terça-feira, 13 de março de 2012

A função pedagógica da arte nonsense

“Devolver o enunciado ao seu lócus”. Essas são as palavras ditas por Roosevelt Vieira Leite. Ora, o que nosso autor torto tenta mostrar é que a palavra só consegue ser compreendida pelos alunos quando ela passa a ser colocada na realidade desses alunos. No entanto, o conhecimento não deve ser apenas compreendido, e sim criticado, e esse é um ponto que eu e Roosevelt sempre fazemos questão de ressaltar, por isso que acreditamos ser necessário que o educador provoque o estranhamento, e isso só acontece quando novas linguagens são trazidas também para a sala de aula.

Por isso que acho imprescindível que o educador traga para suas aulas a arte nonsense, isto é, uma arte “sem-sentido” que foge dos modelos convencionais da arte e que questiona o que a sociedade nos impõe como verdade. A partir da arte voltada ao nonsense, podemos descobrir novos sentidos, até por que dentro do caos também existe a ordem. Ou seja, em meio ao óbvio transita o esquisito. Aí é onde eu começo a perceber o papel pedagógico da arte nonsense por enxergar nela uma grande contribuição para a conscientização do aluno acerca de seu lugar na sociedade.

Esse tipo de arte, justamente por não nos trazer discursos logicamente construídos, possibilita com que através desse não-esperado, o aluno passe a exercitar o seu senso de criatividade e crie um novo sentido a partir da interpretação que de forma independente ele passa a fazer de acordo com os caquinhos deixados por ela. Afirmo isso, pois nesse tipo de arte, a construção quem faz é o receptor e não o autor, pois na arte nonsense a proposta é deixar o público seguir sua própria leitura da obra, visto que ela não se quer acabada, daí por que temos a impressão de que ela não tem sentido.

Por isso que eu acredito que ao possibilitar que os indivíduos construam suas interpretações de acordo com seus pontos de vista, a arte nonsense faz com que esses sujeitos com um tempo passem a ter menos receio em questionar os modelos legitimados pela sociedade. Acho que o educador se utilizando da arte nonsense retira grandes dificuldades dos alunos sentidas pelo menos por mim em minhas aulas de sociologia que é o medo de errar, a partir do instante em que os alunos reconhecem que são capazes de produzir novos sentidos por não esperarem a verdade dada por um modelo.

A arte nonsense pode permitir que o aluno perceba, por exemplo, que mesmo estando em uma realidade aparentemente lógica, ele vive em meio a uma infinidade de contradições. A partir da arte nonsense o aluno pode vislumbrar novas questões e reconhecer que nem sempre os modelos impostos pela sociedade são justos ou harmônicos como eles querem demonstrar que são, que o que é dito como verdade não necessariamente é inquestionável, que a ficção não necessariamente passa longe da realidade, assim como um ato desviante não necessariamente leva ao erro.

É claro que essa disponibilidade em produzir novos sentidos não passa sem obstáculos. Sabemos que o medo dos alunos é resultado de uma educação ainda marcada por uma forte dose de autoritarismo. Por isso que aplicar ao conhecimento coisas que fazem parte de suas realidades como atentei no início do texto, é também um bom caminho, pois eles terão que se sentir familiarizados com o conhecimento, com os conceitos expostos em aula, para com isso, poderem criar suas próprias leituras e representações do mundo através do estranhamento produzido pela arte nonsense.

Por exemplo: um educador pode abordar sobre desigualdade social se utilizando de músicas ouvidas pelos alunos para trazer de forma mais clara o assunto abordado. Como nesse momento o aluno ainda se apropriou apenas do entendimento do conceito, o educador pode propor um debate para uma próxima aula pedindo que os alunos tragam revistas, jornais que abordem noticias de assuntos que interessam a eles que podem ser relacionados com o conteúdo. Na outra aula o educador faz o debate e reforça o conteúdo que foi dado tornando-o mais familiarizado ao aluno.

Posteriormente o educador apresenta uma gravura nonsense, por exemplo. Minha opinião acerca do nonsense como caminho para produzir o estranhamento, se deve ao fato de eu acreditar que o nonsense pode mostrar ao aluno que não necessariamente o que se encontra “fora da normalidade” está fora da possibilidade de ser pensado. Para mostrar aos alunos que dentro do “caos” se produz sentidos, o educador pode pedir aos alunos que recortem palavras das noticias que trouxeram. Cada aluno pega cinco palavras de forma aleatória e a partir disso produzem um texto articulando a gravura com o tema exposto em sala.

Produzido o texto, os alunos vão perceber que as palavras soltas produziram sentido através dos textos que foram sendo criados, como podem perceber que foram capazes de articular o nonsense com um tema concreto como a desigualdade. Com isso, o aluno pode verificar que o “fora-do-sentido” pode produzir sentido e o que é dito como “verdade” pode ser re-questionado. Isso faz com que o aluno note que a realidade pode ser recriada, que não existem verdades absolutas. Articulando o tema desigualdades sociais, o educador pode mostrar ao aluno que socialmente essas verdades não existem por si mesmas, mas que representam interesses de classe.

Por isso que eu acho que a familiaridade e o estranhamento devem existir na educação. A familiaridade permite ao aluno compreender o conceito; já o estranhamento faz com que o aluno produza novos conhecimentos. Enfim, acredito que o educador tem que colocar o enunciado dentro do seu lócus, utilizando-se da cultura compartilhada pelos alunos; mas também tem que retirar esse enunciado de seu lócus como forma de fazer com que aluno parta para o estranhamento e não compreenda o conteúdo exposto em sala sem questioná-lo, sem sinalizar as suas contradições.

- ESTE TEXTO FOI PUBLICADO NO DIA 26 DE JANEIRO DE 2012 NO SITE www.pensandoaeducacao10.blogspot.com

8 comentários:

  1. Vina,
    otimo texto. Assi como vc e Roosevelt, eu tb acredito o non sense na educacao. Darei dois exemplos que podem ajudar o eu argumento. Voce me fez pensar em museu e historia. Ambos estao interessados em retratar o passado, sem grandes preocupacoes com um passado repleto de novidades, pois esse se liga e reflete automaticamente com o presente. Se assim penso, e pq acredito no conceito aberto que as representacoes sociais insistem em simbolizar definicoes mais concretas. Pq nao ir ao museu e ver o nosso cotidiano e nos identificar? sei que existe museus com essas propostas, mas a maioria quem visita se estranha. Nao de fora positiva e critica, mas no sentido de acreditar que o estranho e degradante, um assalto a verdadeira arte classica.
    Se abrimos o livro de historia, nos deparamos com conceitos solidos e bem lineares, como se aqueles fatos supostamentes existentes, estivessem em direcao de uma verdade de via unica. Sabemos que a historia e uma mera representacao simplificada para que os estudantes incutam em suas cabecas fatos construidos pelo discurso de uma classe dominante. E assim ela foi construida , para ser chata, pois antes de ais nada a historia sao fatos velhos de acontecimentos datados.Nao ha um desafio, uma reflexao critica entre o presente e a representacao construida perante um olhar de realidade.

    abraco

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    1. Maira,

      Concordo plenamente com você. Geralmente os museus se tornam espaços enfadonhos por organizar as coisas de forma que elas sejam apenas veneradas. Esses objetos expostos para serem venerados se tornam ainda muito mais enfadonhos quando representam apenas a história das classes dominantes. Como você disse, a história é construida para ser chata. A gente se esquece que existem micro-histórias em meio a todo e qualquer contexto histórico e que essas micro-histórias representam a memória de outros setores que são os setores marginalizados da história. É isso: o que falta nos museus é um espaço mais permissivo para as trocas, para as relações de diálogos entre a história oficial e a marginalizada como forma de compreendermos mais claramente os fatos históricos. Da forma como são elencados os objetos nas prateleiras, temos acesso limitado aos fatos históricos pois eles refletem apenas um lado de uma coisa muito mais complexa, contraditória e abrangente que é a história. É como eu disse no texto, é importante se trazer o familiar e o estranho, pois a partir do diálogo conflitivo entre esses dois universos que saberemos olhar e construir um aprendizado mais crítico.

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  2. Meu caro torto,
    Temos ao longo de tantas conversas desenvolvido uma tese que a criança ou o aprendente precisa de todos os estímulos necessários para respostas objetivas na aprendizagem. Até aqui estamos dentro do Behaviorismo.

    Vimos também que a ordem, a disciplina, o aprendizado da auto organização é fundamental para posteriores aprendizados do aluno. A escola, seja ela qual for, jamais funciona sem um planejamento, sem metas, sem uma ação dirigida por pessoas que sabem o que estão fazendo. O positivismo nos dá subsídios para pensarmos assim, e não estamos errados.

    Também entendemos que o manipular o objeto espstêmico é de suma importância nas primeiras fases do aprendizado. O desconstruir e construir as coisas, vendo-as em diferentes dimensões produz uma mente aguçada para maiores abstrações. O raciocínio lógico-matemático agradece.

    Discutimos durante muitas noites, e como tenho saudades dessas noites, apareça - a biologia da educação. O ser espistêmico é um ser biológico sucetível as maturações orgânicas comuns a sua espécie e precisam ser respeitadas. Vimos que o processo de letramento principia-se nos primeiros anos de vida e não em fases posteriores. O letramento sem letra é o germe das futuras metacognições do aluno.

    Aprendemos com bachelard que educar é ensinar o homem a sonhar. É entrar em seu mundo, em suas fantasias - suas psiquificações, como diria o torto Jung.

    Nosso irmão Vigotsky nos conduziu a formação da estrutura mental do sujeito - o amago da educação, pois, educar é corroborar na construção do sujeito, que é sobretuso um ser histórico - cultural. Educar em ambiente de interação, conjugando todos os conhecimentos já colocados, apenas para lembrar a mente, é, no meu ver, um caminho excelente.

    Deus na sua infinita bondade nos deu o pernambucano Paulo Freire, a meu ver um dos maiores gênios do pensamento pedagógico contemprâneo. "Ora, se educar é corroborar na construção do sujeito que não é mais visto como imago Dei, mas, como imago Culturalis, perdoe o meu latim, então, precisamos fazer inevitavelmente a seguinte pergunta: Que tipo de homem é esse?"

    Pra Freire a educação surge do clamor do povo, do gemido da senzala, do mal-estar no busão indo para escola, no tédio de um condomio de luxo na zona sul. freire viu que nada mais justo do que educar o homem partindo do próprio homem, partindo de sua história. Desta forma, o brega, o nonsense, o erudito, tudo que é humano está apto e é válido para educar o homem. meu caro torto não se aparte de nosso irmão freire de sua pesquisas. eu o convido para a produção de mais um artigo sobre o temas envolvendo Freire e Bourdieur. Abraços!

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    1. Roosevelt,

      Responde parte a parte de seu texto: acredito que o behaviorismo, apesar de todas as críticas que tem recebido, é um método que não deve ser por todo descartado. Sabemos que infelizmente a prática behaviorista serve para atender as finalidades dos setores dominantes já que serve para obter uma mera submissão, a uma docilidade entre os alunos. No entanto, o que seria da ordem social se não tivessemos códigos para nos relacionar? A gente não se dá conta, mas isso parte para um mecanismo de estimulo/resposta. Somos bichos, e como todos os bichos, somos condicionados e esse condicionamento é válido para a boa convivência social, afinal, como você disse, a ordem é de fundamental importância para planejarmos nossas metas. O problema é quando fazemos desse condicionamento um espaço serviente apenas para o controle social, para a legitimação do poder.

      O se relacionar com o objeto epistêmico é muito importante, já que é de um bom exercício na fase primária do indivíduo que se desenvolve de forma mais potencializada a prática de um exercicio acerca da operacionalidade. Infelizmente os professores de ensino primário, ou seja, os professores responsáveis por essa etapa na vida do sujeito, são desvalorizados pela sociedade e recebem muito pouco pelo seu trabalho, o que os desestimula a fazer um melhor trabalho pedagógico, sem contar que esses mesmos professores também são vitimas da defasagem operacional na sua experiência enquanto criança na escola e terminam reproduzindo para os alunos as suas deficiências motoras.

      Portanto, o caminho ideal seria uma utilização mais humana do behaviorismo que faz com que os condicionamentos não se resumam a meras adaptações, e sim, a uma forma de fazer com que os alunos façam uma leitura crítica do ambiente que o cerca. Para isso, nada melhor do que proporcionar uma relação consciente do indivíduo com o seu meio social, como forma de estimularmos o exrcicio da cidadania entre eles. Para que esse exercício seja de fato alcançável, temos que proporcionar aos alunos um contato com o estranhamento e com a familiaridade das coisas que os cercam em suas experiências cotidianas, como forma deles se pertencerem ao mundo e ao mesmo tempo se distanciarem do mundo, pois isso implica uma relaçao de compreensão e de questionamento do mundo

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  3. Isso a ideia do meu texto foi essa: todas as teorias são validas e aplicáveis. tudo pode ser usado dependendo do momento.

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  4. Vina, realmente é notório o distanciamento no que diz respeito ao ato de entender para transcrever, do interpretar para criar algo. Aquilo que é postulado e dito como normal na sociedade pode não ser o mais apropriado.
    Misturar ainda mais o quebra cabeça, os códigos que se apresentam indecifráveis, para assim, haver a compreensão, quebrando os muros, paradigmas interpostos entre as relações sociais e as posturas pré-estabelecidas pela própria sociedade quanto aos distintos grupos existentes, com certeza seria a forma adequada para os alunos e professores, relação em tela, trocarem valores, e, estes, os alunos, absorverem e porem a tona, aquilo que chamei em meu texto de “Epitáfio Visceral” (Blog Viver Piranhas), o nascimento, ou regurgito, de pensamento, deixando fluir o sentimento das entranhas do eu poético, a memória não efêmera da criação.
    O criar fica cada vez mais difícil quando o professor coloca entre ele e seus discípulos uma barreira crítica e segregadora. Esta passa ser elitista. Afugentando as verdadeiras construções ideológicas e poéticas, assim como, o próprio entendimento sobre o assunto em xeque. O professor deve edificar uma ponte de questionamentos entre ele e os alunos, assim como, pôr-se no cotidiano deles, ou melhor, nos valores existentes vivenciados por eles, trazendo-os, e trocando valores, para o mundo a qual ele, o professor, quer que sobrevoem naquele momento.
    Quem sabe através de uma explosão de idéias, estimuladas pela "ordem do caos literário", consigamos atingir o objetivo, o surgimento de várias SUPERNOVAS de pensamento atuante, não marmorizados.

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    1. Márcio,

      É importante provocar o estranhamento para que os alunos nao se acomodem no discurso dito verdadeiro que é imposto pela sociedade, até mesmo por que o discurso legitimado socialmente muitas vezes serve para atender os discursos dos setores dominantes. Como voce bem mostrou em seu texto acerca da linguagem culta, a gente muitas vezes se submete as verdades de quem tem o prestígio social e nem se dá conta que a comunicação se estabelece também por outras vias que não apenas aos padrões ditos como legitimos na escrita e na oralidade pelo social.

      A arte nonsense ela propicia esse tipo de provocação de mudança de olhar, até mesmo por que ela já provoca um desentendimento do sujeito com tudo aquilo que ele passou a estar habituado e educado a entender como correto. A arte do nonsense quebra com todas as formas de modelos convencionados. Rompe com a ideia de que a forma é o que apenas representa o mundo, na música quebra com a ideia de linearidade melódica e temática, no teatro provoca um discurso que extrapola a logicidade que tanto estamos viciados a vivenciar, trazendo a possibilidade do receptor intervir na trama da história e clama para que esse receptor invada a cena e altere inclusive toda a forma de pensamento inserida no palco.

      É isso: a arte nonsense, por trazer o não-óbvio, ao provocar de imediato o estranhamento e a repulsa, colcoa-nos em uma condição de requestionamento dos modelos, questiona até que limite a verdade é de fato a unica verdade, até que limite dentro caos não se pode existir a ordem, dentre outras indagações.

      Acredito que isso é muito importante enquanto experiência nas salas de aula pois permite aos alunos ao menos de confrontarem com as contradições do conhecimento, atingindo assim, uma mudança de olhar acerca das coisas. Essa mudança de olhar provoca muitas inovações no que diz respeito às ações do sujeito, estimulando o exercício com a cidadania, com a compreensão de que as razões são variáveis e que mudam de circunstÂncia e que por isso mesmo, as verdades são resultantes das necessidades específicas de cada momento histórico, portanto, que as verdades são sujeitas as mudanças e que por isso mesmo, não existem ideologias científicas, estéticas, religiosas que sejam eternamente imutáveis.

      Abraços.

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