sábado, 31 de julho de 2010

EXERCITANDO O NÃO PRECONCEITO

Não quero comentar nesse texto nenhuma perspectiva de defesa e nem acusação quanto as atitudes preconceituosas. Também não pretendo ficar em cima do muro, pois definir uma posição é essencial para iniciarmos a discussão sobre esse assunto e para evitar ficar em cima do muro, afirmo que todos nós somos preconceituosos e que não existem pessoas sem preconceitos. Isso é construído a partir de nosso processo de socialização, ou seja, da inserção dos indivíduos as regras sociais, normas e leis que a sociedade em convivemos nos impõe. Lembrando que o processo de socialização é contínuo, ele segue desde os primeiros anos de vida e segue ao longo das outras etapas da vida.
Ouço muitos discursos contra o preconceito de cor, camadas sociais, sobre regiões, religiões, estilos musicais, estilos de vida, entre outros. O discurso do politicamente correto vigora nos autos dos valores a serem cultivados. O preconceito se configura não apenas como pré-julgamento que pode afastar pessoas, mas principalmente traz em si a intolerância com o diferente.
Quero chegar com isso a afirmar que todos temos uma carga de preconceito latente que se manifesta tão logo entramos em contato com o objeto do preconceito. Alguns exemplos: um viajante que vai a outra região do país, ou mesmo, a outro país e que em contato com as especificidades culturais daquele local, sejam elas de costumes, alimentação, aspecto, população que não conheça pode causar estranhamento em relação aquele novo cenário, que pode aproximá-lo, como afastá-lo e, junto a isso, levá-lo a evitar contato.
Outras situações que são comuns quanto as características de etnias, grupos ou raças podem ser vistas no cotidiano. Quando é utilizado como parâmetro características físicas para definir como melhor ou o pior de alguns desses grupos estou fortalecendo o preconceito. Por exemplo, os cabelos crespos são vistos como “ruins” e os lisos como bons, assim como, os narizes afinados são vistos como mais bonitos que os achatados. Com isso, pode-se interpretar como um preconceito que é definido a partir do padrão de beleza que está atrelado aos brancos como parâmetro de beleza.
Outro caso acontece com os homossexuais. Em matérias jornalísticas para a TV, pessoas foram perguntadas sobre o que pensavam sobre esse grupo social. Ao responderem todos concordavam que deveria haver respeito e aceitação, no entanto, quando perguntados se o homossexual fosse o seu filho, o discurso mudou de rumo e o apoio se transformou em dúvida ou embaraçoso por parte dos entrevistados.
Como mencionei no inicio não pretendo me posicionar a favor ou contra ao preconceito, nem muito menos levantando bandeiras que pareça que existem pessoas que estão livres de todos eles, pois acredito que devemos fazer o exercício de buscar o não preconceito, que seria um caminho por onde exercitaremos a tendência de pré julgar as situações e grupos sociais, embora busquemos não expressá-lo, está latente em nós.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

O taxista

Estava chovendo muito em Aracaju. Diziam os jornais que havia chovido o dobro do esperado para o mês de julho. O Aribé estava encharcado. Mesmo asfaltado, seus canais não mais continham a água. A velha Rua Pernambuco nos conta muitas estórias; estórias de vidas que se foram, e estórias de vidas que ainda estão conosco. Um rapaz de porte pequeno, morador da dita rua; motorista de taxi que fazia ponto na Praça Dom José Tomaz, a popular Praça do Siqueira, estava no seu lugar como todos os dias. O moço aguardava a fila andar de acordo com a chegada dos clientes. Everton conversava com seu colega de profissão que atendia pelo nome de Bazuca:
- Rapaz, soube o que houve ontem à noite aqui?
- Sei. Mataram a facadas aquele rapaz que vendia crack. Ele mereceu.
- Menos um. Concordou o amigo.
Everton terminava seu dia às sete da noite de domingo a domingo, chovesse ou fizesse sol. Por isso ele não testemunhou o assassinato do jovem do Aribé. O rapaz não vendia a pedra maldita. Contudo andava pela “Praça do Siqueira” na expectativa de ganhar alguns trocados fazendo o que os usuários chamam de canal. Por isso Jacozinho tornou-se parte do cenário da praça. Sua mulher havia tido criança. A situação estava de enlouquecer para os três quando uma lâmina fria o fez descansar de sua triste e curta existência entre os habitantes deste mundo.
- Foi Jacozinho quem caiu, não foi?
- Foi merecido. O cara passava a pedra para todos.
-Ele tem família? Perguntou Everton com um interesse não muito típico de sua personalidade.
- Quem sabe? Esse povo é assim. Vem do interior do estado aprontar na cidade. Por mim explodam todos. Disse o colega muito convicto de seus argumentos.
A fila de taxi anda e Everton leva seu passageiro para o seu destino. Já eram sete horas, portanto, aquela seria a última corrida do dia. Ele deixou seu passageiro no Luzia próximo ao Mister Magú, uma lanchonete do lugar muito assediada por jovens de classe média. Logo em seguida, Everton dirigiu-se para sua casa no Aribé. A Rua Pernambuco estava menos molhada, a chuva dera uma trégua. As pessoas estavam na calçada como era o costume. No Aribé as pessoas estão mais próximas. Existe um cheiro de interior nas relações mesmo sendo Aracajú uma cidade quase grande.
- Boa noite, Dona Jasmim! Disse Everton a uma senhora idosa que morava na casa ao lado da sua.
- Boa noite. Respondeu ela.
Ele deixou o taxi em frente de sua casa, pois esta não tinha garagem. Abriu a porta e entrou. Lá dentro estava Dornélia. Esta era uma moça muito bonita. Jovem bem educada nascida em Glória. Os dois estavam ficando como falam os jovens. A família de Dornélia viera para Aracaju na época do boom do petróleo em Sergipe. Sua família de classe média fora violentamente afetada com o falecimento de seu patriarca em uma das plataformas da Petrobrás. A briga pela herança dividiu a todos e a jovem por ser a mais nova de seus irmãos ficou com sua mãe. Seus olhos eram verdes, e seus cabelos negros destacavam a brancura de sua pele mediterrânea. Enrolada em uma toalha de banho ela dirige sua palavra ao seu amor.
- Como sempre pontual.
- Acredito que o controle do tempo é fundamental para um bom viver. Respondeu o moço.
- Hoje na Universidade foi um barraco. Disse Dornélia.
- Como assim? Perguntou Everton.
- O professor de Ciência Política acusou a militância de hipócrita.
- Esta é a razão que me fez optar pelo meu taxi. Ganho mais que muitos professores.
- Mas você não deve acomodar-se a isso. Argumentou a filha de Nossa Senhora da Glória.
- Lá vem você com o mesmo papo. Pare com isso Dornélia. Eu sei o que estou fazendo. Em breve terei meu apartamento.
- Meu pai se deu bem sem um diploma superior, mesmo assim, ele estudou para concursos. E você nem isso faz. Continuou Dornélia.
- Sabe, Dornélia, seu pai era um homem bom, mas você conhece o que penso sobre suas posições sobre a vida. Cada um tem seu jeito de viver. Deixe-me ser como quero. Everton pôs suas idéias com um tom um tanto agressivo. Os dois estavam em crise por que ela queria casar com o rapaz, mas não se sentia segura com a situação financeira.
No Aribé as ruas se cruzam com muita freqüência. As pessoas se encontram em suas esquinas e cada um tem alguma coisa para contar. Aquela noite lhes traria uma surpresa. Esqueceram as diferenças. Após o uso da televisão, o que era hábito, ambos foram dormir. Uma mulher ferida em suas expectativas nunca se sente aberta a maiores aventuras. Assim, cada um ficou em seu lugar na mesma cama. Tarde da noite quando o bairro se aquieta por definitivo, Everton levanta-se de sua cama com um choro de criança à porta de sua casa. Era um chorinho abafado, porém alto o bastante para chamar-lhe a atenção. “O que é isso?” Pensou o rapaz. Everton abriu cuidadosamente a porta, olha para os lados e não vê ninguém. Sai até a calçada e encontra um cesto de compras e dentro dele uma criança recém nascida. Por instinto Everton toma o cesto nas mãos, o põe sobre o sofá, e corre em busca de Dornélia.
- O que é isso? Everton o que você fez trazendo essa criança para dentro? É melhor chamarmos a polícia.
- Não! A polícia pode nos enquadrar por seqüestro. Você sabe como são as coisas.
- Você está louco? O que vamos fazer então? Perguntou Dornélia desejosa por uma resposta racional.
A criança começou a chorar. O jovem casal não sabia o que fazer para parar o choro.
- Faça alguma coisa Dornélia, você não é mulher? Toda mulher entende de criança.
- Olha o machista falando! Quer dizer que só nós as mulheres entendemos de criança. Vocês só entendem de fazê-las. Homens! Todos iguais. Dornélia tomou a criança nos braços tirando-a do cesto tenta acalentá-la. Quanto mais esforços a moça fazia mais a criança chorava.
- Pare! Você vai acordar a vizinhança. Everton tomou a criança dos braços de sua amada e ele mesmo tentou acalmá-la. O bebê se aquieta nos braços de Everton. “Olha que coisinha linda! Bu!Bu!”
A noite varava a madrugada. Agora na casa de Everton haviam três pessoas. A mais nova não tinha nome. O jovem casal sentou-se no sofá e ficou olhando o sono do bebê estranho sem saber o que fazer.
- Tive uma idéia! Saltou a palavra de Everton subitamente.
- Qual? Perguntou Dornélia com curiosidade.
- Vou colocá-la no portão da casa de dona Jasmim.
- Você está louco! Pode chover! A criança pode ter hipotermia. Você é louco!
Embora a moça resistisse nada fez para impedi-lo de realizar seu plano. A criança foi parar no portão da casa de dona Jasmim. Em pouco tempo tudo voltou ao normal como sempre foi. Por volta das duas da matina, Dornélia levanta-se em virtude de um pesadelo. Ela havia sonhado com a criança e que uma águia gigante a havia levado para seu ninho. No sonho ela dizia: “Não mate meu bebê, por favor!” Dornélia foi até a cozinha tomar água e ouve o choro de uma criança novamente vindo de sua porta. Ela corre até a porta e o bebê estava no mesmo lugar onde fora encontrado a primeira vez.
- Não, não pode ser! Everton! Gritou ela baixinho. Como seu namorado estava em sono profundo, ela tomou a criança e a levou para cama. Fez leite ninho e improvisou um jeito de alimentá-la. Ambas logo em seguida sucumbiram à força da natureza. O dia amanhecera cheio de sol. A chuva havia cessado e o sol brilhava às sete horas como se fosse meio dia. Everton levantou-se e caminhou até o banheiro como de costume, e nem se deu conta da nova habitante do Aribé. Trocou-se e saiu. Dornélia passou o dia em casa. Não foi para a faculdade, avisou sua mãe que almoçaria na casa de Everton, e dedicou o dia inteiro para cuidar da menininha. As duas se deram muito bem. A criança trocava risos instintuais com a moça e esta correspondia a todos com todos os mimos que uma boa mãe pode oferecer. Às três da tarde as duas saem para fazer umas compras. Dornélia se viu tomada por uma força nunca experimentada antes. Ela nem imaginava que havia tanto carinho dentro de si. A criança instalara-se em seu coração. Mas, e agora? E quando Everton chegar? O que fazer? Everton chegou às sete em ponto. O rapaz era muito pontual. Entrou em casa, sentou-se no sofá e começou a tirar os sapatos. De repente ele se depara com sua namorada:
- Dornélia, o que você está fazendo aqui? Perguntou o taxista surpreso.
- Eh, resolvi tirar uma folga e cuidar de você, meu bem. A moça não queria expor os fatos de forma truculenta. De fato ela queria ganhar tempo. Mas o destino é sempre implacável. A criança começa a chorar e a moça corre como que por instinto ao seu encontro.
- Não, não acredito nisso! Gritou o taxista.
- Você é uma perfeita idiota! Idiota! Continuou o rapaz.
- Eu não sabia o que fazer. A noite estava fria e tive pena da criança.
- E agora? O que vamos fazer? Perguntou o moço.
- Leve a criança para um abrigo! Gritou Dornélia com voz de choro.
- Dornélia, nós estávamos numa situação difícil. Nosso relacionamento estava frio. Parece que agora a coisa piorou. Asseverou Everton.
Dornélia sentou-se no sofá com a criança anônima e a acalentava em seus braços. A pobre dormia sossegadamente. Everton disse que depois da meia noite iria levá-la para um lugar seguro. Naquele instante, quando não haviam palavras para serem ditas, o casal olhava-se ininterruptamente como se fosse uma despedida. A hora chegara. Dornélia com os olhos cheios de lágrimas entrega a criança adormecida ao seu ex-amor. Este caminha rumo à porta. Ao chegar próximo dela, a criança solta um sorriso inocente. Everton não se contém e ri também. Vira de vagar para Dornélia e diz: “Meu bem, preciso ser racional. Tenho que dispensar a criança”. Dornélia se entrega ao afeto que inesperadamente surgira em seu peito racional, e chora com muita dor. A porta se fecha. Instantes depois o rapaz está de volta.
- Onde você pôs a criança?
- Não sei.
- Por que você não me conta?
- Porque você está fora de sua razão.
- Será racional se livrar dela?
- Então, porque você não a levou para policia?
- Porque o certo é não se envolver. Você não fala tanto em dinheiro, futuro.
- Mas, a criança é diferente.
- Como assim? Acho isto muito pior. Afinal, não temos estabilidade nenhuma.
- Dar-se um jeito.
- Não acredito no que estou ouvindo.
Os dois trocaram farpas até as tantas. Everton foi dormir no sofá e Dornélia na cama. Ela antes de deitar dissera que aquela seria a última noite naquela casa. Às três da manhã ouve-se um barulho na porta. Alguém havia batido com muita força. Everton dissera a si mesmo, “É a policia, estou ferrado”. Correu para a porta do jeito que estava; o moço usava roupas íntimas. Abriu a porta e não havia ninguém, apenas um cesto que ele já conhecia. “Oh, meu Deus, não pode ser”. Pensou o rapaz. Saiu, tomou o cesto, e caminhou novamente para a porta de sua casa. Nela havia um bilhete pregado: “Devolvi tua filha”. Everton pensou que o mestre Tauzarmir e sua esposa, a cigana Verônica, tomariam conta do bebê porque há muito tempo eles diziam que amavam crianças, mas a pobre Verônica não podia ter filhos. Seria a mão e a luva. O jovem taxista senta-se no sofá com a criança anônima nos braços e respira fundo na esperança de entender o que estava acontecendo. Um vento frio e suave entra em sua sala e ele não sabe de onde vem. Sua mente relaxa e o jovem pega no sono. O sono foi tão profundo que ele sonhou que estava na Praça do Siqueira conversando com seu colega Bazuca:
- Rapaz, você sabe quem morreu ontem?
- Num foi o Jacozinho?
- Foi. Você sabia que a mulher dele estava grávida, e deu a luz na mesma noite que ele morreu?
- Não.
- Dizem que ela jogou a criança no lixo. Maldade né? Todos querem dispensar um inocente. Mas, que culpa a criança tem?
- É.
- Você teria coragem de fazer isso?
- Eu, não.
Às sete horas da manhã Everton acorda com a menina em seus braços. Ouve barulho de gente na cozinha. Era Dornélia que preparava o café. Ovos fritos, bacon, torradas, e café com leite. Para a pequena inocente, uma farta mamadeira de leite. Todos comeram e depois voltaram para o sofá.
- Meu amor, se você fosse dar um nome para esta criança, que nome você daria?
- Bem, se fosse homem, seria Jacó, mas, como é mulher, ela será Sara
- Então, nossa filha será chamada Sara.
- Que filha, Everton?
- Esta.

Nunca se sabe como são as pessoas ao certo. No Aribé nem tudo tem um final feliz. Mas, para Sara, a sorte bateu à porta. O casal viveu sua vida. Tiveram outros filhos. Todos se criaram no Aribé. Todos contaram sua estória. Um foi policial, o outro taxista, e Sara foi para Glória trabalhar como Assistente Social. O Aribé quando chove inunda tudo, não é...

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Cartas de um Neurótico Alado

Quando nascemos, fazemo-nos ioiôs, sendo que a linha que nos envolve é um rígido e curto cordão umbilical manipulado pelos nossos pais sem que eles ou nós mesmos possamos sabê-lo ou controlá-lo. E vivemos assim: num vai-e-vem imprevisível e impenetrável. A esta conclusão chegamos tanto eu quanto um amigo meu, Jackson Lacônico, lá de Pedantia. Aliás, devo confessar que ele alguns minutos antes de mim.

Lembro-me da primeira carta que me enviou desde que cheguei da minha única e inesquecível visita àquela cidade. Nesta carta, um pávido Jackson falava-me sobre suas crises de ansiedade, pois estaria quase certo de sua loucura, dado que ele e alguns amigos tinham a impressão de que tudo o que olhavam na cidade desparecia como que em fade-out. Tentei assegurá-lo de que esta doença é um destino comum aos que experimentaram a “droga do pensamento”, e de que se os demais indivíduos batessem às portas, às árvores, aos imóveis e aos móveis, entre outros, perceberiam que tudo está no mínimo oco. No entanto, alguns minutos depois percebi que os demais já teriam percebido isto, mas como suas cabeças também fossem ocas e como Narciso achasse belo tudo o que fosse espelho, o mundo estava ali, inteiro e oco.

Numa segunda carta, ele me relatou alguns flagrantes de atos falhos em que chamara sua namorada de mãe e alguns professores de pai. Respondi-lhe que a primeira era fácil. Qual o homem que não pretende tornar perene a existência da mãe? Até mesmo o homem mais atarefado e independente lá de Nova Iorque utiliza seu sobretudo como útero nos dias daquele inverno rigoroso. Sobretudo porque o útero está sobretudo mesmo. Deixei a segunda parte da resposta em falta, mas sei que isto agradou a quem se reconhece eterno ser faltante.

E agora passo por um figura que balança uma bandeira com toda sua força. Pergunte-lhe o porquê do esforço. Ele me responde que intenta apagar o Sol, uma vez que leu em algum lugar sobre uma tal teoria do caos em que se encaixa um exemplo clichê de que o bater de asas de uma borboleta numa ponta do mundo pode provocar um tornado noutra ponta. Eu lhe sugiro: bem, você pode estar certo, mas há uma enorme possibilidade de que mil agitos nesta sua bandeira sejam apenas mil agitos. Assim me ensinou um poeta que se esconde no sorriso triste de cada dia.

terça-feira, 27 de julho de 2010

O MSN é uma Cachaça!

Este presente texto visa contribuir com um debate a respeito das relações sociais que são midiatizadas através dos veículos de mensagem direta por internet, especificamente o Windows Live Messenger ou popularmente denominado MSN. Podemos começar a entender o fenômeno a partir do nosso contexto sócio-cultural, ou seja, neste mundo altamente informatizado, com um processo de divisão social do trabalho extremamente adensando, onde as distancias se tornam cada vês maiores, criando assim uma necessidade quase que substancial de veículos que aproximem não só as relações pessoais mas também as relações de trabalho. Não é do nosso interesse aqui debater o Cyberespaço, que é criado a partir da ação dos indivíduos na rede mundial de computadores, mais sim analisar o MSN xD.
Tenho percebido ao longo desses anos que ando mexendo neste programa, que uma hora ou outra acontecem coisas estranhas e que eu me transformo quando o estou usando. A partir daí me surgiram duvidas e perguntas. Cheguei ás seguintes idéias, a primeira é que a ausência do plano pessoal, do olho no olho, consegue liberar no individuo uma ideia maior de impessoalidade deste veículo, uma vez que os artifícios como os gestos e a voz neste momento da conversa é suprimido, e mesmo que estes existam no momento da conversa o contato ainda não é direto. Com isso, o individuo tem o esforço de liberar de si qualquer artifício que consiga expressar seus sentimentos, é aí que para mim a frase “o MSN é uma cachaça” tem sentido, tendo em vista que o individuo se libera mesmo, fala muitas vezes o que não imaginava falar, nesse esforço de se expressar. Portanto talvez através deste tipo de relação os atos falhos consigam fluir melhor.
Segundo, mas ainda dentro dessa perspectiva, podemos imaginar cada janela do MSN na qual reside uma sala de bate-papo pessoal, como um universo, portanto o MSN se torna fecundo nesse mundo “pós-moderno” e o conceito então de fragmentação discursiva passa a ter clareza, uma vez que o que é projetado para cada indivíduo, que no âmbito cotidiano muitas vezes estão desconectados (me refiro aqui aos indivíduos que estão no caso do “outro lado da tela” e não daquele que se dirige a estes), é um fragmento do mosaico que é a personalidade do individuo, proliferando varias identidades, possibilitando o individuo vivenciá-las. Esta ideia se torna mais ainda real em cidades cosmopolitas, ao qual o sujeito está muito mais diluído socialmente. E, além disso, há pessoas que literalmente vivem uma realidade paralela, se relacionando com pessoas desconhecidas, muitas vezes que moram do outro lado do Globo.
Concluímos por fim que os excessos emocionais que acontecem via MSN em partes são reais, porque partem de um pedaço da personalidade do individuo, mas por outro lado inexiste pelo fato de que muitas vezes são tão intensos que o mesmo se esvai no momento, como uma catarse. Acontecendo por exemplo de um individuo conflitar com o outro via MSN e no cotidiano ser absolutamente amoroso com a pessoa. Ainda podemos acrescentar por ultimo que, não acredito que o MSN suprima as relações pessoais presenciais por completo, mas sim é agente de uma mudança nestas, afinal o cotidiano não é moldado absolutamente por um veículo de informação, creio que a realidade calcada no particular é fruto de um contexto muito maior, fruto de relações que se transformaram no tempo.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Besteirol e engajamento musical

( Artigo publicado no Cinform Online < www.cinform.com.br/blog/vinatorto > )

Existe atualmente uma tendência nas bandas alternativas que acredita que uma “boa” música é aquela que tem o artista como um agente que elabora projetos sociais para as comunidades carentes. Por outro lado, encontramos uma forte tendência de bandas alternativas trabalharem o humor, com a aparente despreocupação em abordar questões relacionadas a perfis de cunho político.

Muitos artistas das ditas músicas engajadas, utilizam-se de um discurso que preza pela obcecada necessidade em se levar sério à realidade na qual se encontram situados. Não acho que essa postura seja a mais coerente. Não é por que sabemos que a realidade se encontra em estado deplorável socialmente e politicamente, que necessariamente devemos negar a comicidade dos fatos.

Por outro lado, a maioria dos compositores de bandas que trazem o discurso descontraído sobre os problemas do mundo, passam a ter como discurso, a não-necessidade de se levar a sério esse mundo. Também não acho que essa postura seja correta. Não é por que não damos créditos à realidade presente, que necessariamente devemos negar o nosso inevitável pertencimento a essa realidade.

Por exemplo: muitas bandas alternativas sofrem pela falta de apoios governamentais, e ai vem minha pergunta: será que não há necessidade desses artistas questionarem seriamente suas condições no mercado? Por outro lado, sabemos que a nossa política cultural é tão precária que temos rir para não chorar, então por que devemos nos privar em rirmos da ridicularidade política?

Sou favorável a uma postura de preocupações sociais, porém, acredito que se estamos no mundo, também devemos fazer piadas sobre ele, afinal, se nem Deus, resolve suas pendengas, o que dirá de nós, seus filhos imperfeitos! Apesar de reconhecermos que o vazio e o supérfluo merecem muitas críticas, inevitavelmente eles existem, e cabe a nós sabermos lidar com eles da forma mais saudável possível.

Também sou favorável ao besteirol, afinal, eu acho que devemos priorizar tempo para tudo. Porém, eu acredito que se estamos no mundo, devemos problematizá-lo e requestioná-lo. Apesar de não termos muita esperança diante de um contexto volátil como o nosso, por estarmos implicados nele, inevitavelmente sofremos grandes reflexos oriundos dele, e isso deve ser levado a sério.

Rir por rir não leva a nada, assim como criticar por criticar também. Para mim, ambos levam a mesma alienação. Um por abdicar de um posicionamento atuante no mundo, e o outro por abdicar do relaxamento indispensável à vida. Enquanto o besteirol esvazia a realidade pela sua falta de sentido, o engajamento esvazia a mesma realidade pelo seu excesso de sentidos.

O lema não é brincar ou levar as coisas a sério. O lema é brincar levando as coisas a sério, assim como levar as coisas a sério brincando. Enquanto houver extremismo, o mundo não se tornará unicamente nem cômico, nem sério. Não há apenas comicidade em uma realidade decepcionante, assim como não se pode haver só seriedade diante de uma realidade cômica como a que vivemos.

O melhor é entortarmos e transitarmos entre os dois universos, afinal, nenhum engajado fala apenas coisas sérias, assim como nenhum ser descontraído vive apenas no “oba oba”. O dito engajado tem seus momentos de lazer, assim como o dito descontraído, para enfrentar a vida, necessita também de responsabilidade e de seriedade.

O verdadeiro bom selvagem

O que me apetece aos olhos ler Nelson Rodrigues, é a sua sagacidade ao dar uma agudeza de espírito, muito peculiar, nos seus personagens. Mais que isso, é a arte de provocar o riso, o que torna ele genial! O que me parece, é que o riso já nasce dele. Enquanto enreda mais um conto maquiavélico, Nelson parece dar boas gargalhadas disposto a ferir o moralismo decadente. Pra mim, é esse tipo de riso que me traz um alívio, pois posso rir sem culpa. Rir do exagero que se dilui no meio de tantas promessas de civilidade e respeito ao próximo.
Ouso em dizer que a vida é ordinária, mas é bonitinha, pois temos a oportunidade de rir dos deslizes dos outros e de nós mesmos. Quantas vezes não rimos de nós mesmos por mostrarmos tão bem intencionado com o próximo, e no mais queremos que o próximo se fôda? Quantas vezes já não fomos diabolicamente românticos quando fazemos juras de amor ao nosso amado (a), enquanto pensamos naquele gostoso (a), que conhecemos num dia aí qualquer, e que não sai da nossa cabeça? Pois é, Nelson Rodrigues nos dá essa oportunidade de nos enxergarmos em seus personagens, de nos vermos tão deslizantes quanto eles, de darmos asas as nossas fantasias aprisionadas pelo nosso totalitário superego.
Em “Bonitinha, mas ordinária”, o personagem Werneck, ora se divide ao papel de patriarca da família, ora se divide a ser agenciador das suas maiores fantasias sexuais. Ainda nesse contexto, temos “Toda nudez será castigada”, Herculano, personagem viúvo, refém dos seus conflitos existenciais entre o conservadorismo familiar e as paixões pervertidas por uma prostituta. Assim são as estórias de Nelson Rodrigues, personagens conflituosos atravessados pelo dinheiro, poder e corrupção. O herói, anti-herói, mulheres sexualmente emancipadas desvelando a moral burguesa assustadoramente fragilizada.
Ao que parece, o peso da culpa não se revela no seu significado comumente apresentado, mas pelos exageros não realizados que por algum momento, os seus personagens foram assaltados pelo moralismo conveniente. As suas obras servem para refletirmos até que ponto a moral serve como projeto para que se estabeleça o respeito mútuo, como forma de assegurar a serenidade dos mais temidos instintos humanos.

domingo, 25 de julho de 2010

O Artista (por Igor Bacelar)

Sentado à beira de uma piracicaba, uma paisagem pitoresca de clima úmido devido ás quedas d'água e à proximidade com o litoral, o artista estava a vivenciar nebulosas orgias enquanto masturbava-se concentradamente silencioso. O impacto das cachoeiras distraía seus ouvidos do restante do mundo. Esse lugar tem um curioso magnetismo sobrepujante que faz com que todos se calem, conseqüentemente acumulando uma quantidade considerável de verdades e inverdades na alma dos mais sensíveis. Se o sonho é um fato abstrato na concretividade do espírito, esse lugar seria o seu perfeito antagonismo.

O esperma foi despejado no riacho e cuidadosamente perseguido pelos olhos daquela criatura, até que se desfez em um acidente no seu percurso. Sua vitalidade escorreu pelo próprio sêmen do que ele concebe como a criação, o fluido fluxo que desemboca em um infinito universo dentro de uma partícula finita no meio do breu cósmico. Lambeu em seus dedos aquele esperma denso, muito viscoso, e sentiu o gosto salobro percorrer as suas papilas gustativas e grudar em seus dentes amarelados. Uma tentativa vã de germiná-los em sua boca estéril. Seus milhares de descendentes continuam perdidos e solitários, deterioram-se em um simples e breve contato com o mundo. Doce mundo!

Prostrou-se horas a fio na varanda, entediado, ausente, encharcado em suor. O sol estava especialmente quente nessa manhã. Castigava as pobres plantas que se esforçavam para manter a sua temperatura em níveis vitais sobre aquela areia escaldante. O vento, não se percebia sinal sequer dele. Ocasionalmente uma brisa visitava aquela região e aqueles poucos segundos se transformavam em uma coerente razão para viver. Hoje, o litoral decidiu guardar o ar de seus pulmões para eventuais tormentas, como se prenunciasse um evento que exigiria de si um esforço muito grande para se sustentar.

O vilarejo mais próximo era há apenas dez contos de réis do sítio. Quando eu insinuo que a distância se mede em dez contos de réis, só quero chamar a atenção de que a afirmação “tempo é dinheiro” não é uma exclusividade cronológica, mas também espacial. Apesar da proximidade com a civilização, há anos o artista não deixava o seu retiro. Algo inacabado ou até mesmo nunca iniciado o mantinha ali como refém por tempo indeterminado. A grande obra era tema recorrente de seus dias, mas talvez não tivesse achado o dialeto correto para exprimi-la. Com rara freqüência, um amigo ou outro aparecia para visitá-lo e discutir sobre assuntos triviais. Outros artistas vinham lhe consultar, pois ele era conhecedor de técnicas extraordinárias no mundo da arte, principalmente no que se é relativo à pintura. E por mais satisfeitos que os outros artistas fossem embora, o artista não sentia credibilidade em nenhuma das coisas que era forçado a dizer-lhes.

Pegou uma moldura que estava jogada em um amontoado de tralhas, as tintas e os pincéis que estavam sobre um criado mudo e começou a pintar usando o seu suor para misturar as cores. A obra de arte deve ter certos compromissos. Mesmo que o artista não esteja preocupado com essas quinquilharias, uma grande obra surge da sua capacidade de refletir a realidade. Partindo dessa perspectiva, o artista deslizou seu pincel sobre a moldura, guiado por suas mãos suaves como se tocassem uma criança recém-nascida com bastante esmero. Não levou muito tempo e a pintura estava pronta. Um paraíso tropical totalmente congelado em um fim de tarde. Nas dunas, onde havia areia deu lugar à neve, a copa dos coqueiros e algumas anacardiáceas estavam igualmente encobertas, e uma forte tempestade gélida castigava aquela paisagem que outrora gozava de dias quentes e chuvosos. Um completo absurdo climatológico.

Passou o resto da manhã admirando o calor contrastante em relação ao que havia pincelado alguns minutos atrás. Vislumbrava tudo com uma curiosidade e surpresa invejáveis, típico de crianças muito novas e buliçosas. Ao contrário das crianças, ele se mantinha estático e paciente, optou por ter uma experiência sensitiva meramente imagética.

Era quase fim de tarde e o artista entrou apressadamente para dentro do casebre e fechou todas as janelas. Abriu o seu velho e desarrumado guarda-roupa e vestiu roupas densas e quentes. Cobriu-se com um longo sobretudo e calçou suas meias e luvas grossas, e suas surradas botas de couro. Estava muito abafado dentro de toda aquela roupa, que não tinha nenhuma validade naquele lugar. Suava ainda mais do que antes. Foi até a porta da frente e consultando o antigo relógio de mogno, que estava dependurado na parede, abriu finalmente a maçaneta.

Era frio como nunca havia sido naquele lugar e talvez em qualquer outro que existisse. Nevava intensamente. Alguns animais tentavam em vão se abrigar em qualquer buraco que encontrassem. O artista andou vagarosamente pela neve densa em direção à piracicaba onde costumava pescar e passar o tempo meditando. Ao chegar lá, viu o seu templo imobilizado pelo gelo. As corredeiras estavam imóveis e mudas. Erguendo a sua cabeça para cima, o artista pôs-se a gritar ferozmente como nunca o havia feito. Pela primeira vez, o seu berro desafinado se fez ouvir ali naqueles rochedos. Como que satisfeito, o artista se dirigiu com ligeireza de volta ao casebre.

A lua estava foragida em algum lugar, ocultada pelas nuvens e pela tempestade voraz, mas era perceptível a aproximação da manhã, mesmo que em termos de temperatura não houvesse acontecido nenhum tipo de mudança sensível.

Ao chegar a sua casa, incólume no meio daquele temporal, revirou suas coisas com nítida agonia e impaciência como se estivesse perturbado com alguma coisa. Pegou uma tela e pôs-se a pintar com pressa para não perder alguma inspiração fulgurante que estava a germinar de sua psique. Masturbava-se em intervalos de pinceladas e derramava o seu esperma sobre o piso sem nenhuma cerimônia ou atenção. Mal percebia as baratas que se congregavam ao redor de seu gozo como em um banquete suculento arremessado aos miseráveis. Uma fome incalculável para um suprimento inevitavelmente indigesto. Eis que despencou ao chão com as pernas estremecendo e contemplou a sua obra com um largo sorriso. Olhou para o relógio. Quatro da manhã. Correu com bastante avidez ao seu guarda-roupa para colher o seu melhor terno e deixou para trás a sua mais recente pintura: um revólver disposto em um criado mudo perto de uma janela onde havia um bem-te-vi a cantar alegremente.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

DO AVIÃO

Olho através de um vidro e não os vejo. São como microrganismos, invisíveis até para as minhas lentes vivas. Mas sei que são muitos e que estão ali... caminhando, correndo, comendo, reproduzindo, parasitando e, até mesmo, paradas, talvez observando os que não estão parados.
Nesse instante faço um exercício de imaginação. Tento me aproximar mais do vidro para ver melhor, mas as nuvens atrapalham, mas a altura atrapalha. Mesmo assim me coloco como observador perspicaz que não quer deixar escapar detalhes. Mas daquela altura complica. Opto por admirar o que nunca senti. Me distraio por alguns instantes e sem esperar, luzes surgem. Parecem enfeites para uma árvore natalina, muitas delas, incontáveis, de várias intensidades e cores, e tão pequenas, combinadas, formam uma grande malha iluminada que se perde sob a contemplação do manto negro que acima assisti a tudo.
Tento mais vez uma mudança de posição, mais uma vez em vão. Vejo se aproximar outro cenário: e o que parecia invisível começa a tomar forma e o que era distante a se aproximar; o dentro passou a ser fora e o que era ar passou a ser terra.
Por agora sou parte daquela imensidão invisível a olho nu.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

O Bruxo

Era manhã.
O bruxo já estava em pé;
Corria pela casa, ocupado com seus encantamentos.
Via o mundo de sua bola de cristal.
Confiava em suas intuições.
Esotéricos pressentimentos.
Havia uma figura diluída em forma de mulher.
Esta o acompanhava a cada passo.
Ele tentou refazer a criação em seu sagrado caldeirão.
Não deu certo.
Criou ratos, sapos e serpentes latifundiárias.
O mundo mudou.
Sumiu...
Mas a mulher ficou.
O bruxo esperto calou-se, se aquietou.
Esqueceu tudo e dormiu com a mulher.
No outro dia, havia criação nova.
Helena, Raimundo, João, Tereza, Zé da Banguela.
“Por isso ninguém espera”, disse o mago.
É feitiço de mulher...

quarta-feira, 21 de julho de 2010

O Neurótico Alado III

Há algum tempo, em Pedantia...

Eis a missão de vocês: hastear até às sete em ponto estas três bandeiras na seguinte ordem, primeiro a da revolução, segundo da inércia e, por fim, a da Suprema Verdade.
Faço questão de ratificar que estarei aqui às sete em ponto e só quero dar com as vistas na imagem destas bandeiras perfeitamente hasteadas, de modo a lamberem carinhosamente o ar! Ah! E vocês, tratem de consertar estas posturas tortas, pois, em seguida, avaliarei com precisão mais-que-cirúrgica se vocês estão ou não com a postura mais correta de reverência.

- Depois do imperativo gritado em voz grave e rouca aos prisioneiros de guerra, o capitão Augusto Max retirou-se tal qual um rato ao sentir a mais ínfima perturbação e foi direto ao urologista do exército queixar-se de seu problema de reto. Não bastasse uma doença rara que lhe acometia a visão fazendo com que só enxergasse a partir de um olho só: era abrir os dois simultaneamente e tudo que via era nada além de um vidro irritantemente embaçado.

Precisamente às 7 em ponto lá estava ele brincando de ping-pong com sua visão a fim de conferir severamente o serviço dos prisioneiros.

- Não era possível! Eles não tinham medo de morrer! Tinham queimado as bandeiras?! Seria muita corag... NÃO! SERIA MUITA REBELDIA! – Bradou mentalmente o capitão esturricado num murmurar absolutamente incompreensível aos que não liam sua mente. – Mas, que diabos aconteceu por aqui??? – Conseguiu enfim urrar de forma definitiva o capitão.

Na verdade o que via eram pedaços avulsos das bandeiras misturando-se no ar e no chão. Os prisioneiros só puderam dar uma simples e objetiva explicação: Senhor! Hasteamos com todo cuidado possível as bandeiras, mas, assim que chegavam ao topo cediam ao vento, pois que em todas as direções que tomava reivindicava as bandeiras!

- O capitão então ordenou de imediato que passassem a madrugada inteira restaurando cada fragmento delas, mas cada pedaço já se tinha assemelhado em demasia com um outro que até então lhe houvera sido completamente diferente, e as coisas acabaram se tornando subjetivas demais para se sobreporem com a maestria desejada por Augusto Max. Melhor mesmo seria cuidar do reto.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Mais um poema forçado.

Quero é falar ingrêis, soltar meu cavalo. Pular nas ancas desse mercado capital, cubri meu dentxi de ôro, e eu quero é apanhar de muiê. Fui de mala voltei de aviãos. Sô intelijegue e falso poesia não rimada quer me ler ??? em??? Eu quero é apanhar de muiê, porque eu?


Sou aqui e acolá só um lírio murchado
Só um verme que corroí tudo que for matéria interessante
Sou abstrato prolixo e conciso
Sou só uma centelha numeral nomenclaturado agora
Só sou sua sombra na genética global
E tudo que se lê é tudo conjugado
Roubaram minha singularidade
Vou ver se lá no sertão lá de trás da serra
Meu pai véiu me diz como nasceu e viveu
Pra ver se acho em mim mais uma cicatriz do chão retalhado da seca
Me chame de você.

Olhares Tortos

Três velhos amigos reúnem-se para degustar vinhos, fumar charutos e falar sobre assuntos cotidianos. Porém, ao encontrarem-se, nada foi proferido. Silêncio nas palavras. Permaneceram, assim, neste “silêncio” durante todo o momento em que estavam reunidos. Contudo, o primeiro deles, que estava angustiado, sem proferir em palavras, enunciou:

- Só os olhos são capazes de dar um grito.

Recostou-se na árvore e voltou a olhar os demais amigos. Às vezes voltava o olhar para coisas outras à volta. Por fim, bebeu um pouco de vinho e abaixou os olhos como quem estivesse tentando esconder-se.

- Abaixando os olhos, eu tiro a quem me olha um pouco da possibilidade de me descobrir.

Enunciou-se o segundo amigo, com seu olhar para aquele que velava seus sentimentos. Esperou com paciência alguma ação do angustiado rapaz. Nada. Ele encortinou-se com suas pálpebras. Mas deixou-se publicizar em sua imagem corporal. Estava disposto a não olhá-los mais, porém gostaria de ser visto, de expressar seu sentimento ainda pouco compreendido.

- O corpo e sua imagem dependem do olhar do outro: ver e ser visto são uma coisa só. O outro é, por princípio, quem me olha.

Com esta visão de mundo, o terceiro amigo lançou-se a olhar os demais. Permaneceu sentado na relva e suavemente tragava seu charuto. De súbito, entendeu que não podia interferir naquele silêncio. Talvez fosse melhor abraçar seu amigo. Não o fez. Apenas levantou-se, tragou o vinho, cuspiu, e sentou-se ao lado. Foi quando teve outro olhar, diante de um por do sol. Permaneceu fitando aquele alento natural. Foi aí que os demais passaram a olhar também.

Continuaram o três em silêncio, cada qual apreciando o sunset. Foi aí que uma quarta pessoa, desconhecida, aos gritos, com os olhos abertos e o corpo de criança, desafiou-lhes lançando uma questão:

- O que se vê depende de quem olha? Para onde vai o sol quando se esconde do nosso olhar?


*As frases enunciadas pelos olhares são de diversos autores que podem ser encontrados em "Troca de Olhar", in.  http://incubadora.fapesp.br/sites/opuscorpus/ 

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Big Brother Brasil: entretenimento e cidadania

O Big Brother Brasil, programa da rede globo, mesmo recebendo muitas pedradas, atingiu esse ano a sua décima edição. Novamente eu vou tentar encontrar neste texto uma possibilidade de entortarmos nosso olhar. Como vou tentar trazer uma análise torta, eu pretendo compactuar com alguns aspectos trazidos pelo BBB e depois trazer o que eu acho reprovável nele.

Primeiramente eu gostaria através de minhas hipóteses, de explicar o porquê o BBB, ao trazer a vida privada, tem provocado tanta audiência. Acredito que uma das explicações seja referente à construção do nosso Estado. O Estado brasileiro foi um Estado imposto pelos colonizadores com o intuito apenas de sugar nossas matérias-primas, e não pela necessidade espontânea do povo.

Não compreendemos a importância do Estado, pois ele surge para atender aos interesses dos colonizadores. Pelo Estado ter sido imposto e por não compreendermos a importância da esfera pública, tendemos a ter um grande interesse na vida privada, fenômeno muito bem explorado pelo BBB. (Recomendo ao leitor que leia o último texto de Éder sobre o público e o privado neste site).

Depois de ter tentado compreender o porquê da audiência do BBB, gostaria de abordar sua relação com o entretenimento. Carregamos um legado horrível em separarmos o entretenimento da cidadania. Entendemos cidadania como sinônimo de consciência. Já em relação ao entretenimento, reduzimo-lo ao meramente alienante e voltado para o consumo imediato.

Segundo penso, cidadania não significa apenas os direitos e deveres que o individuo deve ter em sua relação cotidiana com o outro. Cidadania implica formas de participação. Um telespectador pode muito bem utilizar seu poder de participação, de opinar sobre determinados fatos ocorridos no Big Brother Brasil, e se deixar levar por um momento de descanso, ou seja, de entretenimento.

Um programa como o Big Brother Brasil pode possibilitar não só a identificação do indivíduo em relação a determinado participante do programa, repensando assim, sua própria identidade, como também possibilitar o requestionamento de novos valores. Esses novos questionamentos se estendem às vidas privadas, assim como às vidas públicas desse telespectador.

Levando-se em conta que esses valores se estendem a práticas estabelecidas socialmente entre os agentes, podemos perceber que mesmo que o BBB tenha como objetivo trazer o entretenimento para a linda família brasileira, inevitavelmente o telespectador ao participar do cotidiano dos “brothers”, tende a repensar seus valores, se identificar, opinar, criticar, etc.

É por isso que eu acredito que nenhum individuo é incapaz de processar opiniões acerca dos conteúdos que recebe, visto que qualquer sujeito possui escolhas e concepções sobre determinado assunto. É devido a isso que eu não compartilho com a perspectiva que tende a encarar o BBB apenas como um programa que aliene. No momento do programa, inevitavelmente o telespectador interage.

Porém, não é por que eu entenda que a ausência do Estado justifique a imensa audiência do BBB que necessariamente eu naturalize a sua posição alheia. Mesmo sabendo que uma questão como a da nossa formação seja bastante complexa, os meios televisivos privados têm a obrigação de criar projetos que tenham como objetivo, educar o brasileiro também a dialogar com as decisões públicas.

A outra crítica que faço se refere ao próprio entretenimento. Apesar do entretenimento não se encontrar desvinculado da participação do cidadão, o BBB, como forma de mostrar a todo custo seus patrocinadores ao publico, força a barra com provas que pelo menos para mim, chegam a um nível de idiotização absurda tentando fazer a propaganda das empresas que custeiam o programa.

A audiência do BBB pode ser reflexo de uma formação histórica, assim como o entretenimento do BBB traz aspectos de cidadania. Porém, devemos cobrar a presença do Estado nas mídias privadas para propor projetos que busquem maiores conscientizações referentes ao bem público, não deixando essas mídias apenas à mercê de seus patrocinadores sedentos por lucros.

Sexualidade, pós-modernidade

A política da sexualidade se configura consoante aos interesses da estrutura social vigente de uma dada época. Dentro dessa política, os "corpos", pensando na concepção foucaultiana, são fabricados, artificializados para articular em prol do maquinário social. Remeto o sentido de sexualidade, não de ordem sexual apenas, mas o fenômeno subjetivo do indivíduo social e ontológico.

Esse fenômeno parece não está muito longe dos tempos atuais. Mesmo depois de grandes revoluções, como a sexual dos anos 60, terem triunfado sobre os valores tradicionais da modernidade, a sexualidade continua sendo um ponto sensível em nosso cotidiano. Permanecemos com os nossos desejos engessados e as nossas fantasias invertidas. No plano dos desejos, no sentido de vazão para o sexo, nós estamos alienados no fenômeno rítmico que categoriza funções sexuais como padrões a serem seguidos. No que se refere às fantasias-desejo que se pretende realizar, no entanto se sublima- elas são produzidas por um dado de realidade proposta pela nossa cultura.

A cultura que proporciona aos “corpos” como eles devem ser transitados, movimentados e domesticados. Ainda se encontram em processo de transição para uma possível “liberdade”, uma falsa noção ao indivíduo de que ele é livre em funções dos seus desejos. Na verdade, nos encontramos aprisionado, não mais pelo controle disciplinar, mas o desejo advindo da super exibição feito objetos expostos em vitrines de consumo. As nossas escolhas sexuais- tanto com o parceiro que escolhemos, como no nosso comportamento estão sob o controle da nossa vontade, acredito eu, regida pela Sociedade de consumo de Baudrillard. Onde o princípio de relações, no sentido geral, vigora não mais um com os outros, mas o indivíduo inserido numa panacéia fantástica de objetos, não percebendo o outro enquanto subjetividade, mas o outro enquanto sujeito funcional em um dado momento.

A partir daí, questiono sobre algumas naturalizações que são colocadas sobre a sexualidade. E que a partir disso, os nossos desejos são canalizados em prol da indústria contemplativa dos corpos em exibição, contemplador de fantasias fabricadas do mundo mediado pelos meios midiáticos, principalmente no canal publicitário.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Diálogos com o blasé

Resolvi escrever sobre esse tema como forma de me retratar ao pouco espaço que reservei a discussão do blasé no texto anterior, intitulado “O flâneur e o torto”. Já que me detive mais a essas duas personagens como formas de construção da visão de mundo e onde afirmo que existe uma aproximação entre essas duas formas no que tange a navegação social.
Mas deixemos de conversa fiada e vamos ao blasé. Diferente do flâneur e do torto, esse estado mental do individuo moderno trata-se de um modo de vida reproduzido, podemos assim dizer, por uma grande parcela da população. Ressalvo que não há pretensões de vê-lo como negativo ou positivo, pois se trata de uma interpretação que Simmel utilizou para compreender o comportamento dos indivíduos que vivem em grandes áreas urbanas.
Tomando a visão de que somos provocados e provocadores, a leitura do estar blasé trata-se de um mecanismo para lidar com a estrutura exigida pelas instituições modernas, no tocante a performances e comportamentos diante das relações sociais. Já que a condição de ser comum aos valores morais e concepções culturais se pulverizam devido a alta densidade demográfica e as diversas práticas culturais da nossa complexa rede de instituições e relações sociais. Portanto, a leitura de Simmel se torna pertinente em detectar a forma objetiva de como pensar, agir e comportar-se nessa rede complexa de relações.
O individuo pode seguir esse tipo de comportamento como uma forma de garantir a sua “segurança ontológica” (parafraseando Giddens), pois eles podem sentir e perceber a influência causada em sua personalidade e optam por segui-la para alcançar as suas motivações. De outra forma, o flâneur e o torto, também fazem suas escolhas e navegam em sociedade de outra maneira, mais critica, menos reservada.
O blasé expressa nas entrelinhas a influência direta das instituições modernas sobre o indivíduo, levando-o a uma prática objetiva, reservada e individualizada, no tocante a vida social. Tendo em vista, que essa é uma exigência externa e interna, tomando como base a subjetividade, que o universo multifacetado o faz e que expressa como defesa ontológica. Por outro lado, os desejos por influenciar o contexto social, por meio de manifestações ideológicas, artísticas, étnicas ou culturais apresentam outra forma de trânsito, mais fluída e com menos reserva. Já para o flâneur como para o torto, as formas podem ganhar a dimensão da subjetividade na sua interação com o mundo com o perder-se do olhar ou do trânsito livre. Escolher qualquer uma dessas navegações não garante necessariamente uma existência social e/ou ontológica confortável.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Joaquim e o tempo

Joaquim, velho sábio que resistiu a opressão, insistiu em viver para ver que o mundo girava como uma bola solta no tempo. O negro de Angola passou por maus bocados debaixo do jugo de um certo coronel proprietário de gente, gente preta, por assim dizer, contudo, alcançou o entendimento de Zambi para poder falar e viver por mais dias até definitivamente ser eternizado nas falanges de Umbanda. Joaquim de Aruanda, o sábio encantado do Brasil. Um dia uma moça negra, muito bonita, uma verdadeira deusa da África aproximou-se do velho e questionou sobre o tempo, o tempo em que vivemos e realizamos nossas obras.

- Pai Joaquim, sabemos que és homem sábio, e que nunca mentistes. O que é o nosso tempo?

- A moça chamou eu de sábio, sábio é zambi que pôs o bicho de duas patas para falar. Meu entendimento é pouco, e já estou tonto de ver esta terra rodar como pião puxado por uma corda invisível. O tempo e a história é coisa de gente. Zambi jogou a semente de tudo, e depois descansou para ver.

- Como assim, meu velho, estou sem entender.

- Quando eu era menino me deitava de papo para riba para ver as nuvens passar e aí vi com os zóios da cara que o mundo é roda girante. A história, as obras feitas, o bem feito e a malfeitoria ocorre nas rodadas da roda, a roda gira, minha fia, e é isso que tu chamas de tempo. O curioso é que tu não sabes o que ocorre debaixo de teus pés.

- O velho me deixou confusa. Seja mais positivo.

- Ora, sinta que a roda gira muitas estórias que não são histórias, até a tua. Mas, por-que a tua não interessa aos escreventes do tempo? Se todo pé que pisa o chão é tão único como cada grão que está nele? Os homens são quem dizem o que deve ser dito sobre eles mesmos. Assim, a história é uma cobra que se esconde na loca de pau, sempre pronta a picar o despercebido. O tempo é a soma dos giros não percebidos por nossos sentidos entorpecidos por nossos conceitos. O bicho fala, e diz com vaidade coisas que não sabe. Isto só zambi pode explicar.

- Agora vejo que levas a sério minhas indagações. Diga-me meu velho, por-que zambi não aparece para o povo ver?

- Minha filha, quem sou eu para falar por quem quer que seja. Zambi deixou a semente no mundo e se planta o que se quer. Ora, se caminha os passos para a direita, para direita vai o dono do pé. E assim o é para a esquerda. Zambi não carrega o mundo nas costas, ele o pôs para girar, e isso não basta?

- Então o Senhor está dizendo que Deus não se importa com os homens?

- A fia tá com os zóios enuviado. Se tu te perguntares que dia é hoje, a resposta já fora data a muitos tempos atrás. Tu fala pela boca do outro. E quando tua boca fala, fala pelo lampejo que há em ti, e isto foi obra do tempo, Zambi só plantou a semente, o criador da roça é o tempo. Zambi só é visto quando nois acorda para o oculto de nosso olhar certo de tudo. Ele é a força que girou a roda, Ele não é a roda, mas nela deixou sua impressão.

- Então Deus está na natureza ou é a natureza?

- Zambi, não precisa saber onde está, nem você necessita desta informação. O mundo gira e nascem as horas e nelas viva tu tua vida. Seja para uma coisa ou outra, de tudo, usufrua, sempre sabendo que tua estória-história será só tua, assim, como tuas perguntas ao tempo. Zambi tá num caroço de feijão, numa pedra do caminho, num vento que passa, num olhar de criança, no pulsar de tuas veias. Ele é o Espírito eterno que está em tudo e em nada e é o que é, e o que fez já fez; agora faça você seu tempo, seu mundo, sua história.

O velho acendeu seu cachimbo e deu umas pitadas e disse:

- Olha lá, Zambi chegou!

A menina ficou assustada e perguntou: “Onde Ele está, pois quero vê-lo?”

Pai Joaquim virou para ela e disse: “Veja o homem vestido de mulher que passa”.

O sábio de Aruanda foi descansar com os encantados até novamente ser questionado por um tal Zé. Aguardem que em breve saberão o que deu, ou o que girou no na roda girante do tempo.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Diálogo I

- Hoje em dia todo mundo é poeta
- Sim, até porque é fundamental sê-lo
- Por que?
- Deus era a dança da precisão e da imprecisão do universo, hoje cada vez menos ele é e está. A aceitação gradativa das contingências fizeram o homem tornar-se sujeito criador de sua própria apreciação estética; seu olhar opera tal qual um microondas, espremendo os fenômenos e cozinhando-os de dentro pra fora, a fim de recolher-lhes o sumo poético dos acontecimentos. Deus cada vez menos pinta os quadros, ao contrário, cada vez mais lhe atribuem o mero papel de fabricar as tintas (quando muito).
Deus cada vez menos existe em virtude da sorte dos afortunados: sua existência, em verdade, é cada vez mais suprimida pelo amargor das injustiças. Estas, por sua vez, não obstante não caberem nas obras de Deus, servem confortavelmente à poesia.
O mundo não está mais posto para ser reverenciado, e Deus não quereria unanimidade estética em relação a sua obra, não à toa dotou-nos de inevitáveis percepções individualizadas, aliás, ao meu ver, até mesmo o fazer científico pressupõe influência subjetiva. Escapemos, portanto, pela porta de emergência que é a poesia.
- Navegar é preciso
- Viver não é preciso
- Então vamos abrir mão de toda essa precisão e vamos lançar mão, sim, do que precisamos...

... E então soltaram o bicho homem...

terça-feira, 13 de julho de 2010

E você acha que é bonito ser feio?

É meu caro amigo, por vezes NÃO SEI o que dizer. Mas quando NÃO DIGO exponho o que de mim se sente mais vivo, é algo como uma estrada de pedras, sem setas, sem sinal, apenas com um caminho que se bifurca. Quando ando nas ruas, vejo as pessoas. O que há de mais profundo em cada olho, e a ojeriza que sinto muitas vezes, quando vejo um rosto atípico ou com sinais que me negam. Não sei de onde vem isso, apenas olho e cego minhas palavras, puno o meu olfato com aquela presença e simplesmente grito o meu NÃO SABER. Andando na rua, teatro, casa, mola. Será tudo fruto de INCONSCIENTE coletivo? POR QUE NÃO POSSO eu agora, apenas falar ao sabor das minhas paixões? Escrever, escrever, escrever... Solo yo, hasta siempre, serei olvidado del oido de las eras. O perdi em uma viajem. Incongruência.

Para cantar ao torto, me lembro de quando fui Índio, me lembro de quando fui sensato, lembro também que faço apenas dele um diário, sem pretensões alguma, nesse exato momento exercito apenas meu tédio.

Cena 1: Duas pessoas entram em um bar, sentam e tomam cerveja. Falam, se sentem humanos e cansados.
Cena 2: Uma pessoa entra no banheiro caga, pega o papel higiênico, segura com as duas mãos para dobrá-lo, passa suavemente por entre seu cu. Se sente humano e aliviado.
Cena 3: 300 pessoas entram em um templo, choram, cantam, gritam. Se sentem humanos e em paz.
Cena 4: Eu estou escrevendo agora. Sinto o peito aliviado, um calor na verdade no peito direito, não sei de onde vem, escuto uma musica indígena, faz frio agora. Existem pessoas em casa. Penso no que irei escrever, espera um pouco irei escrever mais uma palavra, pêra aí ainda escrevo, poxa! Porque preciso escrever? Esquizofrenia? Ou algum artifício estereotipado e frívolo, para se sentir vanguarda? Mas ainda escrevo. Sou humano e idiota!

(In)Versão Brasileira Herbert Richers

Coloco-me à disposição do amigo para ouvi-lo falar sobre a esfera pública. Tomo por assalto as palavras dele e entendo que assim como todo filme estrangeiro traduzido em nosso país há um deslocamento do sentido original do roteiro (ou do sentido da palavra). No caso dos filmes, as mudanças da dublagem e tradução são às vezes drásticas, chegando ao ponto de transformar um filme de ficção científica num filme de amor (queria até citar um exemplo, mas fugiu-me o nome do filme). Eis o legado Herbert Richers.

Para contextualizar melhor o tema aqui, ontem estive num barzinho ao bom som do arrocha e enquanto observava os homens e mulheres dançando bateu-me fome. Pedi pastéis e uma cerveja. Chegam os pastéis, acaba-se a cerveja. Comem-se os pastéis. Pede-se a conta.

- Quanto? Uma cerveja e dois pastéis pequenos por R$ 8,00? Quanto é o pastel e a cerveja?
- R$ 2,50 cada pastel e a cerveja é R$ 3,00 – disse o graçon.
Reclamamos que o pastel não poderia ser tudo isso, ainda mais não havia o preço na comanda. O pastel era simples, pequeno, embora muito bom. Mas R$ 2,50 era muito. Foi daí que após ganhar R$ 1,00 de desconto, balbuciei.
- Melhorou. Viu como R$ 1,00 real vale muito. Comeria tranquilo amanhã no RESUN (restaurante universitário da UFS).
Sem esperar meu amigo responde.
- Eu fico é intranquilo em pagar R$ 1,00 ao Resun.
- Por quê?
- Não só pela comida, mas acho um absurdo pagar pra comer sabendo que a universidade é pública.
- Rapaz, público é o ensino e não a comida.
- Mas é isso! A universidade por ser pública tem que dar assistência. E a assistência deve cobrir tudo.
- Não concordo, pois público é o ensino e a assistência ela é para quem precisa, para alunos carentes que são isentos de pagar qualquer taxa na universidade. Ela é também residencial e psicológica. Os serviços públicos como em qualquer lugar são pagos. E outra, eu até pagaria R$ 2,00, como pago no RU de Ouro Preto, para ter uma comida melhor, com sobremesa, sucos e frutas!
- Isso é um absurdo camará! Tem que ser de graça.
- Rapaz, seria ótimo se assim fosse. Mas o governo não tem esse dinheiro todo. Afinal só na UFS são uns 10.000 alunos. É muito dinheiro no orçamento da união. Assim não há como redistribuir para quem de fato precisa.
- Entendo, mas e porque o governo tem dinheiro pra pagar R$ 15.000,00 para deputados e senadores que trabalham de 8h00 às 13h00? E quando trabalham...
- É neste sentido eu concordo. Eles deveriam ganhar somente uns R$ 4.000,00. Pensando desta forma até que vale repensar a questão do orçamento nacional. Mas, no que diz ao preço do Resun, não há do que reclamar. Por exemplo, a cerveja aumenta e ninguém reclama. Bebe! Os mesmos estudantes frequentam as temakerias, comem sushis que não enchem e não alimentam ninguém (quando sentimo-nos cheios nas temakerias é porque há bicarbonato de sódio no sushi) e pagam pelo menos uns R$ 30,00 e ninguém reclama. Compra-se maconha por R$ 40,00; paga-se R$ 11,00 num filme de duas horas no cinema; uns R$ 50,00 num livro (sabendo que as editoras são isentas de impostos e deveriam cobrar mais barato). E nada disso nos alimenta como alimenta o feijão e o arroz mesmo que duros do Resun.
- Mas é pública. Não pode cobrar.
- Ah, então você prefere pagar às instituições privadas, às empresas? Prefere pagar R$ 40,00 num almoço que muitas vezes nem é tão bom assim, mas reclama para não pagar em possíveis R$ 2,00 na UFS, que ao fim do mês, se você almoçar os 20 dias úteis de aula dá os R$ 40,00 gastos num dia só? Não entendo. Então você que se diz contra o capitalismo é ser a favor de pagar à empresa, mas é contra pagar o Estado pela mesma coisa?
- Se é privado é privado e tem que pagar! O que é público tem que ser de graça.
- Rapaz, não é assim. Você tá confundindo o espaço público onde todos têm alguma liberdade de estar e as instituições públicas que são mantidas pela União. Mas não significa que sejam os serviços gratuitos. Gratuito é a biblioteca, é a sala de aula. Mas o restaurante não é querer demais? Vejo uma inversão desses conceitos públicos e privados aí...

Esta conversa, embora bastante editada, pois seria impossível transcrevê-la sem usar um gravador, terminou assim, num silêncio sem respostas, pois a chuva chegou antes. Mas trago-a aqui para que possamos discutir as noções de público e privado, que no Brasil parece que não foram bem absorvidas ainda, como em países europeus e nos EUA. Tal como as dublagens que difundem outro significado para alguns filmes, a confusão que ocorre sobre o significado desta diferenciação público-privado, remete-nos a pensar como provavelmente absorvemos a noção de público no sentido “nosso” e privado aquilo que é do “outro”. Mas, se é nosso, por que tão mal cuidadas são as ruas e praças das cidades e até os livros da própria universidade? Por que muitos alunos não desligam as luzes e ventiladores das salas de aula como fazem em suas casas? Isso pesa no orçamento. Eis o legado da desconfiança brasileira frente ao Estado.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Zé Órbita, o mortalmente eterno

Por assitir demais o telejornal "O terráqueo", Zé Órbita nunca costumava oferecer carona para nenhum estranho que encontrava pela rua. Ele passou a assumir essa postura por saber cotidianamente através desses telejornais, noticias que anunciavam assaltos, assassinatos, sequestros etc. Zé Órbita passou a acreditar que era muito dificil existir alguma alma bondosa por entre os infinitos solos terráqueos.

Porém, quando ele conseguiu convencer sua namorada a morar na galáxia 34-7 com ele, depois de muito ter falado que lá o processo histórico-galáctico havia amadurecido a sociedade composta de Ions cósmicos orbitais, sua namorada sofreu um sequestro e foi largada como um pacote usado em qualquer bico de esquina.

Nesse sequestro, os terráqueos levaram todos os bens preciosos que ela continha em seu carro, além obviamente, do seu carro. O mais assustador nesse dia é que os carinhas se usufruiram também de seu bem precioso que ficava entre suas lindas pernas. A pobre garota passou momentos de muita tensão, uma vez que seu corpo foi abandonado por entre ruas esquisitas do centro da cidade pela madrugada.

Durante o seu momento de angústia, um carro parou em frente à calçada na qual ela chorava compulsivamente. Naquele instante, saiu um ser de capa azulada. O ser estendeu sua mão oferecendo carona a linda mulher. Por ela ter passado por uma situação assombradora, além de se lembrar que os terráqueos não faziam nada se não tivessem retornos positivos para os seus atos, ela resistiu. Porém, ela ao se ver jogada em um ambiente extremamente suspeito, sem dinheiro, sem celular, pensou que a única saida que lhe restava era optar pela carona.

Rapidamente o ser a deixou em sua casa. Ao chegar, ela se jogou desconsolada nos braços de Zé Órbita. Mal ela teve tempo de agradecer o rapaz. Zé Órbita a abraçou sem entender muito o que estava acontecendo, foi até o rapaz e o agradeceu pela sua atitude. Quis te dar uma recompensa, uma vez que havia aprendido a estabelecer esse tipo de ritual com os terráqueos, mas ele por exceção, não aceitou. Entrou no carro, acenou com a mão e foi embora.

Depois desse dia, Zé órbita teve que modificar algumas de suas concepções e nóias que ele tinha do mundo terráqueo, admitindo pra si mesmo que apesar da intranquilidade que sempre reinou no mundo da terra, existiam seres que faziam exceções a essa regra. Devido ao ocorrido, eles resolveram adiar a viagem interplanetária por um tempo até que tudo se voltasse ao seu lugar.

Depois de dois meses do ocorrido, Zé órbita ao passar com seu carro espacial disfarçado de modelo terreno, viu uma bela mulher chorar. Essa mulher tinha duas marcas em seus olhos. Ao lembrar do caso de sua namorada, Zé Órbita resolveu oferecer uma carona, pois a linda mulher, assim como a sua namorada, precisava de ajuda. Durante o trajeto ao levá-la para sua casa, a mulher começou a contar seu drama, contando desesperada que o seu marido era alcóolatra e a agredia cotidianamente.

Chegando na rua da linda mulher, Zé órbita, a pedido dela, a deixou na esquina para que ela evitasse qualquer desconforto com seu marido macho e violento quando chegasse em casa. O que ele e ela não sabiam era que o marido dela estava na esquina onde o carro de Zé Órbita havia estacionado. Foi muito azar, pois coincidentemente naquele dia, o marido dela estava na esquina porque havia sido inaugurado um bar por lá chamado "Canto de esquina".

Porém, ambos não perceberam que o ser violento tinha visto aquela situação que para ele, como um perfeito ogro e machista, era a pior humilhação que poderia passar. Antes dela sair, agradeceu a Zé Órbita pelo apoio e pela paciência por ele ter ouvido seus soluços desesperados de uma mulher falida em carne e espírito. Zé Órbita ouvia aquilo tudo com uma alegria imensa, pois se sentia compensado em ter proporcionado um ato de zelo com aquela mulher, igual ao que o ser de capa azul havia feito com a sua namorada dois meses atrás.

Logo após a mulher sair e antes de ele ligar o carro, ele ouve alguém batendo no vidro. De dentro do carro, ele percebe que era um homem com uma cara deplorável de bebedeira. Ao descer o vidro, Zé Órbita perguntou se ele precisava de alguma coisa. Ele nada respondeu. Antes de Zé Órbita fechar o vidro do carro, o homem tirou uma arma de seu casaco e disparou mais de sete tiros na cabeça do nosso querido Zé.

De sua boa intenção e de sua alegria por ter se sentido útil e delicado com um terráqueo, só sobrou um corpo sem vida ensanguentado por cima do volante.

Preto e colorido

Vou caminhando pela calçada, abro o jornal e tento ler a primeira linha do texto. Em meio dessa constelação de letras desordenadas, as palavras se turvam em sua própria lógica.
Os carros passam, silenciosos são os seus ruídos.
Creio que as informações estejam se repetindo semanalmente, mas elas insistem, sob letras garrafais, anunciar novas descobertas. A novidade se insurge da sua essência envelhecida..."viva a América, o mais novo continente descobre peças fundamentais para dominar o mundo", "não se sabe bem, mas possivelmente seu carro do último lançamento poderá ser roubado", "novos peitos e bundas para as mulheres modernas", "para Woody Allen, ficar velho é um mau negócio". Nessa altura o noticiário já não me interessa.
Não sei bem, mas acredito que tenho avançado uma quadra.
Minha atenção entorpecida pelos cartezes multicoloridos , dançantes sob as luzes de néons. Dior, Freddo, Schwarzkopf fazem saltar os olhos, enquanto presença heteromórficas das ilhas comerciais do prazer.
Mas meu interesse se esvai até ... um porquinho atravessar a rua, em passos ligeiramente apressados, vai em diração ao terreno abandonado, pouco distante dos encantos da Eterna Primavera. Os matinhos crescidos parecem não te incomadar e nem mesmo a falta de iluminação. Convicto de que alcançou o seu espaço, ele parou e dormiu, aparentemente em um sono tranquilo.
É, acho que deveria fazer o mesmo. Atravessei a rua, andei, em passos ligeiramente apressados, fui para casa.
Quando cheguei na porta... pus a mão no bolso. Onde foram parar as chaves?

domingo, 11 de julho de 2010

A noite de Tobias Barreto.

Sou uma esfera desnuda
Que anda pelo mundo a procura de uma árvore
Onde a moça se põem a ler o livro
Cansada se deita na árvore
E quando a noite cai ela não é mais
À noite, a árvore e a moça
São.

Namoro a madrugada
E na estrada sigo com ela
Olhando os tijolos da rua
Contando as horas
Para que o dia se cale
Para que o tempo que todos gritam
Conheça o sono que eu tanto anseio
Como a moça que em si não é nada
Sem o crepúsculo do meu peito.

Canto para ela
Um canto vago
Que não sabe o que ansiar
Afinal, vejo o bêbado andado
E mi sinto tão ébrio quanto
Com esse grito gago como a vida
Que agente vai levando
Como bois que seguem a estrada sem saber para onde vão.


Obs.: Devido a uma serie de contratempos estou publicando meu texto neste domingo, uma vez que não recebemos nenhum texto dos nossos leitores. Desculpe-me, caros leitores, contudo espero que tenham uma boa leitura!

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O flâneur e o torto

O personagem do flâneur surge num momento de grande efervescência cultural da França do século XIX. Essa época ficou conhecida com belle epoque e criou tendências no traçado urbano, arquitetônico, na moda e nos modos e estilos de vida, que se tornaram sinônimos de algo sofisticado, abrindo de vez as portas para a modernidade.O sujeito da sociedade moderna passou a viver num mundo em que as normas e as leis conduzidas pelas instituições modernas buscavam moldar o comportamento desse individuo.
Simmel percebeu esse amarramento e identificou que as sociedades urbanas possuíam sua própria construção mental, diferente de sociedades urbanas pequenas e rurais. Para uma interpretação desse espírito, ele chamou o comportamento desse sujeito moderno de blasé, que corresponde à atitude individualizada e reservada diante de certos processos sociais, a exemplo da inserção de novos sujeitos sociais no espaço urbano.
Por outro lado, para uma interpretação da modernidade, Baudelaire criou um personagem, o flâneur, que questiona a modernidade, porém se alimenta dela para construir sua visão de mundo. Essa personagem é bastante utilizada na literatura sociológica e antropológica.
O flâneur consome a cidade, sendo conduzido por seu olhar. Diferente dos pacotes turísticos e guias que conduzem o caminho dos atores sociais, esse constrói o seu próprio roteiro e percepções. Como havia dito, esse sujeito é fruto do contexto capitalista, urbano, cultural, político e econômico da modernidade. Ele é um sujeito para todas e nenhuma causa, com ideologia, visto que ele está em todos os espaços e sem revolução. Pois, ao mesmo tempo, que segue na direção do espírito cultivado pelo capitalismo, ele constitui o seu roteiro observando e experimentando as práticas.
O torto é esse sujeito que aceita e repudia a sua própria construção. Fortalece-se pelo processo e não pelo fim em si da idéia, pois essa é o inicio para uma outra reflexão. Não interessa apenas o roteiro das convenções e nem apenas o do não-convencional, assim como, para o flâneur, explorar a cidade sem a aparente distinção de espaços é importante para entrar em contato com os lados, para que, assim possa construir as suas criticas e percepções.
Posso considerar que há uma proximidade entre as visões de mundo do torto e do flâneur, principalmente na relação com as definições de mover-se e ser movido (maiores detalhes ver aqui no blog o texto “...Movimento, Move Mente, Move Gente, Intiga Sonhos, Futuca Idéias...”). Pois os dois transitam por vertentes e espaços de diferentes visões. Com suas observações contribuem para a afirmação e/ou revisão de valores e comportamentos. O contato com o outro contribui para o reconhecimento da diferença e para o autoconhecimento. Ou seja, somos e, também, não somos apenas produtos do meio.
Em contraponto com os dois sujeitos, o blasé de Simmel é um mecanismo de defesa para os atores sociais diante da complexa sociedade moderna da qual estamos inseridos. Essa tendência pode vir a produzir uma conseqüência no tocante a individualização e a reserva diante das relações sociais. Essas características podem engessar o ator social na descoberta por outros mundos.

*Agradeço a Eder Malta, o nosso torto, pelas contribuições. Muito obrigado!

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Sombras

A mente humana é uma questão de sonhos...

- Diga-me se estou certo. Você esteve ontem em Tobias?
- Sim, estive em Tobias.
- Então minha intuição foi verdadeira?
- Não sei. O que eu sei, é que estive em Tobias.
- Pois bem, e sua esposa como vai?
Houve um silêncio, mesmo diante do barulho da Praça Fausto Cardoso no horário de pico. Terêncio não sabia o que dizer. Ficou um pouco confuso. E tremia os lábios quando sua resposta lhe saltou à mente.
- Bem, sim, muito bem. Por quê?
O motorista do carro que se aproximava do terminal da Rodoviária Velha olha-se no espelho retrovisor, admira seu bigode e diz:
- Por nada, foi apenas uma pergunta, desculpe.
- Márcia está bem, às vezes sente presenças e estou lhe dando na hora certa os medicamentos. De qualquer forma obrigado por perguntar. Disse Terêncio.
O jovem tobiense desceu do carro e despediu-se de seu colega. Ele ainda conservava a boa forma dos dias do futebol, ele fora um bom atleta. As mulheres nutriam um verdadeiro fascínio por ele. Ele comprou uma passagem e sentou-se em um banco e ficou a olhar o seu ticket. Nesse estado de espírito permaneceu alguns minutos. Um rapaz que sempre está na rodoviária aproximou-se e ofereceu seus préstimos de engraxate.
- Moço que engraxar os sapatos? Os deixarei brilhando.
- Não, obrigado.
- Faço um preço camarada.
- Sei.
- É o melhor preço do lugar.
- Não, obrigado. Responde Terêncio com indiferença.
Nunca se sabe o que se passa com as pessoas. O rapaz continuou com seu olhar vago pensando sobre um mundo que parece desabar sobre sua cabeça. Ele amava sua esposa, e nunca pensara que um dia as coisas seriam tão difíceis.
- Terêncio! Terêncio!
- Sim, oh, como vai? Faz tempo que não te vejo.
- É um prazer rapaz, te ver! Está bem, viva Deus!
- Terêncio não estava nem um pouco interessado naquela conversa. Contudo responde-o por educação:
- É a vida. Carlos, você vai a Tobias?
- Não, vou à Estância.
- E você para onde vai?
O telefone celular toca, e Carlos afasta-se um pouco para atendê-lo. Conversa ao celular por uns minutos em voz baixa e retorna para o atleta Terêncio com o rosto um tanto pálido.
- Meu ônibus chegou. Abraços rapaz, apareça!
- Certo, quem sabe amanhã a gente se encontra.
Olhando novamente a passagem Terêncio descobre que seu ônibus sairá uma hora além do horário que ele esperava. “Puxa estou desatento, comprei a passagem para a hora errada”. “Fazer o que?” Encostou-se no banco e relaxou finalmente. Caiu no sono e neste viajou para algum lugar. Ali estava Márcia, sua mulher. Seu corpo deitado no chão, ensangüentado e com ferimentos semelhantes a facadas profundas. O lugar estava cheio de moscas e tudo ao seu redor exalava um cheiro cadavérico. Ao ver esta cena o jovem Terêncio cai em pânico e desperta de seu sono.
- Terêncio!
- Sim?
- Seu ônibus está para sair.
- Quem é você? Como me conheces?
- Como assim, não lembra?
- Não.
- Não tem problema, vamos!
Durante a viagem, o rapaz nada pergunta a mulher que está ao seu lado sentada. Ela era bonita, possuía feições finas e testa grande como o povo de Itabaiana. Todo o percurso até Tobias ela se manteve calada. O mesmo fez Terêncio, nada disse. Tobias estava na época daquela garoa fria. O céu sempre nublado com momentos rápidos de sol. Todos ocupados com seus afazeres que nem viram o grande filho retornar a terra mãe. Ambos tomaram um taxi para o Walter Franco, um conjunto habitacional de classe média. A casa era reformada e muito espaçosa. As janelas estavam fechadas e nada de sol para tirar aquele cheiro estranho do ar.
- Sei que é difícil, mas você precisa reagir.
- Como assim, reagir?
- Bem, troque-se e depois conversamos.
- Por que precisamos conversar?
- Será melhor para você não fazer perguntas agora.
Muitas coisas acontecem no mundo. As pessoas nem imaginam o que pode ocorrer a uma mente fraca e frágil como a humana. A casa estava vazia fazia dez anos. Mas conservava o mesmo ar da época em que ali houvera muito felicidade.
- Gostou da comida?
- Muito boa, disse o jogador de futebol.
- Muitas vezes estivemos aqui.
- Foi? Não lembro.
- Por que você não lembra?
- Não sei.
Enquanto os dois conversavam chegaram algumas pessoas estranhas. Abriram a porta e ocuparam a casa com muita facilidade. Uma senhora alta, bem vestida, põe seus objetos sobre a rack da TV e conversando com seu esposo entram no quarto. Falavam alto, mas parecia que havia alegria entre ambos, deram muitas risadas. Caminhavam por toda a casa e sentaram-se à mesa sem darem a menor importância aos dois que haviam chegado primeiro. O casal janta e logo em seguida vão para sala de TV e assistem as notícias, em seguida inicia-se uma conversa entre ambos.
- Terêncio está na Bahia, amanhã ele retorna. Disse a moça bonita.
- Estás com medo? Perguntou o rapaz que a acompanhava.
- Não, não é isso, acho que devemos tomar cuidado.
- Por quê? Somos livres e o que fazemos não é crime.
- Já foi um dia, ainda consta nas leis, embora ninguém a leve mais a sério.
- Você fala de adultério? Ninguém liga mais para isso. E se ele realmente gostasse de você, ele sempre estaria ao seu lado. E o dinheiro que você me prometeu emprestar, onde está?
- Olha, eu prometi, mas primeiro vamos acertar nossas vidas e aí eu terei o dinheiro.
- Terêncio jamais vai te deixar viver comigo, sempre fomos amigos, isso vai ser uma confusão.
- Não, não acredito, ele é um cara dócil, não é dado ao álcool ou a violência, além do mais, ele me ama, e quando se ama se perdoa.
- Você realmente crê nestas coisas?
-Sim, creio.
Pouco tempo após esta conversa o casal vai ao quarto e se calam por um bom momento, a casa volta ao silêncio de antes.
- Terêncio! O que há com você, você se calou e me deixou falando sozinha.
- Não sei, acho que me lembrei de alguma coisa, mas não faz sentido.
- Acho que você está voltando a lembrar-se das coisas.
- Que coisas?
- Não sei. Só você pode nos contar.
- Lembro-me de uma partida de futebol. Nosso time estava ganhando no primeiro tempo. No intervalo recebi uma ligação de Tobias e depois não consegui mais jogar direito e o time visitante ganhou a partida, sabe, todos esperavam uma reação minha. Recebi muitas vaias.
- Mas não foi sua culpa. Disse a mulher procurando confortá-lo.
Aquele olhar vago e triste se apodera do rapaz e o leva novamente para dentro de si mesmo. E de repente um barulho vem do quarto de casal. Há uma discussão lá dentro, o casal de amantes se desentende e inicia-se uma briga verbal que ganha forma de uma luta corporal até ouvirem-se gritos abafados de socorro. O silêncio só retorna quando se ouve um baralho de um corpo caindo ao chão. A porta abre-se e o amante da moça sai com uma sacola em uma mão e uma faca na outra.
- Terêncio, você está pálido novamente! O que aconteceu?
- Não sei, mas é melhor olharmos o quarto, ouvi alguma coisa. Há alguém aqui.
- Não, estamos sós. Estamos sós como sempre foi.
- Afinal, quem é você?
- Você não lembra?
- Não.
- Mas, é melhor você ver o quarto de casal.
- Você quis dizer o nosso quarto?
- Como nosso quarto? Você não é a Márcia.
- Como não? Você não me reconhece?
- Márcia está doente e está tomando remédio, eu mesmo cuido dela.
- Não, tudo isso é coisa de sua mente.
- Por favor, não duvide de mim. Conheço minha mulher.
- Está bem vamos olhar o nosso quarto.
Terêncio e a mulher foram até o quarto principal da casa. Chegando lá nada encontraram, exceto uma garrafa de whisky e um copo sobre um criado-mudo cheio pela metade.
- Não pode ser, tenho certeza que ouvi um barulho vindo daqui.
- Pode ter sido ratos.
- Como? Nunca teve ratos aqui. Isso eu me lembro. Eu não estou louco.
-Não estou dizendo que você é louco. Apenas que você pode ter se enganado, isso é normal.
- E quanto a você? Você não é Márcia.
- Eu sou quem sempre fui e moramos aqui nesta casa.
- Isso não é verdade. A casa é a mesma, mas juro por Deus deve estar havendo um engano.
- Como, engano? Eu sei quem sou.
- Eu também sei quem sou.
Será que todos nós sabemos quem somos nesta curta vida que passamos pelo mundo? O casal continuou a discussão até esgotarem todas as chances de se entenderem. Terêncio se calou novamente e pegou o copo de whisky e tomou lentamente seu conteúdo enquanto sua suposta esposa preparava a cama.
- Vamos deitar? Perguntou a mulher um tanto triste.
- Vamos, estou com sono.
O casal, ou os dois, ou sei lá quem eram, deitaram-se lado a lado na mesma cama e não se tocaram. A mulher pegou no sono primeiro, enquanto isso, Terêncio pensa o momento de sua vida. Ele sempre fora um bom rapaz. Quando criança teve uma parada respiratória e os pais o levaram ao médico que aconselhou à prática de esportes. Seus pais o levaram ao campo do Amandense, e de lá o rapaz ganhou o Brasil. Foram bons tempos para Terêncio. Fama, dinheiro, mulher, amores. Ele se acostumou a estas coisas. Vinha a Tobias ver seus pais sempre quando podia, mas um acidente de carro na curvinha do pau-preto ceifou o elo poderoso que o ligava a Vila de Campos. Depois disso Terêncio mudou-se de casa e alugou um apartamento em Salvador. Quando ele conheceu Márcia, consolou-se da falta dos pais, e decidiu comprar uma casa no Walter Franco. O bom filho sempre retorna à sua terra. Os anos no Walter foram de intensa felicidade. Contudo Márcia reclamava muito de sua ausência. Ele estava sempre viajando para cumprir a tabela do campeonato brasileiro de futebol. Terêncio não conseguiu pegar no sono e levanta-se da cama. Anda pela casa sentindo-a estranha. Ouve um barulho no quarto onde a mulher que se diz ser Márcia está deitada. Vai ao banheiro e atrás da banheira encontra uma faca suja de sangue. O rapaz ficou muito assustado. Segurou a faca em sua mão direita. E continuou sua breve viajem pelos cômodos de sua casa. O quintal da casa era amplo e havia um lugar onde havia terra. Parou, fez xixi, e virou-se para retornar ao quarto. Seus olhos por acidente se depararam com uma sacola de papel de tamanho médio do tipo usada para fazer compras em lojas finas. Caminhou em sua direção, pegou-a e abriu-a, e dentro desta havia uma quantia muito alta em notas de cem reais. Eram cinqüenta mil reais. O rapaz pensou: “O que isso está fazendo aqui?” Correu de volta para o quarto com a intenção de perguntar a mulher estranha. Ao entrar no quarto este estava vazio.
- Terêncio! Terêncio!
- Sim?
- Dormiu bem?
- Tive um sonho eu acho.
- Foi? Depois você me conta, vamos tomar café?
- Quem é você?
- De novo a mesma pergunta?
- Eu só tenho a mesma resposta.
O dia foi longo para Terêncio. E deve ser para muita gente neste mundo de Deus. Terêncio escondeu a faca com medo de usá-la. E o casal continuou naquela casa até que um dia todos sumissem como sombras enfraquecidas pela falta de sol...

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Santo Amaro de Ser

“Perante o amargo da vida, chimarrão é brigadeiro” (Vina Torto)

Em minha noite caminha a rima
Rumo a não-trilhos, os mais partidos
Rumo a não-rumos, caminhos foscos
Assim sem brilho, assim sem vida


Perante o espelho já tão surrado
Já todo grito custa a refletir
Eu sei que assim suspira minh’alma,
E tanta morte que me faz tão rir

E gritam olhos que não quebram espelhos
Espírito de Deus...

O mal do século é mal do mundo
A convergência de desejos fluidos
Disfarce aberto do ódio mais soturno
Este é o mundo
Este é o mundo

Alivia-me a acidez de ser,
Espírito de Deus!

terça-feira, 6 de julho de 2010

A estante de livros

Admiro olhar os livros entulhados nas estantes. Casas, livrarias e até nas calçadas das ruas vendem-se livros. Livros com ácaros e poeira ou novos. Além da quantidade de assuntos e temas que são produzidos continuamente há a variedade de redes de conhecimento de cada autor e de interesses de cada leitor. As estantes chegam a ser indisciplinadas, tortas.

Além disso, há o tempo referente aos temas. A abordagem deles para cada época é bastante reflexiva. A linguagem filosófica e técnica de uma Escola ou outra também enuncia interesses e usos diferenciados por seus leitores, abrange os diversos cursos e campos do saber. A matemática empilha os livros 1,2,3... a publicidade anuncia os livros a,b,c... as sociologias publicam o,q,u,é...

Basta visitar um sebo de livros para notar as estantes empilhadas. Os mais antigos possuem capas semelhantes, menos coloridas, marrons ou verde fosco. Depois vê-se aqueles livros com capas azul escuro. O tempo aí já fez estradas. Tanto quem escreveu, quem produziu a brochura e quem leu o conteúdo percorreram trajetórias diferenciadas. Hoje as capas dos livros colorem as estantes. Em alguns casos até chamam mais atenção do que o próprio texto.

De tão indisciplinada que é a literatura presumo que aquilo se lê é sempre deslocado no tempo e em diversos espaços. Aquele que escreveu alinhado na estante ficou. Quem produziu não leu. Quem leu entortou(-se). Diga-se de passagem que os leitores apropriam-se dos enunciados que condizem principalmente com aquilo que ele busca no livro. Às vezes leem todo e aproveitam. Noutras várias, circulam as passagens que descobrem e o fazem descobrir-se num efêmero processo de identificação com aquilo que se lê – a frase. Guardamos essas frases grifadas nas estantes e na memória até serem ditas nas ocasiões.

Depois que a estante de livros virtualizou-se, as frases saíram das bocas para o MSN, blogs e sites de relacionamento. Tornaram-se mais públicas do que aquelas faladas oralmente – embora o boca a boca seja eternamente eficiente – ou anotadas em diários e guardanapos. Desde que Socrátes disse que “mais inteligente é aquele que sabe que não sabe” – o controverso dito popular “sei que nada sei” – frasear a vida inscreveu novos modos de compreender a linguagem textual. Não é toa que a frase do filósofo dita popularmente é praticada de maneira diferente do que se propõe.

No entanto, a palavra publicizada nas peripécias virtuais ganha amplitude em tempo real. Não precisa gritar! Pelo menos umas 30 ou mais pessoas estarão lendo sua frase (ou qualquer outra coisa, a exemplo dos links). Não se sabe se o livro está na sua estante ou se foi lido por completo. Digamos que a frase caiu do céu – ou melhor, apareceu no Google!

Mas o que de fato importa é como e porque as estantes tornaram-se indisciplinadas, tortas, sejam elas arrumadas com livros, com bocas ou blogs. Aquilo que se lê muitas vezes está deslocado do sentido original do texto e as frases tem esse poder de quebrar o consenso sobre aquilo que se diz, tornando-se tortas. Basta ler/dizer “o que não me mata me fortalece” sem nunca ter lido o que exatamente o autor escreveu ou visualizar no MSN um amigo escrever: “Querida Ana e eu adoramos filmes brasileiros”.

Como não admitir que temos a possibilidade de apropriar-se dos bens culturais e, por nós mesmo, produzir uma diferença no modo de enunciar a palavra, de praticar um lugar, de utilizar um produto e no que ela propõe gerando possibilidades diversas de entendimento?

Estes usos podem também gerar certo desentendimento. Não no sentido de que as partes se desentendam por falta de conhecimento ou mal-entendidos (discórdia), mas porque o sentido do texto está velado ou não é passível de um consenso, pois as concepções discursivas são sobretudo diferentes. Aquilo que se diz, se faz, se move é entendido e não entendido usando-se as mesmas palavras.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Uruguai EGANA

Depois de ter assistido a derrota do Brasil nas quartas de final contra a Holanda, e sentido na pele a nossa cultura comodista refletida no jogo, dei continuidade a minha audiência na Copa assistindo Gana e Uruguai. Depois de me saborear com aquela partida intensa de expectativas, percebi o quanto algumas reações que eu considero como tortas se encontraram naquela disputa.

Gostaria de abordar neste texto duas posturas tortas a partir do jogo nas quartas de final entre Uruguai e Gana. A primeira delas diz respeito a uma crítica que faço a associação simplista que nós fazemos da lei, esquecendo das variáveis inesperadas dadas por nós em relação a essa lei. A segunda se refere à contingência da vida, ou seja, às mudanças bruscas de nossas reações.

Sexta-feira, às 15:30 no horário de Brasília, jogavam para conquistar uma vaga nas semifinais em Joanesburgo-África do Sul, Uruguai e Gana. Em noventa minutos, o placar marcava 1 x 1. Quem perdesse sairia da Copa. Gana ataca, e em um ato de desespero, Suárez, jogador Uruguaio, utiliza-se das mãos com o intuito de evitar com que a bola entrasse na rede e desse um bye bye para o time uruguaio.

Suárez termina sendo expulso. Assistimos a um lance terrível para o Uruguai diante da marcação de um pênalti a favor de Gana naquele momento do jogo. Asamoah Gyan do time de Gana, prepara-se para o chute. Asamoah Gyan chuta e adivinhem!!!! Travessão. O jogador Suárez, no mesmo instante em que se lamentava em lágrimas, sai gritando loucamente em uma prova clara de felicidade.

Quem se entorta é quem sabe que apesar de existir o certo, não necessariamente o não cumprimento do que é dito como certo deve ser considerado como algo errado; mas também entende que, mesmo que o certo não seja certo em si mesmo, aceita que ele deve ser regulado pelas leis, uma vez que exigimos o cumprimento do que oficializam como certo quando sentimos que saimos lesados de algo.

Tentando esclarecer: Suárez lança a opção de jogar suas mãos com o intuito de evitar o gol de Gana. Ele agiu errado? Se foi simplesmente o desespero ou uma tentativa de burlar o regulamento naquele instante, o fato é que Suárez se desviou das normas com o intuito de fazer o melhor. Se um Kaká da vida desse um “chutinho manual” disfarçado na rede a favor do Brasil, os brasileiros adorariam não é?

Mas eu posso dizer que apesar do torto conseguir visualizar o descumprimento do regulamento, não encarando a escolha de Suárez como plenamente errada ao tentar evitar o gol, ele também pende pro lado da aceitação do cartão vermelho dado a Suárez, apesar do torto aceitar a imprevisibilidade de nossos atos e requestionar até que limite determinada regra é de fato válida.

Para mim, o torto encara as normas como instituições que têm como função, estabelecer entendimentos e ordem entre os agentes; mas também entende que o humano pode fazer algo de encontro à lei e sair ganhando. Só por que o regulamento é algo oficializado, não significa dizer que ele representa a única opção do que seja melhor para aquele que se encontra submetido a esse regulamento.

O segundo ponto se refere às circunstâncias inesperadas das nossas reações. Suárez por ter sido expulso e por achar que o Uruguai estava se despedindo da Copa depois do pênalti marcado, levou as mãos ao rosto. Perdido o pênalti, logo se percebeu, junto à gritaria da torcida uruguaia, o irradiante sorriso do jogador uruguaio segundos depois de sua fisionomia de lamentação.

Mesmo submetidos a uma ordem, os contextos nos possibilitam a mudarmos a previsibilidade dos nossos atos; e as leis não necessariamente geram conseqüências negativas ao agente que opta por não cumpri-las. Com a classificação do Uruguai para as semifinais, acredito que Suárez e toda a torcida uruguaia me entendem. No jogo entre Gana e Uruguai, o Uruguai “EGANA” e se sai muito bem.

Em tempos de espetáculos (Por Maíra Lima)

Ultimamente, o Brasil anda muito bem, obrigado... até a chegada dos holandeses. Como todo bom invasor que se preze, eles demarcaram seu território e expulsaram o seu adversário no meganânimo evento mundial ocorrido em terras sul-africanas, a fim de desbravar, além de alguns milhões em jogo, o almejado TÍTULO tal apaixonadamente disputado. Título esse que nos último anos não vem se ajustando muito bem ao Brasil, desde alguns anos. Como bem argumentou nosso colega, nesses momentos em que uma parte do globo é pronunciada pelas lentes de aumento do quarto poder, onde diversos Estado- Nações se confrontam -além das partidas - em diversos aspectos, em meio de uma profusão de nacionalidades, o que nos resta é elegermos verdadeiramente brasileiros para que esqueçamos por uns tempos as nossas dívidas, contas e outros infortúnios.

Que por falar em infortúnios, o nosso comandante nos deixou um tanto desapontados, afinal saímos do grande espetáculo. E isso não é nada bom, não teremos mais feriados, nem boas tardes de bohemia. Mas nos resta outros shows particulares que concorrem as partidas: os bastidores. É lá que rolam as fofocas, os "grandes furos" e alfinetadas entre técnicos e jornalistas. Inicialmente, foi a saída bem "a la francesa" da França, depois de uma série de discussões entre jogadores e técnicos. Andaram comentando por aí que tudo isso era reflexo do "presente grego" que rapidamente foi desencadeando em efeito dominó sobre outros países, até que colou por algumas semanas, quando a Itália, Portugal tiveram que fazer as suas malas... dando lugar para os muchachos sul-americanos.

Outros comentários, forma a respeito do nosso comandante, durante toda a copa, ele andara muito irritado e às vezes mal educado. Choveram críticas, “Dunga, um anão”, “sem nenhuma postura diplomática, incapaz de esquecer os maus entendidos há muito tempo não resolvidos”. “Um verdadeiro ditador, capaz de desencadear uma série de ansiedades nos nossos jogadores”. Realmente, os jornais não facilitam, enquanto puderem criar rótulos sobre as personalidades para formar incisivamente a opinião do espectador, tudo está valendo. Até um breve comparação com o Maradona, pois " ele foi muito mais educado ao cumprimentar com os seus jogadores, Dunga simplesmente foi direto ao vestuário, incapaz de reconhecer a sua perda na Copa".

Que por falar em Maradona, após ficarmos órfãos na Copa, uma das estratégias seria eleger um outro time, para que não percamos esse espírito patriota. Bem, como sou fiel ao meu continente, resolvi torce para a nossa hermana Argentina. Estava animada, mas pow...!!!!Depois do Dunga, você Mara!!!! Tão confiante, convicto de que a bola da vez seria digna da terra "das platas"... simplesmente saiu de campo... antes de me deixar órfã novamente, tendo que recorrer a outro time (espero que eu acerte dessa vez), perdi a oportunidade de assistir outro espetáculo, que prometia ser cômico, te ver andando nu pelas ruas portenhas! : (

sábado, 3 de julho de 2010

JABULANI

A copa do mundo é um dos maiores, senão, o maior evento de uma das muitas modalidades esportivas existentes no mundo. Até quem não costuma ou não gosta de assistir futebol participa acompanhando noticias e aos jogos de sua seleção durante a copa. Claro, que me refiro aos países em que a população tenha um maior interesse por esse esporte. Já que esse envolve outros segmentos como cultura, economia e política.
A relação simbólica que as seleções estabelecem com a população de muitos países dos países que jogam a copa, que podem ser percebidas de diversas formas. Seja na relação direta do uniforme com as cores de um símbolo nacional, que é a bandeira, o hino nacional executado sempre que as seleções vão jogar e o respeito cobrado pelos torcedores, pelos treinadores e entre os jogadores. Esses últimos, falam como soldados ou comandantes que estão a frente de seus países em terra alheia defendendo sua pátria. Levanta-se um certo sentimento nacionalista em torno dessas seleções e que a mídia faz questão de reforçar. Junto a isso a cobrança por uma relação amistosa entre os povos.
Vou citar uma reportagem que William Waack fez para o jornal da Globo. Direto da África do Sul Waack mostra todo o seu espanto, pois os africanos não estavam torcendo para as outras seleções do continente. Na sua interpretação, aquilo significava uma desestabilização diante da idéia do continente unificado, pois era a primeira vez que uma copa do mundo de futebol acontecia no continente. Outra coisa, a representação desse argumento pode ser visto nas aberturas antes dos jogos que tem um desenho do continente africano numa bola dourada. Ou seja, o reforço geográfico e simbólico de que a África é um país unificado.
Os torcedores trazem o nome de seus heróis atuais ou antigos escrito nas costas, em faixas ou em grandes bandeiras reconstituindo, assim, uma arena de guerra, em que sua força e seus guerreiros são apresentados. O jogador carrega características especiais, o diferenciado, aquele que pode numa jogada decidir, geralmente, o mais habilidoso do time. Ou, em alguns casos, pode ser um jogador de marcação ou mesmo um goleiro, o fato é que essa relação de empatia com a torcida passa pelo que ele tem a oferecer a torcida não apenas em marcar gols ou se dedicar a equipe, mas principalmente de corresponder as expectativas emotivas da sua “Nação”. Lembrei-me agora de peculiaridades de alguns desses países e que podem ser encontrados nos escudos ou uniformes: a Costa do Marfim são chamados de elefantes, Camarões os leões africanos, a Nigéria as águias e a África do sul são os bafana bafana, que significa meninos meninos.
As camisas e as seleções passam a ser um desses símbolos que aglutinam o pais no objetivo de torcer e de ver a sua auto-estima ser elevada. Em meio a isso existe o interesse político da conquista do titulo. Isso já aconteceu com alguns países que se utilizaram para fortalecer seus discursos ditatoriais ou para desviar momentaneamente o foco de problemas sócio-econômicos. Como exemplo do primeiro caso, o titulo do Brasil em 70 foi um prato cheio para promoção do então governo militar, seguindo a mesma receita a ditadura argentina também se beneficiou com o título em casa em 78, sem esquecer a Itália fascista de Musolini que teve a seleção da casa como campeã e uma série de desistências em 34. No segundo quesito, está o caso da França em 98, que precisava vencer para arrefecer a revolta popular com as altas taxas de desemprego e recessão.
Além das questões política e cultural, os aspectos econômicos acompanham esse evento com cifras para todo o lado. São estádios que custaram no total aproximadamente 200 bilhões de reais, árbitros que recebem cada um, independente da quantidade de jogos que apitem 80 mil reais, os clubes que cedem jogadores as suas respectivas seleções recebem uma diária de cessão do jogador de 2.400 reais, além dos prêmios de 51 milhões de reais para o campeão da copa. Sendo um evento internacional, que média os ingressos custam entre 20 dólares, em jogo da primeira fase, e 900 dólares, no caso de final e jogos decisivos.