sexta-feira, 15 de março de 2013

CARTAS PEDAGÓGICAS

Meu caro Souza, Há bastante tempo que não trocamos ideias sobre o fenômeno social Educação. É muito visível a cooperação das ciências sociais para a elucidação do fenômeno e contribuição na produção das ações pedagógicas. Émile Durkheim (1858 – 1917), em seu tempo, muito bem dizia da grande ajuda da Sociologia na formação do pensamento pedagógico. O grande sociólogo francês muito ajudou ao homo sapiens a pensar sobre educar sua espécie, contudo, como todos os demais, esbarrou na epistemologia de sua época que trouxe muitas nuvens negras sobre o que é o que. Está chegando o fim de três décadas em sala de aula. Hoje me recordo do primeiro dia em que risquei o giz, pela primeira vez, na lousa de pedra fria. Eu era apenas um garoto de pouco mais de vinte e dois anos. Cheio de ideias e vida, o mundo para mim ainda era colorido, e o processo educativo um objeto fascinante! Recordo-me de alguns rostos que com muita dificuldade os via na penumbra de uma sala de aula com iluminação precária na periferia do Recife – era o bairro Cavaleiro. “Roosevelt, você pode dar aulas de Inglês para nós?” Eu, por um instante, pensei não ser capaz de fazer nada em uma sala de aula. Mas devo confessar amigo Souza, aquela fora a experiência mais saborosa de minha existência nesse orbe! Ensinar é aprender novamente, ou melhor, reaprender constantemente o que aprendemos uma vez. É uma experiência de movimento permanente, uma dialética que ora nos põe entre os ignorantes, e ora nos põe entre os mestres da terra. O rio epistêmico nunca está seco, nunca se torna ralo; suas águas são, por vezes, turvas, outras vezes, tão límpidas e tão cristalinas que refletem a imagem dos que passam, ou as formas da paisagem ao seu redor. São águas profundas; nunca o sábio se farta delas. O sertão me trouxe novos horizontes; é certo que dificultou muito o acesso a níveis maiores na academia. No entanto, posso te garantir meu ilustre sociólogo, que foi no sertão, entre os mandacarus e juremas que o professor nasceu definitivamente. Ele nasceu pela força do sonho de um povo. Aprendi de minhas crianças que ensinar é sonhar, é imaginar, por isso, ao ensinar estou em um processo de criação e recriação do mundo. É preciso, então, para continuar ensinando permanecer sonhando com sertão novo que renasce a cada inverno, e acreditando que dele sairão novos sujeitos que garantirão a continuidade de nossa espécie sobre a terra. Ensinar sem um gota de amor ou fé é impossível! Reconheço meu amigo que depois do neoliberalismo, as salas de aulas se tornaram escritórios de negócios e os alunos e professores coisas falantes, acéfalos pensantes! Se sonhar é preciso, vejo nos meninos uma chama de fé que me diz que vale a pena continuar sonhando até o óbito. Afinal o que são as coisas que dizemos do mundo? O homo sapiens se achou fora do contexto da paisagem natural, se reconheceu enquanto consciência. Ora, amigo Souza, isso é um sonho! A substância prima de nossa consciência é intangível. Nossa subjetividade é constituída de signos, imagens, sons, ecos, reminiscências, arquétipos, fantasias. O nosso amigo Durkheim se envergonharia de ter dito de uma biologia social. A realidade é a possibilidade de um sonho que se apresenta a mim única assim como para o outro. Sonhar o mundo é ato único que sujeito faz em dado um momento de sua existência única também. Fora da phisis, só existe imaginação! O que dizemos dela, ou que pensamos dizer, pode ser com um novo florescer do mandacaru, uma quimera, uma fantasia! Sobre o óbito e o que há depois, bem, poderia minha humilde pessoa discorrer sobre isso, mas, acredito que sua ilustre figura das ciências sociais não o suportaria. Se é verdade que as coisas concretas se fundam em sonhos, então, deve ser redundante, é preciso sonhar para educar o homem objetivo! As coisas, as instituições nascem dentro de nossa espécie. Nascem no seio de sua imaginação. Antes de ganharem corporeidade, objetividade, elas foram fecundadas pelo semem dos signos. Mas, veja! meu amigo Souza, que coisa fabulosa! Nossa espécie olha o mundo e nele sonha; desta forma o mundo faz o nosso sonhar e se refaz quando sonhamos. A benção e a maldição do mundo estão entre os signos! Pois, se sonho o sonho do outro, é o outro que está em mim. É um hospedeiro como dizia nosso irmão Freire. Alojou-se em mim pela força da soma dos sonhos coletivos que exercem uma pressão tão forte como a força natural da gravidade. Educar é o processo de despertar o sonho de cada sujeito, pois, cada um tem seu sertão! A pedagogia dialogista consegue ver a validade dos sonhos como realidade comum a nossa espécie, a necessidade que a humanidade tem de ter seu sonho livre e único. Meu amigo Souza, o Dialogismo será a pedagogia da nova geração de homens. Não se pauta no biologismo social, ou no geneticismo pedagógico, permita-me esses neologismos. Nem se funda numa única compreensão do homo sapiens. Uma vez que acordamos e vemos no despertar a necessidade de sonhar, então, todos os sonhos são benvindos. A escola precisa dialogar consigo, com a vizinhança próxima, com o território que lhe exerce coerção, com o mundo globalizado, com a sociedade fluida, vaporizada; somente assim, ela perceberá que depois da Economia da Educação, das estratégias de ideologizar ainda mais o sujeito, todos se tornaram mercadorias, e o conhecimento um resultado previsto em planilhas de metas. Isso carece de um conhecimento mais preciso de nossa antropologia! Isso carece de alteridade! O mercado, embora, sonho, é perigoso, uma vez que seu alvo é o egoísmo do lucro, do individualismo, da classificação das pessoas, das hegemonias, dos donos dos outros, dos ladrões de sonhos ou dos fabricantes de quimeras. A natureza atesta que essa experiência não é razão, é desrazão! A natureza geme e agoniza sob as garras do extrativismo capitalista cujo sonho não enxerga que a grama sob nossos pés também fala, dialoga e nos indica um caminho, ou o fim da espécie. Perdoe-me minha pouca gramática, mas, tudo isso eu vi no mandacaru! Abraços!

Um comentário:

  1. Querido Roosevelt,

    Novamente ao ler seu texto, sinto uma emoção que antes estava contida em mim, mas que depois de lê-lo jorra como uma cachoeira valente em tempos de tempestade.

    A educação perdeu o que há de mais importante para a vida do humano que é a sensibilização. Não há como se inquietar, não há como se desgastar e fazer valer nossos sonhos devido a essas dores se não nos sensibilizamos com as coisas a nossa volta.

    A educação perdeu o dom de entender que, apesar de buscar transmitir aos seus alunos os conhecimentos formais, ela não pode deixar de lado os sonhos que os alimentam. Onde se encontra a poesia? Como eu posso buscar estratégias e soluções para o que me atormenta se eu não sei vislumbrar as coisas que estão a minha volta?

    A educação de perde em seu ranço racionalista, pragmático, feito de submissões curriculares padronizadas. Nosso sistema educacional, meu caro amigo torto, tem se reduzido a uma máquina pedante em busca de respostas práticas, de produtivismos nocivos a saúde mental de todos.

    A educação não deixa criar, nem imaginar, pois isso é perda de tempo e o sistema quer respostas. Entretanto, como vou reelaborar minhas perspectivas se eu não sinto? Como posso me animar em reiventar novos projetos para os obstáculos que se encontram a minha frente se eu não sou capaz de me ler, de me traduzir, de me criar, e portanto, de reconhecer o mundo e seus encantos?

    É uma pena ter que afirmar isso por essas linhas, mas a educação deseduca. a educação mata o conhecimento em busca do conhecimento. A educação é racional demais e por isso mesmo se suicida em sua irracionalidade.

    Os humanos deixam de ser humanos para aprender. A vida é posta de lado para que a gente se veja obrigado em responder os problemas que são dados por ela. A árvore está cheia de frutos, mas nos preocupamos em podar seus galhos e esquecemos de degustar de todos esses frutos.

    O que encontramos são janelas fechadas em salas escuras buscando aberturas para a liberdade e para criação do conhecimento iluminado, porém, sem luz. São apenas regras deficientes que objetivam a eficácia e a falta de sentido acerca da vida.

    O humano se encontra na educação perdido enquanto o humano. O humano, meu querido e amado amigo, não se revela em sua estranheza, nem em seu conflito dotado de desejos, até por que esse humano sequer se enxerga enquanto tal, e por isso mesmo, como ele pode se pensar, se assustar consigo mesmo, se indignar com tudo a sua volta, se tornar um sujeito ativo, participativo e pensante, se ele sequer se renova enquanto ele mesmo? Como ele se compreende se o mundo é esvaziado de sentidos por ser reduzidos a conhecimentos mecanicistas e padronizados das salas de aula?

    Entretanto, fico muito feliz em saber que existe um profissional como você que apesar de se encontrar em meio a essa treva sem vida, ainda pensa em poder abrir nem que seja aos poucos, as janelas da vida para que o sol possa brotar, para que os alunos sintam o seu calor, para que a vida seja feita de magias, de conhecimentos alimentados por encantos todos os dias.

    Obrigado por esse belíssimo texto

    Abraços

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