sexta-feira, 13 de abril de 2012

Dialética

Tese

Ambicionando o descanso, deito-me; tenho o corpo mole de viver os dias; ao lado, depois da parede, meu cachorro late, e, como sempre, é para ninguém. Escuto o chiado inquebrantável do rádio do meu vizinho; baladas carnavalescas grudam-se aos meus ouvidos; sem que eu perceba, depois de já ter desviado a atenção para outra circunstância, o visgo rítmico dessas músicas animadas, estúpidas como são, atuam nos meus lábios, e as canto para mim mesmo, sentindo depois vergonha íntima, numa espécie de mixórdia que deve ser silenciada. Vou ao computador, curvo a coluna para os lados da cadeira plástica, e olho o que vi há muito pouco tempo, fazendo caretas que ninguém as conhece, esmorecido pelo tédio, pelo calor, pela falta de vida da cidade onde vegeto dias previsíveis. Armo, então, ao quintal a preguiçosa velha; à sua frente, finco um banco onde possa despejar as minhas patas; comigo me acompanham fumo, o cachimbo e um livro, que decerto lerei como se não o lesse, enquanto sorvo e libero, pela boca ressecada, uma fumaça prazerosa. Anoitece, os mosquitos não me perdoam a carne, e a comem, penicam, deixando-a rubra e repleta de abscessos. Desarmo, destituído de energia, o circo montado para o espetáculo do conhecimento - cadeiras e utopias, cada uma no seu lugar. Um inverno soberano, de repente e absurdo, me arrefece à alma e, ofegante, ponho na xícara talvez o décimo café do dia. Janto como um javali guloso; logo após estiro o meu corpo gordo sobre a cama, com o ventilador ligado ao pé da minha cabeça, e olho as telhas inexpressivas perante à escuridão que preenche meu quatro. Um alívio de estar perdido dá-me a mão repugnante; adormeço pensando em futuro, trabalho... Cruel, muito cruel, quem me pôs dentro das veias esse sopro orgânico. Sonho a felicidade como uma realidade inadmissível.

Antítese

Em face das nuances contingenciais da existência, apresenta-se, como escopo, a verdade – síntese de um tempo justaposto a outro. Há quem desmereça, frente o espetáculo, a importância do pão, nutrindo mais sua alma de quadros e de poemas que lançando mão de esforços para erradicar a fome e a miséria. A filosofia, a exemplo da boa vontade, tergiversa estacionada ao fulcro de sua imaterialidade, e a história, vista em recorte, torna-se, com todos os seus Césares, um estorvo intransponível. Insatisfeito com a monotonia de sua autorreflexão construtora de últimas verdades, o homem converte as imagens obtidas através de sua clarividência em crença, advogando, sem nunca medir esforços para alcançar os almejados fins, que os niilistas muito esclarecidos subam ao trono deste mundo vil para, despótica e indiferentemente, governá-lo. Obsessos em seu cansaço, regurgitando a insatisfação de uma tal dor geral e infinita, os cabisbaixos contemporâneos são puro solipsismo, guiados sob as trevas pelo imperativo hedonista do prazer irrestrito, e a sociedade, sob a suspeita contínua de uma irrefutável cosmovisão, é senão aquilo que se encontra abaixo de narizes oniscientes cuja intuitição é inconteste. As particularidades são generalizadas, atribui-se ao homem uma essência primária e assim, nas trincheiras das batalhas hodiernas, vemos tiros contra moinhos de vento enquanto os verdadeiros dragões cingem entre os dentes o reino decadente a ser salvo.

Síntese

Um espectro ronda a UFS – o espectro da plena indignação. Se os nossos representantes antes desdenhavam de seus opositores levando a termo o sarcasmo e o cinismo afiançados pela estabilidade eleitoral conquistada ao longo dos tão exibidos cinco anos de gestão, agora, transposto o tempo em que o sofisma da radicalidade acobertou uma voz mais áspera e convicta dos seus desejos, ninguém pode mais se dar ao luxo de, usando a antiga fórmula, denegrir a intencionalidade da postura irascível que já foi tomada e muitas vezes mais ainda queremos assumir: estando à altura do problema contra o qual nos rebelamos, não poderia ser mais franca e orgânica do que ela é.

A leviandade com que as questões estudantis até aqui foram tratadas, desnudando a fraca seriedade da Integração-UJS mesmo aos olhos mais relapsos, traduziu para nós, os indignados, o maior êxito político que os nossos representantes obtiveram durante todo esse período: ter contribuído para que os estudantes da UFS, alheados da realidade supurada, sequer pudessem chamar a si mesmos de desatentos. A Integração-UJS os fez simplesmente indiferentes e, em uso de um catecismo profano que foge em todas as medidas ao arcabouço ideológico que a antepara no nível da teoria, imprimiu sobre o corpo discente a resignação e a opinião mecânica como imperativo categórico. Porém, ao ter logrado quem se detém aos dilemas da universidade criticamente pondo-lhe o bordão de radical, conjurou os seus fins levando adiante um asqueroso jogo de compadres, o mesmo que condenou o Brasil ao apodrecimento, sem nunca discutir um problema verdadeiro à luz do dia. Ora, o ditado é muito claro: quem não deve não teme!

O indivíduo que se atém ao valor da experiência cotidiana e faz dela o alicerce sobre o qual erige os seus pontos de vista, sente brotar dentro de si um forte sentimento que, se não é retido como um apetrecho castrador em razão do qual uma ficção pessoal é delimitada, atua sob a circunstância de uma brutal sede de mudança. O fato estranho, porém, nasce quando a situação dada como objeto concreto a ser discernido através de nossa vivência é solapada pela projeção ingênua que a faz um estágio degradado da vida a ser superado futuramente, com a aquisição de ferramentas facilitadoras que a tornem prescindível. Ou seja, o fato estranho da UFS é vê-la como a caracterização perfeita de como as pessoas tratam a coisa pública, fazendo desta dimensão presente um atributo de menor importância frente a tudo o que se irá ter depois. Isto é: ainda que o Padre Pedro-Campus represente um singelo gesto de humilhação aos estudantes por parte das empresas, os mesmos preferem se subjugar ao que ele é enquanto coisa dada e que pode ser transposta a cobrar das empresas um transporte público mais decente – em outras palavras, eles são cônscios de que a vida lhes dá garantias de que entrarão na Petrobrás e comprarão um carro. A mesma lógica serve para explicar o sentido primordial da relação que os estudantes têm com universidade em geral.

Desse modo, que há de radical em se lançar à luta para confrontar essa lógica dispersa e pouco engajada com compromissos mais nobres? O sofisma da radicalidade é um artifício esdrúxulo – e, sem dúvida, elaborado por um ignaro – usado para redobrar os estudantes e reciclar o monopólio do DCE. Que outra razão haveria para se explicar o corpo mole da Integração-UJS em relação a assuntos urgentes como o transporte público e os problemas ocasionados pela expansão impensada da universidade? Observe-se que o sufocamento da dialética propugnado pelos nossos representantes não remete a uma gestão democrática, construída sob os auspícios da totalidade, mas a um regime tirânico onde uns poucos ditam as regras. Sendo assim, representantes, é importante lhes frisar: os indignados, além de seus inimigos declarados, querem restituir à universidade todas as suas potencialidades, preenchendo-lhe até mesmo com aquelas que antes da hecatombe ela não tinha.

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