Três velhos amigos reúnem-se para degustar vinhos, fumar charutos e falar sobre assuntos cotidianos. Porém, ao encontrarem-se, nada foi proferido. Silêncio nas palavras. Permaneceram, assim, neste “silêncio” durante todo o momento em que estavam reunidos. Contudo, o primeiro deles, que estava angustiado, sem proferir em palavras, enunciou:
- Só os olhos são capazes de dar um grito.
Recostou-se na árvore e voltou a olhar os demais amigos. Às vezes voltava o olhar para coisas outras à volta. Por fim, bebeu um pouco de vinho e abaixou os olhos como quem estivesse tentando esconder-se.
- Abaixando os olhos, eu tiro a quem me olha um pouco da possibilidade de me descobrir.
Enunciou-se o segundo amigo, com seu olhar para aquele que velava seus sentimentos. Esperou com paciência alguma ação do angustiado rapaz. Nada. Ele encortinou-se com suas pálpebras. Mas deixou-se publicizar em sua imagem corporal. Estava disposto a não olhá-los mais, porém gostaria de ser visto, de expressar seu sentimento ainda pouco compreendido.
- O corpo e sua imagem dependem do olhar do outro: ver e ser visto são uma coisa só. O outro é, por princípio, quem me olha.
Com esta visão de mundo, o terceiro amigo lançou-se a olhar os demais. Permaneceu sentado na relva e suavemente tragava seu charuto. De súbito, entendeu que não podia interferir naquele silêncio. Talvez fosse melhor abraçar seu amigo. Não o fez. Apenas levantou-se, tragou o vinho, cuspiu, e sentou-se ao lado. Foi quando teve outro olhar, diante de um por do sol. Permaneceu fitando aquele alento natural. Foi aí que os demais passaram a olhar também.
Continuaram o três em silêncio, cada qual apreciando o sunset. Foi aí que uma quarta pessoa, desconhecida, aos gritos, com os olhos abertos e o corpo de criança, desafiou-lhes lançando uma questão:
- O que se vê depende de quem olha? Para onde vai o sol quando se esconde do nosso olhar?
*As frases enunciadas pelos olhares são de diversos autores que podem ser encontrados em "Troca de Olhar", in. http://incubadora.fapesp.br/sites/opuscorpus/
*As frases enunciadas pelos olhares são de diversos autores que podem ser encontrados em "Troca de Olhar", in. http://incubadora.fapesp.br/sites/opuscorpus/
Posso ser o quinto da trama? Vou com mais uma questão:- e mesmo se o que se vê depende de quem olha, por que mesmo observando o sol, ele se põe, mesmo que nós fiquemos a fitá-lo?
ResponderExcluirMuito sutil esse seu texto. Um torto sutil. Adorei!
abraços
Talvez o Sol vá gritar com os olhos que a imagem do corpo não se põe aos tragos do outro que, por princípio, não me olha, perdido em devaneios absurdos, sublimando o grito, o corpo e o olhar, sublocado na inconveniência do medo da morte, tal como o Sol de vir a ser Buraco Negro, num futuro distante. Ou acordar de um lapso de loucura.
ResponderExcluirDe uma singeleza...
ResponderExcluirEder,
ResponderExcluirmais uma vez seu texto me pegou. Tenho pensado muito ultimamente em como existimos unicamente através do olhar do outro. Se o outro não existe, eu também não existo? A existência só é possível se há o outro para atestá-la? Tenho desconfiado que sim.
Querido Vina,
ResponderExcluirTua pergunta me fez lembrar d'uma frase, salvo engano, do Los Hermanos: "O Sol sempre insiste em nascer".
Talvez por isso a sutileza do olhar e em olhar o sunset. Ele se põe para nascer aos nossos olhos, dia a dia.
Obrigado pelo comentário
abraços.
Caro Lou,
ResponderExcluirAcho que sempre acordamos com um lapso de loucura. Loucura para acordar, para ver, não ver, ser visto ou ocultar-se dos demais. Loucura de viver e para sobreviver nessa dilata estrada da vida que dói.
Ela dói sempre que não encontro o que está além sol.
Querida Renata,
ResponderExcluirSuas questões são sempre boas para pensar. Porém faço-lhe uma ressalva, pelo menos é o que advém meu ponto de vista.
O outro sempre existe. "O outro é, por princípio, quem não sou". Por mais que tentemos, muitas vezes, abster-se do "outro", ele sempre existirá. Ele está no que um amigo gente boa, indiano, o Homi Bhabha, chamou de entre-lugar. Em nossa trajetória de vida e percursos cotidianos sempre nos deparamos com aquele que queremos ver, ignorar, esconder-se...
Até mesmo quando ignoramos ou escondemo-nos de alguém é por que "atribuímos sentido ao outro". Para ignorar, por exemplo, você precisa reconhecer a existência dele.
Um dos fatos marcantes para contestar a existência do "outro" é a "indiferença", tema que tratarei aqui num próximo texto. Mas que o Alysson já pincelou por aqui, num texto sobre o sujeito "Blasé". Confira lá!
forte abraço.