quinta-feira, 15 de março de 2012

EDUCAÇÃO E DIGNIDADE

Entrei na Educação em 1982. Muita coisa vi mudar e outras tantas permaneceram exatamente como eram antes de mim. Se alguém me perguntasse se a Educação mudou, minha resposta seria: “Sim, mudou”. É isto; mudou de uma condição pior para outra menos pior, num é melhor, não chega a tanto! O diabo cedeu lugar a Belzebu, e a este lhe entregou o cetro. Se analisarmos os conteúdos veremos que eles se harmonizam com uma visão de homem dócil que não oferece nenhum perigo as hegemonias internas e externas. Com certeza trabalharão para a manutenção da ordem que a maioria dos nossos alunos nem sabe o que é. Enquanto o aluno se prende estudando para uma prova mensal ou para o vestibular, o mundo passa, e ele nem percebe as relações que lhes são invisíveis por falta de uma vivência educacional mais próxima do mundo real e menos teórica.

Meus anos na Educação nunca contaram com uma sala de aula digna, com ventiladores que aliviassem o calor causticante do sertão. Você já imaginou dar aulas sob o sol de Sergipe no mês de março para 49 crianças, sem água potável para beber a tarde inteira, e sem um lugar, pelo menos, confortável para sentar o esqueleto envelhecido pelo pó do giz?

Nunca desacreditei na capacidade de nossos alunos. Nosso povo, meus caros tortos, é criativo e inteligente. O que lhes falta são oportunidades. Devo dizer: “O aluno não acredita na escola, portanto, não percebe a educação”. O aluno sabe que o mestre não tem compromisso por que seus instintos humanos sentem que todo animal se ferifica sob as condições de trabalho de nosso magistério. Em outras palavras – “Ninguém trabalha sem a esperança de usufruir do fruto de seu suor”.

Assim, vi ao longo desses anos, professores fazendo de contas que ensinam, e crianças fingindo que estudam. Tinha uma aluna que fazia até pose quando estava fardada com os livros na mão. Outros repetem certinho o que aprenderam, mas, não apreenderam. Tem um rapaz que conta toda a história de Tobias Barreto, o poeta e jurista, saudoso filho da terra. No entanto, o rapaz nunca percebeu que tudo que o homem recebeu veio de fora de sua terra, pois, em Tobias, na época, Vila de Campos, só tinha vacas no pasto e bares espalhados pela cidade. Uma das maiores bacias leiteiras do estado não tinha condições de ter uma escola digna. Será?

Cheguei ao ensino superior pela Universidade Vale do Acaraú que me honrou dando-me uma cadeira. Lecionei para professores da rede pública. Muitos eram colegas de trabalho. Tive muita tristeza! Vi que o maior problema de nossa classe, principalmente nos interiores, é o analfabetismo funcional do corpo docente. Pasmem! Temos cegos guiando cegos! Mas, esses analfabetos passaram em vestibulares e concursos. Isso me diz que ser preparado para os concursos e vestibulares não pressupõe ser uma pessoa capaz de ler e entender o que leu. Isso é de morrer! Se o enunciado das questões tivesse uma construção textual um pouco mais densa, o índice de reprovação seria muito maior! Professores analfabetos só em Cabrália.
Depois de séculos de luta chegamos à conquista de um piso nacional da Educação. Todos comemoraram; menos eu. Todos aplaudiram; menos eu. Algo me dizia, e não foi o pessimismo que o tal piso ia virar um teto. Pois, num é que eu acertei! O governo federal deu 22% de aumento para o piso, os governadores e estados dizem que o governo federal está errado por que eles não querem pagar. Os prefeitos querem tirar a regência para pagar só o piso. Então o piso virou teto na generosidade histórica do Brasileiro que andou perdoando a dívida de vários países africanos. Coisa de bebo! Dinheiro para dar tem, mas, para a educação não tem!

As teorias educacionais são muitas. Gosto de estudá-las e procuro fazer isso com dedicação. Hoje trabalho na biblioteca de uma escola estadual. Aliás, dizem que me jogaram lá por que não suportam mais me ouvir falar de, adivinhem! Educação. Descobri recentemente que a escola tem material para formar um doutor em educação. Os livros estão intactos nunca foram lidos! Os nossos colegas de profissão não gostam de ler. “Quando chego a casa não tenho tempo de ler nada”. “Mas a cervejinha é sagrada, ninguém é de ferro”. Este é outro problema que não se pode culpar o governo.

Sabe, nossas crianças aprenderiam de todo jeito. Se houvesse pelos menos um pouco de dignidade de todos os lados.

5 comentários:

  1. Roosevelt,


    Sinceramente nao sou otimsta quanto a educacao brasileira de modo geral. Mesmo que as condicoes sejam dignas, exemplificando a escola particular, eu acho que ainda tem muit o que se fazer. Seu texto foi brilhante! Profundo e necessario, pois expade para todos os pontos para se ter uma educacao necessaria. Como mencionei, a escola particular e ingenua quanto a percepcao do aluno, enxerga o indivduo quando um ser docil e nao ambiguo e cheio de complexidade, como e visto nas linhas psicanalitico, ou seja, ser humano anda em uma via progressiva e retrograda. Isso vocepontuou em seu texto. Concordo com voce, nao existe um interesse em desenvolver no aluno o minimo de criticidade, a relacao entre professor e aluno e bancaria, como disse Paulo Freire, o mestre e o absoluto detentor de poder-saber e o aluno e uma tabua rasa e vazia que esta vulneravel ao conhecimento do professor. Se formos enxergar as condicoes oferecida pela escola ublica e desalentador.Nao sei se a educacao mudou para pior ou melhor, pois meu nivel de experincia e curto, mas tenho um olhar sobre isso, pois trabalhei numa escola publica por dois anos. E meu caro, a situacao e triste e bizarra, muito bizarra, quase sempre comica. Diretor sem o minimo de instrucao e conhecimento. Trabalha na escola apenas para receber o seu ordenado do mes, e na minha opiniao nao e merecido, pois nao existe o minimo de conhecimento exigido pelo seu cargo. O que dira do corpo docente? E roosevelt! Voce foi preciso: Analfabetismo funcional generalizado. Exigir estrategias para mudancas e pedir muito, pois nao existe o minimo de preparo. Os alunos? voce sabe bemqual e a realidade. Totalmente desfocados, como voce mesmo mencionou, a educacao nao coexiste com a realidade deles. Na minha opiniao, a eucacao basileira esta congelada no tempo, totalmente fora de sintonia da atualidade e da realidade dos alunos.

    um grande abraco! muito bom texto!

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  2. Roosevelt,

    A falta de um hábito com a escrita e com a leitura é algo que ultrapassa o universo dos alunos. Essa falta engloba toda a sociedade. Por isso mesmo que os professores estão inseridos nesse pacotão. A maioria do corpo docente assume o compromisso de lecionar mais por falta de opção do que necessariamente pelo gosto de educar. Os próprios professores são alienados e argumentam seus pontos de vista pela perspectiva do senso comum. Sim, eles não gostam de estudar, de pesquisar, de conhecer, de questionar. Apenas eles sentam em suas cadeiras e formulam planos de aula para jogar seus conteúdos e pronto. As vezes eles estudam só para relembrar determinado conteúdo, mas fazem isso como uma obrigação profissional meramente, ou seja, fazem isso apenas para cumprir o seu dever, pois do contrário, não terão seu mísero salario no contra-cheque final do mes. O mais revoltante de tudo isso é que sao esses preguiçosos que mais externam o argumento simplista de que a educação não funciona pelo fato dos alunos serem preguiçosos. É o lance do faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço. Cobram leituras dos alunos, criticam os alunos por nao estudarem e não para sequer para olhar seus próprios focinhos. Esse não olhar para si mesmo já é uma grande amostra do quanto os docentes são alienados de si mesmos e do mundo. A alienação termina provocando a hipocrisia.

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    1. Continuando: certa vez um aluno me enviou um texto produzido por ele. O texto questionava até que limite a linguagem dita culta poderia ter o direito de subjugar a linguagem utilizada pelos setores sociais menos favorecidos. Ao ler o texto eu fiquei encantado tão com a percepção do aluno que resolvi divulgá-lo pela rede. Como tudo que implica questionamentos, o texto praticamente não foi lido por ninguém, pois vivemos um mundo alimentado pelo entretenimento apenas. É o mundo da insignificância.

      Contudo, o pior não foi isso. O aluno enviou o mesmo texto para um professor de lingua portuguesa. Vale dizer que esse indivíduo é um profissional que reclama demais das condições estruturais da profissão dele, de salário, só conversa sobre projetos que venham a engordar seu contra-cheque. Inclusive esse professor já chegou várias vezes até a mim e nas reuniões pedagógicas para reclamar da falta de vontade do aluno em exercitar a prática com a redação.

      É engraçado, mas esse professor teve acesso a uma produção textual de seu aluno e sequer teve o interesse em responder de volta. Exige estímulos dos alunos, mas não estimula os alunos. O que para mim deveria fazer esse professor? Responder ao texto do aluno nos omentários ou ao menos conversar pessoalmente com o aluno nos corredores da instituição educacional da qual ele é profissional.

      Porém, o que vejo é o seguinte: ou o professor sequer leu o texto pois seu tempo atrás de mais dinheiro não permitiu tempo para ler o texto, ou leu e é incapaz de perceber o quanto um comentario para um aluno é de fundamental importância para o crescimento desse aluno, o quanto é importante para a auto-estima desse aluno. No entanto, infelizmente ele não enxerga assim. A profissão de educador tem como finalidade apenas a busca por dinheiro e só. Ele não visualiza a educação como um caminho possivel para o aprimoramento do aluno em sua relação com a sociedade.

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  3. Pensar a educação como podemos ver é algo muito complexo e não podemos fazê-lo de forma apressada. Existem as questões teoricas e filosoficas, existem as legislações, existem as questões estruturais, e as questões pessoais dos agentes envolvidos no processo.

    Sabemos pela analise histórica que o Brasil não tem tradição de investimentos pesados em Educação. Historicamente a educação brasileira é desenhada para atender aos apelos de uma elite.

    A educação publica universal e gratuita é conquista recente e tema de discursos seculares. Desde Pombal até aqui, o Brasil não conseguiu atentender a população com uma educação de qualidade. O propio Pombal implantou uma educação nas colonias portuguesas para atender aos interesses da metrópole que queria concorrer com as potencias da época. O Brasil viu uma educação voltada para manter a condição de subalterno.

    As Ldbs brasileira sempre tiveram um dedo exógeno à nossa realidade que apresenta os interesses de seguimentos da economia internacional. Um país cuja as leis da educação sofrem a imposição de interesses internacionais não pode ser considerada como coisa séria e engajada com as transformações sociais que o país precisa.


    Assim, eu entendo plenamente a crítica de Vinícius sobre o colega. No entanto, a apatia não é um fenômeno comum a população acéfala. O país inteiro é apático, por vezes indiferente, exemplo disso é a miséria nas ruas e a bandidagem louca e a população não se articula para cobrar mudanças. Salve o torto.

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    1. Roosevelt

      Concordo que toda a sociedade vive uma apatia sem tamanho, mas eu acho que pelo menos deveríamos nos reconhecer como seres apáticos para não ficarmos cobrando certas condutas dos alunos que não temos direito de cobrar. Porra, se eu não estudo, que direito tenho eu como professor de cobrar o estudo do aluno? É que nem um pai ou uma mãe que impõe lições de moral para o filho e comete as mesmas coisas que condena. Como fica essa condição? Não é melhor você dizer, olhe gente eu sei que estudar é algo chato, mas é necessário. Não seria melhor e mais justo?

      Por isso que eu digo sempre o porquê da minha admiração pela perspectiva torta, pois quando eu admito que sou contraditório, reconhecerei a contradição no outro e a aceitarei por saber que ela é humana e portanto, demasiadamente torta. Quando me vejo obrigado a seguir apenas o discurso higienista e moralista, eu tendo a exigir uma coisa por mera hipocrisia, pois nesse sentido a contradição é nociva por não ser enxergada no exercicio do humano em sua convivência com o outro.

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