sexta-feira, 22 de março de 2013

CARTAS PEDAGÓGICAS II

Voluntatis et actus Considerações iniciais: Meu caro Souza, Desde que cheguei ao sertão sergipano que tenho observado o que ocorre com a educação nessa região do Brasil. Confesso, houve momentos de muitas revoltas, e outros em que pensei em mudar de profissão. As águas do inverno ou da trovoada alimentam, não apenas a barriga de nosso povo, mas, suas esperanças. O sertão é morte e vida como uma cobra mordendo o próprio rabo. O sertão é dialético; encontrar sua síntese foi um processo que me levou aos textos de Freire (1987), e neles encontrei argumentos para uma síntese do que chamo de Pedagogia Dialogista. Com certeza o que digo, foi dito por outros, pois em minha mente não há nada que não já esteja presente no mundo. Portanto, este trabalho é apenas um olhar meu para o sertão que também é meu. Cada um tem seu sertão, como alhures disseram. Esse presente ensaio discorre sobre nossa concepção de dialogismo, da vontade como motor do mundo, do ato como objeto diferente da ação, da práxis como uma cadeia de actus realizados pelos homens em comunhão, do discurso enquanto pensamento organizado e lógico em detrimento do dito impensado ou enquanto repetição do repertório léxico – auditivo dos sujeitos, da relação dos enunciados com a ideologia, da educação para práxis, da inevitável natureza ideológica da educação, da voz interior, de algumas estratégias freireanas, dos sonhos e da necessidade de sonhar para que haja educação. São coisas que nós dois debatemos ao longo de anos e que, no presente trabalho, reapresento-as ao ilustre doutorando em Sociologia. Introdução: Perdoe-me meu amigo os termos em latim retirados do tradutor Google. Fiz isso de propósito para mostrar ao amigo que quanto mais distante de uma referencia comum, mais distantes estaremos do dialogo tão premente para as mudanças educacionais. O breve ensaio assinado por minha pessoa é uma humilde carta de contato com o ilustre mestre das Ciências Sociais. Este visa mantermos as discursões em dia sobre temas que já foram abordados. O ensaio tenta, pela primeira vez, apresentar uma epistemologia dialogista. Não me sinto satisfeito com o produto final, pois, sinto que ainda falta muito para amadurecermos esses conceitos. O amigo sabe que nossa linha de estudo é a linguística europeia (Bakhtin), a pedagogia, a teologia e algumas leituras da Antropologia e filosofia, o pouco que aprendi da Sociologia foi com sua pessoa. Espero que entenda esse emaranhado de sintagmas que acho postos em confusa disposição. Dialogism A“voluntas”é a força que move os sujeitos no meio onde ocorrem suas relações sociais. Onde houver um homo sapiens, quando mais este for humanizado, mais a vontade será a potência que o move sobre a terra. Não estou estabelecendo o império da vontade, mas, lembrando ao amigo que a vontade é um dos mais poderosos fenômenos humanos. A dimensão da voluntas é tão cheia de mistérios quanto tudo que diz respeito ao psiquismo desse animal - o ‘homo sapiens’. O estudo da vontade é de muita importância para a compreensão das relações sociais que envolvem outro fenômeno – a Educação. A educação enquanto ato social é também um ato da vontade, ou a manifestação desta no eixo diacrônico da voluntas. Não pode haver voluntas, no contexto aqui estudado, sem história. Nossa espécie por milhares de anos sobre a terra conseguiu uma façanha nunca alcançada por nenhuma outra espécie terrestre. Os estímulos de ordem neuro-sensoriais se tornaram signos (σημείο) e estes representações da realidade. À proporção que o encéfalo se desenvolve e passa a ter um determinado volume na caixa craniana, a máquina cognitiva se forma pela mesma força que provocou o crescimento da máquina orgânica encefálica. O homo – sapiens se abstrai de tudo ao seu redor, se individualiza do meio, e percebe-se na paisagem. A percepção de si é uma leitura de mundo que nos remeteu ao eu, e do eu à consciência, que passa a ser uma centelha de luz no caos da natureza natural. Se antes, em estagio animal pleno, o homo sapiens era portador dos instintos comuns aos da sua espécie, agora ele é portador da voluntas; um eu que quer, ou melhor, como diz Freire (1987), um sujeito que escreve e ler sua história. A curiosidade é um instinto que move o animal às coisas, às descobertas, a ver, sentir, tocar o mundo, ou pelo menos, a experimentá-lo por meio de seu enervamento. Os instintos naturais como a curiosidade, a fome, o medo, a reprodução, e outros eram a base do movimento da criatura no meio ambiente. Assim como o animal se move no meio, este último exerce uma ação sobre o mesmo. O meio e o animal se constroem e desconstroem no eixo diacrônico do tempo filogênico. A relação dialética entre o homo sapiens e o meio por causa do crescimento de sua caixa craniana favoreceu o surgimento do fenômeno psíquico, ou a psiquificação das coisas ou da natureza. Por meio dos signos (πινακίδες) que antes não passavam de simples impressões neuro – sensórias do meio, mas que agora formam representações do mundo, o homo sapiens consegue enuntiare. Os signos se agruparam em cadeias significativas tornando nosso homo sapiens num ser portador do enuntiatum. A cadeia de signos produzem sentidos, ou representações da realidade. Esta é, num primeiro momento, algo externo ao sujeito, a posteriore, o homo sapiens descobre que como em tudo na natureza, ele e o meio, ou ele e as representações do mundo formam um todo indissociável. Se o sistema de enervamento perece, a cadeia de signos cessa, se esta cessa, a máquina orgânica chega a óbito. A filosofia da linguagem de Bakhtin traz muita luz sobre isso: Tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia. Um corpo físico vale por si próprio: não significa nada e coincide inteiramente com sua própria natureza. Neste caso, não se trata de ideologia. (Bakhtin, 2006, p.29) A coisa é a coisa; o signo é a coisa na mente do homem, sem mente sem signo, sem signo sem mente. Para educarmos o homem necessitamos considerar as duas máquinas que interagem naturalmente. A capacidade de representar o mundo criou no homem a potência que o move – a vontade, o desejo. Da curiosidade instinto - visceral chegamos a voluntas. E enquanto seres de vontade, somos, também, seres do ato. Para este estudo, o termo ato difere do termo ação. A ação, aqui, é instintual, visceral, o ato, por sua vez, é o germe da práxis – é ação idealizada da realidade. O ato de educar é um fenômeno social, sócio político. O estudo da história dos discursos sobre a educação atesta que percebemos recortes do real sobre esse fenômeno, e sobre eles produzimos discursus. O estudo desses discursos pode muito elucidar o fenômeno educação. Tomemos por exemplo os enunciados de Émile Durkheim em Sociologia da educação pela pena de Carlos Lucena : As discussões sobre a educação são parte importante da obra de Durkheim. As reflexões sobre uma sociedade acabada, a mais avançada da história da humanidade, proporcionam a elaboração de fundamentos educacionais voltados à construção de uma moral coletiva, condição essencial para a existência da solidariedade orgânica na sociedade. É assim que em “Educação e Sociologia” Durkheim afirma que a influência das coisas sobre os homens é diversa daquela que provém dos próprios homens; e a ação dos membros de uma geração sobre os outros, difere da que os adultos exercem sobre as crianças e os adolescentes. É esta relação que Durkheim denomina como Educação. Tomando como referência os princípios da solidariedade orgânica baseada nas diferenças entre os homens, tal qual afirmamos anteriormente, Durkheim entende em “Educação e Sociologia” que nem todos os homens são feitos para refletir; será preciso que sempre haja homens de sensibilidade e homens de ação. Os homens não podem dedicar todos ao mesmo gênero da vida; existem diferentes funções a preencher. É preciso construir uma harmonia para o trabalho. A educação é em essência, um fenômeno social que consiste em socializar os indivíduos. Educar uma criança é prepará-la (ou forçá-la) a participar de uma ou de várias comunidades. A educação é um processo social, e cada sociedade tem as instituições pedagógicas que lhe convém. Todo o passado da humanidade contribui para estabelecer o conjunto de princípios que dirigem a educação do presente. (Lucena, 2010, p.301 – 302a). Analisemos o enunciado em negrito: - “Uma sociedade acabada, a mais avançada da humanidade”: Lucena entendeu que o contexto histórico do pensamento do mestre francês era a França industrializada sob a égide do positivismo científico. Uma das grandes façanhas do Positivismo foi fazer o homo sapiens crer ser a ciência a reposta para as mazelas sociais. Nosso contexto histórico desmente essa proposição até mesmo o contexto da França atual. Hoje sabemos que a ciência não solucionou os problemas sociais como a fome, a pobreza, as injustiças, as psicopatias e sociopatias, etc. Vivemos, talvez, a mais negra era do homo sapiens. - “de fundamentos educacionais voltados à construção de uma moral coletiva”: Este enunciado nos põe diante de uma Pedagogia do amansamento do sujeito, da sujeição pela sujeição, da ordem pela ordem sem reflexão. - “a ação dos membros de uma geração sobre os outros, difere da que os adultos exercem sobre as crianças e os adolescentes”: Lucena viu em Durkheim que a educação era uma reprodução de uma sociedade e seus modelos pela coerção dos mais velhos – a escola, o ensino formal e informal. Pensar educação nesses termos, atualmente, seria um reducionismo sem precedentes. - “nem todos os homens são feitos para refletir; será preciso que sempre haja homens de sensibilidade e homens de ação”: Mais uma heresia para um educador dialogista. Pois, como descobrirei quem é quem? E afinal, será que há homens que não sonham? Longe de minha pessoa dizer mal dos enunciados de Durkheim, o que procuro mostrar é que no eixo diacrônico, não se pensa mais educação por essas variáveis. Contudo, meu ilustre sociólogo, é preciso ver que estas proposições estão engendradas nos diversos discursos produzidos ao longo dos anos pelas diversas LDBs de nosso país, aqui, esse discurso hibridizou-se, mas, essa é outra carta que prometo escrever-te. Lucena continua: Para que haja educação é necessário que haja uma geração de adultos e de jovens, crianças e adolescentes, em que uma ação seja exercida da primeira sobre a segunda. Não há povo em que não exista certo número de ideias, sentimentos e práticas que a educação deve inculcar nas crianças, independente da categoria social a que pertençam. Toda e qualquer educação, seja a dos ricos ou a dos pobres, tem objetivo de fixar ideias nas cabeças dos educandos. (Lucena, 2010, p.302) O amigo já viu isso em algum lugar? Já ouviu algum colega dizer que deve a educação ser assim? Os sonhos dos outros se hospedam em nós, e nem o percebemos. A nossa vontade é a vontade do outro de certa forma. O dialogismo reconhece a validade dos enunciados, pois, reconhece que o sujeito que o produz está inserido no espaço e no tempo, desta forma, o espaço e o tempo são variáveis que explicam os enunciados humanos. O dialogismo sabe que o sujeito do discurso e o discurso do sujeito são constructos do meio social nos eixos espaço e tempo. Os signos só podem aparecer em um terreno interindividual. Ainda assim, trata-se de um terreno que não pode ser chamado de “natural” no sentido usual da palavra: não basta colocar face a face dois homo sapiens quaisquer para que os signos se constituam. É fundamental que esses dois indivíduos estejam socialmente organizados, que formem um grupo (uma unidade social): só assim um sistema de signos pode constituir-se. A consciência individual não só nada pode explicar, mas, ao contrário, deve ela própria ser explicada a partir do meio ideológico e social. (Bakhtin, 2006, p.25) A capacidade de dialogar do homo sapiens é a condição para uma realidade dialogista. O dialogo estabelece relações entre os homens, e relações entre o sujeito e seu ambiente, este último é entendido por nós como a soma das coisas e das representações das mesmas. O ambiente do homem não deve ser mais tomado como o espaço natural ou humanizado onde ele se encontra; o ambiente para o dialogismo é o locus histórico do sujeito. O locus histórico é constituído por uma imensa rede de discursos que se apresentam, ora em uma expressão sincrônica, ora, numa epifania diacrônica. A teia discursiva se apresenta imbricada, cheia de nós, ou de hibridizações. Isso é o mesmo que dizer que após a fundação do σημείο não há mais possibilidade de silêncio, ou de monólogo na terra. Meu caro, Souza, que maravilha da criação! A natureza produziu inteligência consciente e capaz de produzir uma existência, não foi apenas o viver (seguir o ciclo natural que depende das condições viscerais somente). É apoiado nessas bases que o dialogismo propõe o dialogo racional, a proposição de enunciados sobre o real buscando na cadeia discursiva o máximo possível de discursos, para que após examiná-los possamos produzir mais discursos. É preciso dizer sobre o mundo; foi assim que o homo sapiens começou tudo – eis o dialogismo! O homem da vontade é também o homem da linguagem, o homem das representações do mundo. As representações do mundo são em todas as suas possibilidades recortes, pequenos lampejos da consciência humana cuja gênese é o seio social, desta forma, enquanto representações possuem a mesma substancia dos sonhos. As contradições, as negações das proposições não apenas contribuem para o progresso da ciência, mas, para atestar que nunca saberemos ao certo o que estamos enunciando. Assim, a vontade é um desejo de um pedaço do mundo, o que dissermos dele não é diferente. A vontade é um sonho do homo sapiens assim como a educação. Somente o estudo dos discursos nos dará de forma cada vez mais nítida a compreensão do que movimenta o fenômeno educação. O dialogismo estuda o fenômeno partindo dos discursos proferidos sobre ele, e com exaustão os expõe a todos recortes da razão para que se possível, se obtenha uma visão mais clara do que o fenômeno seja. No final, o método dialogista entende que o que produziu ainda é um pequeno recorte do real – o diálogo continua assim como o movimento das coisas. É importante aceitarmos que a razão fragmentada, a epistemologia cartesiana, o positivismo científico, embora seja razão, produz uma razão sem a consideração da variável discursiva racional que a produziu – a linguagem. A razão enquanto representação das coisas não pode prescindir do estudo dos discursos que a produz. Em virtude das novas concepções de mundo, urge complexizar a razão complexizando a educação. Isso não significa que seu objeto, sua janela aberta, deixará de existir, isso significa que para fazer ciência é preciso o diálogo entre as diversas razões. O mercado, talvez, não se interesse por essa epistemologia, pois, ele tem pressa e não entende que a ciência deve estar a serviço dos homens. O dialogismo entende a complexidade do real. Reconhece a validade dos enunciados que defendem a fragmentação dos objetos, mas, também, percebe que a via dialógica com as demais variáveis podem produzir uma razão mais nítida. A escola dialogista tenta resgatar a forma natural de nossa espécie perceber o mundo e transformá-la em ciência – o sonho do homo sapiens. A pedra, o mandacaru, o nome, o sintagma, um enunciado, os discursos, as diversas ciências, a filosofia, a arte, a religião, toda produção de sentidos é válida para o dialogismo porque constituem os sonhos dos homens e sua materialidade. Como diz Bakhtin: Cada signo ideológico não é apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas também um fragmento material dessa realidade. Todo fenômeno que funciona como signo ideológico tem uma encarnação material, seja como som, como massa física, como cor, como movimento do corpo ou como outra coisa qualquer. Nesse sentido, a realidade do signo é totalmente objetiva e, portanto, passível de um estudo metodologicamente unitário e objetivo. Um signo é um fenômeno do mundo exterior. O próprio signo e todos os seus efeitos (todas as ações, reações e novos signos que ele gera no meio social circundante) aparecem na experiência exterior. (Bakhtin, 2006, p.23) Voluntas Não podemos, meu caro Souza, negar que a vontade é marca de nossa humanidade. O autista com pouca vontade de interagir com o mundo ao seu redor, cria um mundo só seu. Um sonho de difícil compreensão, o que reduz em muito suas chances de interação no tecido social. Nem mesmo a linguagem consegue superar a potência da vontade, pois, ela é o desejo, a força da voluntas que me impele as coisas e estas exercem coerção sobre a psique. Quando a máquina psíquica dissocia-se, é a vontade expressa em linguagem, quase sempre confusa, que atesta o afetamento nevrálgico conhecido como loucura. Se quisermos entender a educação em nosso país, é preciso conhecer a vontade do Brasil sobre educação em seu eixo diacrônico. Facilmente, chegaremos à conclusão que o Brasil parece não ter vontade de mudar sua educação. Os atores sociais envolvidos nos micros processos localizados nas mais diversas regiões parecem não ter também voluntas para fazer algo novo, com muitas poucas exceções. A vontade aqui deve ser entendida de duas formas distintas: A voluntas enquanto epifania do sujeito, e a voluntas enquanto epifania da sociedade. Em consequência de nossas considerações anteriores, com toda a coincidência interna entre Kant e Platão e a identidade do objetivo que ambos tinham em mente, ou a concepção de mundo, que os estimulava e os conduzia ao filosofar, mesmo assim, ideia e coisa em si não são simplesmente uma e a mesma: Mas a ideia é para nós somente a objetividade imediata, e por isto adequada da coisa em si, que, porém, ela própria é a vontade, a vontade enquanto não objetivada, ainda não tornada representação. (Schopenhauer, 2006, p.32) O presente ensaio relaciona ideia de vontade de Schopenhauer ao fenômeno educação, sendo a primeira vista por ele como ideia enquanto vontade não objetivada, ou seja, transformada em coisa (actus), e a segunda a vontade objetivada – a coisa - a educação pública; verifica-se que esta está em perfeita sintonia com grande parte da voluntas da sociedade brasileira; para outra parte, a educação tem uma outra ideia, é expressão de outra vontade. A educação enquanto representação ideológica de uma sociedade é a expressão da vontade dos que controlam o tecido social e dos que o constituem inconscientemente, assim, a vontade da sociedade brasileira, digo, da massa, é uma, é a vontade input transmitida pelos discursos presentes no fluido linguístico social. Desta forma, o Brasil aceita sua educação passivamente, ora considerando-a a educação possível, ora um acaso, ora uma consequência insuperável, ora a vontade de Deus. Por outro lado, a classe hegemônica, mesmo consciente de seus atos, naturaliza seu discurso de dominação, mesmo diante dos fatos, uma vez que também não percebe ser sua vontade a vontade input do colonizador presente no fluido linguístico hibridizado – um discurso traçado com o colonialismo e o pós colonialismo. Freire (1987) dizia isso nos anos 60: “Colonizador (dominador) e colonizado (dominado) ambos alienados” (paráfrase minha). Se, nos termos de Bhabha (1994:13), o “local da cultura” pode ser definido como uma posição discursiva híbrida, fundada nas mútuas contaminações entre colonizadores e colonizados, então precisamos de um aparato teórico que possibilite o pensamento sobre como se constrói esta posição discursiva híbrida. (Balocco, 2003, p. 2) O amigo sociólogo sabe muito mais de que esse pedagogo do sertão que o sujeito é o construere (constructo, ou construído) do social. A teoria dialética marxista em todas as suas derivações já mostrou isso muito bem. Nosso irmão Freire (1987) muito bem demonstrou essa verdade em sua obra Pedagogia do Oprimido, e outras. Assim, a vontade é, em grande parte, determinada pelo social. Os signos sociais, suas ideias e representações, uma vez internalizadas, se tornam comportamento individual e de massa, todavia, o homo sapiens possui uma forma pessoal de organizar e reorganizar essa cadeia, o que o permite, voluntas individual – a epifania minha; única no mundo. É errado achar que o homo sapiens é cognitivamente passivo às impressões que lhe advém do meio externo, seja, o meio natural, ou a cadeia de signos – O meio humanizado – social. Por isso, a psicologia que entende ser nosso comportamento resposta a estímulos, viu apenas um aspecto do fenômeno. O homo sapiens, após o σημείο não mais possui apenas vida animal - anima, mas, existência histórica ou historicidade. As diferentes histórias dos sujeitos, das nações e povos, comprovam que nossa condição no mundo não se limita a um construere que resulta apenas dos modos de produção e reprodução material, mas, da forma como cada sujeito, povo, ou nação significou essa relação. A capacidade de abstrair-se do mundo, nos tornou seres de existência, portanto, históricos. Assim como respondemos, sem ponderarmos sobre os estímulos externos, pela força da coerção social, também está sobejamente provado, que respondemos aos estímulos que partem de nossas representações pessoais; a forma como, individualmente, respondemos ao chamado do meio ou de nossa voz interior pode expressar a vontade, ou dizer dela. A vontade nasce do organismo em interação com o meio e consigo. Meu caro Souza, o que é a História do homem a não ser a história de sua vontade realizada por seus atos? O ilustre estudioso da alma social entende que os atos também são marcas de nossa humanidade e de nossa historicidade. Actus O ato do homem é único, se funda em sua vontade única em um dado momento de sua história. O animal irracional não compartilha da realização do actus. A única espécie viva na terra que pratica no mundo o actus é a do homo sapiens, os demais seres vivos apenas instintualmente agem sobre a natureza, sua ação não é idealizada nem o pode ser. O actus se transforma em práxis quando o ato se reveste de engajamento teórico e político. A mudança de uma realidade social necessita da práxis que necessita de muitos atos para ser realizada. Para nós, a ação nos remete ao comportamento visceral do animal no mundo, o actus nos remente ao ser psiquificador das coisas e do mundo, e a práxis a sociedade organizada. Todas as vezes que a história humana mudou, ou que as classes conseguiram seus direitos não foi por meio de ações, mas dos atos relacionados a uma determinada práxis. Um dos propósitos da Educação é garantir ao educando todas as ferramentas possíveis para a consecução da práxis, pois, somente quando essa ocorre haverá mudanças, tanto no âmbito pessoal quanto no âmbito social. Um cidadão do sertão percebeu em suas abstrações intelectuais que o Rio Jabiberi está assoreado e agonizando. Seu Francisco, então resolveu não mais destruir a mata ciliar; sua ação, portanto, é um actus, pois, foi a idealização de uma ação que tem como apoio o pensamento racional, entretanto, não é a práxis necessária para solução do problema. Para tanto, o lavrador necessitaria de uma teoria que envolvesse um conjunto de atos feitos por ele e por outros lavradores para que o movimento de transformação ocorresse. Desta forma, a práxis ocorre em comunhão com os outros. A substância da práxis é a mesma da do actus – a idealização do real, a teoria racional que advém de uma relação epistêmica com o meio. Ora, meu amigo das Ciências Sociais, o que é idealizar o real? A idealização do real é enunciar sobre ele. Enunciar é dizer uma ideia, ou uma ideologia. Todas as coisas na terra que não constituem o espaço natural são a materialização de ideais, ou das ideologias. De uma simples caixa de fósforos ao comportamento de grandes massas encontramos a força das ideologias. As ideologias presentes nos mais diversos discursos sociais formam a substancia da mente humana, a base de nossos sonhos, a fonte de nossos actus. A grande obra de Althusser foi ver a materialidade das ideologias, ou, a força que elas exercem sobre o meio se tornando em ações, actus ou práxis. O professor Dr. Roberto Ramos em seu estudo sobre Althusser nos diz: Os meios massivos de comunicação foram uma das mais consequentes instâncias de poder nesse fim de século. Configuram uma personalidade, particularizada, de instituição pós-moderna. São empresas que produzem e reproduzem o econômico e o ideológico, como uma única e indissociável mercadoria. Em nenhum outro momento histórico, como agora, se produziu tanto discurso. (Ramos, 2007, p.143) As ideologias não somente constituem a mente do sujeito social, mas, todo o espaço humanizado. Uma estrutura arquitetônica religiosa da idade média é um objeto concreto no mundo das formas, por isso, lemos nesse objeto o modo de crença de uma época e quiçá as relações sociais da mesma. O estudo geográfico da paisagem urbana nos apresenta com muita clareza o que as ideologias podem fazer e comprova sua materialidade. Por traz do actus estão as ideias, as ideias que possuem energia psíquica suficiente para detonar o ato. A ideia na forma de vontade produz atos. Nossa máquina orgânica reconhece esse código e reage naturalmente. As ideias como diz Althusser pela pena de Ramos tem existência material: [...], Althusser formula uma Teoria da Ideologia em Geral em duas teses básicas: a) a ideologia representa a relação imaginária dos indivíduos com as suas condições reais de existência; b) a ideologia tem uma existência material. (Ramos, 2007, p.146) Pode-se assim dizer que deveria haver na educação uma relação harmônica entre ideia, vontade, actus e práxis, todavia nossa história da educação contesta isso. Somos um pais inserido num mundo pós colonial com fortes marcas discursivas colonialistas. Tomemos como exemplo o salario de algumas profissões: Um policial militar em Sergipe ganha quase R$ 4.000,00, um professor tem seu piso salarial fixado em R$ 1.025,00. Mas por que os salários da educação pública em Sergipe são tão baixos? Por que no Sergipe colonial, os filhos dos fazendeiros estudavam com professoras importadas da Europa, e os negros e mestiços não tinham acesso à educação. As outras categorias frequentavam as instituições controladas pela religião. Produzimos um discurso pós colonial de educação com marcas discursivas (ideologias) da sociedade colonial escravocrata agropecuarista: O discurso da escola pública presente nos conteúdos programáticos nos remete ao passado, a estrutura física precária (com raras exceções) das escolas nos remete ao passado, seus ritos (em algumas escolas os alunos rezam ao entrar, saúdam a bandeira, e cantam as quintas o hino nacional), nos remete ao passado, a forte marca positivista no ensino, no programa, na teoria aplicada, nos remete ao passado, a avaliação quantitativa e matematizada, nos remete aos conceitos da pedagogia mecanicista. (Durkheim está muito vivo na educação brasileira). Interioris vox O pensamento de Vygotsky sobre a Educação de crianças apoia nossa teoria. Os adultos, portadores de um domínio maior dos códigos passam para os mais jovens os modelos da cultura. Mas, não apenas isso; os modelos, as ideologias científicas, filosóficas, religiosas, estéticas, éticas, lógicas, e o recorte histórico do agente em função de sua existência em um dado meio sócio cultural, está presente nos discursos dos professores, e/ou de todos os atores do processo, e formarão a mente social do sujeito, portanto, são fontes de atos, e construtora de histórias ou da História. A internalização dos signos favoreceu o surgimento de um diálogo interior no sujeito. O momento em que este se torna sujeito e objeto receptor de seu discurso. Em um primeiro momento, parece irracional o homo sapiens dialogar consigo mesmo, contudo, seu encéfalo necessita organizar os signos em categorias que sendo cada vez mais específicas se tornam mais poderosas na produção de novos enunciados. Os enunciados não poderiam deixar de ser ideológicos, nem a substancia de nossas proposições sobre o real. Se os signos são representações da realidade, então, eles são de certa forma como os sonhos, e de outra forma matéria mental que se objetiva no mundo real. Eis, a possibilidade de práxis no mundo! Mas, sempre tenha em mente que até mesmo a práxis libertadora não passa de mais uma ideologia, um sonho. Nossa voz interior nos apresenta o sujeito que se abstraiu do mundo para reconhecer-se enquanto pessoa objetiva. Contudo, isso também é sonho, pois, para me objetivar preciso dos signos, dos sonhos do homo sapiens. A voz interior não tem somente função psicológica dessa forma, mas, a função, sobretudo, pedagógica. Aprender é dialogar consigo e com o objeto. A mudança de comportamento, ou o processo educativo necessita da voz interior, ninguém apreende nada sem dialogar consigo. Essa voz interior é o gene de uma sociedade em interação total, um mundo em permanente comunicação, um real dialogista, pois, não há monólogo na natureza desde a evolução do homo sapiens e com ele o advento dos signos. A educação como práxis libertadora deve perceber o alunado como sujeitos históricos, portadores de actus e passíveis de práxis. O fim ético da educação não é a vestibularização do ensino, nem a tecnicização do homem, nem apenas a construção de uma cultura livresca. O alvo maior da educação é o poder da vontade do homem, ou o despertar de sua capacidade de sonhar seu mundo. Fazê-lo perceber que ele está umbilicalmente inserido numa grande teia de relações complexas e que, quer saiba ou não, quer seja seu desejo ou não, ele terá que interagir nesse mundo. A educação deve despertar o sujeito e lhe garantir todos os recursos gnosiológicos para a consecução de uma vida digna. A criança em tenra idade trava sozinha uma conversa em seu quarto. Ela pergunta a si e responde a si, naquele momento, o receptor; a segunda pessoa é uma terceira imaginada pela mente pueril. A fala egocêntrica infantil é fundamental para a organização das representações da realidade assim como os sonhos são fundamentais para o equilíbrio da energia psíquica. Na fase adulta continuamos conversando conosco; alguns chamam isso de voz da consciência, para o presente estudo é apenas interioris vox. A voz interior diz que nossa espécie não monologiza a realidade, o monólogo para o homo sapiens é impossível, pois, se digo; digo para alguém, mesmo, que esse não tenha natureza tangível aos sentidos. Meu amigo Souza, desta vez, eu não pecarei mais contra sua pessoa, pois, não me esquecerei de alguns rabiscos de meus manuscritos. Certa feita sua pessoa perguntou-me: “Como colocar isso em prática?” O que, agora discorro não pertence a mim, nem ao ilustre pensador Paulo Freire, mas, coube ao mesmo a missão de por em palavras o que a natureza já dizia há milênios. Dou graças a Deus pela encarnação do irmão filósofo e pedagogo Paulo Freire. Ora, meu amigo, se minha primeira leitura de mundo foi a que fiz de um pé de manga, ou de uma bananeira, então, o aprender necessita de sucessivas leituras partindo de um ponto comum ao organismo aprendente. É muito racional aceitarmos que preciso primeiro ler o meu mundo, pois, com ele tenho afinidades. Seus signos me são conhecidos e quando algo novo surge existem em mim referências para significa-lo. Sem metalinguagem, sem metacognição! Agora minha humilde pessoa traça algumas linhas de minhas experiências ensinando aos filhos do sertão, espero que o amigo tenha paciência: - Suely, por que o mandacaru é verde o tempo inteiro? - Meu pai disse que é porque o bicho é tão ruim que nem a falta d’água mata. - Suely, você quando vai a Tobias percebe que as cercas vão até lá? - É mesmo professor tem cerca em todo canto. - Suely, por que os mandacarus estão dentro dos terrenos cercados? - Ah, professor porque a roça tem dono! - Suely seu pai tem roça? - Não! - Então, seu pai não tem mandacaru! - E dai? Eu num gosto do mandacaru! A conversa continuou a tarde inteira. Esse foi o inicio de uma aula de Sociedade e Cultura. O mandacaru e a cerca são palavras do vocabulário local e serviram de palavras geradoras de temas que são geradores de outros temas criando uma cadeia infinita de possibilidades discursivas e pedagógicas. (O homo sapiens, primeiro imitou os sons do mundo, os de seu mundo – um pássaro, o vento, a folha balançando...) - Suely quem trouxe as cercas foram os portugueses..., então, o sertão já tinha gente, se tinha gente por que chamam de “Descobrimento do Brasil?” (Wilson Vieira in memória). a) busque palavras geradoras, para tanto, faça um diagnostico e levante a história, o contexto cultural do alunado; b) seja mediador do processo, mas, sem imposições. No dialogismo não existem mestres, somos aprendentes eternamente; c) exponha seu alunado a maior quantidade possível de estímulos, faça a sociologia dialogar com tudo, parta do locus histórico de seu aluno; d) devolva a fala de seu aluno; a aula não é monólogo; e) se avalie sempre antes de avaliar seu discente; f) anote tudo que ocorre no processo e reveja erros e acertos; recomece sempre; g) toda ciência tende a despertar a razão, portanto, a Sociologia (no seu caso) deve ser ferramenta de mobilidade do alunado no espaço escolar, assim como as ciências introdutórias das séries primeiras servem para as mobilizações de “escola limpa, espaço limpo”. Busque despertar no alunado a vontade do actus e da práxis, pois, não estamos sós. h) evite avaliações longas e cansativas de marcar um X. Estimule o alunado a escrita e a leitura. Pasme, enquanto docente de uma faculdade de pedagogia encontrei analfabetos funcionais. Eles estão em todo lugar. i) Crie um caderno de palavras que você percebe que têm maior valor simbólico para o alunado. Essas palavras são preciosas, pois, os remete ao passado. Trabalhe sempre novas palavras partindo dessas primeiras. Faça de seu aluno um leitor e um escritor, pois, o carro chefe de toda produção acadêmica é a arte da leitura e da escrita. j) Nunca se omita do uso de toda tecnologia. h) Dialogue com as outras disciplinas mesmo com as resistências. Tenha fé e amor. Um abraço amigo Souza. NÃO EXISTE UM ÚNICO CAMINHO PARA O ENSINO SEM PASSAR PELA PORTA DO AMOR AO ALUNO E AO SABER. Um beijo meu amigo! Referencias: Um mandacaru na estrada do Jabiberi. 2013, editora natureza. Freire, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 17ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. Freire, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo, Cortez, 1989. Ramos, Roberto. Conexão – Comunicação e Cultura, UCS, Caxias do Sul, v. 6, n. 12, julho./dez. 2007. http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/conexao/article/viewFile/178/169 Lucena, Carlos. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.40, p. 295-305, dez.2010 - ISSN: 1676-2584. http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/edicoes/40/art18_40.pdf Balocco, A,E. A Análise Crítica do Discurso e o conceito de interdiscurso: sua pertinência para o estudo de narrativas pós-coloniais. In: XII Congresso da ASSEL-Rio, 2003. SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação livro III. Edição Acrópolis. EBooksBrasil.com Eco, Humberto. Semiótica e filosofia da linguagem. São Paulo, Ática, 1991.

Nenhum comentário:

Postar um comentário