quarta-feira, 14 de julho de 2010

Diálogo I

- Hoje em dia todo mundo é poeta
- Sim, até porque é fundamental sê-lo
- Por que?
- Deus era a dança da precisão e da imprecisão do universo, hoje cada vez menos ele é e está. A aceitação gradativa das contingências fizeram o homem tornar-se sujeito criador de sua própria apreciação estética; seu olhar opera tal qual um microondas, espremendo os fenômenos e cozinhando-os de dentro pra fora, a fim de recolher-lhes o sumo poético dos acontecimentos. Deus cada vez menos pinta os quadros, ao contrário, cada vez mais lhe atribuem o mero papel de fabricar as tintas (quando muito).
Deus cada vez menos existe em virtude da sorte dos afortunados: sua existência, em verdade, é cada vez mais suprimida pelo amargor das injustiças. Estas, por sua vez, não obstante não caberem nas obras de Deus, servem confortavelmente à poesia.
O mundo não está mais posto para ser reverenciado, e Deus não quereria unanimidade estética em relação a sua obra, não à toa dotou-nos de inevitáveis percepções individualizadas, aliás, ao meu ver, até mesmo o fazer científico pressupõe influência subjetiva. Escapemos, portanto, pela porta de emergência que é a poesia.
- Navegar é preciso
- Viver não é preciso
- Então vamos abrir mão de toda essa precisão e vamos lançar mão, sim, do que precisamos...

... E então soltaram o bicho homem...

3 comentários:

  1. Meu caro josué,
    O amigo muito bem colocou nossa codição psicológica.

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  2. Querido Josua,

    Essa articulação que você fez da percepção da contingência da vida com a "desacralização" do divino foi demais cara. Concordo com você quando observa a própria necessidade de deus em projetar infindaveis subjetividades pelo solo terreno. É por isso que a realidade humana se entorta, modifica-se, pois existem tintas e tintas, telas e telas para se pintar. O bicho homem tem começado a perceber a inevitabilidade de sua agressividade, ao mesmo tempo em que tem admitido a sua própria capacidade de invenção e de renovação, podendo repensar assim, a sua própria condição insitintiva. Soltou-se de Deus?

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  3. Esse dialogo é bastante interessante, pois deus passou a ser terreno, mas não deixou de ser espiritual. Explico: a compreensão do mundo ainda é muito influenciada pela razão, isso pode ser visto pelas notícias e informações que passam na tv e pelos investimentos em pesquisa, principalmente em tecnologia. Porém, cada vez mais, o sobrenatural, correntes espiritualistas, influenciam, inclusive áreas das ciências.
    A subjetividade está à solta, mas bem vigiada até mesmo por ela mesma.

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