quinta-feira, 31 de maio de 2012
MACACADAS
Os homens espantam as borboletas.
Perto deles elas alçam vôo.
Vi uma que quebrou uma asa durante a fuga.
Era pequena a doce borboleta.
E o homem grande.
Ele não a viu e a pisou.
Olha a borboleta aí!
Disse um amigo da criatura andante.
Ele a viu e nem se importou.
O mundo está cheio.
A terra tem de tudo.
E nós somos humanos.
Não fazemos parte disso!
O último enunciado chocou o amigo chimpanzé.
Ele gritava e dava risada sem parar.
Parece que nós homens somos manés!
Nem sabemos o que está debaixo de nossos pés.
quarta-feira, 30 de maio de 2012
Voltando ao Torto
Neste contexto de volta ao Torto ponho-me a refletir brevemente
acerca de seu discurso ao longo destes quase três anos.
De início tínhamos uma ideia tipicamente weberiana com doses
acentuadas de um pessimismo ácido e uma serenidade quase cômoda frente às
aporias em que o homem é colocado no percurso de sua história.
Textualidade estritamente escrita, contingência, apreensão
limitada da realidade, ausência de uma filosofia do sujeito (portanto, tal qual
Weber, afastávamos o cálice da normatividade, acreditando, sim, na convergência
de vontades individuais), cansaço frente aos sistemas teleológicos de
pensamento e congêneres pareciam-me passos homogêneos no caminhar da criança
torta.
Hoje vemos um deslocamento na relação entre os signos; e
talvez isto seja de se comemorar. Era mesmo a proposta do Movimento
movimentar-se. Hoje vemos gotas, que corriam de forma bem mais velada, surgirem
mais ousadas no que diz respeito à influência de Marx, por exemplo,
fundamentando um texto ou outro; a normatividade já se insinua levemente aqui e
ali, novos intercâmbios entre o texto escrito e outros tipos de textos são
muito bem-vindos etc.
Bem, isto é só um esboço, pois a real intenção é reacender o
debate entre os amigos autores e os demais que têm acompanhado a evolução e a
involução torta.
terça-feira, 29 de maio de 2012
O bobo idiotizado e o bobo provocativo na educação
Trabalhar com alunos do ensino médio exige uma criatividade do educador. Ao expor um conteúdo em sala de aula, o docente tem que ter cuidado em não explanar os conceitos de forma muito formalizada. Para que o conteúdo seja bem trabalhado, é necessário que o educador tenha em vista quais os reais interesses do discente, quais os temas que provocam interesse nesse público.
Pois bem: enquanto educador eu tento trazer exemplos para esclarecer os conteúdos expostos em sala de aula de acordo com os temas geralmente problematizados pelos alunos. Falar sobre questões referentes ao sexo, às relações conjugais, além de trazer comparações com comportamentos ditos grotescos como defecar, mijar, trepar, tem provocado a atenção dos alunos.
Contudo, o que venho percebendo é que até o instante em que os temas abordados ficam no que classificamos como bobo, tudo vai bem, mas ao associar esse bobo às questões mais complexas, alguns alunos rapidamente voltam a ficar dispersos. Em outras palavras, os alunos se prendem ao bobo pelo bobo. Ao mostrar a complexidade do bobo, eles se negam a dar continuidade ao debate.
Quero discutir sobre o porquê da necessidade dos alunos optarem em se prender ao bobo pelo bobo negando as análises mais aprofundadas. Para isso, eu acho de grande importância fazer uma breve descrição acerca do que eu entendo como comprometimento, que vou associar ao que chamo de bobo provocativo, e o dês-comprometimento, o que denominarei de bobo idiotizado.
A partir disso, eu quero mostrar o quanto à aplicação da cultura de massa e da cultura de vanguarda são importantes para um re-questionamento acerca dessas definições, possibilitando os alunos perceberem que dentro do bobo idiotizado nós podemos provocar novas indagações, assim como dentro do bobo provocativo também podemos tornar o bobo alienante.
Ao falarmos sobre uma postura comprometida, geralmente temos a idéia de seriedade. Para uma pessoa que age dessa forma, os problemas da realidade tendem a ser sempre vistos como algo condenável. O comprometimento é tudo que seja engajado. O problema é quando levamos a idéia do comprometimento como algo que não abre espaço para o relaxamento, para o lúdico.
A excessiva seriedade das coisas, ao invés de provocar uma proximidade do indivíduo, termina por afastá-lo, pois nem sempre estamos com disponibilidade em encararmos as coisas de forma rígida, seca e calculada. O indivíduo, mesmo sabendo que a realidade é condenável em muitas questões, busca sublimar suas dores ao investir descargas de prazer em muitos momentos de sua vida
Em se tratando de dês-comprometimento, temos a idéia da falta de seriedade com as coisas. Uma pessoa que age de forma descomprometida tende a ser vista como uma pessoa que encara a realidade sempre de forma piadística. O problema do descompromisso é quando levamos o seu sentido meramente para a fuga, ou seja, de escapatória com os reais problemas da existência.
Olhar as coisas apenas de forma descomprometida faz com que o indivíduo se torne esvaziado de projetos capazes de alterar o rumo das coisas. Mesmo que o indivíduo busque substituir suas dores através do prazer, não significa que ele não esteja inserido em um contexto, e que por isso mesmo, tem um papel de grande importância para a realidade na qual está inserido.
Portanto, o fato de sermos comprometidos, não anula a possibilidade de levarmos a vida com mais prazer; assim como o fato de sermos descomprometidos não anula a possibilidade de levarmos a vida com maior seriedade. É por isso que eu acho que somos capazes de encontrar seriedades no “não-sério”, assim como podemos ser brincantes em nosso compromisso com a vida.
Como podemos detectar isso na cultura de massa e na vanguarda? Como os alunos e os docentes lidam com o bobo idiotizado e com o bobo provocativo? Como os educadores e os alunos têm se relacionado com a cultura de massa e com a vanguarda? Será que o trânsito entre o engajado e o lúdico tem sido trabalhado pelos alunos e pelos docentes? É o que vamos discutir a partir de agora.
A vanguarda, por trazer todo um projeto político de conscientização, tem a capacidade de brincar com a rigidez da realidade. O importante é provocar o olhar, é chamar atenção acerca das contingências que pairam em nosso dia a dia. Devido a isso ela tende a inverter as relações de valores classificatórios, provocando rupturas nos modelos tradicionalmente estabelecidos.
Com isso, a vanguarda tende a trazer em seus discursos a ironia, a piada, o pastiche, a paródia. Contudo, essa brincadeira tem uma finalidade: questionar a mediocridade de tudo aquilo que a sociedade concebe como verdade. A partir do patético, a vanguarda busca revelar o contraditório. Em outras palavras, o que a vanguarda quer é manifestar o bobo de forma provocativa.
Diferente da vanguarda, a cultura de massa não é definida como uma manifestação preocupada com um projeto político de conscientização. Com a finalidade de obter lucros e de não perder um público-consumidor cativo, a cultura de massa não tem o objetivo de provocar rupturas no sistema. Ao contrário. O que a cultura de massa busca é insistir na repetição de modelos morais.
A cultura de massa quando traz a ironia e a piada, não traz com o intuito de provocar um re-questionamento sobre a farsa das verdades, mas sim para manter o receptor em seu lugar. A paródia da cultura de massa, antes de desestabilizar os valores oficiais, serve para a evasão e para o mero entretenimento. É por isso que o bobo no discurso massivo se reduz ao bobo idiotizado.
Pelo fato dos alunos culturalmente viverem em meio ao modelo de cultura massiva, essa necessidade de se prender ao bobo idiotizado se faz bastante evidente. Como dito no inicio, ao se falar acerca do bobo pastelão em sala de aula, nós conseguimos a atenção do aluno, mas ao mostrarmos a relação desse bobo com problemáticas geradas pelos conteúdos expostos, novamente sentimos a dispersão.
Por outro lado, quando o educador traz a vanguarda para as salas de aula, ele tende a fazer dela uma verdade absoluta, recheada de obscurantismos, prolixidades e afirmações classistas. Quanto à cultura de massa, mesmo sabendo que eles não estando livres dela, insistem em trazer classificações pejorativas como mau gosto, lixo cultural, público alienado, cultura descartável, etc.
Resultado: nem os alunos fogem da leitura simplista dos modelos da cultura massiva,uma vez que o educador, ao invés de trazê-la de forma crítica, simplifica essa cultura de forma elitista e distanciada; nem estimulam os alunos a brincarem de se confrontar com os discursos da vanguarda por torná-la um mero enfeite descontextualizado da realidade do discente.
Dessa forma, tanto a cultura de massa se reduz a um discurso alienante, visto que a rejeição pela rejeição não faz com que o aluno faça uma leitura critica dela; assim como a vanguarda se torna uma manifestação alienante também pelo fato dos discentes não se verem capazes de interpretá-la por serem apresentados a ela de forma distanciada e alheia às suas reais necessidades.
Cabe ao educador propor um trânsito entre esses dois universos estéticos. Só havendo um reconhecimento e um exercício de se encarar essas duas manifestações sem segregações e sem elitismos, é que os alunos passarão a perceber que o bobo idiotizado da cultura de massa pode ser visto de forma provocativa, e que a aparente "loucura" da vanguarda respira lucidez.
Como podemos perceber, o comprometimento da vanguarda quando passa a ser posto de forma rígida, série e douta, tende a ser descomprometida por não ser capaz de provocar nenhum projeto útil que parta da ação dos alunos. Se a cultura de massa passa a ser questionada e relida, o seu descompromisso pode se revelar de forma comprometida com o mundo.
Por isso su contra a essas classificações que separam o que pode ser útil do que não pode ter utilidade alguma. Muitas vezes o dito discurso crítico pode se tornar alienante, assim como o discurso "não-crítico" pode ser emancipatório. Tudo isso depende da forma como os olhares passam a ser exercitados ao se depararem com certos tipos de discursos.
Para que o bobo idiotizado não se acomode na casa da intelectualização; nem que o bobo provocativo repudie a idéia de explorar a casa da alienação, é necessário que o educador faça um diálogo entre eles. Para isso, deve se deixar de lado a arrogância estética, como também o simplismo discursivo acerca da cultura de massa. Só assim a idiotização será provocativa.
( TEXTO POSTADO NO DIA 27 DE MAIO NO BLOG: www.pensandoaeducacao10.blogspot.com )
Pois bem: enquanto educador eu tento trazer exemplos para esclarecer os conteúdos expostos em sala de aula de acordo com os temas geralmente problematizados pelos alunos. Falar sobre questões referentes ao sexo, às relações conjugais, além de trazer comparações com comportamentos ditos grotescos como defecar, mijar, trepar, tem provocado a atenção dos alunos.
Contudo, o que venho percebendo é que até o instante em que os temas abordados ficam no que classificamos como bobo, tudo vai bem, mas ao associar esse bobo às questões mais complexas, alguns alunos rapidamente voltam a ficar dispersos. Em outras palavras, os alunos se prendem ao bobo pelo bobo. Ao mostrar a complexidade do bobo, eles se negam a dar continuidade ao debate.
Quero discutir sobre o porquê da necessidade dos alunos optarem em se prender ao bobo pelo bobo negando as análises mais aprofundadas. Para isso, eu acho de grande importância fazer uma breve descrição acerca do que eu entendo como comprometimento, que vou associar ao que chamo de bobo provocativo, e o dês-comprometimento, o que denominarei de bobo idiotizado.
A partir disso, eu quero mostrar o quanto à aplicação da cultura de massa e da cultura de vanguarda são importantes para um re-questionamento acerca dessas definições, possibilitando os alunos perceberem que dentro do bobo idiotizado nós podemos provocar novas indagações, assim como dentro do bobo provocativo também podemos tornar o bobo alienante.
Ao falarmos sobre uma postura comprometida, geralmente temos a idéia de seriedade. Para uma pessoa que age dessa forma, os problemas da realidade tendem a ser sempre vistos como algo condenável. O comprometimento é tudo que seja engajado. O problema é quando levamos a idéia do comprometimento como algo que não abre espaço para o relaxamento, para o lúdico.
A excessiva seriedade das coisas, ao invés de provocar uma proximidade do indivíduo, termina por afastá-lo, pois nem sempre estamos com disponibilidade em encararmos as coisas de forma rígida, seca e calculada. O indivíduo, mesmo sabendo que a realidade é condenável em muitas questões, busca sublimar suas dores ao investir descargas de prazer em muitos momentos de sua vida
Em se tratando de dês-comprometimento, temos a idéia da falta de seriedade com as coisas. Uma pessoa que age de forma descomprometida tende a ser vista como uma pessoa que encara a realidade sempre de forma piadística. O problema do descompromisso é quando levamos o seu sentido meramente para a fuga, ou seja, de escapatória com os reais problemas da existência.
Olhar as coisas apenas de forma descomprometida faz com que o indivíduo se torne esvaziado de projetos capazes de alterar o rumo das coisas. Mesmo que o indivíduo busque substituir suas dores através do prazer, não significa que ele não esteja inserido em um contexto, e que por isso mesmo, tem um papel de grande importância para a realidade na qual está inserido.
Portanto, o fato de sermos comprometidos, não anula a possibilidade de levarmos a vida com mais prazer; assim como o fato de sermos descomprometidos não anula a possibilidade de levarmos a vida com maior seriedade. É por isso que eu acho que somos capazes de encontrar seriedades no “não-sério”, assim como podemos ser brincantes em nosso compromisso com a vida.
Como podemos detectar isso na cultura de massa e na vanguarda? Como os alunos e os docentes lidam com o bobo idiotizado e com o bobo provocativo? Como os educadores e os alunos têm se relacionado com a cultura de massa e com a vanguarda? Será que o trânsito entre o engajado e o lúdico tem sido trabalhado pelos alunos e pelos docentes? É o que vamos discutir a partir de agora.
A vanguarda, por trazer todo um projeto político de conscientização, tem a capacidade de brincar com a rigidez da realidade. O importante é provocar o olhar, é chamar atenção acerca das contingências que pairam em nosso dia a dia. Devido a isso ela tende a inverter as relações de valores classificatórios, provocando rupturas nos modelos tradicionalmente estabelecidos.
Com isso, a vanguarda tende a trazer em seus discursos a ironia, a piada, o pastiche, a paródia. Contudo, essa brincadeira tem uma finalidade: questionar a mediocridade de tudo aquilo que a sociedade concebe como verdade. A partir do patético, a vanguarda busca revelar o contraditório. Em outras palavras, o que a vanguarda quer é manifestar o bobo de forma provocativa.
Diferente da vanguarda, a cultura de massa não é definida como uma manifestação preocupada com um projeto político de conscientização. Com a finalidade de obter lucros e de não perder um público-consumidor cativo, a cultura de massa não tem o objetivo de provocar rupturas no sistema. Ao contrário. O que a cultura de massa busca é insistir na repetição de modelos morais.
A cultura de massa quando traz a ironia e a piada, não traz com o intuito de provocar um re-questionamento sobre a farsa das verdades, mas sim para manter o receptor em seu lugar. A paródia da cultura de massa, antes de desestabilizar os valores oficiais, serve para a evasão e para o mero entretenimento. É por isso que o bobo no discurso massivo se reduz ao bobo idiotizado.
Pelo fato dos alunos culturalmente viverem em meio ao modelo de cultura massiva, essa necessidade de se prender ao bobo idiotizado se faz bastante evidente. Como dito no inicio, ao se falar acerca do bobo pastelão em sala de aula, nós conseguimos a atenção do aluno, mas ao mostrarmos a relação desse bobo com problemáticas geradas pelos conteúdos expostos, novamente sentimos a dispersão.
Por outro lado, quando o educador traz a vanguarda para as salas de aula, ele tende a fazer dela uma verdade absoluta, recheada de obscurantismos, prolixidades e afirmações classistas. Quanto à cultura de massa, mesmo sabendo que eles não estando livres dela, insistem em trazer classificações pejorativas como mau gosto, lixo cultural, público alienado, cultura descartável, etc.
Resultado: nem os alunos fogem da leitura simplista dos modelos da cultura massiva,uma vez que o educador, ao invés de trazê-la de forma crítica, simplifica essa cultura de forma elitista e distanciada; nem estimulam os alunos a brincarem de se confrontar com os discursos da vanguarda por torná-la um mero enfeite descontextualizado da realidade do discente.
Dessa forma, tanto a cultura de massa se reduz a um discurso alienante, visto que a rejeição pela rejeição não faz com que o aluno faça uma leitura critica dela; assim como a vanguarda se torna uma manifestação alienante também pelo fato dos discentes não se verem capazes de interpretá-la por serem apresentados a ela de forma distanciada e alheia às suas reais necessidades.
Cabe ao educador propor um trânsito entre esses dois universos estéticos. Só havendo um reconhecimento e um exercício de se encarar essas duas manifestações sem segregações e sem elitismos, é que os alunos passarão a perceber que o bobo idiotizado da cultura de massa pode ser visto de forma provocativa, e que a aparente "loucura" da vanguarda respira lucidez.
Como podemos perceber, o comprometimento da vanguarda quando passa a ser posto de forma rígida, série e douta, tende a ser descomprometida por não ser capaz de provocar nenhum projeto útil que parta da ação dos alunos. Se a cultura de massa passa a ser questionada e relida, o seu descompromisso pode se revelar de forma comprometida com o mundo.
Por isso su contra a essas classificações que separam o que pode ser útil do que não pode ter utilidade alguma. Muitas vezes o dito discurso crítico pode se tornar alienante, assim como o discurso "não-crítico" pode ser emancipatório. Tudo isso depende da forma como os olhares passam a ser exercitados ao se depararem com certos tipos de discursos.
Para que o bobo idiotizado não se acomode na casa da intelectualização; nem que o bobo provocativo repudie a idéia de explorar a casa da alienação, é necessário que o educador faça um diálogo entre eles. Para isso, deve se deixar de lado a arrogância estética, como também o simplismo discursivo acerca da cultura de massa. Só assim a idiotização será provocativa.
( TEXTO POSTADO NO DIA 27 DE MAIO NO BLOG: www.pensandoaeducacao10.blogspot.com )
segunda-feira, 28 de maio de 2012
quinta-feira, 24 de maio de 2012
DELÍRIOS
“Ainda, bem que ele acordou melhor humorado. Eu já estava farta de tanta risada! Eu não suporto quando ele está com os amigos. Fica falador, fica rico, fica até gastador! Na verdade, eu não sei o que passa pela minha cabeça em viver com esse homem. Homem nojento! Um calor desses, e só toma um banho por dia! E o pior, ganha muito mal”.
Amanheceu nublado em Tobias Barreto. O povo não via o sol. O calor abafado era intenso. As nuvens eram cinza escuro. A qualquer momento a trovoada chegaria. Na Avenida 7 de junho, o movimento era normal. Alguns iam, outros vinham, alguns paravam em algum lugar para fazer alguma coisa. O carro de som anunciava a morte de Ana ou Donana como os filhos gostavam de chamá-la. Donana era uma mulher de fibra. Criou os dois filhos com muito esmero. Clodoaldo fez o curso no SENAC e virou barbeiro. O rapaz melhorou de vida. Antes era ajudante de pedreiro junto com seu irmão, Marcio, que hoje é pedreiro “colher cheia”, um homem da construção, um mestre. Donana morreu de enfarto ontem à noite. Depois da novela ela tomou um susto com o miado de um gato no telhado de sua velha casa no Padre Pedro. Seu marido Francisco estava dormindo na poltrona ao lado do sofá.
O enterro de Donana foi muito movimentado. Veio gente da roça, na maioria parentes da finada. Francisco acompanhou sua mulher o tempo inteiro. Todos sabiam, e isso era certo, que Francisco era um homem fiel. Um homem de casa.
- Francisco, meu amigo, Deus te conforte!
- Obrigado compadre! Deus lhe pague a caridade! Francisco desceu com seus dois filhos e parentes em direção a sua casa no conjunto Padre Pedro. A família ficou conversando um pouco sobre o ocorrido na pequena sala da casa do casal antes de ir deitar.
- Francisco, quem diria que a comadre tinha o coração fraco?
- Num é comadre! Donana sempre foi forte e batalhadora, não imaginava que ia ser tão ligeiro.
- Pois, num foi homem! As pessoas ficaram um bom tempo com a morte de Donana na cabeça. O povo quando sabe a causa da morte se aquieta e entrega nas mãos de Deus.
- Deus a tenha em um bom lugar! Disse o velho Almerindo do Candial.
Depois da morte de sua mulher, Francisco nunca mais dormiu uma noite inteira. Acontecia uma coisa ou outra, e o homem estava em pé alta madrugada. Às vezes, ele conversava, por horas, com ele mesmo. Ninguém via, pois, o homem, passou a morar só. Sua idade não era tão avançada, contudo, 57 anos de luta o deixou um pouco quebrado.
- Francisco o que foi aquilo ontem a noite rapaz? A luz acessa a noite inteira, e você com o chinelo para lá e para cá pela casa inteira.
- Rapaz, depois que a mulher morreu, eu fiquei assim. Ou custo a dormir, ou acordo no meio da noite.
- Compadre, isso é depressão pós-óbito! Eu vi isso no Jornal! Procure um médico!
- Que nada, Reginaldo! Logo passa! Um ano inteiro passou e o problema de Francisco não via melhora. Agora, o homem não dormia mais. O povo já estava sabendo.
- Seu Francisco! Melhorou?
- Não!
- Rapaz, dizem que tem um pastor que reza, e o povo cai.
- Rapaz, eu num estou com coisa ruim, não!
- Eu sei rapaz! Mas, o homem é de fé! Francisco combinou com Reginaldo para ir a Igreja do Cristo Eterno. Não demorou a chegar o sábado. Segundo Reginaldo, no dia de sábado, eles chamavam o Espírito Santo, era, então, dia de Libertação.
O endereço da Igreja era na Avenida Getúlio Vargas. Um salão bem grande ao lado de uma renovadora de pneus. O lugar estava cheio de gente. Tinha gente de todo tipo, com doenças várias. Uma senhora, de meia idade, trazia um pássaro na gaiola para o pastor orar, segundo ela, Deus cura até os bichos.
- Eu num sei, mas, creio em Deus primeiramente, depois, no pastor, que está um pouco abaixo dele. Mas, Pastor Silvio é uma benção! Isso encheu a alma de Francisco.
A hora da oração poderosa havia chegado. Foram cantados três hinos de louvor. O dirigente anuncia a prece divina. O pastor Silvio se levanta. Todos olham para o homem. Seu terno era de boa qualidade e combinava muito bem com seu sapato preto de couro falso. O homem pregou trinta minutos antes de orar. Depois da oração ele perguntou quem havia sido curado. Francisco pensou consigo que só saberia mais tarde à noite. O homem chamou um auxiliar e disse: “Moço, eu só sei se fui curado a noite”. O auxiliar ao ouvir Francisco deu glória a Deus e puxou o homem para frente onde estava o púlpito. “Esse homem foi curado pela fé!” A multidão entrou em êxtase, a gritaria chamou a atenção de quem passava. Outras pessoas se declaram curadas. No outro dia Reginaldo vai a casa de Francisco.
- Tá melhor Francisco?
- Rapaz, com fé em Deus, sim!
- É assim mesmo. A razão diz que não, a fé diz que sim. E, aí, se a fé vencer! Venceu! Glória a Deus! Francisco voltou a dormir. Uma mulher da feira, uma senhora morena do Candial, amiga de Almerindo, primo de Francisco, ensinou ao viúvo o chá da folha do maracujá. O homem tomou; foi tiro e queda! “Rapaz, depois que Deus me mostrou dona Coisinha, eu durmo toda noite!” “É, meu irmão, Deus responde as orações de três maneiras: Não quero, mais tarde, ou de outro jeito”. “Como é o nome da mulher mesmo?” “Coisinha do Candial”. A igreja ficou muito alegre com a cura do homem.
- Irmã Francisco!
- Sim!
- Vai para a Igreja hoje?
- Num perco por coisa alguma! Minha igreja é sagrada! Francisco virou crente da igreja do Cristo Eterno. Com sua conversão outras pessoas se tornaram crentes também.
Um homem de 58 anos, viúvo, na Igreja não daria outra coisa. Muitas irmãs velhas que nunca casaram, e outras separadas começaram a cobiçar o pobre Francisco.
- Mulher, ele é branquinho mais num faz diferença não!
- Ave! Eu sei mulher! Mas, é que dizem que homem branco daquela idade já tá meio bichado.
- Mulher, Francisco é homem de bem. Se ele num funcionar mais, e daí? O que conta é que é um servo de Deus! Foi até curado!
- Sei não! Ademais é quebrado, vive dos projetos sociais do Governo. As duas conversaram até perto da Igreja na Av. Getúlio Vargas. Quando entraram se calaram para ouvir o pastor pregar.
“A igreja está sentido a necessidade de mais um diácono; acho que o Senhor quer Francisco”. As pessoas olhavam uma para a outra e não entendiam o que estava acontecendo. Francisco, um diácono da Igreja do Cristo Eterno?
- É o pastor não olha se a pessoa é rica ou não.
- É verdade Carlos, nosso pastor é um homem simples. Graças a Deus pela vida de Silvio
Francisco se tornou diácono e a igreja comprou um carro velho, usado, não tão velho, bonzinho, com o dinheiro que Francisco doara da venda do terreno na Capoeira que O Senhor mandou: “Meu servo, a igreja precisa evangelizar; a pé num dá”. Agora o coitado só tinha os dois filhos. O barbeiro e o pedreiro.
- Reginaldo! Deus sabe o que faz. Colocou no meu coração doar venda do terreno, mas, tenho meus filhos, no caso, que precise me amparar.
- Pois, num é homem de Deus! Rapaz, Deus tá agindo em tua vida de forma maravilhosa. Primeiro te curou. Depois te fez diácono, e agora colaborador de missões. Num sei não, mas, você foi escolhido.
- Eu estou achando. Disse Francisco com muita alegria no coração.
Os meses passaram. Finalmente, Francisco se casou. Raimunda era uma baixinha que tinha uma lojinha na Avenida Sete. Ela vendia artigos de decoração. Francisco subiu de vida. Agora andava de carro. Raimunda se confortou do celibato de vinte anos. O casal era aparentemente muito feliz. Os dois frequentavam a Igreja do Cristo Eterno todos os cultos, não faltavam um dia. Francisco chegava e sentava à porta pelo lado de dentro do templo. Seu trabalho era atender quem chegasse. Seus dois filhos, Clodoaldo e Marcio se converteram. Reginaldo um dia disse para Francisco: “Quem crê verá a Glória de Deus!” A alegria tomou conta de todos. Num se falava noutra coisa em Tobias.
- O negócio agora é ir para a igreja de crente num instante você se ajeita na vida!
- Num é rapaz! Num foi o que Francisco fez! Macaco velho!
- Que nada rapaz! No caso de Francisco é diferente. O cara é abestalhado mal sabe falar.
Dona Raimunda assistia à novela das oito quando ouviu um miado forte no telhado. Ela se assustou e deu um ataque. A levaram para o hospital. Seu coração batia muito fraco. A mulher ficou em Aracaju internada dois dias. A pobre não resistiu às sequelas do infarto e morreu. Francisco esteve ao lado de sua mulher o tempo inteiro. Era como se fosse um servo devoto.
“Ainda bem que ele acordou bem humorado hoje. Ele me faz de burra o tempo todo. Esse homem é um cretino e ninguém vê. Agora tá rico. Cabra safado! Eu vou me vingar de você Francisco!”
Estas foram as palavras que Francisco ouviu em seu estado de sonolência antes de se levantar da cama. A cidade estava estarrecida com o sofrimento de seu filho amado. O segundo casamento, uma tragédia, mais um infarto sem misericórdia. Os negócios de Raimunda iam de vento em popa. Dona Canário, mulher de Marcio, filho de Francisco foi ajudar o pobre homem a levar a loja adiante. A família unida era um exemplo para a igreja. Pastor Silvio foi chamado para Aracaju. A Igreja do Cristo Eterno em Tobias estava sem pastor.
- Por que ninguém bota Francisco para ser pastor?
- O homem não sabe dizer nada.
- Mas, a vida é que conta!
- É, mas, é preciso conhecimento também.
- Sei não, esses pastores de teologia, sei não!
Francisco se tornou pastor da Igreja do Cristo Eterno. Seus dois filhos diáconos. Suas noras diaconisas. A igreja tinha muito respeito por Francisco. “Vamos orar para Deus dar a Francisco uma mulher santa, uma mulher de Deus!” No mesmo ano, agora Francisco com 61, conhece e se casa com uma jovem de 38. Isso provocou falatório no meio do povo. Os homens entendiam mais, as mulheres entendiam menos. “Mulher, Francisco tá enganado! Dores num é mulher para ele não! Aquela ali antes de ser crente traçou os homens da cidade toda. Ali é uma cabra desgovernada! O pobre Francisco vai ser corno!” “Mulher Deus o guarde!” Altamira sempre apelava para a força suprema. Dores poderia ser desgovernada, mas, era bonita e rica; e Francisco, velho e feio, pobre não era mais. A vida dos dois continuou, a igreja cresceu, o povo parou de falar. Os filhos e noras de Francisco se fizeram na vida. Cada um tinha seu negócio. Francisco tinha casas, terrenos, e roças. Dava para a igreja, e dela recebia.
“Sabe mulher! Esse homem ainda vai fazer mais arte. Cala boca sua peste que você se deitou com ele. Eu gostava dele. Mas, você não!”
Mais uma manhã de sol na velha Vila de Campos. A cidade estava eriçada com a aproximação das festas juninas – o Forrotobias. Este é um evento que atrai pessoas de todo o estado para a cidade. Dá muito lucro para os comerciantes locais e alegria para as pessoas em geral. Muitos rostos, muitas conversas em becos e lojas. A cidade fervia como um caldeirão de dendê. Um carro para defronte a delegacia regional. Era um Fiat uno cor branca. Nele estavam o agente da Silva e o investigador Damasceno.
- Bom dia doutor!
- Bom dia Damasceno! A investigação em Aracaju está evoluindo?
- Sim, positivo. Temos argumentos para acusarmos Francisco de homicídio. Todavia, não temos como ligar as evidências a ele, e isso dificulta tudo.
- Mas como farão isso?
- O agente Da Silva tem um plano. O rapaz coçou a garganta três ou quatro vezes antes de falar. Tremia o tempo inteiro. O delegado Antunes estava quase pedindo para Damasceno explicar no lugar dele.
- Como disse doutor eu vou me infiltrar na instituição a fim de me aproximar de seu líder e ter acesso a sua casa. Não podemos fazer com mandato porque ele goza de total confiança da população e o mandato não teria procedência.
- Entendo! Os dois saíram e foram tomar café numa pequena lanchonete na Praça do Cruzeiro.
A investigação em Aracaju levantava a suspeita que as duas mulheres haviam sido assassinadas. Ambas carregavam elevados níveis de potássio no sangue. A suspeita é que as mulheres receberam injeções de alguma substância contendo esse sal que provoca infarto fulminante. Mas não havia nada material que relacionasse isso a Francisco, no entanto, a pessoa mais próxima às vítimas era Francisco. Se elas receberam alguma coisa, Francisco seria a testemunha. Os homens da lei fizeram perguntas e investigaram a vida do Pastor. Mas nada foi encontrado. Nem o rapaz que se infiltrou na igreja descobriu nada. Ele apenas juntou provas que Francisco se beneficiou nos dois casamentos. A justiça se deu por satisfeita. O falatório cessou.
- Tá vendo rapaz, como o homem era inocente. Só serviu para o povo gostar ainda mais de Francisco. Coitado, perdeu as mulheres e ainda levou nome ruim.
- Rapaz, num foi.
- Foi.
Reginaldo nunca largava seu amigo e irmão na fé. Uma noite ele foi vê-lo.
- Rapaz, graças a Deus que tudo ficou esclarecido. Há males que vem para o bem. Mais uma vez eu digo para o amigo, Deus tem uma obra muito grande em sua vida. Francisco baixou a cabeça e a balançou como se dissesse eu não sei.
- Amigo; essa vida de evangélico é muito complicada. Acho que vou ficar no meu cantinho. Estou quase com setenta. Entrego a igreja para os filhos e fico visitando no fim de semana.
- Num diga uma coisa dessa não que Deus lhe castiga! Disse Reginaldo com muita sinceridade.
- Rapaz; é porque você não está no meu lugar. Igreja é coisa pesada. Francisco estava mesmo querendo se afastar do púlpito, ou seja, do olhar do povo. Queria viver sua viuvez com sua nova esposa Dores mais a vontade. Era assim que ele dizia: “Minha viuvez com Dores”.
“Mulher! Ele se sente no direito de descansar! Veja que cara de pau! Você nunca desconfiou?” “Não! Mas uma vez eu percebi que ele estava aplicando algo em mim de noite. Era uma pontada muito fina. Isso por dias. Mas eu não conseguia reagir. Estava muito mole”.
Francisco nunca deixou de ouvir os sussurros no ar. Ele sentia em seu sistema nervoso que havia pessoas o acompanhando o tempo inteiro. Ele não sabia quem eram as pessoas, mas, desconfiava. Muitas vezes, ele procurou ajuda na psiquiatria. O diagnóstico era o mesmo: Ele tinha delírios psicóticos pelo uso prolongado de remédios controlados. Por causa disso, ele não dava muita atenção às vozes baixas. Inúmeras foram as noites que ele foi ao portão atender alguém e ninguém estava lá, a voz e o barulho, lá fora, não era ninguém. Ele se acostumou com as coisas. Dona Coisinha do Candial fechou o corpo do crente no início de sua fé. Na verdade, Francisco nunca se afastara de Coisinha. Isso era muito curioso, mas, ninguém sabia. Dores sua mulher não viveu com seu marido. O homem não dava no couro, como dizem. A sonolência e o cansaço tiraram o vigor de Francisco.
- Dores! Faça uma gemada!
- Pra que Francisco?
- Rapaz eu acho que hoje tem festa. Se Deus quiser!
- Dores fez uma gemada forte de ovo de galinha de capoeira e trouxe para seu marido.
- Francisco bebeu a gemada e aguardou o resultado. Por volta das onze horas, sua mulher o pega cochilando na preguiçosa da área da frente. Sua revolta foi tanta que ela foi embora e nunca mais voltou. Dores viu Francisco a última vez no Fórum, no dia em que foram assinar o divórcio.
- Coitado de Francisco! Eu num disse que ele é abestalhado!
- Abestalhado sortudo!
- E corno também. Eu tenho prova que Dores saía com Claudinho do lava jato!
- Deixa de estória rapaz! O homem é de bem!
Marcio ficou no lugar do pai. A igreja sempre dizia quando Marcio era chamado para pregar: “Quem vai pregar hoje é Marcio, é? Então o Senhor vai derramar fogo!” Quando Marcio recebeu do pai a Igreja, o povo disse que Deus apareceu a irmã Cleonice. “Eu vi, irmã, quando aquele homem de branco deu o cajado para Marcio”. Francisco, agora com 66 anos, muito tranquilo, foi morar numa roça depois da Bela Vista. Um terreno bom de tudo. Nascia todo tipo de verdura. A vizinhança era gente boa, todo mundo gostava de Francisco. Nos finais de semana ele vinha a Tobias para ver a família e visitar a igreja. O povo seguia sua religião com muita fé em Deus.
- Francisco, vida de rei agora. Na rocinha, muita paz, e no final de semana com Deus. A gente não pode se afastar dos caminhos do Senhor.
- Não Reginaldo, isso nem pensar. Mas, agora recomeço minha vida e estou velho. Deixa a nova geração fazer, e eu dou o suporte.
Na verdade os anos que seguiram foram assim mesmo. A igreja continuou na Getúlio Vargas. Ela crescia, e a família de Francisco melhorava. Até chegou a criar filiais, uma no Conjunto Irmã Dulce, e outra no Padre Pedro; esta última era a predileta de Francisco. “Onde abundou o pecado superabundou a graça”. A coisa só não virou um paraíso porque as vozes estavam aumentando. Em vez de uma vez por dia, agora era uma vez a cada duas horas, intercalado com presenças, e sustos noturnos. Francisco dormia muito pouco a noite. Durante o dia, ele dormia e comia.
- O irmão Francisco está precisando de uma companheira. Disse Marivalda. Uma viúva de um vereador. A mulher tinha muito dinheiro. Comenta o povo que, em Aracaju, ela tinha dois apartamentos, e um, em Salvador. Em Tobias ela tinha uma vila de casas para aluguel. O marido se foi e ela ficou com tudo. A pobre nunca tivera filhos. Seu útero era infantil. Fez de tudo. Até macumba, e não teve sucesso.
- Também acho! Falou com muita convicção dona Rosinha proprietária da Casa das Sucatas – onde você compra tudo abaixo do preço. A mulher encheu a boca de água quando tocou no nome de Francisco.
O velho Francisco escolheu Marivalda. Com o casamento ele voltou para a sede do município, mas, não se metia no trabalho do filho pastor. A igreja era uma coisa, Francisco era outra. Os anos se abreviaram, parecia que o tempo criara asas e saiu voando. A igreja cresceu e mudou de endereço – uma divina revelação alertou a Marcio que cada vez mais perto do Suti melhor. Construíram um templo enorme ali. Os pobres se afastaram por falta de transporte, contudo, Marcio nada percebeu, pois, hoje em dia, em igreja grande, todo mundo tem carro.
A novela das oito começa às nove, às vezes depois das nove. Tobias estava coberto de neblina, era final do mês de julho. Marivalda coberta com panos grossos estava no sofá da sala. A morena de olhos claros e feições afiladas sentia muito frio; principalmente, nos pés. Por volta das dez horas, um gato mia forte no telhado da casa. Embora a casa fosse forrada o miado assustou a viúva, e a mulher passou mal. Segundo ela, o coração parecia que ia sair pela boca. Suas têmperas latejavam fortemente, seus olhos pareciam pular das órbitas, o sangue queria esguichar das artérias dos braços, das pernas e do pescoço.
- Corre, corre que a mulher está morrendo!
- Francisco e os filhos levaram a mulher para a Casa de Caridade. Em pouco tempo, o povo comentava nas calçadas.
- Mulher! Que homem azarado é esse? Eu num caso com ele de jeito nenhum! Todo mundo morre!
- É assim Cremilda. Os caminhos do Senhor parecem tortos, mas, no final é tudo para a glória Dele.
“O safado aprontou de novo Raimunda! É Donana! Está na hora de dar um basta nisso!”
Marivalda morreu na madrugada de terça feira, no mesmo dia que a finada Donana bateu as botas. Seu enterro foi rápido porque o corpo cheirou mal cedo. O caixão fechado irritou amigos e parentes que queriam dizer adeus a “Mari”- como a pobre era conhecida. No velório e enterro uma presença estranha engrossava a massa humana que tinha ido se despedir da finada. Era o investigador Damasceno. O homem observava todos os movimentos de Francisco, suas expressões faciais, suas palavras, etc. Tudo era rigorosamente anotado. As perguntas eram feitas sem levantar suspeitas. Pouquíssimas pessoas em Tobias sabiam da investigação.
- Vossa excelência estranhou, então?
- Sim, investigador Damasceno.
- O Ministério Público deseja respostas coerentes. Assim não dá! Todas morrem enfartadas e com a pressão artéria lá em cima? Não dá! Estamos falando de gente rica que tem plano de saúde.
- Sim, e Francisco sempre termina como herdeiro de tudo. O homem era pobre que nem Jó, e hoje é rico? O negócio dele é casamento seguido de óbito, será? Questionou Damasceno.
- Seu Promotor, posso entrar na propriedade dele no Candial? Continuou o investigador.
- Por quê?
- Tenho a intuição que ele guarda alguma coisa lá.
- O que?
- Agulhas especiais. Elas podem injetar substâncias e a marca é quase microscópica.
- Rapaz, o homem seria capaz disso? Ele num é abestalhado, analfabeto? Perguntou o Promotor Alex.
- Todo mundo é capaz de qualquer coisa. Filosofou o investigador.
- Vá! Mas, não me envolva, pois, estamos fora da lei, não há mandato!
Para não chamar a atenção da Silva e damasceno vestiram roupas semelhantes a dos nativos da terra. O chapéu de palha os protegia do sol da Bahia e cobria suas feições de gente da capital. Com certa dificuldade, sem serem vistos, entraram na propriedade pela cerca dos fundos. Passaram lá mais de uma hora. A casa foi toda revirada. Os dois agentes da lei nada acharam. Da Silva viu os coqueiros de Francisco. Todos estavam carregados. Os cocos pareciam bons. O desejo de beber água de coco os levou para o coqueiral do sítio. Seu tamanho não era grande uns cinquenta metros de cumprimento por trinta de largura. A areia branca, fofa e fria alimentava aquela beleza de saúde e vida e que matava naquele instante a sede dos homens sedentos.
- Da Silva vem aqui!
- Aqui a terra é branca, e aqui ela é amarela. Vamos cavar só pra ver se a gente tem sorte? Os homens levaram mais vinte minutos cavando o chão do Candial. No final do serviço, a terra era preta. De dentro do buraco tiraram um baú de madeira de uns quarenta centímetros de frente e trinta de largura. O móvel estava enrolado em lona e saco plástico para não molhar. Um cadeado lhe garantia a segurança.
- Rapaz, quem diria que o crente tem segredo! Exclamou Damasceno com ar ofegante. A barriga do policial não permitia mais tanto esforço.
- Pois, num é colega! Vamos abrir! A chave universal provocou um clique no cadeado que saltou longe das mãos de Da Silva. Dentro do baú havia papéis velhos, quase todos amarelados, fotos antigas, seringas hospitalares, um capuz preto com uma figura em relevo, a figura parecia um garfo torto, e uma caixa de agulhas de costura e outra de alfinetes. Os dois levaram o conteúdo do baú para dentro da casa para periciá-los.
Os papéis eram cartas endereçadas a uma pessoa que morava em Aracaju. A residência ficava no bairro Bugio. O conteúdo das mesmas era relatos de problemas e pedidos de ajuda. Uma das cartas dizia: “Meu marido bate em mim todas as vezes que bebe; mostra a rapariga para todo mundo no bairro; e agora deu para pegar dinheiro. Por favor, faça alguma coisa. Esse é o número de meu telefone”. Em outra carta a mesma diz: “O safado bateu as botas terça à noite; quase que os olhos caíam no chão; o cheque estará na sua conta amanhã”. Cartas como essas e outras enchiam o fundo escuro do baú centenário. “Mas para que serviam aquelas seringas?” “E as agulhas?” “O capuz?”Fotos foram tiradas e feito um relatório para a promotoria. Alex, o jovem novo promotor de Tobias após lê-lo chama os dois detetives.
- Quer dizer que vocês dois me envolvem em um arrombamento de propriedade e o que temos é isso?
- O exame cadavérico atesta que as mulheres sofreram perfurações na epiderme. Elas eram tão pequenas que não foram levadas a sério.
- Mas, isso nos liga a Francisco?
- Sim e não! Precisamos de um mandato para levar o conteúdo da caixa para a polícia científica.
- Mas como eu vou expedir mandato para Francisco se o homem é de bem na sociedade, nada temos contra ele?
- Então vamos roubar a caixa!
- Alex pensou por um instante. Sua carreira estava em perigo e o nome de seu pai Desembargador Vieira também. Mas, o rapaz era corajoso.
- Sigam em frente!
Os policiais entraram novamente na propriedade à noite. O céu estava cheio de estrelas, a lua era pequena, somente uma banda no céu. Os dois tiveram que arrastar o baú por dentro do mato por mais de 5 minutos para não chamar a atenção da vizinhança. De repente, da Silva escuta o gemido de uma criança que saía de uma moita de samba caitá. A moita era fechada, e a luz da lua não era o bastante para iluminar.
- Damasceno! Damasceno! Você ouviu?
- Sim, ouvi. O investigador segurava a arma com a mão direita. Sua pistola nunca foi usada. Damasceno era um investigador, por isso nunca trocou tiro com ninguém.
- E agora?
- Seja o que Deus quiser! Os dois avançaram de arma em punho rumo à moita. Com a mão esquerda ambos afastaram as galhas da planta milagrosa do sertão. No chão entre os galhos e folhas estava um gato preto que gemia como criança. Os policiais viram que o gato estava ferido. O pegaram e o examinara. Em seu corpo encontraram 21 agulhas de costura. Seu ventre fora aberto, pois, estava raspado e costurado. O gato dá o último suspiro nas mãos de Damasceno.
- Vamos abrir o gato, vamos!
- Sim vamos! Damasceno pegou a lanterna no fundo do carro e uma faca de caça e abriram o felino negro. Em seu ventre estava um pedaço pequeno de papel de caderno comum, nele estavam escritos três nomes: Alex, Da Silva e Damasceno. O susto foi grande.
“O filho da peste sabe e faz bem feito. Maldito! Que o inferno te leve, safado!”
As vozes mal pararam de soar no ouvido esquerdo de Francisco quando o radio dá uma notícia urgente. Um Fiat branco uno virou e capotou na curva do “S” na estrada vindo de Itapicuru. Não havia sobrevivente. Os corpos foram encontrados carbonizados. Francisco reuniu a igreja por meio de seu filho para orar por Tobias Barreto. O diabo estava solto na Vila de Campos. Na mesma semana o promotor Alex foi comer comida japonesa. Um pedaço do peixe cru agarrou na goela do magistrado provocando asfixia mecânica. Seu corpo foi sepultado em Aracaju. O baú ninguém mais ouviu falar dele. As mortes foram esquecidas por um tempo.
- Coisinha! Coisinha! O portão da casa estava aberto. Era um portão de ferro enferrujado. Coisa do temo passado. Todo aquele Candial havia sido fazenda de gente grande. Francisco entra no terreiro da casa de dona Coisinha do Candial. A casinha que ficava na entrada estava no mesmo lugar. Mas, tinha tempo que não era alimentada. As plantas sagradas e ervas formavam o jardim e farmácia de dona Coisinha. Contudo, ninguém respondia a voz do homem de Deus. Francisco se calou e entrou na casa. Não havia sinal de luta. Nada estava quebrado ou arrombado. O corpo de Coisinha estava na cama. Seus olhos estourados. E uma mancha enorme de sangramento interno na altura do pescoço. Ao seu lado na cabeceira de sua cama um bilhete escrito em um português quase ilegível. “Ajudei enquanto pude. Agora te cuida!” Nem a polícia; nem ninguém, sabia de alguma coisa sobre a morte de Coisinha. O povo dizia que foi morte bem morrida. “Morte bem morrida o povo num sabe a causa não”. “Cada povo tem sua ciência”.
Os setenta anos de Francisco não demoraram a chegar. Sua família o abençoou com uma grande festa cheia de amigos e parentes. O culto de ações de graças foi filmado;. Francisco disse no dia: “Vivi para ser filmado”. Reginaldo aproveitou a frase e disse: “Lembra Francisco que eu disse que você era escolhido?” O tempo passou. Ele sempre passa quer queiramos ou não. Nele estão as forças da natureza.
Francisco continuou a ouvir vozes. Elas ficavam mais nítidas com o passar do tempo. Agora ele conversava com elas. As vozes faziam parte de sua vida social.
- Francisco! Vou te mostrar que você vai morrer a mesma morte da gente.
- Mulher, eu estou arrependido! Tenha piedade!
- Num sei por que ele ainda não caiu! Mal dorme, mal descansa, mal come!
Acharam Francisco morto na preguiçosa da área da frente onde ele gostava de ficar. Francisco estava com a boca aberta. As mãos e os lábios estavam melados de sal. Os oitenta e sete anos trouxeram fardos pesados ao protestante do Padre Pedro. A igreja chorou sua morte. A cidade falou um tempo. As mortes das mulheres nunca foram esclarecidas. O caso estava encerrado.
“Mulher! Num te disse que hoje ele embarcava? Filho da peste aguentou foi muito!”
“Agora você pode se acertar com ele, num é Donana?”
“Sim! É!”
quarta-feira, 23 de maio de 2012
2001 de Kubrick, Trabalho e Tecnologia
*Caros amigos, vou tentar voltar a postar regularmente por aqui. Vejamos como me sairei.*
A alegoria proposta por Kubrick no início de sua célebre obra 2001, Uma Odisseia no Espaço permite-nos, por excelência, refletir acerca de como trabalho e tecnologia possibilitaram o percurso do desenvolvimento humano.
Vê-se, logo nas primeiras passagens, a sugestão de Kubrick no que se refere à pulsão pelo conhecer, partilhado já entre os nossos ascendentes, ainda que não de forma simbólica ou reflexiva, por se tratar de uma espécie de estágio “pré-cognitivo” dos hominídeos. Mais à frente é desenvolvida a sugestão-chave da alegoria, qual seja, a cena em que um hominídeo começa a doar sentido à posse de polegares opositores.
Munido então de uma ferramenta, inicia seu processo de domínio sobre a natureza, isto muito bem representado pela imagem da queda de alguns outros animais. No êxtase da descoberta, nosso hominídeo lança a simbólica ferramenta ao ar e esta logo se transforma, através da sequência da decupagem cinematográfica, numa nave exploratória no espaço.
Tal experiência alegórica instiga o perquirimento acerca desta relação entre os empreendimentos da dominação humana sobre a natureza e seu consequente desenvolvimento. Em seu artigo sobre a concepção do trabalho em Marx, Oliveira (2010) afirma ser “no trabalho que se manifesta a superioridade humana ante os demais seres vivos. Ele seria a realização do próprio homem, a fonte de toda riqueza e bem material”.
Ora, admite-se, com base neste raciocínio, que o homem age pela necessidade de transformar o espaço em que vive a fim de não só viabilizar como, igualmente, afirmar a sua própria existência. Tal capacidade o distingue dos demais animais que atendem à mera necessidade de reprodução calcada em suas programações genéticas.
De fato, o que nos interessa no que diz respeito a este texto especificamente é a dimensão criativa do trabalho. Para viabilizar e otimizar este fenômeno é necessária uma aliança com a tecnologia. Esta é gerada pelo próprio trabalho e, processualmente, atualiza-o. É plausível pensarmos o desenvolvimento da humanidade, abstendo-nos, por ora, de juízo de valor acerca de tal desenvolvimento, como o resultado desta dimensão criativa do trabalho amplificada pela tecnologia a fim de modificar a natureza em função do homem.
Entretanto, como nos sugere a própria evolução do filme em questão, há uma dimensão perigosa da tecnologia. Diz respeito àquela que poderia colocar o homem em função da tecnologia, dependente dela. Ou, como nas palavras de Trigueiro (2008), “É a humanidade subjugada à sua criatura. Nesse cenário, como diz Heidegger: “Só um Deus poderia nos salvar”. Esta observação nos leva a compartilhar a preocupação de Heidegger, no sentido de que se, já numa altura de desenvolvimento tecnológico em que o homem é dependente desse, haveria a possibilidade de tomarmos novamente frente de nossa própria história.
Seja para incrementar processual e equilibradamente o trabalho ou submetê-lo e substituí-lo, fato inegável é o de que os dois elementos são, definitivamente, indissociáveis. Isto não o é só em relação à modernidade como em qualquer etapa da história humana em que tais fenômenos concorreram para o desenvolvimento da humanidade, desde que, evocando novamente a alegoria de Kubrick, o primeiro hominídeo utilizou-se de ferramentas para submeter a realidade que o desafiava.
Referências:
A alegoria proposta por Kubrick no início de sua célebre obra 2001, Uma Odisseia no Espaço permite-nos, por excelência, refletir acerca de como trabalho e tecnologia possibilitaram o percurso do desenvolvimento humano.
Vê-se, logo nas primeiras passagens, a sugestão de Kubrick no que se refere à pulsão pelo conhecer, partilhado já entre os nossos ascendentes, ainda que não de forma simbólica ou reflexiva, por se tratar de uma espécie de estágio “pré-cognitivo” dos hominídeos. Mais à frente é desenvolvida a sugestão-chave da alegoria, qual seja, a cena em que um hominídeo começa a doar sentido à posse de polegares opositores.
Munido então de uma ferramenta, inicia seu processo de domínio sobre a natureza, isto muito bem representado pela imagem da queda de alguns outros animais. No êxtase da descoberta, nosso hominídeo lança a simbólica ferramenta ao ar e esta logo se transforma, através da sequência da decupagem cinematográfica, numa nave exploratória no espaço.
Tal experiência alegórica instiga o perquirimento acerca desta relação entre os empreendimentos da dominação humana sobre a natureza e seu consequente desenvolvimento. Em seu artigo sobre a concepção do trabalho em Marx, Oliveira (2010) afirma ser “no trabalho que se manifesta a superioridade humana ante os demais seres vivos. Ele seria a realização do próprio homem, a fonte de toda riqueza e bem material”.
Ora, admite-se, com base neste raciocínio, que o homem age pela necessidade de transformar o espaço em que vive a fim de não só viabilizar como, igualmente, afirmar a sua própria existência. Tal capacidade o distingue dos demais animais que atendem à mera necessidade de reprodução calcada em suas programações genéticas.
De fato, o que nos interessa no que diz respeito a este texto especificamente é a dimensão criativa do trabalho. Para viabilizar e otimizar este fenômeno é necessária uma aliança com a tecnologia. Esta é gerada pelo próprio trabalho e, processualmente, atualiza-o. É plausível pensarmos o desenvolvimento da humanidade, abstendo-nos, por ora, de juízo de valor acerca de tal desenvolvimento, como o resultado desta dimensão criativa do trabalho amplificada pela tecnologia a fim de modificar a natureza em função do homem.
Entretanto, como nos sugere a própria evolução do filme em questão, há uma dimensão perigosa da tecnologia. Diz respeito àquela que poderia colocar o homem em função da tecnologia, dependente dela. Ou, como nas palavras de Trigueiro (2008), “É a humanidade subjugada à sua criatura. Nesse cenário, como diz Heidegger: “Só um Deus poderia nos salvar”. Esta observação nos leva a compartilhar a preocupação de Heidegger, no sentido de que se, já numa altura de desenvolvimento tecnológico em que o homem é dependente desse, haveria a possibilidade de tomarmos novamente frente de nossa própria história.
Seja para incrementar processual e equilibradamente o trabalho ou submetê-lo e substituí-lo, fato inegável é o de que os dois elementos são, definitivamente, indissociáveis. Isto não o é só em relação à modernidade como em qualquer etapa da história humana em que tais fenômenos concorreram para o desenvolvimento da humanidade, desde que, evocando novamente a alegoria de Kubrick, o primeiro hominídeo utilizou-se de ferramentas para submeter a realidade que o desafiava.
Referências:
OLIVEIRA,
R. A. A concepção de trabalho na
filosofia do jovem Marx e suas implicações antropológicas. Ceará: Kínesis,
Vol. II, n° 03, Abril-2010, p. 72 – 88
TRIGUEIRO,
M. G. S. O conteúdo social da tecnologia.
Brasília,
DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2008.
terça-feira, 22 de maio de 2012
A arte de vanguarda nas salas de aula
Acredito que a vanguarda, antes de continuar existindo enquanto uma manifestação alienígena aos olhos dos discentes, pode se vincular aos seus contextos. Contudo, essa contextualização deve se tornar vulnerável às perspectivas do alunado. Ela deve fazer o aluno se situar em relação ao seu contexto, mas sempre desestabilizando os códigos impostos como legítimos, fazendo com que os alunos se descontextualizem para com isso se re-situarem em seus espaços. Sei que esse processo não se fará sem obstáculos.
Neste ensaio quero mostrar por que o uso da vanguarda provocará essas possíveis barreiras. Para isso, vou fazer uma breve discussão de como a arte é concebida pela nossa cultura; verificar como as verdades são construídas pela ótica da vanguarda e a forma como os alunos socialmente entendem a construção dessas verdades; mostrar qual a perspectiva de vanguarda poderemos usar na sala de aula, observar o quanto é possível aplicar a vanguarda nas aulas de sociologia; além de expor a idéia da arte enquanto produção de sentido.
Acredito que os alunos, por se encontrarem diretamente vinculados às produções artísticas de massa, isto é, a produções que trazem como características a previsibilidade do discurso, ou seja, a preservação e reprodução das formas discursivas, sentirão grandes repulsas e resistências em aceitar de prontidão os discursos temáticos e harmônicos da vanguarda. Em outras palavras, a mesmice da cultura massiva se colidirá com a imprevisibilidade da vanguarda.
É por isso que a apropriação espontânea dos alunos com a vanguarda não se fará de forma imediata. Ao contrário, pois junto a esse hábito com a mesmice, encontramos ainda uma concepção de que para se haver arte, devemos ter uma forma pronta. Para a nossa cultura, a arte deve ser estruturalmente construída para trazer o significado acabado que tende a ser entregue ao receptor, cabendo a este, apenas reproduzir o sentido dela.
Se pensarmos essas características pelas quais estamos acostumados a conceber o que seja arte, a vanguarda anda na contramão disso tudo. Vejamos: a vanguarda, devido a sua necessidade constante de experimentar, quebra os modelos compartilhados como “normais”. Essa quebra termina por provocar uma desestabilidade em nosso conceito por revelar o estranho, provocando assim, questionamentos acerca da forma, isto é, da organização da obra como geralmente compreendemos.
Outra dificuldade se refere à relação que o aluno estabelece com o que ele concebe como verdade. Além de cotidianamente se deparar com o mais do mesmo estimulado pela cultura de massa, o aluno vive em meio a um contexto produtivista que se reflete inclusive no ambiente escolar. A produtividade não permite com que o indivíduo passe a desenvolver seu próprio conhecimento, pois como a intenção é provocar resultados, o indivíduo apenas busca esse resultado, perdendo o hábito com a contemplação.
Essa carência em contemplar, refletir, sentir, poetizar a realidade, faz com que o indivíduo passe a não mais visualizar o jogo das contradições que permeiam a sua vida. A rotinização do dia a dia faz com que o indivíduo passe a lidar com sua vida de forma mecanizada, reificada. As verdades as quais eles se submetem passam a não ser questionadas, uma vez que por não terem tempo nem disponibilidade de enxergarem as contradições, eles passam a encarar essas verdades como naturais.
Nesse sentido, novamente a vanguarda anda na contramão. Na perspectiva da vanguarda, as verdades são questionáveis. Antes de serem resultados de uma decisão fora das práticas concretas, são reflexos das experiências cotidianas estabelecidas entre os indivíduos em seus contextos. Em outras palavras, as verdades não passam de interesses e negociações, além de refletirem muitas vezes as ideologias de classe, portanto, elas devem ser questionadas e devem passar por constantes rupturas.
Depois de eu ter abordado quais pontos que possivelmente provocarão obstáculos no educador ao propor a aplicação da vanguarda na sala de aula, mostrando paralelo a isso algumas características da vanguarda, cabe uma pergunta: será que todas essas características de fato são vistas e utilizadas pelo público-consumidor da vanguarda? Como a arte de vanguarda tem se posicionado geralmente diante da sociedade? Será que essa vanguarda se quer histórica e emancipadora?
Infelizmente a vanguarda tem sido uma espécie de alienígena para a maioria da população. Enquanto a cultura de massa tem encontrado infinitos adeptos justamente por se adaptar aos modelos rotineiros da sociedade industrial, a vanguarda cada vez mais se isola em seus micro-guetos. O motivo disso se refere ao seu alto teor intelectualizado. O problema disso tudo não diz respeito apenas à intelectualização, mas ao elitismo. Um elitismo responsável por um imenso divórcio com a sociedade em geral.
O que o público e os artistas da vanguarda devem ter em mente é que o fato da vanguarda prezar pela descodificação, não anula a sua intenção de re-construir novos sentidos sociais. Retirar o código de sua função original, não significa apenas bagunçar o discurso, e sim, fazer com que através dessa desestabilização, o público-consumidor passe a se sentir capaz de recriar os seus próprios sentidos, produzindo assim, sempre novas concepções acerca das coisas.
Pensar que vanguarda se resume apenas a desestruturação discursiva é querer diminuí-la a um mero obscurantismo desvinculado de qualquer contexto social. Devemos entender de uma vez por todas que mesmo que o nosso contexto atual seja marcado por intensas trocas, por carências de referências precisas e inesperadas transmutações identitárias, não significa dizer que não existem questões, problemáticas e valores que se sustentam em estruturas sociais, sejam elas morais ou jurídicas.
Devemos reconhecer que apesar das contingências vividas em nosso cotidiano, encontramo-nos diante de toda uma organização social. Para aplicarmos a vanguarda na educação, devemos entender que o caos vive em meio à ordem, e que por isso mesmo, a ordem não é imutável, assim como o caos não significa a mera destruição da realidade, e sim, uma re-elaboração dessa realidade. Antes de se resumir à mera destruição, a vanguarda deve ser vista como responsável pela constante revisão das verdades sociais.
Ao invés de brincar de ser estranha e vazia de intelectualismo, a vanguarda ao ser aplicada nos ambientes escolares deve ser histórica, possibilitando com que o aluno se situe em seu contexto justamente por questionar esse contexto. Um aluno que se compreenda justamente por se dar o direito de se perder nele próprio, por se ver capaz de re-questionar sua própria verdade e as verdades que o cerca. Não devemos mais insistir em uma vanguarda feita de exotismos prolixos e supérfluos.
O importante é fazermos da vanguarda uma manifestação estética que abra caminhos para que o homem se reconheça enquanto um agente responsável pela recriação constante da realidade. Uma vanguarda viva, ativa, atuante que faça o indivíduo perceber a sua capacidade em produzir novas idéias ao invés de se encontrar submetido aos valores impostos pela sociedade vistos como independentes de sua vontade. A vanguarda na educação deve partir em busca da formação de um pensamento crítico.
Aplicando uma vanguarda transformadora que não se reduz apenas à falta de códigos, os conteúdos da sociologia referentes à sociedade e cultura, por exemplo, pronunciarão um olhar crítico dos alunos, por eles perceberem que a sociedade, antes de se resumir aos padrões de condutas, normas, regras, ou seja, à estrutura social, passa por longos processos de conflitos que possibilitam o questionamento, e, portanto, a alteração dessa estrutura ao longo da história.
Os alunos poderão reconhecer que os aspectos culturais de uma sociedade dizem respeito a todo um processo de transformação provocado pelas trocas constantes e nem sempre harmônicas entre os indivíduos em meio à sociedade. Essa perspectiva termina por romper com uma outra de que a cultura se refere apenas aos aspectos ligados aos valores de uma elite. Através da vanguarda aberta às contradições, os discentes se depararão com uma cultura marcada por trocas e relações de poder.
A partir dessa criticidade, o aluno poderá perceber que a arte e a realidade, antes de serem dotadas de significados prontos, são resultados de sentidos dados por cada um. A partir do reconhecimento dos sentidos, o aluno quebrará com a noção rígida das classificações como bom e mau gosto por perceber que elas, antes de serem verdades definitivas, são resultantes de interesses de classe e que variam de acordo com o olhar de cada um em cada contexto sócio-cultural.
Reconhecendo que as verdades ditas oficiais não passam de jogos de interesses, relativizando assim às classificações, os alunos não cairão em um relativismo barato por também enxergarem as relações de poder existentes na sociedade. Além disso, os alunos terão a capacidade de re-questionar os prós e os contras de cada arte, evitando cair em extremismos por não encarar a arte ou apenas com o olhar elitista ou se submetendo a um modelo estético imposto pela tirania da cultura de massa.
Admito que a vanguarda para ser aplicada em sala de aula passará por muitos obstáculos, visto que os alunos se encontram submetidos aos modelos rotineiros da cultura de massa, além de enxergarem a arte enquanto forma de significados prontos. Acredito ser de profunda urgência trazer a vanguarda para as experiências concretas, para provocar no aluno uma emancipação, ou seja, uma consciência de si com a realidade. A vanguarda não pode ser reduzida a uma estética elitista, obscura e descontextualizada.
Neste ensaio quero mostrar por que o uso da vanguarda provocará essas possíveis barreiras. Para isso, vou fazer uma breve discussão de como a arte é concebida pela nossa cultura; verificar como as verdades são construídas pela ótica da vanguarda e a forma como os alunos socialmente entendem a construção dessas verdades; mostrar qual a perspectiva de vanguarda poderemos usar na sala de aula, observar o quanto é possível aplicar a vanguarda nas aulas de sociologia; além de expor a idéia da arte enquanto produção de sentido.
Acredito que os alunos, por se encontrarem diretamente vinculados às produções artísticas de massa, isto é, a produções que trazem como características a previsibilidade do discurso, ou seja, a preservação e reprodução das formas discursivas, sentirão grandes repulsas e resistências em aceitar de prontidão os discursos temáticos e harmônicos da vanguarda. Em outras palavras, a mesmice da cultura massiva se colidirá com a imprevisibilidade da vanguarda.
É por isso que a apropriação espontânea dos alunos com a vanguarda não se fará de forma imediata. Ao contrário, pois junto a esse hábito com a mesmice, encontramos ainda uma concepção de que para se haver arte, devemos ter uma forma pronta. Para a nossa cultura, a arte deve ser estruturalmente construída para trazer o significado acabado que tende a ser entregue ao receptor, cabendo a este, apenas reproduzir o sentido dela.
Se pensarmos essas características pelas quais estamos acostumados a conceber o que seja arte, a vanguarda anda na contramão disso tudo. Vejamos: a vanguarda, devido a sua necessidade constante de experimentar, quebra os modelos compartilhados como “normais”. Essa quebra termina por provocar uma desestabilidade em nosso conceito por revelar o estranho, provocando assim, questionamentos acerca da forma, isto é, da organização da obra como geralmente compreendemos.
Outra dificuldade se refere à relação que o aluno estabelece com o que ele concebe como verdade. Além de cotidianamente se deparar com o mais do mesmo estimulado pela cultura de massa, o aluno vive em meio a um contexto produtivista que se reflete inclusive no ambiente escolar. A produtividade não permite com que o indivíduo passe a desenvolver seu próprio conhecimento, pois como a intenção é provocar resultados, o indivíduo apenas busca esse resultado, perdendo o hábito com a contemplação.
Essa carência em contemplar, refletir, sentir, poetizar a realidade, faz com que o indivíduo passe a não mais visualizar o jogo das contradições que permeiam a sua vida. A rotinização do dia a dia faz com que o indivíduo passe a lidar com sua vida de forma mecanizada, reificada. As verdades as quais eles se submetem passam a não ser questionadas, uma vez que por não terem tempo nem disponibilidade de enxergarem as contradições, eles passam a encarar essas verdades como naturais.
Nesse sentido, novamente a vanguarda anda na contramão. Na perspectiva da vanguarda, as verdades são questionáveis. Antes de serem resultados de uma decisão fora das práticas concretas, são reflexos das experiências cotidianas estabelecidas entre os indivíduos em seus contextos. Em outras palavras, as verdades não passam de interesses e negociações, além de refletirem muitas vezes as ideologias de classe, portanto, elas devem ser questionadas e devem passar por constantes rupturas.
Depois de eu ter abordado quais pontos que possivelmente provocarão obstáculos no educador ao propor a aplicação da vanguarda na sala de aula, mostrando paralelo a isso algumas características da vanguarda, cabe uma pergunta: será que todas essas características de fato são vistas e utilizadas pelo público-consumidor da vanguarda? Como a arte de vanguarda tem se posicionado geralmente diante da sociedade? Será que essa vanguarda se quer histórica e emancipadora?
Infelizmente a vanguarda tem sido uma espécie de alienígena para a maioria da população. Enquanto a cultura de massa tem encontrado infinitos adeptos justamente por se adaptar aos modelos rotineiros da sociedade industrial, a vanguarda cada vez mais se isola em seus micro-guetos. O motivo disso se refere ao seu alto teor intelectualizado. O problema disso tudo não diz respeito apenas à intelectualização, mas ao elitismo. Um elitismo responsável por um imenso divórcio com a sociedade em geral.
O que o público e os artistas da vanguarda devem ter em mente é que o fato da vanguarda prezar pela descodificação, não anula a sua intenção de re-construir novos sentidos sociais. Retirar o código de sua função original, não significa apenas bagunçar o discurso, e sim, fazer com que através dessa desestabilização, o público-consumidor passe a se sentir capaz de recriar os seus próprios sentidos, produzindo assim, sempre novas concepções acerca das coisas.
Pensar que vanguarda se resume apenas a desestruturação discursiva é querer diminuí-la a um mero obscurantismo desvinculado de qualquer contexto social. Devemos entender de uma vez por todas que mesmo que o nosso contexto atual seja marcado por intensas trocas, por carências de referências precisas e inesperadas transmutações identitárias, não significa dizer que não existem questões, problemáticas e valores que se sustentam em estruturas sociais, sejam elas morais ou jurídicas.
Devemos reconhecer que apesar das contingências vividas em nosso cotidiano, encontramo-nos diante de toda uma organização social. Para aplicarmos a vanguarda na educação, devemos entender que o caos vive em meio à ordem, e que por isso mesmo, a ordem não é imutável, assim como o caos não significa a mera destruição da realidade, e sim, uma re-elaboração dessa realidade. Antes de se resumir à mera destruição, a vanguarda deve ser vista como responsável pela constante revisão das verdades sociais.
Ao invés de brincar de ser estranha e vazia de intelectualismo, a vanguarda ao ser aplicada nos ambientes escolares deve ser histórica, possibilitando com que o aluno se situe em seu contexto justamente por questionar esse contexto. Um aluno que se compreenda justamente por se dar o direito de se perder nele próprio, por se ver capaz de re-questionar sua própria verdade e as verdades que o cerca. Não devemos mais insistir em uma vanguarda feita de exotismos prolixos e supérfluos.
O importante é fazermos da vanguarda uma manifestação estética que abra caminhos para que o homem se reconheça enquanto um agente responsável pela recriação constante da realidade. Uma vanguarda viva, ativa, atuante que faça o indivíduo perceber a sua capacidade em produzir novas idéias ao invés de se encontrar submetido aos valores impostos pela sociedade vistos como independentes de sua vontade. A vanguarda na educação deve partir em busca da formação de um pensamento crítico.
Aplicando uma vanguarda transformadora que não se reduz apenas à falta de códigos, os conteúdos da sociologia referentes à sociedade e cultura, por exemplo, pronunciarão um olhar crítico dos alunos, por eles perceberem que a sociedade, antes de se resumir aos padrões de condutas, normas, regras, ou seja, à estrutura social, passa por longos processos de conflitos que possibilitam o questionamento, e, portanto, a alteração dessa estrutura ao longo da história.
Os alunos poderão reconhecer que os aspectos culturais de uma sociedade dizem respeito a todo um processo de transformação provocado pelas trocas constantes e nem sempre harmônicas entre os indivíduos em meio à sociedade. Essa perspectiva termina por romper com uma outra de que a cultura se refere apenas aos aspectos ligados aos valores de uma elite. Através da vanguarda aberta às contradições, os discentes se depararão com uma cultura marcada por trocas e relações de poder.
A partir dessa criticidade, o aluno poderá perceber que a arte e a realidade, antes de serem dotadas de significados prontos, são resultados de sentidos dados por cada um. A partir do reconhecimento dos sentidos, o aluno quebrará com a noção rígida das classificações como bom e mau gosto por perceber que elas, antes de serem verdades definitivas, são resultantes de interesses de classe e que variam de acordo com o olhar de cada um em cada contexto sócio-cultural.
Reconhecendo que as verdades ditas oficiais não passam de jogos de interesses, relativizando assim às classificações, os alunos não cairão em um relativismo barato por também enxergarem as relações de poder existentes na sociedade. Além disso, os alunos terão a capacidade de re-questionar os prós e os contras de cada arte, evitando cair em extremismos por não encarar a arte ou apenas com o olhar elitista ou se submetendo a um modelo estético imposto pela tirania da cultura de massa.
Admito que a vanguarda para ser aplicada em sala de aula passará por muitos obstáculos, visto que os alunos se encontram submetidos aos modelos rotineiros da cultura de massa, além de enxergarem a arte enquanto forma de significados prontos. Acredito ser de profunda urgência trazer a vanguarda para as experiências concretas, para provocar no aluno uma emancipação, ou seja, uma consciência de si com a realidade. A vanguarda não pode ser reduzida a uma estética elitista, obscura e descontextualizada.
segunda-feira, 21 de maio de 2012
A estetica das colisoes
A guerra e a sombra dos escombros que nao se sustenta. Ela e gerada por uma crise envelhecida em que os impostos nao cobrem mais os gastos e por isso as taxas vao as alturas. Os precos sobem e o poder de compra diminue, inclusive os acessorios necessarios. A politica agarra a velha estrategia do pao e circo como tabua de salvacao, pois ela acredita piamente que nos seres bestialmente humanos somos, inacreditavelmente, previsiveis. Observamos a crise sentados nos camarotes, esperando quem sera o proximo a se estracalhado pelos dentes afiados do capital especulativo, em troca, regozijamo-nos com as cores insosa da tv. A vida e um desfalque e a historia e um assalto a linha da contemporaneidade. Vivemos no tempo fora do tempo onde todas as pecas estao em desarranjo com a nossa realidade social. A sociedade vive um dilema entre a coletividade e a multidao, somos colecoes de indivduos inconscientemente organizados ou seres individualente desorganizados? Quanto a isso eu nunca saberei responder. Nao saberei responder tambem qual sera o proximo continente a ser tombado nessa extensa linha descontinua. Nela ha sempre um intrso desconsolado.
* Tamanho: 336 × 500 - Fotografia: HENRI CARTIER-BRESSON
* Tamanho: 336 × 500 - Fotografia: HENRI CARTIER-BRESSON
quinta-feira, 17 de maio de 2012
EDUCAÇÃO E DISCURSOS – UMA ABORDAGEM SEMIÓTICA
Estudar o homem sem considerar sua dimensão linguística é um equívoco imperdoável. Pois, o que mais pode ser esse animal senão um bicho que ao longo do tempo desenvolveu a capacidade de produção e recepção de signos? O homem é a natureza que se expressa semioticamente e nessa semiose está a língua, seja na forma falada, ou na forma escrita. O homo loquens é sobre tudo um produtor de discursos e de estruturas semióticas – dentre elas, a mais importante é a língua. O estudo do discurso pode muito cooperar no processo de elucidação das transformações sociais, na criação das identidades sociais, os modelos de vida, as crenças, as políticas, e os interesses de um povo em um determinado recorte da realidade.
A linguística de base dialética marxista considera que a relação do discurso e sociedade é uma relação dialética. A sociedade é construída e constituída de discursos e os discursos se modificam em função das mudanças sociais. A linguística marxista dialética considera os papéis sociais, as identidades, as classes sociais, e a ordem do discurso como produtos de discursos emanados do veio social. Fairclough nos diz:
“O discurso contribui para a constituição de todas as dimensões da estrutura social que, direta como indiretamente, o modelam e restringem: suas próprias normas e convenções e também as relações, as identidades e as instituições que são subjacentes”. (Fairclough, p.7. 2001)
Assim, nenhuma ciência humana pode prescindir da análise do discurso. O estudo da educação brasileira como de suas teorias, de suas leis, de sua estrutura e história precisa da análise dos diversos discursos que a constitui. O autor de “Discurso e Mudança Social” - Norman Fairclough, entende que as mudanças no uso linguístico – os discursos - estão relacionadas com mudanças sociais e culturais – então, estudar o discurso é importante para entender as mudanças sociais, entre elas coloco, as mudanças na educação brasileira.
Mas afinal o que é discurso? Discurso é uma amostra ampliada da linguagem falada ou escrita; pode se manifestar em diferentes tipos de linguagens como jornal, leis, textos acadêmicos, textos jurídicos, linguagem publicitária, sala de aula, consultas médicas, pintura, teatro etc. Desta forma podemos considerar as LDBs discursos de nossa educação. Podemos também considerar os textos teóricos pedagógicos como discursos, e termos a certeza que eles foram marcantemente influenciados pelas mudanças sociais, pois, ninguém escapa da coerção da mesma. Aqui ficou bem claro a importância da análise do discurso para termos uma compreensão maior da nossa educação.
A análise do discurso deve ser tridimensional. São três dimensões: A dimensão texto, A dimensão pratica discursiva, A dimensão pratica social. A primeira cuida da análise linguística do texto. A segunda especifica a natureza dos processos de produção e interpretação textual e a última estuda as circunstâncias institucionais e organizacionais do evento discursivo e como elas moldam a natureza e pratica discursiva e os efeitos constitutivos e construtivos do discurso ou discursos.
Nenhum discurso parte do momento zero. Todo discurso contém marcas discursivas de outros discursos. Assim o discurso tem natureza hibrida. Se estamos falando de educação em uma sociedade pós-colonial com certeza o que falarmos dela ou sobre ela trará marcas dos discursos coloniais. O que mais chama a atenção na educação é a repetição do discurso colonial. Ouvimos o enunciado abaixo com muita frequência. Geralmente o interlocutor atribui sua existência ao momento presente sendo ele um discurso do passado.
“Infelizmente não existem recursos para a educação no momento”.
“O prefeito do município tal afirma que a prefeitura não tem caixa para pagar o piso dos professores”.
Esses discursos são antigos, tão antigos quanto a forma que nosso país tem tratado a pasta educação. Não precisará de muito esforço para se provar que os discursos atuais sobre educação trazem marcas profundas dos discursos do passado.
O marco pioneiro da educação institucional no Brasil só ocorreu quase cinquenta anos após o Descobrimento. O Brasil ficou sob o regime de Capitanias Hereditárias de 1532 até 1549, quando então D. João III criou o Governo Geral e, na primeira administração deste, com Tomé de Souza, aportaram aqui o padre Manoel da Nóbrega e dois outros jesuítas que iniciaram a instrução e a catequese dos indígenas. Mais tarde, outras levas de jesuítas vieram ajudar e complementar os esforços de Nóbrega. Tendo também de encontrar meios de formar outros padres, esses jesuítas pioneiros desenvolveram as escolas de ordenação e, então, como subproduto delas, levaram a instrução aos filhos dos colonos brancos e aos mestiços, é claro que tudo isto de um modo bem restrito e sob dificuldades imensas. (Ghiraldelli, p. 13. 2001)
A dificuldade para se fazer educação nesse País começou em 1532. O discurso de parcos recursos e educação com sacrifício e dedicação messiânica do professor. Nos primeiros anos de nossa educação ensinar era uma vocação. Dar a educação parecia não ser dever do estado, pois, desde o início que este divide a responsabilidade com os seus vocacionados – os professores que trabalharam quase no sistema de doação de sua força de trabalho.
A análise dos diversos discursos que envolvem a educação em muito contribuirá para identificarmos a matriz discursiva de muitas de nossas formas mentais, e crenças sobre a educação. Posso garantir que a forma mental atávica que nos diz que a educação é um subproduto veio com as caravelas e está presente em nossas mentes e textos sobre a educação. Ghiraldelli nos diz no início de seu livro:
A educação brasileira escolar, como a vejo, pode ser exposta em dois grande campos: o da política educacional e o das idéias pedagógicas. No primeiro campo, cabe falar das ações e intenções de governos, partidos, sindicatos e instituições semelhantes. Em geral, estudamos tais ações e intenções nos atendo aos textos da legislação educacional de determinados períodos e às opiniões contra e a favor de tal legislação. No segundo campo, cabe falar do debate entre ideários referentes à educação. Em geral, apreendemos tal debate nos atendo às diversas narrativas (livros, revistas, manifestos, filmes, músicas, fotos etc.) que nos mostram o que marcou posição e o que não marcou posição no âmbito do que, em um sentido bem ampliado, poderíamos chamar de filosofia da educação e (...). (Ghiraldelli, p.10. 2001)
REFERÊNCIAS
Fairclough, Norman. Discurso e mudança Social. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 2001.
Jr, Paulo Ghiraldelli. Introdução à Educação Escolar Brasileira:
História, Política e Filosofia da Educação. (sem editora), 2001
terça-feira, 15 de maio de 2012
Codigo Genetico
A evolucao humana esta prestes a alcancar a linha zero. Ao ponto onde tudo se reproduz. Uma especie fabricada pela esteira da modernidade, mas geneticamente herdada pelos genes mutantes pre- pos -moderno.
*Caros amigos e leitores Tortos, Peco-lhes desculpas por postar hoje. Ontem fiquei impossibilitada de ter acesso a internet.
Um ensaio livre para uma futura tese de doutorado
É indiscutível que a maioria dos alunos possui um vinculo muito forte com a chamada cultura de massa. Infelizmente eu não vejo as instituições educacionais se preocuparem com a aplicação desse tipo de cultura em salas de aula. Contudo, é por eu acreditar que o papel do educador é levar o conhecimento de sua disciplina articulando-o com o cotidiano dos seus discentes, que acho de grande valia pensar na importância da cultura de massa nos ambientes escolares.
Por outro lado, trazer apenas a cultura de massa não completaria o processo do conhecimento. O educador também deve possibilitar ao aluno o encontro com uma diversidade de linguagens. É importante pensarmos a educação como formação do conhecimento crítico, e não haverá criticidade no conhecimento se o alunado não se deparar com a contradição, e a contradição só se revela a partir do instante em que ele se confronta com uma diversidade de informação.
É por isso que o educador tem que trazer a cultura de massa para a sala de aula como forma de levar o aluno à compreensão dos conceitos; mas ele deve também fazer com que esse alunado aprenda a re-questionar esses conceitos para que ele parta para uma ação crítica, fazendo-se assim, autônomo em suas opiniões. Para isso, faz-se necessário a utilização da vanguarda, uma vez que ela tem como finalidade provocar o estranhamento do receptor por buscar confrontar os modelos convencionais.
O objetivo deste ensaio é propor um diálogo entre a cultura de massa e a vanguarda como possibilidade da construção de um conhecimento crítico nas aulas de sociologia do ensino médio. Para isso, faz-se necessário entendermos o papel da sociologia nas escolas; assim como provocar algumas discussões acerca da cultura de massa e da vanguarda como forma de entendermos a importância da familiaridade e do estranhamento do conhecimento para a formação crítica da disciplina.
A sociologia é uma disciplina ainda muito pouco reconhecida pelos alunos e por toda uma conjuntura educacional. Basta pensarmos a oscilação pela qual passou nas grades curriculares do ensino médio ao longo da história da educação no Brasil. Mas isso tem um motivo muito visível: o papel da sociologia é provocar no alunado uma compreensão critica acerca de seu lugar na sociedade, propondo re-questionamentos acerca das “verdades” oficializadas pelo modelo social.
Antes de mostrar a importância da familiaridade e do estranhamento do aluno em relação ao conhecimento exposto em sala de aula, acredito que seja importante trazer alguns pontos acerca da cultura de massa e da vanguarda. Em primeiro lugar, o educador não pode negar o intenso contato que o alunado possui com a cultura massiva. Por outro lado, pelo fato do papel da educação ser o de levar o aluno a um contato com o questionamento, com as contradições e com a pluralidade de linguagens, é necessário trazer a vanguarda para o cotidiano educacional.
Para mim, a cultura de massa, antes de ser reduzida a um produto cultural voltado meramente para o consumo descartável, tendo um público apático sem qualquer capacidade interpretativa, ela deve ser vista como uma realidade entre os alunos, e antes de ser mero consumo imediatista, reflete toda uma relação de identificação com o seu público. Para mim, cabe ao educador trazer possibilidades que façam com que o alunado faça uso da cultura de massa de forma a estimular o potencial do seu conhecimento, ao invés de simplesmente excluí-la.
Porém, também visualizo aspectos negativos da cultura de massa como a sua natureza segregora a qual impossibilita o público em vivenciar uma gama maior de manifestações estéticas, repetindo sempre os mesmos modelos com intenções de provocar apenas a evasão em seu público por via do mero entretenimento. A cultura massiva, por ter como interesse o lucro com a venda de seus produtos culturais, “inova” seus modelos de forma tímida sem com isso alterar de forma mais profunda toda uma estrutura social.
Devido a esse mais do mesmo, o público massivo deixa de buscar, de desvendar, de contemplar o novo devido à mesmice estimulada pelo discurso da cultura de massa. Isso é muito notório com os alunos. Podemos perceber que eles, por se encontrarem imersos a essa superficialidade discursiva, negam-se a aceitar o diferente provocador, contraditório, aderindo apenas ao que a indústria da cultura impõe. Somando o fato da segregação da cultura de massa com a comodidade do público, teremos como resultado a indisposição dos alunos em buscar conhecer novos tipos de linguagens.
Porém, eu acredito na capacidade interpretativa e subjetiva desse público que consome a cultura de massa. Por mais que esse público se encontre em meio a um modelo de indústria da cultura que tem muitas vezes como finalidade a banalização, a evasão e a compensação da realidade através do mero entretenimento, mas é aí que ele se reconhece, e se reconhecendo nele, o educador deve buscar caminhos que façam com que o conhecimento exposto em sala de aula seja compreendido por esse público através da utilização dessa cultura massiva.
No que diz respeito à vanguarda, assim como a cultura de massa, tenho uma série de críticas acerca da forma como ela se encontra socialmente. Para começar, a vanguarda é um termo extremamente arrogante e de um elitismo sem tamanho. Esse elitismo da vanguarda provoca um afastamento dela com as necessidades cotidianas mais imediatas de uma sociedade, isso por que o excessivo intelectualismo germina uma série de prolixidades e obscurantismos incapazes de serem revelados enquanto códigos para a maioria das pessoas.
Esse abismo gerado pela vanguarda, antes de se manifestar enquanto o resultado de um estranhamento do ser com o mundo, termina por simplesmente anulá-lo do contexto histórico devido ao seu excesso de abstrações. A abstração termina sendo uma ferramenta serviente para a auto-afirmação de um setor intelectualizado da sociedade, pois em um país marcado pela falta de escolaridade, o reconhecimento de um poder detentor de informação é maior cada vez que se faz menos entendido.
Contudo, a vanguarda pensada a partir de situação histórica e determinada, termina por provocar uma infinidade de ações entre os indivíduos que vivem experiências em seus contextos, não sendo apenas resumida a um código vazio de sentidos. A vanguarda enquanto resultado de manifestações oriundas de práticas estabelecidas em contextos concretos, faz com que os indivíduos busquem encontrar sentidos para a sua existência seja ela individual ou social.
É devido a isso que eu acredito que trazer a vanguarda para a sala de aula é de grande valia, mas uma vanguarda que provoque re-questionamento, dúvida, equívoco, superação. Uma vanguarda que ao mesmo tempo em que mostra a inevitável contingência da vida, a grande farsa das verdades oficializadas, produza nos alunos um re-encontro com novos códigos selecionados por eles mesmos, para com isso mostrar a eles as infinitas capacidades de produzirem novos olhares e novas reconstruções.
Mas como articular a cultura de massa e a vanguarda nas salas de aula? Como dito anteriormente, a partir da utilização da cultura de massa nos ambientes escolares, o educador faz com que o aluno se familiarize com o conteúdo exposto por ele em sala de aula. Contudo, a compreensão do conhecimento ainda não significa todo um caminho percorrido. Faz-se necessário que o alunado, depois de ter compreendido o conceito, passe a questioná-lo em sua vida cotidiana.
O educador, depois de ter articulado a cultura de massa com os conceitos, pode propor questões como: até em que ponto a cultura que eu consumo é válida? Quais as conseqüências boas e nocivas que essa cultura gera na sociedade? Porém, essas questões vão ser realizadas a partir do instante em que as contradições começam a ser reveladas. Como fazer os alunos visualizarem essas contradições? Ora, através da cultura de vanguarda, especificamente através da collage surrealista.
A collage surrealista apresenta a realidade de forma recortada. Com isso, o indivíduo passa por um processo de estranhamento, mas com a liberdade de reelaborar sua própria realidade através das junções que ele faz do recorte, passa a se re-inserir de forma crítica no contexto. A partir da fragmentação, o indivíduo compõe sua própria perspectiva. Para construir seu próprio sentido, o indivíduo passa por uma espécie de tensão interpretativa para posteriormente articular seus próprios signos.
Como se pode notar, a collage, antes de ser parte apenas de um processo de criação, termina por funcionar como uma relação significativa que o indivíduo passa a ter com o mundo. A partir da fragmentação, ou seja, dos códigos alterados de sua função convencional, o indivíduo readquire o seu sensível no momento em que ele passa a articulá-los, reconhecendo assim, o próprio sentido de sua existência. Recolocando-se em seu contexto, o indivíduo passa a compor sua própria forma de interpretar o mundo.
Depois de ter exposto sobre a collage surrealista, resta a seguinte questão: como aplicar a collage na sala de aula como construção do conhecimento crítico? Ora, o educador a partir de um conteúdo exposto pede ao discente para trazer revistas e jornais. Com esses materiais em mãos, o educador propõe ao alunado fazer recortes de diversas imagens ou palavras. Com isso, ele pede aos discentes para estruturarem um texto acerca do conteúdo exposto a partir das fragmentações dos recortes.
O aluno já tendo familiaridade com o conteúdo passará a produzir um texto resultante das diversas imagens e palavras. Nesse momento os alunos passarão pelo estranhamento por se encontrarem em meio a diversos códigos “soltos”. Contudo, devido a essa fragmentação, os alunos terão que obrigatoriamente eleger seus próprios códigos provocando assim, infindáveis possibilidades de traduções e interpretações acerca dos conteúdos e da própria construção e composição de seus conhecimentos.
Como podemos notar, ao usar exemplos cotidianos através da cultura de massa, isto é, a cultura geralmente consumida pelo aluno, este passa a ter um clareamento acerca do conteúdo. A partir da vanguarda o educador termina por estimular o estranhamento do aluno consigo mesmo. Com a collage aplicada na sala de aula, o educador permite que o aluno se atente para o fato de que a verdade legitimada socialmente não é imutável, mas pode ser reinventada o tempo inteiro.
Além disso, através da collage, os alunos podem a partir dela, perceber o quanto eles são capazes de recriar seus próprios contextos, verificando com isso a possibilidade de poderem construir estratégias que venham não só a reivindicar as verdades oficializadas, mas também de provocar uma ruptura com a ordem estabelecida, visualizando assim constantes possibilidades de alterações em relação às práticas cotidianas estabelecidas entre eles na sociedade.
Podemos concluir que o educador tem que fazer da sociologia uma disciplina questionadora. Para isso, ao invés de negar a cultura de massa, ele tem que trazê-la para a sala de aula para fazer com que o aluno tenha uma compreensão do conteúdo, fazendo-o entender que ela pode ser usada mais do que um simples entretenimento. Também cabe ao educador trazer outras linguagens, utilizando-se da vanguarda, para fazer com que os alunos passem a se confrontar com as verdades sociais.
Por outro lado, trazer apenas a cultura de massa não completaria o processo do conhecimento. O educador também deve possibilitar ao aluno o encontro com uma diversidade de linguagens. É importante pensarmos a educação como formação do conhecimento crítico, e não haverá criticidade no conhecimento se o alunado não se deparar com a contradição, e a contradição só se revela a partir do instante em que ele se confronta com uma diversidade de informação.
É por isso que o educador tem que trazer a cultura de massa para a sala de aula como forma de levar o aluno à compreensão dos conceitos; mas ele deve também fazer com que esse alunado aprenda a re-questionar esses conceitos para que ele parta para uma ação crítica, fazendo-se assim, autônomo em suas opiniões. Para isso, faz-se necessário a utilização da vanguarda, uma vez que ela tem como finalidade provocar o estranhamento do receptor por buscar confrontar os modelos convencionais.
O objetivo deste ensaio é propor um diálogo entre a cultura de massa e a vanguarda como possibilidade da construção de um conhecimento crítico nas aulas de sociologia do ensino médio. Para isso, faz-se necessário entendermos o papel da sociologia nas escolas; assim como provocar algumas discussões acerca da cultura de massa e da vanguarda como forma de entendermos a importância da familiaridade e do estranhamento do conhecimento para a formação crítica da disciplina.
A sociologia é uma disciplina ainda muito pouco reconhecida pelos alunos e por toda uma conjuntura educacional. Basta pensarmos a oscilação pela qual passou nas grades curriculares do ensino médio ao longo da história da educação no Brasil. Mas isso tem um motivo muito visível: o papel da sociologia é provocar no alunado uma compreensão critica acerca de seu lugar na sociedade, propondo re-questionamentos acerca das “verdades” oficializadas pelo modelo social.
Antes de mostrar a importância da familiaridade e do estranhamento do aluno em relação ao conhecimento exposto em sala de aula, acredito que seja importante trazer alguns pontos acerca da cultura de massa e da vanguarda. Em primeiro lugar, o educador não pode negar o intenso contato que o alunado possui com a cultura massiva. Por outro lado, pelo fato do papel da educação ser o de levar o aluno a um contato com o questionamento, com as contradições e com a pluralidade de linguagens, é necessário trazer a vanguarda para o cotidiano educacional.
Para mim, a cultura de massa, antes de ser reduzida a um produto cultural voltado meramente para o consumo descartável, tendo um público apático sem qualquer capacidade interpretativa, ela deve ser vista como uma realidade entre os alunos, e antes de ser mero consumo imediatista, reflete toda uma relação de identificação com o seu público. Para mim, cabe ao educador trazer possibilidades que façam com que o alunado faça uso da cultura de massa de forma a estimular o potencial do seu conhecimento, ao invés de simplesmente excluí-la.
Porém, também visualizo aspectos negativos da cultura de massa como a sua natureza segregora a qual impossibilita o público em vivenciar uma gama maior de manifestações estéticas, repetindo sempre os mesmos modelos com intenções de provocar apenas a evasão em seu público por via do mero entretenimento. A cultura massiva, por ter como interesse o lucro com a venda de seus produtos culturais, “inova” seus modelos de forma tímida sem com isso alterar de forma mais profunda toda uma estrutura social.
Devido a esse mais do mesmo, o público massivo deixa de buscar, de desvendar, de contemplar o novo devido à mesmice estimulada pelo discurso da cultura de massa. Isso é muito notório com os alunos. Podemos perceber que eles, por se encontrarem imersos a essa superficialidade discursiva, negam-se a aceitar o diferente provocador, contraditório, aderindo apenas ao que a indústria da cultura impõe. Somando o fato da segregação da cultura de massa com a comodidade do público, teremos como resultado a indisposição dos alunos em buscar conhecer novos tipos de linguagens.
Porém, eu acredito na capacidade interpretativa e subjetiva desse público que consome a cultura de massa. Por mais que esse público se encontre em meio a um modelo de indústria da cultura que tem muitas vezes como finalidade a banalização, a evasão e a compensação da realidade através do mero entretenimento, mas é aí que ele se reconhece, e se reconhecendo nele, o educador deve buscar caminhos que façam com que o conhecimento exposto em sala de aula seja compreendido por esse público através da utilização dessa cultura massiva.
No que diz respeito à vanguarda, assim como a cultura de massa, tenho uma série de críticas acerca da forma como ela se encontra socialmente. Para começar, a vanguarda é um termo extremamente arrogante e de um elitismo sem tamanho. Esse elitismo da vanguarda provoca um afastamento dela com as necessidades cotidianas mais imediatas de uma sociedade, isso por que o excessivo intelectualismo germina uma série de prolixidades e obscurantismos incapazes de serem revelados enquanto códigos para a maioria das pessoas.
Esse abismo gerado pela vanguarda, antes de se manifestar enquanto o resultado de um estranhamento do ser com o mundo, termina por simplesmente anulá-lo do contexto histórico devido ao seu excesso de abstrações. A abstração termina sendo uma ferramenta serviente para a auto-afirmação de um setor intelectualizado da sociedade, pois em um país marcado pela falta de escolaridade, o reconhecimento de um poder detentor de informação é maior cada vez que se faz menos entendido.
Contudo, a vanguarda pensada a partir de situação histórica e determinada, termina por provocar uma infinidade de ações entre os indivíduos que vivem experiências em seus contextos, não sendo apenas resumida a um código vazio de sentidos. A vanguarda enquanto resultado de manifestações oriundas de práticas estabelecidas em contextos concretos, faz com que os indivíduos busquem encontrar sentidos para a sua existência seja ela individual ou social.
É devido a isso que eu acredito que trazer a vanguarda para a sala de aula é de grande valia, mas uma vanguarda que provoque re-questionamento, dúvida, equívoco, superação. Uma vanguarda que ao mesmo tempo em que mostra a inevitável contingência da vida, a grande farsa das verdades oficializadas, produza nos alunos um re-encontro com novos códigos selecionados por eles mesmos, para com isso mostrar a eles as infinitas capacidades de produzirem novos olhares e novas reconstruções.
Mas como articular a cultura de massa e a vanguarda nas salas de aula? Como dito anteriormente, a partir da utilização da cultura de massa nos ambientes escolares, o educador faz com que o aluno se familiarize com o conteúdo exposto por ele em sala de aula. Contudo, a compreensão do conhecimento ainda não significa todo um caminho percorrido. Faz-se necessário que o alunado, depois de ter compreendido o conceito, passe a questioná-lo em sua vida cotidiana.
O educador, depois de ter articulado a cultura de massa com os conceitos, pode propor questões como: até em que ponto a cultura que eu consumo é válida? Quais as conseqüências boas e nocivas que essa cultura gera na sociedade? Porém, essas questões vão ser realizadas a partir do instante em que as contradições começam a ser reveladas. Como fazer os alunos visualizarem essas contradições? Ora, através da cultura de vanguarda, especificamente através da collage surrealista.
A collage surrealista apresenta a realidade de forma recortada. Com isso, o indivíduo passa por um processo de estranhamento, mas com a liberdade de reelaborar sua própria realidade através das junções que ele faz do recorte, passa a se re-inserir de forma crítica no contexto. A partir da fragmentação, o indivíduo compõe sua própria perspectiva. Para construir seu próprio sentido, o indivíduo passa por uma espécie de tensão interpretativa para posteriormente articular seus próprios signos.
Como se pode notar, a collage, antes de ser parte apenas de um processo de criação, termina por funcionar como uma relação significativa que o indivíduo passa a ter com o mundo. A partir da fragmentação, ou seja, dos códigos alterados de sua função convencional, o indivíduo readquire o seu sensível no momento em que ele passa a articulá-los, reconhecendo assim, o próprio sentido de sua existência. Recolocando-se em seu contexto, o indivíduo passa a compor sua própria forma de interpretar o mundo.
Depois de ter exposto sobre a collage surrealista, resta a seguinte questão: como aplicar a collage na sala de aula como construção do conhecimento crítico? Ora, o educador a partir de um conteúdo exposto pede ao discente para trazer revistas e jornais. Com esses materiais em mãos, o educador propõe ao alunado fazer recortes de diversas imagens ou palavras. Com isso, ele pede aos discentes para estruturarem um texto acerca do conteúdo exposto a partir das fragmentações dos recortes.
O aluno já tendo familiaridade com o conteúdo passará a produzir um texto resultante das diversas imagens e palavras. Nesse momento os alunos passarão pelo estranhamento por se encontrarem em meio a diversos códigos “soltos”. Contudo, devido a essa fragmentação, os alunos terão que obrigatoriamente eleger seus próprios códigos provocando assim, infindáveis possibilidades de traduções e interpretações acerca dos conteúdos e da própria construção e composição de seus conhecimentos.
Como podemos notar, ao usar exemplos cotidianos através da cultura de massa, isto é, a cultura geralmente consumida pelo aluno, este passa a ter um clareamento acerca do conteúdo. A partir da vanguarda o educador termina por estimular o estranhamento do aluno consigo mesmo. Com a collage aplicada na sala de aula, o educador permite que o aluno se atente para o fato de que a verdade legitimada socialmente não é imutável, mas pode ser reinventada o tempo inteiro.
Além disso, através da collage, os alunos podem a partir dela, perceber o quanto eles são capazes de recriar seus próprios contextos, verificando com isso a possibilidade de poderem construir estratégias que venham não só a reivindicar as verdades oficializadas, mas também de provocar uma ruptura com a ordem estabelecida, visualizando assim constantes possibilidades de alterações em relação às práticas cotidianas estabelecidas entre eles na sociedade.
Podemos concluir que o educador tem que fazer da sociologia uma disciplina questionadora. Para isso, ao invés de negar a cultura de massa, ele tem que trazê-la para a sala de aula para fazer com que o aluno tenha uma compreensão do conteúdo, fazendo-o entender que ela pode ser usada mais do que um simples entretenimento. Também cabe ao educador trazer outras linguagens, utilizando-se da vanguarda, para fazer com que os alunos passem a se confrontar com as verdades sociais.
sábado, 12 de maio de 2012
Parmênides
O Ser parmenídico é imóvel, homogêneo, indivisível e a tudo abarca. Ele é a totalidade repousada em si mesma: todos os eventos desencadeados no mundo das opiniões, sobre os limites da vida terrena, não lhe são indiferentes, pois, ainda que na atitude pouco conscienciosa dos bicéfalos não se desvele fé verdadeira, uma vez que o saber deles é delineado segundo dicotomias que lhes restringem o acesso às vias loquazes do real conhecimento, também a imperfeição e a indigência são partes necessárias e constituintes do Ser. A lógica que perfaz o caráter absoluto do Ser parmenídico, a mesma que faculta-lhe o poder de afixar em si tudo o que é, funda-se na necessidade irrestrita do Ser em se revelar, de modo tal e tão radicalmente que, mesmo ao ruminarmos com o ímpeto mais profundo sobre o não-ser – isto é, sobre aquilo que não existe –, a imagem à qual chegamos a partir de tal reflexão é a do próprio Ser se revelando. Posto isso, na medida em que apalavramos o não-ser de acordo com os resultados das reflexões levadas a termo, instituímos sobre ele caracteres verbais e imagéticos cuja existência é abarcada pela intrepidez do Ser, sendo-nos impossível, em virtude da abrangência imensurável deste último, discernir a sua origem ou calcular o seu tempo de duração: o que nasce e morre está estritamente ligado ao não-ser – e o não-ser, não podendo não ser, é aquilo que não há, “é uma trilha inteiramente insondável”. Portanto, o Ser é contínuo, acabado e não carece de nada: é ingênito, imperecível, solitário, íntegro e sem meta. E quando o pensamento o alcança assim, em sua totalidade e autossuficiência, afasta-se, através do carro puxado pelas éguas, do ocre mundo dos mortais e, guiado pelas filhas do sol em sua evasão da Noite, adentra a morada da Deusa, residindo na última etapa de todo esse processo de elevação do indivíduo ao verdadeiro exercício filosófico os fundamentos da afirmação parmenídica “...o mesmo é a ser e a pensar”.
quinta-feira, 10 de maio de 2012
A VIDENTE
“Eu não posso contar tudo que vi e tudo que senti. Só posso dizer que eu vi; e o que eu vi, mudou tudo...”
Para Ágatha
Desde doze anos, a menina morena, de cabelos pretos e pele branca européia caminhava para a pequena Igreja no centro da cidade. Ela era cristã protestante; congregava na Igreja do Evangelho Santo. A moça esperava a volta de Cristo a qualquer momento. Suas orações nunca cessavam, fosse pelos seus familiares, ou pelos seus amigos, ou inimigos. Talita era uma moça evangélica que tinha certeza de sua salvação; a palavra de Deus, em suas mãos, era descortinada diante de olhos escolados ou não. Diz o povo que um dia a moça portadora de uma grande e misteriosa sabedoria explanou o evangelho para um doutor da universidade. Seus pais enchiam o peito de orgulho por sua filha pequena. Eles davam glória a Deus por tudo todos os dias.
- Sabe Geraldo! Acho que Talita tem o chamado do Senhor.
- Eu também acho mulher. Mas deixa a coisa aflorar! Geraldo e sua mulher Zefinha eram pessoas de classe simples. Tinham o bastante, nada de riqueza. O casal também servia ao Deus vivo com todo o coração.
Tobias Barreto, nessa época, crescia muito rapidamente. O comercio crescia como as novas Igrejas. Em cada rua do município havia uma. O comercio de Tobias se expandia como a fé de seu povo. O Pastor Elenildo, um dia, disse: “A fé é tão necessária como o dinheiro. Com ela se abre as portas do Céu, e com ele, as portas da terra”.
Talita entrou na igreja naquele domingo como era de costume. Cumprimentou a todos, deu a Paz do Senhor a todos, e se dirigiu ao seu lugar nos bancos da mocidade. O culto logo iniciou com a oração do prelúdio. O pastor levantou a voz em prece pela congregação e por todos os tobienses. Em seguida um grupo de jovens toma a direção e conduz o louvor. Talita acompanhava tudo com reverência e temor ao Senhor. Para a moça aquele seria mais um culto a Deus em sua vida. O pastor Elenildo, um homem de bem, considerado por toda a comunidade, pega a palavra da pregação. O homem brilhava naquele púlpito. Sua testa branca suada refletia o suor de uma alma servindo a seu Deus.
“Meus caros, Em face do momento em que vivemos, urge fazermos um enfrentamento da realidade seguindo coordenadas evangélicas. O apostolo não falou, por acaso, que nos dias finais as pessoas zombariam da Palavra e escarneceriam do próprio Senhor. Vivemos esta hora, amados! Vivemos o tempo da apostasia...”
A pequena Talita de olhos fechados e contrita tem uma visão: A pequena via uma forma azul no céu da igreja. Como se do teto saísse uma pessoa cuja luz era azul da cor do céu. O ser divino descia em espiral até o meio do povo. Este sem nada saber dava glória a Deus repetida vezes e intercalavam a louvação com aleluias vigorosas que fizeram as paredes do santuário tremer; Talita se assusta ao abrir os olhos. Fecha novamente os olhos e nada mais ver. Seu coração ardia como uma tocha de fogo. Mas, nada disse para ninguém. Todos foram embora, e ela também. Em casa a menina pergunta ao Espírito Santo sobre aquela visão: “Meu Senhor o que eu vi veio de ti? Se foi, o que foi que eu vi? Pois não entendo!” Zefinha havia preparado um cuscuz. A família, unida e feliz, comi antes de ir para a cama. Na cama, a menina repassa sua visão: “Um ser parecendo do sexo feminino desce do céu com um sabre na mão. Ela fazia movimentos espirais. Sua cor era azul celeste. Sua presença no santuário fez o povo, mesmo sem nada ver, louvar a Deus”.
A Igreja do Evangelho Santo de Talita, embora, renovada tinha muitas restrições às manifestações do Espírito Santo. O Diácono Celestino quem o diga. Muitos pastores perderam seus pastorados na Igreja do Evangelho Santo. Todos que vieram com suas revelações do Espírito Santo foram perseguidos. Celestino presidia os diáconos há quase vinte anos. Ele nunca perdoou um místico de Deus. O homem cria na visão racional das escrituras e que a razão é o motor para a compreensão das verdades divinas.
Talita com muita cautela procura dona Vera, a presidente do grupo de oração da igreja. O povo dizia que Vera falava em línguas estranhas. Diz o povo que ela entrava em transe e falava com o Espírito Santo nas línguas dadas por Ele. A igreja estava nitidamente dividida nessa questão, a xenolália. Os que se diziam bereanos “os que conferem as escrituras”, e os pentecostais - os que acreditavam nos dons do Espírito Santo. No entanto, a igreja como um todo era considerada fundamentalista. O movimento renovado não criara raízes na Igreja do Evangelho Santo.
- Dona Vera eu gostaria de te contar uma coisa. Faz uma semana que tive uma experiência e estou sem entender. Disse Talita.
- Minha filha você é uma moça nova, ainda menina, o que foi que houve?
- Dona Vera, apesar de ter apenas doze anos, eu sei o que vejo e o que escuto.
- O que houve minha filha? O pastor brigou contigo? Foi algum irmão ou irmã da igreja? Conte!
- Eu estava no culto neste último sábado e vi algo; algo sobrenatural. Acho que foi o Espírito Santo.
- O Espírito Santo?
- Sim!
- Por que Ele falaria com você? Tão novinha! Acho que o Espírito Santo fala com o Pastor, não?
- Dona Vera eu vi descendo do teto do santuário a figura de uma mulher. Ela era toda azul celeste; tinha um sabre na mão. Quando a vi, o povo deu glória a Deus. Depois olhei; vi vários pastores sentados, uns a direita, outros a esquerda de nosso pastor. Uns subiam de suas cadeiras e depois desciam. Outros ficavam da mesma altura. Acho que o Espírito Santo está dizendo que nossa igreja precisa de humildade.
- Minha filha! Nossa cabeça imagina tanta coisa estranha. Você está gostando de algum garotinho de sua idade? Talita viu que a presidente do grupo de oração nada lhe acrescentaria. A mulher não conseguia ver ou sentir nada sobre o mundo do Espírito. A menina decidiu ir para a Igreja e orar a Deus para Ele aliviar sua alma, ou se fosse o caso, perdoar seu orgulho e vaidade.
“Senhor, Meu Deus, Quem é tua pequena serva para ter uma Palavra do Espírito Santo para tua Igreja? Perdoa-me meu Deus!” Nesse ponto Talita chorava pela sua experiência que ela não entendia. Nesse estado de profunda oração, a moça, com os olhos fechados, ver por toda a Igreja sapos, cobras, e outros animais. Os animais estavam espalhados pelos os cômodos da igreja. Defronte ao púlpito havia um macaquinho preto de cabeça branca. “Esse é aquele responsável pela estripulia do pastor. Ele deve, e seu débito não será pago. Isso será sua queda. Medite sobre os outros animais e saberás o que há”.
- Quem fala comigo? Quem fala comigo? Gritou Talita sem sucesso de respostas. A moça saiu do templo com o coração ardendo. O sol subia no céu. Era quase meio dia. Talita vai para o missionário refletir sobre o ocorrido. Nessa época o missionário que era um pequeno zoológico de Tobias recebia pessoas todos os dias. Talita estava só. A moça sentava debaixo de um pé de eucalipto, ao lado da jaula dos macacos.
“Meu Deus, O pastor vai cair e eu posso ajudá-lo, mas, quem vai acreditar em mim?” Um macaquinho danado deu uma risada forte. Parecia que ela dizia alguma coisa para a pequena.
O vento soprava forte no eucalipto. Saia um zumbido intenso e agudo. Era como se o tempo chorasse. Dizem que quando tempo tem as mãos cruzadas, ele chora. Às vezes alguém escuta o choro do tempo. Talita disse para si mesma: “Eu vou avisar o pastor”.
- Pastor Elenildo!
- Sim!
- Deus pode falar com uma criança de doze anos?
- Sim, pode!
- Então, Ele me disse que sua pessoa vai cair se não pagar sua dívida!
- Calma! Calma! Menininha! Eu devo, mas, o dinheiro será levantado! No momento já tenho a metade. O restante o diácono Celestino garantiu que me conseguiria. Então fique tranquila que seu pastor não vai escandalizar o nome da Igreja. Talita voltou para sua casa de cabeça baixa e não mais quis saber de suas visões. Dois anos passaram o pastor Elenildo foi chamado a depor na delegacia sobre três cheques sem fundo. O nome da Igreja foi parar nos jornais. O escândalo foi grande. Naquela época não havia políticos prontos para abafar as coisas. Talita sabia que suas visões faziam sentido, no entanto, decidiu esquecê-las.
A Igreja passou pouco tempo sem pastor. Fernando veio de Alagoas fazer a diferença no Senhor. Era um jovem solteiro cheio de vida e de vontade de trabalhar. “Irmãos, quando senti o chamado do Senhor para essa obra; eu orei muito; e o senhor me respondeu em sonho. Eu estava, aqui, em Tobias, e na minha frente estava essa Igreja. As pessoas entravam aos montes. Muitas almas serão salvas”. A Igreja quase que entrava em delírio de tanta alegria com o novo pastor.
- Mas, o homem é solteiro! A bíblia nos diz que devemos fugir de toda a aparência do mal. Como ele vai vencer a tentação da saia? Questionou o diácono Celestino aos outros diáconos. O tempo passou. A jovem Talita tinha somente quatorze anos agora. A menina foi ao culto da mocidade em um sábado de verão quente. A igreja estava cheia de jovens de várias religiões. Fernando era um bom pastor e fazia um excelente trabalho com a mocidade da Igreja. Novos instrumentos foram comprados e organizada foi uma banda de Jovens. Era chamada de “Banda Esperança”. O culto começou às sete e meia em ponto. O templo estava cheio. Fernando faz a oração inicial e passa a palavra para o dirigente dos louvores – a jovem Marilucia. O culto foi muito fervoroso. Em determinados momentos alguns jovens entravam em quase transe. Diziam eles que sentiam o Espírito Santo muito perto. A jovem Talita naquela noite de sábado viu uma cobra gigante rodando o oitão da igreja. A menina tomou um susto e gritou, isso fez o culto parar.
- O que houve Talita?
- Não sei. Disse Talita com muito medo.
O grupo de mocidade pediu a igreja para orar por Talita. Toda a igreja se ergueu em oração pela jovem. Durante a oração Talita via Fernando enrolado pela cobra. E esta mordia sua cabeça causando-lhe a morte. Talita entende que Fernando seria ferido por um sentimento profundo, isso seria sua ruína. “O que posso fazer?”
- Vera eu vi Fernando sendo engolido por uma cobra enorme.
- Menina! Deixe dessas coisas! Somos renovados, mas, não acreditamos em qualquer visão. Não será que você estar apaixonada pelo novo pastor e não sabe? Parece que as moças todas estão loucas por ele. Jovem, inteligente, bonito!
- Não é isso Vera! O que eu vi eu vi! Mas, uma vez Talita não era acreditada. A moça estava se acostumando com as coisas. Ela orou a Deus e pediu uma orientação. “Deus, se eu devo avisar teu servo, então, me fala pela Palavra”. Na manhã do outro dia, Talita abriu a bíblia e não encontrou resposta alguma. Leu alguns versículos, mas, nada que a remetesse a visão. “Deus me diz, então, que desta vez foi minha imaginação”. Talita agradeceu a Deus pela Sua resposta. Sete meses se passaram da data da visão ao dia do escândalo do novo pastor. Uma moça jovem apareceu grávida. A menina resistiu um tempo, depois contou tudo à direção da Igreja. Celestino aproveitou o ensejo para afinar seu discurso: “Pastor solteiro não pode dar certo”.
O novo pastor era um homem velho casado com uma mulher de etnia africana. O casal tinha dois filhos. Ambos eram formados e viviam no Rio de janeiro. O casal de idoso gozava da sabedoria e da graça divina. Soboto soube da jovem vidente da Igreja.
- Minha filha, você vê com os olhos abertos ou fechados?
- Não faz diferença. Eu vejo de todo jeito.
- Desde quando isso acontece?
- Desde criança.
- Você fala em línguas?
- Não. Mas, tudo que vejo acontece.
- Quando você vê algo depois você sabe o que viu?
- Às vezes eu sei, às vezes não.
- Entendo. A conversa com Soboto muito ajudou a jovem Talita. Ela entendeu que ela era dotada de faculdades dadas por Deus desde o seu nascimento, e que o que ela chamava de sobrenatural era a manifestação natural da natureza. Talita tinha na época dezoito anos. Nunca mais ela tivera visões. Isso durou muito tempo. Talita passou no concurso do estado, foi trabalhar como servente de uma escola estadual. Seu marido, um rapaz iluminado, era ajudante de pedreiro. O moço, embora, muito trabalhador, nunca gostou das letras. Mas, era um crente fiel.
- Talita! Talita!
- Sim!
- Celestino vai levantar a mão contra o pastor. Ele deseja ser pastor em seu lugar.
- Como? Quem fala? A voz falou-lhe três vezes. A menina estava lavando o banheiro da escola. Com a força do transe ela caiu inconsciente acordando em casa. Seus familiares nada sabiam. O médico do posto disse que o ocorrido foi por causa da gravidez. Todo mundo se aquietou, menos Talita. “E agora?” “O que vou fazer?” Essa se tornou sua preocupação. As visões da moça eram agora acompanhadas de vozes. A tudo ela atribuía à força do Divino Espírito Santo. “Eu sei que Ele está em mim”.
Celestino venceu o pastor e o expulsou da igreja. Convenceu a Associação a colocá-lo como pastor. O diácono velho e tarimbado, finalmente, chegara ao cargo que tanto cobiçara. “A igreja do Evangelho Santo terá o maior ministério de sua história”. Os diáconos estavam do seu lado. Coisa que não acontecera com os outros pastores. Sempre eles foram oposição a qualquer um que subisse ao púlpito. Seu Sandoval perguntou a Celestino na primeira reunião de obreiros: “O que você fará com os místicos e renovados da Igreja?” “Eles sentirão o peso de minha mão”. Essa foi a resposta do diácono pastor.
Três meses passaram. A barriga de Talita chamava a atenção de todos.
- Minha filha louvado seja Deus por ti.
- É minha mãe. O Senhor tem nos abençoado muito. Deus abençoe Celestino nessa nova missão.
No culto de quarta feira. A igreja estava reunida para ouvir a pregação do presidente regional da Associação. O pastor Honorato. Este discorreu sobre a importância dos dízimos e das ofertas anuais de missões. “Meus irmãos, O Brasil é o celeiro do mundo, a pátria do evangelho!” Enquanto o homem pregava, Talita sentiu a presença de Deus, como ela dizia. Ela via Celestino visitando Honorato no Hospital. O pobre pregador de missões estava muito ferido. Ele estava na UTI. Depois Celestino anunciava a Igreja a morte do homem. Ele seria seu sucessor. Talita num ímpeto se levanta e diz a Honorato que não viajasse aquela noite para Salvador. A mensagem parou, a igreja ensurdeceu, e todo muito olhava para cara do outro.
- O sangue de Jesus tem poder! Gritou Celestino.
- Foi o Senhor mesmo quem me falou! Respondeu Talita.
- Você deve estar possessa, minha filha! Isso não se diz!
- Eu devo dizer a palavra do Senhor! Continuou Talita.
- Deve estar possessa mesmo! Alguns diáconos foram até Talita e chamaram os fiéis para uma oração de intercessão pela vidente. O povo gritava, alguns falavam em línguas. E toda a congregação entrou em estado de loucura coletiva. Com a emoção Talita passou mal sendo levada ao hospital. A eclampse foi fulminante. A criança morta teve de ser retirada as pressas; a mãe ficou sob observação no hospital. Era noite quando um velho negro entra na enfermaria onde Talita estava.
- Minha filha Deus vê pelos olhos do homem?
- Então o homem vê pelos olhos de Deus? Respondeu Talita inconsciente.
- Sim, é certo. Mas, nem tudo que Deus mostra; o homem quer ver.
- Sim, eu sei; eu vi.
- Põe teu barraco e ora com o povo, e pelo povo. A oração muito pode. Teus olhos verão a bondade de Zambi.
Talita voltou à consciência. A lembrança daquele rosto negro e sereno não saía de sua cabeça. Ela decidiu não mais perguntar nada a dona Vera, a chefe do grupo de oração. Separou um horário em sua humilde casa e começou um grupo de oração. No início era ela e o marido. Depois o povo foi chegando. Uns vinham doentes, outros sem orientação, outros viciados, e muitos com a vida atrapalhada. A oração e a vidência de Talita atenderam a todos. A cidade de Campos sabia da oração da casa de Talita. “Leve um quilo de alimento senão ela não te atende. É para os pobres, mulher!”
- Menina, eu tive lá para saber se Cledson me amava. Pois, a mulher não disse que ele estava com outra, mas, que ele gostava de mim.
- E foi mulher?
- Foi.
- Eu soube da mãe do finado Flávio, a pobre nunca se conformava com a partida do filho, pois a vidente num recebeu o espírito do finado! Diz o povo que ele esteve em uma colônia que fica aqui perto da terra.
- E foi comadre?
- Foi.
- Será mesmo?
Talita se tornou mulher de oração. Uma vidente desse mundo de Deus. Sempre um velho negro rondava sua casa. Muitas vezes ela sonhava com ele, sentado em um toco, fumando seu cachimbo. O cheiro de alfazema enche seus pensamentos. Deus veio na forma de um bicho – uma pomba para João Batista. Para Talita, Deus apareceu na forma de um escravo, um Preto Velho...
Tobias Barreto, 27 de janeiro de 2012. Roosevelt Vieira Leite
terça-feira, 8 de maio de 2012
Educação e cultura de massa segundo Maria da Graça Setton
Setton (2004) busca compreender os usos que a população faz das mensagens midiáticas. Ela atenta para a transformação que a educação tem passado diante da emergência da cultura de massa. De acordo com ela, a família, a escola tem perdido o monopólio enquanto responsáveis “pela transmissão e produção de um saber” (2004; p. 60). É por essa influência que Setton (2004) acredita que não adianta se falar em educação popular no Brasil se não se analisar a educação diante do fenômeno da cultura de massa, e é devido a isso que ela observa que “seria necessário desconstruir sociologicamente nossas resistências sobre ele” (2004; p.75).
É como forma de tentar reavaliar a construção que foi feita em relação à cultura de massa que Setton (2004) vai fazer uma análise sobre as noções de cultura, cultura popular e cultura de elite. Segunda a autora, todas essas noções “expressam um conflito, uma tensão de ordem política no interior do campo intelectual (2004; p.61), ou seja, “expressam uma tomada de posição de alguns segmentos em relação a um saber que valorizam ou desprestigiam” (2004; p.61). A cultura é um campo de luta entre diversas classes, mas também um espaço de criação, de “contaminação/hibridização com a cultura hegemônica e/ou dominante” (2004: p.72).
Para Setton (2004), ao invés de se pensar a cultura de massa enquanto esses processos contínuos de mesclas nós passamos a considerá-la de forma reduzida. Para ela, isso tem dificultado a compreensão de como os vários segmentos sociais fazem uso dela. Por isso que Setton “dedica-se a pensar o que as pessoas fazem com esses conteúdos” (2004; p.60), passando a “investigar as formas de articulação e apropriação dessas mensagens pelos diferentes públicos” (2004; p.63), ao invés de pensar a cultura de massa apenas enquanto conteúdos ideológicos que reforçam apenas as relações de dominação através da mera passividade de seu público.
Sua discussão busca privilegiar o processo criativo da produção e da recepção cultural das mensagens. O que a autora ressalta são as “novas possibilidades de interação a partir da difusão e troca de signos, valores e saberes sociais” (2004; p.61). Para Setton (2004), o receptor da mensagem, antes de se reduzir a uma mera condição de passividade, é também responsável pela produção de novos sentidos, pois cada receptor também é capaz de apreender os sentidos das mensagens de forma autônoma, visto que “a etapa da interiorização é essencialmente particular e singular, derivada sobretudo da trajetória anterior de cada um” (2004; p. 62).
Mas o que se nota é que os educadores tendem a não aceitar “a predominância da cultura de massa em relação à cultura escolar” (2004; p.62). Contudo Setton ressalta que “antes que a escola se universalizasse, antes que o saber formal se tornasse referência educativa para grande parte de nossa população, antes que a língua escrita estivesse generalizada em todo o território nacional, o rádio, a TV e o cinema já eram velhos conhecidos da população” (2004; p.62). Segundo dados do Censo Demográfico 2000 “53% da população brasileira freqüentou menos de 7 anos a escola (...) 87,7% possuem televisão, 87,4% possuem rádio” (2004: p. 63).
Porém, para a autora entre os educadores e pesquisadores sempre “houve uma incompreensão e/ou desconhecimento das elites intelectuais em relação ao lazer dos segmentos populares” (2004; p.66). Ela atenta que tudo que foge de algo visto como sério e elevado, é visto com inferioridade. Segundo a autora, isso acontece por que a idéia de cultura é carregada por um forte viés etnocêntrico, terminando por diferenciar “a cultura hegemônica, burguesa e letrada e a cultura popular de massa” (2004; p.66), ou seja, a partir de uma ótica acadêmica e privilegiada, “desenvolvemos uma certa arrogância ao analisar a cultura midiática” (2004; p.75).
Apropriando-se da teoria de Bourdieu, Setton (2004), acredita que os educadores se apropriam do capital cultural, ou seja, de uma ferramenta que serve como um recurso social de distinção. O capital cultural se refere a “um conjunto de símbolos e práticas promovido pelas instâncias culturais legitimadas, família, escola” (2004; p.73). Vale notar que inserido em um ambiente educacional, esse capital serve como um valor de troca que é convertido em novas formas de poder e prestígios sociais, isto é, serve como “símbolos de distinção, signos de diferenciação, elementos que hierarquizam e criam barreiras entre os indivíduos” (2004; p.73).
Com isso o ambiente educacional contribui para a reprodução das diferenças sociais, assim como a manutenção das hierarquias e de privilégio construídos pelo capitalismo. Os educadores ao negarem a cultura de massa, terminam por reforçar a distinção da informação nos ambientes escolares separando “aqueles que a detêm – os escolarizados – e os “outros”, os iletrados” (2004; p.73). É por contribuir com a reprodução que os modos de saber mais populares tendem a ser desclassificados e desvalorizados fazendo com que “qualquer diferença cultural em relação à cultura hegemônica seria expressão de um atraso” (2004; p.74).
O problema disso tudo é que, ao mesmo tempo em que os educadores insistem no discurso etnocêntrico acerca da cultura de massa, essa mesma cultura faz parte da realidade do alunado. Como observa Setton, “a ação pedagógico-informativa das novelas, seriados, shows de variedades e filmes parece estar mais presente do que a ação escolar” (2004; p.63). Para Setton (2004), a cultura de massa deve ser encarada como uma ferramenta útil para a educação, visto que ela vive no imaginário social. Como afirma a autora, a “cultura de massa, acabou por servir como espaço de produção de um conhecimento e de uma leitura sobre o Brasil e seu povo (2004; p.66).
Por isso que Setton (2004) acredita na possibilidade de se trazer a cultura de massa para os ambientes escolares, ao invés de se insistir no discurso distintivo entre cultura “elevada” e cultura “vulgar”. Por se encontrar diante da cultura de massa, a autora acredita que “o estudante moderno não age e não se estimula com os mesmos processos didáticos e educativos tradicionais” (2004; p. 60), pois se por um lado a educação exige o “silêncio, destreza em um único tipo de linguagem (...) hoje a informação e o saber estão pulverizados em várias linguagens (2004; p.60). Daí a necessidade de um saber fora dos eixos tradicionais.
Segundo Setton (2004), diante da cultura de massa, o estudante termina por adquirir conhecimentos sem qualquer espécie de cobrança a partir da diversão. Através de programas que a autora chama de paradidáticos, a ação pedagógico-informativa das novelas, seriados, filmes, encontra-se mais presente em sua realidade sócio-cultural e expressa “uma demanda que há muito a escola e demais agentes tradicionais da educação deixaram de promover” (2004; p.64). Para isso, faz-se necessário a desconstrução do “julgamento elitista que a academia e nós, professores, temos em relação a uma variedade de produtos da mídia” (2004; p.61).
Portanto, cabe aos educadores promoverem outro olhar acerca da cultura de massa, deixando de lado a postura muitas vezes maniqueísta e excludente. Não podemos mais valorizar na escola os valores e as escolhas de forma diferenciadora. Como o “imaginário ficcional das mídias há muito mais tempo vem colonizando os nossos espíritos” (2004; p.75), os educadores devem admitir que “os espaços educativos já não são mais os mesmos” (2004; p.60). E que por isso a cultura de massa “pode servir como complemento ou ampliação de um saber e uma cultura a que tradicionalmente poucos no Brasil tiveram acesso. (2004; p.75)
FONTE:
SETTON, Maria da Graça Jacintho. A educação popular no Brasil: a cultura de massa. Revista USP, São Paulo, n.61, março/ maio 2004, pp. 58-77.
É como forma de tentar reavaliar a construção que foi feita em relação à cultura de massa que Setton (2004) vai fazer uma análise sobre as noções de cultura, cultura popular e cultura de elite. Segunda a autora, todas essas noções “expressam um conflito, uma tensão de ordem política no interior do campo intelectual (2004; p.61), ou seja, “expressam uma tomada de posição de alguns segmentos em relação a um saber que valorizam ou desprestigiam” (2004; p.61). A cultura é um campo de luta entre diversas classes, mas também um espaço de criação, de “contaminação/hibridização com a cultura hegemônica e/ou dominante” (2004: p.72).
Para Setton (2004), ao invés de se pensar a cultura de massa enquanto esses processos contínuos de mesclas nós passamos a considerá-la de forma reduzida. Para ela, isso tem dificultado a compreensão de como os vários segmentos sociais fazem uso dela. Por isso que Setton “dedica-se a pensar o que as pessoas fazem com esses conteúdos” (2004; p.60), passando a “investigar as formas de articulação e apropriação dessas mensagens pelos diferentes públicos” (2004; p.63), ao invés de pensar a cultura de massa apenas enquanto conteúdos ideológicos que reforçam apenas as relações de dominação através da mera passividade de seu público.
Sua discussão busca privilegiar o processo criativo da produção e da recepção cultural das mensagens. O que a autora ressalta são as “novas possibilidades de interação a partir da difusão e troca de signos, valores e saberes sociais” (2004; p.61). Para Setton (2004), o receptor da mensagem, antes de se reduzir a uma mera condição de passividade, é também responsável pela produção de novos sentidos, pois cada receptor também é capaz de apreender os sentidos das mensagens de forma autônoma, visto que “a etapa da interiorização é essencialmente particular e singular, derivada sobretudo da trajetória anterior de cada um” (2004; p. 62).
Mas o que se nota é que os educadores tendem a não aceitar “a predominância da cultura de massa em relação à cultura escolar” (2004; p.62). Contudo Setton ressalta que “antes que a escola se universalizasse, antes que o saber formal se tornasse referência educativa para grande parte de nossa população, antes que a língua escrita estivesse generalizada em todo o território nacional, o rádio, a TV e o cinema já eram velhos conhecidos da população” (2004; p.62). Segundo dados do Censo Demográfico 2000 “53% da população brasileira freqüentou menos de 7 anos a escola (...) 87,7% possuem televisão, 87,4% possuem rádio” (2004: p. 63).
Porém, para a autora entre os educadores e pesquisadores sempre “houve uma incompreensão e/ou desconhecimento das elites intelectuais em relação ao lazer dos segmentos populares” (2004; p.66). Ela atenta que tudo que foge de algo visto como sério e elevado, é visto com inferioridade. Segundo a autora, isso acontece por que a idéia de cultura é carregada por um forte viés etnocêntrico, terminando por diferenciar “a cultura hegemônica, burguesa e letrada e a cultura popular de massa” (2004; p.66), ou seja, a partir de uma ótica acadêmica e privilegiada, “desenvolvemos uma certa arrogância ao analisar a cultura midiática” (2004; p.75).
Apropriando-se da teoria de Bourdieu, Setton (2004), acredita que os educadores se apropriam do capital cultural, ou seja, de uma ferramenta que serve como um recurso social de distinção. O capital cultural se refere a “um conjunto de símbolos e práticas promovido pelas instâncias culturais legitimadas, família, escola” (2004; p.73). Vale notar que inserido em um ambiente educacional, esse capital serve como um valor de troca que é convertido em novas formas de poder e prestígios sociais, isto é, serve como “símbolos de distinção, signos de diferenciação, elementos que hierarquizam e criam barreiras entre os indivíduos” (2004; p.73).
Com isso o ambiente educacional contribui para a reprodução das diferenças sociais, assim como a manutenção das hierarquias e de privilégio construídos pelo capitalismo. Os educadores ao negarem a cultura de massa, terminam por reforçar a distinção da informação nos ambientes escolares separando “aqueles que a detêm – os escolarizados – e os “outros”, os iletrados” (2004; p.73). É por contribuir com a reprodução que os modos de saber mais populares tendem a ser desclassificados e desvalorizados fazendo com que “qualquer diferença cultural em relação à cultura hegemônica seria expressão de um atraso” (2004; p.74).
O problema disso tudo é que, ao mesmo tempo em que os educadores insistem no discurso etnocêntrico acerca da cultura de massa, essa mesma cultura faz parte da realidade do alunado. Como observa Setton, “a ação pedagógico-informativa das novelas, seriados, shows de variedades e filmes parece estar mais presente do que a ação escolar” (2004; p.63). Para Setton (2004), a cultura de massa deve ser encarada como uma ferramenta útil para a educação, visto que ela vive no imaginário social. Como afirma a autora, a “cultura de massa, acabou por servir como espaço de produção de um conhecimento e de uma leitura sobre o Brasil e seu povo (2004; p.66).
Por isso que Setton (2004) acredita na possibilidade de se trazer a cultura de massa para os ambientes escolares, ao invés de se insistir no discurso distintivo entre cultura “elevada” e cultura “vulgar”. Por se encontrar diante da cultura de massa, a autora acredita que “o estudante moderno não age e não se estimula com os mesmos processos didáticos e educativos tradicionais” (2004; p. 60), pois se por um lado a educação exige o “silêncio, destreza em um único tipo de linguagem (...) hoje a informação e o saber estão pulverizados em várias linguagens (2004; p.60). Daí a necessidade de um saber fora dos eixos tradicionais.
Segundo Setton (2004), diante da cultura de massa, o estudante termina por adquirir conhecimentos sem qualquer espécie de cobrança a partir da diversão. Através de programas que a autora chama de paradidáticos, a ação pedagógico-informativa das novelas, seriados, filmes, encontra-se mais presente em sua realidade sócio-cultural e expressa “uma demanda que há muito a escola e demais agentes tradicionais da educação deixaram de promover” (2004; p.64). Para isso, faz-se necessário a desconstrução do “julgamento elitista que a academia e nós, professores, temos em relação a uma variedade de produtos da mídia” (2004; p.61).
Portanto, cabe aos educadores promoverem outro olhar acerca da cultura de massa, deixando de lado a postura muitas vezes maniqueísta e excludente. Não podemos mais valorizar na escola os valores e as escolhas de forma diferenciadora. Como o “imaginário ficcional das mídias há muito mais tempo vem colonizando os nossos espíritos” (2004; p.75), os educadores devem admitir que “os espaços educativos já não são mais os mesmos” (2004; p.60). E que por isso a cultura de massa “pode servir como complemento ou ampliação de um saber e uma cultura a que tradicionalmente poucos no Brasil tiveram acesso. (2004; p.75)
FONTE:
SETTON, Maria da Graça Jacintho. A educação popular no Brasil: a cultura de massa. Revista USP, São Paulo, n.61, março/ maio 2004, pp. 58-77.
Assinar:
Postagens (Atom)