Atualmente eu estou residindo em Piranhas, município localizado no alto sertão de Alagoas. No entanto, vivendo cotidianamente com as experiências piranhenses, o que pude notar até então é que seus habitantes se encontram muito presos apenas aos discursos da cultura massiva. Sem tirar a importância que eu também visualizo nesse tipo de cultura, mas infelizmente, essas culturas massivas tendem a diluir a memória de seus habitantes e o senso de história entre eles.
A cultura massiva, por ter como finalidade o consumo, tende a provocar esse lapso de memória entre os indivíduos justamente por se encontrar preocupada apenas com o resultado imediato do lucro. Além disso, esse tipo de cultura é marcada por uma tentativa de abranger um público consumidor em busca de produtos “novos”, correndo sempre em busca do amanhã, tendendo a retirar todas as particularidades e a historicidade que definem a cultura da localidade.
É claro que os indivíduos possuem valores próprios construídos socialmente. Ao viver em sociedade, os membros inevitavelmente constroem redes de relações entre eles e essas redes contêm códigos que fazem com que eles se reconheçam enquanto parte integrante de uma determinada cultura. Por isso mesmo que eu acredito que apesar de haver certa diluição da memória, não compactuo com a idéia de que essa memória seja por toda extinta.
Entretanto, o que noto em Piranhas é que a prática com a cultura massiva é excessiva. É interessante, mas mesmo que essa cultura não consiga apagar todos os traços que configuram uma dada realidade, por outro lado ela de certa forma abala qualquer particularização da localidade. É necessário fazer surgir eventos que dialoguem com a memória, com novas linguagem estéticas, e por que não, com a industria cultural também.
Não sou por todo um oponente da indústria cultural. Acredito que esse modelo de cultura terminou por se adaptar a toda uma organização burocrática típica da sociedade industrializada. Se vivemos em um contexto no qual o lucro é a finalidade de tudo, a cultura não foi uma exceção. Porém, a minha critica se direciona a partir do momento em que vejo uma indústria da cultura segregadora, rotineira, e que não permite aos indivíduos vivenciarem outras formas de linguagens estéticas.
A arte tem como função primordial possibilitar com que o sujeito inserido em seu contexto histórico passe a se reconhecer enquanto um agente construtor e ativo dessa história. O papel da arte está em provocar no indivíduo um estranhamento, fazendo com que a partir desse estranhamento, ele passe a se situar no seu tempo e no seu espaço, mas para isso, a arte deve buscar provocar o re-questionamento do indivíduo com a totalidade do seu ser e com as contradições dadas em seu dia a dia.
Ao colocar o indivíduo em confronto com as contradições, a arte gera um indivíduo capaz de reavaliar o seu olhar acerca do mundo no qual ele se encontra, além de proporcionar a ele um desencontro consigo mesmo estimulado pela arte, para que com isso ele passe a se situar em seu contexto. Portanto, a função da arte é desenvolver no sujeito um olhar crítico capaz de indagar e se orientar em seu contexto, abrir um leque que permita com que ele explore todos os caminhos possíveis de sua percepção.
É por isso que Piranhas deve começar a criar eventos que possibilitem a seus habitantes articular a sua história através de suas manifestações folclóricas, como produzir um contato desses habitantes com outras formas de linguagens que não fiquem reduzidas apenas a mesmice da cultura de massa. Tendo essa concatenação entre o passado, enriquecimento com outras diversidades estéticas e diálogo com a cultura de massa, poderemos tornar esses indivíduos mais aptos em fazer uma leitura mais crítica do mundo.
Entretanto, temos que ter cuidado em não cairmos no olhar elitista de querer separar o forró eletrônico, pagode, arrocha, com o discurso da pureza cultural do folclore. Devemos estar aptos em compreender que a diversidade não deve ser apenas falada, e sim, apreciada, pois do contrário, faríamos um evento capaz de agregar as diferenças, mas de forma segregadora. O importante é fazer com que os indivíduos sejam capazes de visualizar o processo histórico de várias formas de cultura de sua localidade.
O importante é se criar um evento capaz de agregar em um mesmo espaço e ao mesmo tempo, uma mistura de tendências. Encontraríamos nele música gospel, heavy metal, brega, musicas instrumentais, as alternativas, as de tendências mais experimentais, etc. Junto a isso teriam apresentações de danças, folguedos, peças teatrais, amostra de artes plásticas, artesanatos, palestras referentes à várias temáticas, amostra de artes cinematográficas, fotografias, culinárias, etc.
Ou seja, o importante é tornar o evento um espaço capaz de abarcar ao mesmo tempo uma variedade infinita de coisas. O objetivo é mostrar que em um mesmo espaço as diversidades podem muito bem co-existir entre elas. Além disso, o importante é mostrar que em um evento como esse, as pessoas possam ter a possibilidade de perceber que elas vivem em meio a uma realidade composta de infindáveis formas de estilos e que a sociedade é constituída por uma pluralidade de valores e culturas.
A proposta de um evento desse confrontaria os indivíduos com a diversidade, revelaria coisas novas e produziria novos sentidos a partir de uma re-elaboração de novos olhares produzidos por eles. Enfim, um evento disposto a gerar novas hibridações, trocas, fusões em uma miscelânea de tendências, estimulando a fazer com que os sujeitos percebessem que a cultura se amplia e se modifica constantemente, possibilitando com que eles se inserissem em um espaço mais plural e mais democrático.
Concordo plenamente com você. Temos que sair da mesmice...agregar e transmitir valores a partir da diversidade.Abrir um leque cultural para o deleite da população local.
ResponderExcluirRapaz, muito interessante a proposta. O texto foi desenvolvido com um cuidado admirável. Por mais que tenhamos que nos desvencilhar do olhar segregador, sabemos que a cultura de massa muitas vezes ameniza algumas tensões identitárias e, usando uma expressão sua, dilui as idiossincrasias.
ResponderExcluirMuito bom, caríssimo!
Abraço!
Parabéns pela iniciativa, a nossa querida Piranhas está carente de iniciativas culturais que promovam a cultura popular, resgatando sua história e suas manifestações culturais de raiz. Destaco o trabalho desenvolvido por Egildo Vieira, no campo da música entre outras iniciativas.
ResponderExcluirQue texto maravilhoso e o cuidado no seu desenvolvimento ficou perfeito, que visão apurada. Me alegro em ver que chegou alguém com esse pensamento inovador e que ao mesmo tempo não esquece dos valores antigos/tradicionais.Parabéns, sou filho dessa terra e torço para que um dia eu possa retornar para mostrar a minha arte aos meus conterrâneos e visitantes. Sou bailarino clássico de formação e arte educador em TEATRO. Boa ideia, devemos apoiar e desenvolvê-lo o quanto antes. VIVA O TOROTO, VIVA PIRANHAS!
ResponderExcluirAproveito o ensejo para dizer aos colegas do torto que decidi sair do movimento. Sem mágoas ou outras coisas, saiu em paz e deixo a paz para quem quiser um abraço. Roosevelt Vieira leite
ResponderExcluirVina,
ResponderExcluirSeu texto me fez pensar na seguinte questao: sera que a propria forca do capitalismo nao seja um requisito para que defendemos a nossa cultura local? Ou seja, se ha uma estrutura economica automaticamente ha recursos para que a tradicao nao se escoe pelo ralo da industrializacao. Se o governo, prefeitura, ministerio da cultura , no caso, investe em recursos, e mais provavel que ha uma conservacao de valores, por exemplo, museus, exibicoes de filmes, tudo, para que os cidadaos possam usufruir livremente.
Piranhas me lembrou a pobre Irlanda. Um pais pequeno, riquissimo em valores locais, mas esgotado pelas forcas do capitalismo, ou melhor, da cultura massiva. Uma vez argumentei que a principal avenida de Dublin- O`Connel Street- esta inundado de estrangeiros de toda parte do mundo , onde poucos, todos se comunincam pela familiaridade da linguagem universalizante de massa. Por nao haver uma circulacao economica nao investimento para que a cultura irlandesa seja bem `aproveitada`. Nao defendo a solidificacao da cultura tradicional a parte mudancas, mas a generalizacao da modernidade cultural e desapontador.
Abracos