sexta-feira, 2 de março de 2012

Postagem da semana

Inobstante os recorrentes agouros lançados contra ele, o sistema econômico sob o qual vivemos delineia e fortifica os seus muros explorando as potencialidades e as fraquezas dos concidadãos que vivem entre eles. Na medida em que se impõe aos mesmos como uma lacuna a ser tapada com a fadiga proveniente do trabalho ardiloso, dependendo do seu suor e dos seus músculos para ser esmerado e estendido aos céus, tal como é, ultrajante e sem sentido, a existência deste sistema é constantemente ressalvada e mesmo negada por aqueles. Entretanto, a distensão verbal da forma atual de trabalho, estando impedida de ultrapassar, por ocasião da real necessidade do empregado comum, o âmbito da conversa ligeira nas raras digressões feitas em meio ao atarefamento cotidiano, é contrabalançada pelo poder maléfico exercido por tudo aquilo que, apesar de exterior às fábricas e às indústrias, também foi absorvido pela essência desses lugares, tornando-se, como o próprio trabalho concreto cuja vida produz coeficientes positivos aos especuladores, um meio alternativo através do qual o lucro é também fomentado. Ora, se se observa, ainda que desatentamente, uma praça, teremos ali um ambiente de distração, de lazer que, em sua forma, difere-se claramente do ambiente onde se trabalha intentando-se determinados fins, mas que, em seu conteúdo, é uma extensão verdadeira dos fins intentados no ambiente em que se trabalha. Isto é, no modelo econômico sob o qual vivemos, sob o qual vegetamos ao marginar o mais íntimo anseio em troca de um soldo a mais, mesmo as ocasiões particulares são postas sob a suspeição da fábrica, do especulador, estorvando por sua vez o desenvolvimento puro da pessoalidade, fato cuja natureza conduz todos a viverem em função de necessidades essencialmente semelhantes, ainda que muitas delas sejam totalmente desnecessárias. E tais necessidades, sendo o complemento do valor produzido pelo trabalho, dão cabo de manter viva a nossa encenação no palco cotidiano, o superávit anuário de quem sobrevive de nossas contradições... - o capitalismo.
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A subsunção da solidariedade pelo Facebook demarca o que passamos a ser faz algum tempo: patéticos. Que o denuncismo em excesso descamba numa compaixão viscosa e rasteira, representada através do compartilhamento artificial de uma revolta nunca projetada no mundo vivo, não tenho dúvida. No âmbito da realidade objetiva, o comportamento lisonjeiro comumente visto nesta rede social é de outra natureza, um pouco bem mais sórdida e animal: nela, de acordo com o que é exigido pelas conveniências, as pessoas estão preocupadas em nascer e morrer, munindo-se das maiores e mais bárbaras covardias para não fracassarem no gládio da sobrevivência. Não bastasse a atmosfera ridícula criada a partir de tantos gestos falsos, o expediente de se postar a todo instante o lado negro da sociedade em que vivemos paralisa, engessa, promovendo igualmente a sedimentação do que se vive em detrimento do que se deseja viver, ao passo que os sentimentos nobiliárquicos expressos no Facebook, sendo farsas de sentimentos, não ultrapassam o terreno virtual e se transfiguram em atos concretos: como em uma peça, eles só ganham vida no palco; como em uma religião, é a vontade segredada do fiel cuja devoção o levou ao ascetismo.
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Como se houvesse nascido deficiente, geneticamente deplorável, trancaram-me o corpo em uma camisa de força. Sem que eu explorasse vivências, absorvendo delas o encanto da primeira vez, nunca intencionaram que eu achasse os meus tesouros, dando-me todos, sem exceção, o metal sem brio, do qual nada pode ser forjado. Puseram-se, desde cedo, sob o encalço das minhas passadas, coagindo-me, corujamente, da possibilidade do risco. Quando alcancei os 15 anos, pela primeira vez, foram mais ríspidos ao apontarem o dedo inquisitivo contra o meu rosto, e retiram-me do colo o violão em que dedilhava, hora após hora, quatro estrofes paupérrimas que eu mesmo escrevi. Veio, então, a maioridade, fase em que o antigo broto alcança o último estágio do seu pleno desenvolvimento - atado ao seu lastro, as exigências mais severas e irreais. Dentre elas, aquela que ocasionou em mim mais medo não foi, como antes, mais aplicação aos estudos e melhores notas: pediram-me que eu lhes soltasse a mão-de-ferro, pois já nenhum astro orbitava em torno do meu eixo. Hoje, experimentado, observo o expediente fatídico a exemplo de quem reflete, restando-me como um consolo a logicidade enregelada da indagação: assim, sozinho, hei de poder caminhar? Para onde? Para quê?
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Não é estranho que o vento tenha espalhado estas folhas ao longo do passeio público. Ao levá-las à desintegração total sobre o concreto sujo, involuntariamente restabelece ao ciclo natural das plantas o ornato oriundo do tempo álgido, despindo-as para que possam se vestir de um novo verdejar. Que ele não as tenha colocado sobre o asfalto por onde me dirijo às lembranças, nada também tem de estranho, a não ser a crueldade gratuita do ressacamento infinito, onde cada evento, diferente de como acontece às plantas, dependura-se ao seu galho sem poder cair e se desintegrar, sendo permutado depois com o verde concentrado da vida revigorada.

Um comentário:

  1. João,

    Um ótimo texto!

    Essa relação que você fez do trabalho arduo, mecanicista e desumano que se externa até mesmo em aeas reservadas ao lazer, acredito que se refletem nas novas praças utilizadas por indivíduos solitários e impessoalizados que é o facebook e demais redes na internet. O que se percebe é uma minimização humana, infelizmente eu sinto que o mundo anda cada vez mais de mãos dadas com a insignificância. São depoimentos rasos que misturam questões de ordem privada na pública, assim como as onomatopéias discursivas. Não acho absurdo que um dia os papagaios consigam ter uma gama de vocabulários maiores que muitos humanos. E essa praticidade rasa, acredito eu, deve-se justamente a essa expanção da labuta obstruindo qualquer possibilidade de sermos capazes de exercitar nosso senso de criatividade, de ludicidade, de criticidade.

    Infelizmente tudo que o individuo se apropria, banaliza-se pelo excesso de ignorâncias e de desconhecimento de si mesmo.
    reflexo, acredito eu, da preponderância das decisoes individuais dos controladores do mercado em nosso estado defasado pelo neoliberalismo.

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