sábado, 16 de março de 2013

Arte: uma tradução em pedaços II

Ao escrever este texto, eu tenho o interesse de estabelecer uma forma de comunicação com o meu leitor. Com a arte é a mesma coisa. O autor, ao produzir a sua obra, quer proporcionar ao leitor um sentido. Porém, existe uma diferença entre querer gerar um sentido e impor um sentido. Para que um leitor produza sua própria interpretação, eu não preciso explicar previamente o que eu quis dizer.

O que se nota é que o leitor, ao invés de assumir diante da arte um lugar de processo, ou seja, de constante construção de si através da forma como ele traduz uma determinada obra, ele já quer o sentido previamente formulado para com isso poder apreciá-la. Ora, mas a arte se encontra no mundo para que o leitor faça a leitura de sua própria realidade de acordo com seus interesses.

Porém, o leitor, ao se deparar com a arte, ao invés de buscar construir a sua própria interpretação acerca dela, busca entender o que o autor quis dizer. Mas os sentidos são do autor e não dele! O leitor é quem deve encontrar o seu próprio sentido, até mesmo por que é a partir da tradução que ele faz da arte que ele passará a encontrar soluções para suas crises no processo de catarse estimulado por ela.

Não é impondo um sentido prévio na obra de arte que possibilitaremos ao leitor repensar sobre si. A partir da apreciação, o leitor faz sua própria tradução. Vale lembrar que o indivíduo tem a necessidade de re-elaborar sua própria concepção acerca de sua existência por ser pedaços de si mesmo, e é por isso que a arte tem que estimular a construção e não o construído.

Que a tradução de uma obra de arte seja feita em pedaços, visto que a tradução é a forma como cada um interpreta determinado objeto artístico. Não existem traduções totais, pois cada um vai produzir sua própria interpretação. E não falo em pedaços apenas me referindo ao fato dessa tradução ser feita por cada um, mas por também reconhecer que cada um é composto de vários pedaços.

Ou seja, um dia um indivíduo pode achar que uma expressão artística não foi condizente com o seu parâmetro estético, mas no outro dia pode achar que ela seja válida, afinal, temos identidades diferentes para cada circunstância e estamos variando de sentimentos a todo instante. Que cada um seja livre para mudar sua opinião acerca da tradução que faz sobre determinada obra de arte.

Vale lembrar que a interpretação não se reduz a reprodução de algo, mas sim, na construção de novos significados. Ao fazermos a leitura sobre determinada obra de arte não a captamos em sua totalidade, mas sim em pedaços, pois se quem faz a leitura é o indivíduo caracterizado por uma constante construção de si, sempre algo é passado de forma despercebida em sua ação interpretativa.

É por isso que acredito que uma das funções da arte é a de fazer com que o leitor através da leitura que faz dela, consiga se refazer e não obter um sentido pleno. Sendo o individuo um sujeito em constante processo de construção e carregado de contradições, uma interpretação dada a uma arte não precisa que o leitor obrigatoriamente tenha que ter dela um entendimento do que o autor quis dizer.

A arte deve provocar diversas traduções. Acredito em uma arte que aceite e que valorize as diversas formas de interpretação, e não como uma forma que tem que ser antecipadamente dada ao leitor. Não aceito essa idéia de afirmar que alguém entendeu certo ou errado o sentido de uma arte. Cada um entende e se comunica com a arte de acordo com as suas próprias necessidades existenciais.

Por mais que o autor de uma obra queira se comunicar e dizer alguma coisa ao seu leitor, devemos reconhecer que inevitavelmente o discurso construído por esse autor, ou seja, a forma como esse discurso foi entendido, faz parte do juízo estético e compreensivo do autor e não do leitor. O leitor vive outra realidade com sua própria vida, seus valores e suas indagações pessoais.

Acho que o autor de uma obra que quer que o seu leitor compreenda literalmente o sentido que foi passado por ele, no mínimo é uma pessoa robótica que ainda não conseguiu se reconhecer como um constante processo de mudança em relação à construção de sua história. Não reconhece que falar de indivíduo, significa pensá-lo enquanto subjetividade e criações de seus próprios sentidos.

Temos que acabar com a idéia da arte enquanto sentido prévio, afinal, somos donos de nossas opiniões e são elas que geram a construção de novos valores. Temos que aprender a construir nosso próprio sentido, até mesmo para que a gente aprenda a lidar com nossas próprias escolhas. Aceitando os pedaços, aceitamos a riqueza da diversidade de nós mesmos e de tudo que se encontra a nossa volta.

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