Coloco-me à disposição do amigo para ouvi-lo falar sobre a esfera pública. Tomo por assalto as palavras dele e entendo que assim como todo filme estrangeiro traduzido em nosso país há um deslocamento do sentido original do roteiro (ou do sentido da palavra). No caso dos filmes, as mudanças da dublagem e tradução são às vezes drásticas, chegando ao ponto de transformar um filme de ficção científica num filme de amor (queria até citar um exemplo, mas fugiu-me o nome do filme). Eis o legado Herbert Richers.
Para contextualizar melhor o tema aqui, ontem estive num barzinho ao bom som do arrocha e enquanto observava os homens e mulheres dançando bateu-me fome. Pedi pastéis e uma cerveja. Chegam os pastéis, acaba-se a cerveja. Comem-se os pastéis. Pede-se a conta.
- Quanto? Uma cerveja e dois pastéis pequenos por R$ 8,00? Quanto é o pastel e a cerveja?
- R$ 2,50 cada pastel e a cerveja é R$ 3,00 – disse o graçon.
Reclamamos que o pastel não poderia ser tudo isso, ainda mais não havia o preço na comanda. O pastel era simples, pequeno, embora muito bom. Mas R$ 2,50 era muito. Foi daí que após ganhar R$ 1,00 de desconto, balbuciei.
- Melhorou. Viu como R$ 1,00 real vale muito. Comeria tranquilo amanhã no RESUN (restaurante universitário da UFS).
Sem esperar meu amigo responde.
- Eu fico é intranquilo em pagar R$ 1,00 ao Resun.
- Por quê?
- Não só pela comida, mas acho um absurdo pagar pra comer sabendo que a universidade é pública.
- Rapaz, público é o ensino e não a comida.
- Mas é isso! A universidade por ser pública tem que dar assistência. E a assistência deve cobrir tudo.
- Não concordo, pois público é o ensino e a assistência ela é para quem precisa, para alunos carentes que são isentos de pagar qualquer taxa na universidade. Ela é também residencial e psicológica. Os serviços públicos como em qualquer lugar são pagos. E outra, eu até pagaria R$ 2,00, como pago no RU de Ouro Preto, para ter uma comida melhor, com sobremesa, sucos e frutas!
- Isso é um absurdo camará! Tem que ser de graça.
- Rapaz, seria ótimo se assim fosse. Mas o governo não tem esse dinheiro todo. Afinal só na UFS são uns 10.000 alunos. É muito dinheiro no orçamento da união. Assim não há como redistribuir para quem de fato precisa.
- Entendo, mas e porque o governo tem dinheiro pra pagar R$ 15.000,00 para deputados e senadores que trabalham de 8h00 às 13h00? E quando trabalham...
- É neste sentido eu concordo. Eles deveriam ganhar somente uns R$ 4.000,00. Pensando desta forma até que vale repensar a questão do orçamento nacional. Mas, no que diz ao preço do Resun, não há do que reclamar. Por exemplo, a cerveja aumenta e ninguém reclama. Bebe! Os mesmos estudantes frequentam as temakerias, comem sushis que não enchem e não alimentam ninguém (quando sentimo-nos cheios nas temakerias é porque há bicarbonato de sódio no sushi) e pagam pelo menos uns R$ 30,00 e ninguém reclama. Compra-se maconha por R$ 40,00; paga-se R$ 11,00 num filme de duas horas no cinema; uns R$ 50,00 num livro (sabendo que as editoras são isentas de impostos e deveriam cobrar mais barato). E nada disso nos alimenta como alimenta o feijão e o arroz mesmo que duros do Resun.
- Mas é pública. Não pode cobrar.
- Ah, então você prefere pagar às instituições privadas, às empresas? Prefere pagar R$ 40,00 num almoço que muitas vezes nem é tão bom assim, mas reclama para não pagar em possíveis R$ 2,00 na UFS, que ao fim do mês, se você almoçar os 20 dias úteis de aula dá os R$ 40,00 gastos num dia só? Não entendo. Então você que se diz contra o capitalismo é ser a favor de pagar à empresa, mas é contra pagar o Estado pela mesma coisa?
- Se é privado é privado e tem que pagar! O que é público tem que ser de graça.
- Rapaz, não é assim. Você tá confundindo o espaço público onde todos têm alguma liberdade de estar e as instituições públicas que são mantidas pela União. Mas não significa que sejam os serviços gratuitos. Gratuito é a biblioteca, é a sala de aula. Mas o restaurante não é querer demais? Vejo uma inversão desses conceitos públicos e privados aí...
Esta conversa, embora bastante editada, pois seria impossível transcrevê-la sem usar um gravador, terminou assim, num silêncio sem respostas, pois a chuva chegou antes. Mas trago-a aqui para que possamos discutir as noções de público e privado, que no Brasil parece que não foram bem absorvidas ainda, como em países europeus e nos EUA. Tal como as dublagens que difundem outro significado para alguns filmes, a confusão que ocorre sobre o significado desta diferenciação público-privado, remete-nos a pensar como provavelmente absorvemos a noção de público no sentido “nosso” e privado aquilo que é do “outro”. Mas, se é nosso, por que tão mal cuidadas são as ruas e praças das cidades e até os livros da própria universidade? Por que muitos alunos não desligam as luzes e ventiladores das salas de aula como fazem em suas casas? Isso pesa no orçamento. Eis o legado da desconfiança brasileira frente ao Estado.
Querido Éder,
ResponderExcluirFoi bastante interessante você ter trazido esse debate referente ao público e ao privado. Realmente nós precisamos entortar um pouco essas concepções, misturá-las para comprendê-las, porem, faço aqui algumas observações:
1) Sabemos que atualmente, devido a intervenção constante dos mercados diante da esfera pública, definir o publico do privado é algo bastante polêmico, no entanto, eu acredito que de fato devemos ter a compreensão de que o privado é algo pessoal, e o público como algo que está disponível para todos. Por mais que minha casa pertença a rua e a cidade, ou seja, esteja misturada a uma esfera pública, eu não posso deixar de admitir que no meu quarto, só entra quem eu quero que entre, diferente da praça que fica atrás de minha casa que pelo menos teoricamente, se encontra disponivel para todos e não cabe a mim limitar quem deve ou não deve transitar nela.
2)Concordo com você quando observa que pagamos coisas muito mais caras fora da Universidade, mas vamos com cuidado: uma coisa sou eu saber que a Universidade reflete uma instituição de ensino pública, mas que não significa dizer que eu, enquanto cidadão, não tenha o direito de exigir que o espaço publico possa me garantir outros benefícios que não apenas os benefícios relacionados ao ensino.
Por exemplo: sera que um paciente internado em um hospital público tem que ter apenas o direito de cobrar pelo seu tratamento médico? E os que ficam internados por muitas semanas? Não precisa se alimentar? É justo que ele tenha que tirar do bolso dele o valor de uma refeição? Será que a instituição da saúde deve ser entendida como desvinculada de outras instituições? Como eu posso pensar um hospital, sem uma higiene, um bom saneamento? Como eu posso pensar em uma instituição de ensino pública sem segurança?
Coloco esses pontos, pois são garantias basicas que o nosso Estado, ao cobrar sua excessiva carga tributária a nós cidadãos, diz em seu discurso, ter como objetivo principal para a sociedade civil.
Realmente 1,00 não é um grande valor, porem, foi na sua argumentação dos pasteis no bar que você ao ganhar 1,00, viu que poderia comer no RESUN. Pense quantos alunos não se usufruiriam desse 1,00 para outras coisas! Sabemos que nem todos os discentes possuem condições para se manter. Esse 1,00 poderia ser guardado para se adquirir um livro ou qualquer outra coisa.
O que acontece é que vivemos em uma Universidade que não garante sequer a qualidade de ensino, o que dirá outras coisas como alimentação, segurança etc. No final das contas, os alunos têm que tirar xerox do próprio bolso, nem todos conseguem garantir um apoio de uma bolsa para estudar. E essa coisa de grandes orçamentos não engulo não. Na verdade, o que eu sei e que esses grandes orçamentos vão para outros caminhos que não para a Universidade Pública.
um público abraço privado pra você
Meu caro Eder,
ResponderExcluirO mundo está cheio de boas intenções. O brasil como parte desse mundo nem se fala. Quase que chorei pensando o quanto nosso país cresceria se ele não cobrasse o real do resum. Exemplo: Construiriamos uma ponte entre o Brasil e a África e pagaríamos nossa dívida oral com o povo de lá. Estou só brincando.hahaha. seu textofoi be construído, mas se enveredou um pouco pelo conto de fadas federal. O estado mínimo em um Estado que cobra tudo de todos e nada oferece com uma razoável qualidade deve ser deposto, porém, estamos tortamente codenados ao princípio moral do "cada um por si e o resto que se lasque". Então o Estado continua,mas sem o meu apoio para defendê-lo, apenas aceito a minha humilde codição de viver nele se poder modificá-lo e nem penso nisso, o que seria totalmente irracional e suicida de minha parte.
O erros ficam por conta do maldito teclado de Reuel.
ResponderExcluirCaros amigos,
ResponderExcluirConcordo com os argumentos e questões que apresentaram aqui. Mas deixei claro que as universidades dão sim assistência para os alunos que não tem condições de manterem-se. Por exemplo, alguns deles recebem recebem a bolsa de estágio que garante acesso gratuito a diversos serviços. Outros, os comprovadamente carentes, são isentos de pagarem taxas e o ticket do Resun. Então, no que Vina questionou, estes não tiram R$ 1,00 do bolso para alimentar-se. A universidade, mesmo com todos os seus problemas, garante esta assistência. O que está nas entrelinhas do texto é a crítica que faço às pessoas que não reclamam quando o valor da cerveja aumenta e que em uma noite só chega a gastar muitos reais para depois mijar na privada. Outra coisa é que deve-se levar em conta, e faço um apelo aqui para que não haja mal-entendidos, que fiz uma referência entre gastar, por.ex, R$ 40,00 num só almoço e gastar R$ 2,00 num almoço no Resun. Não acredito que o Estado seja mínimo no Brasil. Ao contrário; ele existe fortemente. O problema são os seus administradores que historicamente construíram pontes, às vezes desnecessárias, e deixaram de lado a construção da vida digna. Mexer com este tema é cutucar numa coisa que nós brasileiros estamos acostumados a ocultar: opulência na diversão. eu gasto com maconha e cerveja, mas não apóio uma comida de qualidade no Resun (isso é só um exemplo). Em Ouro Preto, por. ex, os alunos agradecem pela comida quem comem. Custa R$ 2,00 e tem ótima qualidade, com direito a suco e sobremesa ou frutas. Eu lutaria por isso, contanto que a universidade continue a fazer o que vem fazendo: isentando os carentes de pagar.
A discussão entre a separação do serviço público do privado parece que nunca acaba. Tornou-se lugar-comum a frase " pagamos impostos altissimos, mas se pelo menos eles utilizassem corretamente para o serviço público valeria a pena". Balela. A carga tributária brasileira é vergonhosa e nenhum tipo de serviço satisfaz a quantidade de dinheiro que nos roubam para alimentar essa porca. 42% do nosso trabalho cai nos cofres públicos, para uma assistencia humilhante e entristecedora, digamos quase que nenhuma. Digo quase para não nos esquecer da festas nababescas ( nada contra, amo TODAS ). Pagamos R$ 1,00 para ter um serviço com nível de péssimo a ruim, pois sem ele não teríamos nenhum. Serviços estes, de uma maneira ou outra, atribuído em algum dos seus níveis a empresas prívadas, o que ao meu ver não há mal algum, não levanto bandeiras anti-lucro, o fato é que o dinheiro eles já têm demais, deixa meu real em paz!
ResponderExcluirO que é estranho ainda, é ver como pessoas ainda enxergam o público e o privado separadamente, pois eles não existem. Em forma de simbiose, um alimenta o outro de maneira amistosa.
Em termos de mercado, sob análise de custos fixos e variáveis, creio que são praticamente nulos. Fica difícil imaginar uma universidade inserindo custos de produção, já que tanto os funcionários quanto a matéria-prima dos alimentos provém de verba já recolhida de impostos. Pagar por algo público é como pagar dobrado. Nos países em que a carga tributária alcança níveis tão altos quanto o nosso, creio, não há essa cobrança. Contudo, se os países da Europa que citou seguirem a mesma linha neoliberal que os EUA, os impostos serão baixos, justificando até uma possível cobrança.
ResponderExcluirCaro Anônimo,
ResponderExcluirConcordo de algum modo com o que dizes. A separação público-privado não colabora para o entendimento pleno dessas esferas. Porém, mesmo com a articulação na contemporaneidade, elas não são a todo o tempo inclusivas. Há espaços e esferas públicas/privadas, que são diferentes em suas concepções. Como já tratei das "esferas", me deterei sobre "espaços": Há lugares públicos/privados como ruas, a exemplo da Rua do Bom Jesus, no Antigo Recife. Por que é pública? Por que é privada? Por um lado, é rua, é local de passagem, é aberto para todos. Por outro, é rua de consumo, é local de consumo, e não é aberta para todos. Esse processo ocorreu no Bairro do Recife Antigo, onde só turistas e pessoas de alto padrão de vida tinham acesso a tal rua nos dias de eventos e consumo. Haviam cavaletes e seguranças para impedir o "pessoas estranhas" não entrassem. Como se todos nós não fossemos estranhos um ao outro. Mas era uma questão estética e economica.
abs,Eder.
É ridículo o simplismo muitas vezes evidente ate de quem aceita a simbiose das coisas. Uma coisa é termos cuidado em não separarmos de forma maniqueista, o público do privado; outra coisa é não querer admitir que não haja, mesmo diante dessa intensa confluência, o público e o privado. Tem gente que quando avalia as coisas separadamente tende a ser prepotente e minimo de criticidade, e quando enxerga a dinâmica da coisa, continua na mesma, ou seja, acreditando apenas em um lado ou em outro.
ResponderExcluirrs modifica la , a sociedade sempre este em processo historico , os indios foram massacrados afim de um modo de produçao pre capitalista e idem ao capitalismo , e no decorrer da nossa sociedade havera a continuaçao do processo e havera mudança , isso sera bem em breve ,
ResponderExcluirobs: nem imperios da antiguidade e nem feudalismo conseguiram destruir a natureza em larga escala , mas o capitalismo sim .
ALAN