terça-feira, 3 de abril de 2012

A vanguarda e a cultura de massa segundo Eduardo Portella

Segundo Portella (1978), a vanguarda deve se encontrar diretamente vinculada à realidade da produção da significação de alguma localidade, afinal, de acordo com ele, a vanguarda é resultado de toda uma imersão social e deve se encontrar diretamente envolvida com as produções de significações construídas socialmente, uma vez que “o homem não é uma abstração, mas um enredo, que se desenvolve num determinado cenário, num tempo específico” (1978; p:12).

Quando a vanguarda não é resultado da visão do mundo, ela “será ingênua, será mera exibição de excentricidade, vago e ocioso capricho” (1978; p:12). Para Portella, essa é a condição da vanguarda no Brasil pelo fato do país historicamente ter necessitado copiar os modelos coloniais, e por isso mesmo de acordo com o autor, “a vanguarda seria o que vem de fora e não o que sai de dentro (1978; p:12). Para Portella, a vanguarda no Brasil não passa de uma mímica banal.

Limitada a essa característica submissa, a-histórica, a vanguarda no Brasil, antes de se encontrar inserida nas reais necessidades do contexto histórico, resume-se a um mero formalismo alheio a população em geral. É por isso que para Portella, quando a vanguarda abdica de partir através de uma leitura mais crítica da sociedade em seu tempo histórico, ela “perde a sua comunicação coletiva, deixa de ser o estilo de muitos para ser a moda de alguns” (1978; p:13).

É por avaliar a importância da vanguarda enquanto imersão social, que Portella diferencia a vanguarda do vanguardismo. Segundo o autor, a vanguarda se encontra diretamente articulada com a prática histórica substituindo a utopia abstrata pela utopia concreta, ou seja, a uma utopia capaz de se completar em realidade deixando de “ser a moda de alguns para ser a linguagem de todos” (1978; p:32), uma vez que cria “uma linguagem, produto originário de significações existenciais próprias” (1978; p:15).

Já o vanguardismo, sobre a plataforma da participação política, não preserva a memória presente, passada e futura por se encontrar submetido meramente ao tecnicismo, veiculando apenas “uma visão mecanizada da linguagem e da história” (1978; p:20-21), se auto-apresentando como portador de uma única verdade. O vanguardismo se revela “como modo de produção textual fechado e unidimensional” (1978; p:19) mantendo traços caracterizados por retóricas monopolizantes.

É por isso que para Portella, a vanguarda tem que abdicar de sua postura de vanguardismo e assumir sua condição histórica. A vanguarda não deve se subjugar aos valores limitados às técnicas, visto que essa mera submissão representa o empobrecimento da totalidade da existência e a arte constitui força humanizadora e fenômeno fundamental da própria existência, uma vez que a arte é uma relação mediada entre sujeito e o objeto, e que por isso mesmo não comporta qualquer unilateralismo.

A vanguarda, constituindo-se enquanto reflexo do processo hstórico, para alargar seu campo expressivo, deve constantemente se rever e atualizar a noção de vanguarda e com isso sempre buscar criar novos parâmetros artísticos. Contudo, a vanguarda deve ter em mente que o novo não existe isoladamente, ou seja, “o novo não pode ser um simples corte sincrônico: o novo tem uma velha história (...) o novo deve necessariamente ser o renovado, a tradição questionada pelo presente e revitalizada pela ante-visão do futuro” (1978; p:29).

O novo está incluso no processo histórico, e para entendermos esse novo, precisamos compreender o processo anterior para transformarmos o passado em um futuro de forma crítica, afinal, “a história não é só presente, ou futuro, ou passado. O tempo é uma estrutura unitária, onde contracenam futuro, presente e passado” (1978; p:35). É por isso que para o autor, a vanguarda terá de “descartar-se de sua submissão a-histórica ao “mito do novo” (1978; p: 63).

Em se tratando da cultura de massa, Portella observa que a criação é um processo limitado, pois se reduz à esfera da reprodutibilidade do consumo. Para esclarecer isso, o autor nos mostra que a criação diante da sociedade de consumo tem como finalidade apenas criar outro produto nas prateleiras do mercado, dando-nos muitas vezes a ilusão de que existem inovações, mas que essas inovações promovem a modificação dos elementos do sistema, mas nunca do sistema em sua totalidade.

A criação na sociedade de consumo se expressa através da desestruturação dos esteriótipos que “não passa de uma mímica enganadora, em cima da qual se implanta a nova esteriotipia e preserva-se a demanda do produto” (1978; p:44). Ou seja, “criar na sociedade dos nossos dias passou a ser sinônimo de gerar intermináveis necessidades de consumo. (1978; p: 45). Portanto, “enquanto a criação subverte toda a engrenagem, o mecanismo do consumo modifica apenas as peças da engrenagem” (1978; p:45).

O que podemos perceber é que quando a vanguarda é pensada enquanto uma prática histórica, maior será o seu campo de imersão e compreensão social. Quando a vanguarda abdica em encarar o homem enquanto agente ativo e passivo da práxis, ela tende a descontextualizá-lo dificultando o diálogo e a reconciliação dele mesmo enquanto totalidade do seu ser. Ou seja, termina substituindo o pluralismo crítico pela dogmatização de uma suposta superioridade.

No que diz respeito à cultura de massa, Portella (1978) observa que assim como o vanguardismo, ela se encontra diretamente relacionada ao tecnicismo marcado pelo contexto industrializado. O autor atenta que as duas linguagens terminam por buscar o padrão ao invés de desenvolverem mensagens propicias para novas produções e interpretações. Porém, o que Portella vem mostrar é que o vanguardismo com toda a sua arrogância e prolixidade, diferente da cultura de massa, terminou por ser rechaçado da história.

PORTELLA, Eduardo. Vanguarda e Cultura de massa, editora Tempo Brasileiro, 1978.

2 comentários:

  1. Vina,


    Nao tenho muita experiencia sobre a vanguarda brasileira. Mas pelo pouco que ja li, percebi exatamente o que voce, especificamente o autor Portella aborda. Sinceramente, vejo que essa caracteristica e disseminada pelo mundo todo a qual nao sabemos quem e responsavel pelo modelo. Vivemos em um mundo de copias e que devido a isso perdemos qualquer referencia. Nao levanto bandeira em prol ao nacionalismo, pois nao tem como nos prender a uma 'essencia nacional' se nem ela mesmo existe. A vanguarda e uma onda difundida pela europa. Se vermos a vanguarda do Cinema Novo no Brasil, Glauber Rocha teve como referencia o novelle Vogue na Franca tao defendio por Godard e o neo- realismo italiano por Rossellini. Acredito que a vanguarda nasce a partir de um sentimento de desconforto o qual necessita de mudancas. Isso so ocorre em lugares que expandem de maneira politica a sua pratica sempre contextualizando com a sua realiade, independente de ser Primeiro Mundo. No Brasil, vejo esse movimento muito disforme. Ha sim uma alienacao quanto a sua vanguarda, mas se comparo com paises europeus , o Brasil esta muito a frente, como Irlanda e Pais de Gales. Nesses paises, a cultura, falando em movimento artistico, estao muito arraigados naquela velha discurssao de que arte para ser arte deve seguir os conceitos classicos presos a epoca vitoriana.

    Abracos

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    1. Maira

      Como eu te disse no comentário acerca de seu ultimo texto publicado no torto, eu adoro quando você me traz essas desmistificações acerca do dito primeiro mundo por estar vivenciando o cotidiano na esfera pública irlandesa.

      Nesse sentido, eu acho que o Brasil não se difere muito da Irlanda não. É como o Portella mostrou: a vanguarda cai em um misero vanguardismo por se prender à técnica, à forma. Talvez seja como você disse, à época vitoriana. E pior: no caso do brasil, ela significa a própria xérox dos modelos hegemônicos, assim como você sempre fala que a Irlanda se submete aos modelos britânicos. Bom, não sei por aí, mas no caso do Brasil ainda possuimos um grande agravante que é a distinção gritante de classes. Temos uma dita intelectualidade caracterizada por sua arrogância e que afirma o seu poder utilizando a tática da prolixidade. É aquela história: eu sou melhor que você, pois estou provando com a minha arte que eu tenho um repertório vocabular maior que o seu a ponto de você não me compreender. Como disse nosso tosco regressivo Damião Experiença, " meu amor eu sou um intelectual e você é um débio mental e não entende o que eu falo".

      A grande decadência é que a vanguarda no Brasil é marcada por um excesso de técnicas que em um país de maioria sem escolaridade como a população brasileira, termina por não conseguir ser apriada sequer pelo meio acadêmico composto de alfabetizados funcionais, diferente da cultura de massa que mesmo se adaptando também ao tecnicismo, consegue responder ao entretenimento serializado do contexto industrial.

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