quinta-feira, 19 de abril de 2012

Beabá

As exigências desumanas da filosofia se mostram aos iniciandos quando estes começam a tomar consciência de que a boa articulação da forma tem de estar associada ao fomento de questões problemáticas. Nesse ponto, em específico, as suas singularidades afastam-na da poesia, cuja articulação dos versos, seja através de rimas ou não, concentrando um sentido mais evidente ou não, cumpre já com a tarefa de promover rupturas. A tão falada busca pela verdade, há muito endossada ao vocabulário filosófico como principal meta do amigo da sabedoria, constantemente joga quem se aventura pela estrada escura do conhecimento sobre o paredão da ignorância. Comprimido a ele, impotente diante de seu incomensurável tamanho, a angústia de saber que, na verdade, pouco sabe emerge como primeiro e decisivo passo, e, nos seus desdobramentos, pode tanto lhe frustrar o ânimo para a busca de novas perspectivas e estratégias de atuação quanto lhe servir de mola propulsora na superação dos estorvos surgidos ao longo do caminho cujo marco final é a “verdade”. A filosofia é, então, por si mesma uma disciplina emancipadora, que alarga as certezas do indivíduo a possibilidades infinitas de redefinições, restringindo-lhe a pretensão de acomodar-se com o que conhece. No fundo, a atividade do filósofo, sendo reforçada continuamente pela autocrítica, resume-se a uma vontade perpétua de superação da ignorância e da indigência, uma vez que as suas ideias, tão sujeitas ao devir quanto tudo o que elas abraçam, encontram-se sempre a um ou mais passos da totalidade que perfaz o seu tempo. E este, como bem postula Heráclito, por morrer a cada dia a fim de viver sua própria morte, restabelece-se ao centro da investigação filosófica repleto de significados inéditos, confirmando a validade da mais verdadeira máxima socrática - “Só sei que nada sei” - como condição incontornável de quem se põe a pensar.

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