornou um deus. Enquanto todos gritavam palavras de respeito à categoria, nosso herói era levado pelos braços de seus companheiros de profissão.

O seu patrão, depois de ter visto que a situação parecia se encontrar em um grau irreversível, fez uma negociação com seus colegas de profissão, ajustando seus salários. Porém, Super-Nada tentou impedir a aceitação da negociação por ele perceber que o aumento salarial não minimizaria a exploração pela qual ele e seus colegas passavam. Acontece que seus colegas sabiam que mesmo que a situação de exploração continuasse, eles preferiam ganhar alguma coisa a não ganhar nada.

Depois da resolução entre o patrão e os funcionários, Super-Nada foi chamado até o gabinete de seu senhor e recebeu uma sova de palavras de repúdio, e foi mandado embora. Enquanto seus amigos comemoravam o reajuste salarial, Super-Nada foi saindo desconsolado. A alegria era tamanha que seus amigos nem se deram conta da saída do nosso herói.

O mundo continuava o mesmo. Super-Nada por ter se frustrado, ficou perambulando pelas ruas por muito tempo. A frustração ia aumentando, até que, como forma de tentar fazer com que o tempo da vida passasse sem ele se dar conta, começou a se envolver com o álcool.

No dia em que eu fui apresentado a Super-Nada pelo meu amigo Zé Órbita, Super-Nada me convidou para tomar umas cervejas no bar junto com o Zé. Ao falarmos sobre política, artes, religião, vida, morte, sexo, etc, etc, etc, Super-Nada comentou sobre a teoria da certeza falsa da verdade de Zé órbita, aproveitou e me teceu elogios sobre o meu texto “Terralien”, inspirado no tripé da teoria do Zé.

Antes de irmos embora Super-Nada me disse que a idéia do Movimento Torto era uma idéia genial, apesar dele confessar que em seu tempo de juventude, jamais aceitaria a postura ambígua do olhar que eu construo sobre o torto. Aproveitou e falou que o mundo busca a verdade, mas que a verdade não passa de minúsculas resoluções que vamos conseguindo atingir em nosso dia a dia, e que não necessariamente o bem nos leva ao bem, como também, não necessariamente, o mal nos leva ao mal, pois para ele, tudo é uma questão de leitura e circunstância do momento.

Ao se levantar da cadeira depois de termos tomado a última cerveja, antes de apertar minha mão para se despedir, Super-Nada me disse que o herói não é aquele que consegue obter vitórias em seu currículo, e sim, aquele que consegue sobreviver em um mundo tão inconstante e imprevisível como o que vivemos, e muito mais sincero é o herói que se nega a exercitar a postura de salvador do mundo, para aceitar a sua condição animalesca da lei da sobrevivência, lutando pelo seu pedaço de carne.

No instante que eu saí do bar com Zé órbita, Super-Nada gritou que o herói salva o mundo a partir do momento que seu discurso traz lógicas capazes de argumentar novos caminhos capazes de superar as problemáticas sentidas por ele, mas que a verdade é um amontoado de frustrações tentando atingir o Ideal do mundo, e que sempre cai em sua própria armadilha por ser companheira da dúvida. Irritado ainda disse que o herói que diz ao outro que consegue de fato resolver os problemas do mundo, não passa de um fuleiro, digno de murros e pontapés.

Super-Nada resolveu deixar o bar para nos acompanhar, e no meio de nossa caminhada, ele resolveu morrer. E morreu. Perguntaram para mim sobre a causa da morte do nosso herói e não vou dizer. Vai mudar em quê?

6 comentários:

  1. As vezes, as pessoas pensam que o torto é conivente com o poder. Não penso assim. O torto admite as mazelas do poder, mas, ao mesmo tempo ele admite que o ideal sempre será algo a ser alcançado, e que a postura racional é a adaptação às circusntâncias da vida. Não adianta ficar reclamando, o enfrentamento racional do mundo deve ser a melhor postura. Vina tem dito e eu também!

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    1. Roosevelt,

      É isso mesmo. Apesar de eu já ter discutido bastante no blog acerca do olhar que tenho sobre o que é ser torto, vou aproveitar e trazer pontos que acho que terminam provocando essa concepção que você expôs em seu comentário.

      Primeiro é aquele já tão discutido, ou seja, ser torto significa admitir que a construção que fazemos da nossa história é feita de contradições. Por isso mesmo que eu admito que antes de andarmos retos, fazemos nossas trilhas de forma torta.

      Segundo: quem acha que o torto é conivente com a podridão do sistema, no minimo tem uma certa dificuldade em interpretar o processo contraditório que vez ou outra eu trago em meus textos.

      O que eu insisto em dizer é que a postura torta reconhece que mesmo criticando certas condutas e realidades sociais, não foge da aceitação de muitas coisas que reivindica, afinal, somos seres sociais, e mesmo que passemos a criticar certos pontos, muitas vezes criamos expectativas de receber muitas coisas que condenamos.

      Exemplo: acredito que a monogamia é muito dificil de ser plenamente realizada se tratando de contratos entre humanos que no fundo são animais poligãmicos, contudo, eu me nego a aceitar a traição.

      E por fim, eu trago o ponto relacionado a este último que é a condição animal do homem.

      Ora, a cultura estabelece um ideal de comportamento como forma de vislumbrar uma possivel harmonização entre sua espécie animal chamada humana, porém, há de convir que essa cultura, essa civilização, é reflexo de como a natureza se organiza, uma vez que somos animais antes de sermos humanos.

      Pô, a própria natureza é marcada pela competição, pela desigualdade, pela violência! Isso não quer dizer que eu naturalize as relações de poder, até por que, fomos educados a compartilhar valores reconhecidos nobres pela cultura, devemos exercitar agir conforme essa idealização que nós mesmos buscamos.

      Por exemplo: existe algo mais natural que a morte? No entanto, qual ocidental aceita a morte como um fator natural? Mostro esse exemplo apenas para elucidar que nem tudo que é natural deve se tornar eternamente natural, mas que não é por isso que nós devemos negar a existência instintiva em todos nós mascarada por convenções culturais e regras de comportamentos instituidas por essa fauna chamada sociedade.

      abraços

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  2. NÃO SEI PORQUE... MAS ESSE SUPER-NADA ME FEZ LEMBRAR O TÍPICO CIDADÃO SERGIPANO, E EM CONTRAPARTIDA O CIDADÃO BRASILEIRO: AMBOS RECLAMAM, MAS NÃO FAZEM NADA PARA MUDAR SUAS REALIDADES. BELO TEXTO.
    DEPOIS PASSA LÁ:
    http://thebigdogtales.blogspot.com/2012/03/reflexo.html

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    1. Lillo,

      O Super-Nada bem que tentou alterar a realidade das coisas, no entanto, ao perceber que sua luta não provocava nenhum reconhecimento entre as pessoas pelas quais ele lutava, terminou deixando tudo.

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  3. Talvéz seja esse o pleroma tão defendido pelo paulinismo: Nos depararmos com nós mesmo - um ser devir em incessante mutação. belo texto e belo comentário.

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    1. Roosevelt

      Nos confrontamos com nós mesmos. O que achamos ser certo, muitas vezes por estarmos inseridos em uma conjuntura que não permite que o nosso certo seja de fato alcançável, termina fazendo com que a gente assuma ações que comprometem nosso próprio discurso. Comodismo? Hipocrisia? Não. Quando afirmo isso não significa dizer que eu esteja apoiando a manutenção do sistema, nem muito menos aceitando que o desvio seja de fato concretizado. Estou pondo os pés no chão e encarando a realidade das coisas, o que não me impede de forma alguma de tecer minhas críticas e defender o que acho como certo. Hipocrisia seria se eu dissesse que sempre sou a pureza de pessoa, negando a verdade dos fatos e criando uma máscara como forma de demonstrar um comportamento que apesar de muito bonito, não passa de falseamentos.

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