terça-feira, 12 de junho de 2012
A collage surrealista segundo Aline Karen Fonseca
Neste artigo, Fonseca (2009) busca informações que definam o que é collage. A autora chama atenção para a diferença entre a colagem e a collage. A collage é um processo de composição onde não existe a necessidade de cola para se realizar, encontrando-se ligada ao processo de aleatoriedades dos elementos e a sua posterior articulação. Na collage “dois elementos são fundamentais: primeiro, a fragmentação e, depois, a junção desses fragmentos” (2009; P.60). A collage se encontra vinculada à capacidade de conscientização do sujeito ao invés de se limitar às preocupações “da matéria e da decoração” (2009; p.60)
É por isso que para Fonseca (2009), a collage, antes de ser meramente parte do processo de criação, funciona como uma forma significativa do indivíduo com o mundo. A produção de sentido na collage é provocada a partir do instante em que as relações de palavras, imagens e demais formas de movimento provocam uma “modificação do contexto das imagens existente no processo” (2009; P.60). A partir de uma função simbólica das imagens alteradas de sua forma original, o indivíduo readquire o sensível, reconhecendo o próprio sentido de sua existência, de sua forma de interpretar o mundo.
A autora atenta para o fato de que a sobreposição e as junções de imagens começaram a ser interpretadas “principalmente a partir do século XX, com o cubismo, o dadaísmo, o surrealismo e outros movimentos artísticos” (2009; p.54). Porém, para Fonseca (2009), a menção mais evidente da colagem surge no ano de 1903 em Paris com o cubismo principalmente a partir de 1913 com o cubismo em sua segunda fase classificado como cubismo sintético no qual “os artistas buscam recompor o objeto deixando-os mais reconhecíveis, momento em que iniciam os trabalhos com as colagens” (2009; p.56).
Porém, foi a instauração do surrealismo nas artes plásticas que marca definitivamente a entrada da collage. Por se apropriarem das teorias psicanalíticas de Sigmund Freud, os surrealistas acreditavam na possibilidade da consciência se libertar dos recalques do inconsciente gerando produções inesgotáveis de obras autênticas. No entanto, para Fonseca não existem possibilidades de uma criação vinda diretamente do inconsciente, pois “a conjugação das imagens só acontece com a consciência da mesma” (2009; p.63). Ou seja, não há como algo se materializar sem passar pelo crivo do consciente.
Contudo, o que podemos averiguar é que com a collage do surrealismo, através de uma nova composição de elementos dá “a esses elementos um novo significado”. (2009; p.60). Ou seja, os surrealistas buscavam apreciar o processo no qual o uso da imagem supostamente real passava a ser transformado numa outra realidade, isto é, “uma nova linguagem possível através de uma nova relação de imagens que já existem” (2009; p.59). O que a collage objetivava era fazer com que através dos recortes, o indivíduo passasse a produzir seus próprios sentidos.
Na collage ocorre a reutilização do código e uma re-significação do símbolo. No processo de collage, a partir do deslocamento dos objetos do seu sentido originário, o indivíduo se encontra capaz de se revelar no momento em que a partir do deslocamento das funções dos objetos cotidianos, ele passa a se re-apropriar de novos sentidos através da aceitação dos seus próprios significados. Com os recortes da collage, o objeto é retirado de sua posição social, trazendo novos significados “sugerindo uma nova dinâmica, com novo contexto ou reflexão” (2009; p.61).
O que a collage mostra é que a partir do instante em que os recortes retiram o sentido das imagens do seu sentido original, ocorre o estranhamento do indivíduo em relação ao seu contexto para posteriormente aceitá-lo quando os significados passam a ser re-apropriados por ele. Com a apropriação do próprio sentido, o indivíduo passa a ser um lugar de encontros e desencontros dele mesmo, pois ela gera “o processo de distanciamento provocado pela fragmentação e produzido através da recriação da realidade” (2009; p.54). Através dos deslocamentos, a collage possibilita a re-colocação dos sentidos.
Ao mesmo tempo em que a collage rejeita a codificação do mundo enquanto uma verdade absoluta, ela provoca a re-codificação desse mundo por parte do indivíduo. Em outras palavras, o que a collage objetiva é fazer com que o indivíduo passe a reconhecer a sua capacidade de desmembrar infinitas possibilidades de traduzir, de recriar sua própria realidade através da re-apropriação do sentido construído por ele mesmo. É por isso que na collage, “a escolha não é caótica nem enumerativa, mas sim aleatória e necessária, guiada pelo desejo e pela creação pura do espírito” (2009; p.61).
É por seu interesse em provocar resultados estéticos que a collage no surrealismo, antes de se reduzir a uma mera negação da realidade, representa uma das infindáveis formas de criação dessa mesma realidade, mostrando que “a imaginação, o sonho, o delírio, criam realidades também legítimas” (2009; p.58). Com isso, o surrealismo não tem nada de irracional. A fragmentação da collage não implica em apenas destruir a realidade, mas sim, de provocar uma mudança do objeto do seu sentido original para com isso possibilitar uma reconstrução da realidade através da consciência individual e coletiva.
Na verdade, a idéia da collage é produzir uma própria revolta do indivíduo consigo mesmo através de uma reflexão consciente de seu estado, uma vez que ela “ataca a realidade com elementos que nela se inspiram, com o fim de voltá-los contra ela” (2009; p.59). O distanciamento ou a extração que destaca a essência de determinada cena cotidiana provocada pela collage promove o estranhamento do indivíduo em relação ao seu contexto, mas gera novos significados ao fazer com que esse indivíduo se re-aproprie desse contexto de acordo com a sua própria leitura de mundo.
Percebe-se com isso que o surrealismo se encontra preocupado com os resultados estéticos. A collage faz com que o indivíduo retire as imagens do seu sentido original provocando uma nova significação dessas imagens em um novo contexto. Com a collage o indivíduo tem a capacidade de criar, recriar, perceber e idealizar o mundo, possibilitando uma relação dele “não apenas com a obra de arte, mas com seus conhecimentos e experiências” (2009; p.63). É por isso que Fonseca (2009) acredita que a collage promove uma linguagem muito importante na educação.
O que a collage busca é a ampliação do horizonte do indivíduo em relação à sua própria realidade, assim como, uma forma de “ultrapassar a realidade e a banalidade estética” (2009; p.55). O seu propósito é o de livrar o indivíduo de qualquer modismo estético. A collage termina por servir como uma ferramenta que vai de encontro a qualquer intenção que reduza o cotidiano a uma questão banalizada e escravizada. Como observa Fonseca (2009), “a collage é a arte que dá uma nova chance para a imagem criada na consciência humana, a chance de ser luz de reflexão, grito de protesto (2009; p.63).
FONSECA, Aline Karen. Collage: a colagem surrealista. Revista Educação, volume 04, n. 01, 2009, pp: 54-64.
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