quarta-feira, 27 de março de 2013

Arte: uma tradução em pedaços IV

Vivemos em meio a uma cultura autoritária. Submetidos a ela, nós não aprendemos a confrontar o poder. É por isso que, apesar de falarmos que estamos inseridos em um sistema democrático, nós ainda estamos longe de alcançarmos essa democracia enquanto prática. Como posso dizer que vivo em uma democracia se eu temo reivindicar na frente daquele a quem é conferida a autoridade?

Por nos encontrarmos diante dessa estrutura marcada pelo autoritarismo, nós nos educamos a esperar que o outro responda por nós. Em meio a esse contexto autoritário, somos uns infantilizados dependentes da vontade do outro. Temos um medo horrível de pensarmos por nós mesmos. Para quê nós vamos criticar se temos medo da chibata ideológica de um sistema intolerante?

Existe um sintoma muito claro em nossa sociedade autoritária que é a covardia que os indivíduos que se vêem oprimidos têm em questionar aquele ou aquela que determinada estrutura social incube o papel da autoridade. As pessoas têm medo de se comprometer com suas próprias opiniões. Elas têm um medo terrível de se responsabilizar pelos seus próprios posicionamentos.

Quando nos desprendemos mais dessa questão autoritária, não só aprendemos a defender com unhas e dentes os nossos pontos de vista, como deixamos de temer reivindicar nossos direitos, pois passamos a reconhecer a importância das nossas opiniões. Enquanto estivermos em um modelo autoritário, ficaremos à espera do outro e sempre jogando as responsabilidades para esse outro.

Como eu posso aceitar que é a partir da lógica opressor x oprimido que os resultados serão politicamente interessantes para o social? Infelizmente o que eu vejo no ambiente educacional, por exemplo, é a insistência desse paternalismo, seja na logística da coisa, ou seja, o professor ensina e o aluno aprende, seja na forma como o docente apresenta uma obra de arte ao seu aluno.

Ao invés de apenas apresentar uma canção musical, por exemplo, mostrando a relação dela com o contexto em que foi produzida, o docente tem a necessidade de determinar a interpretação da obra, tornando-a limitada ao sentido dado pelo autor. O que eu acho é que deve se apresentar a arte enquanto contexto, mas deixar os alunos livres para construir suas próprias interpretações.

A necessidade de um único sentido interpretativo de uma arte se mostra de forma clara nas avaliações mensais. Ao invés de propor o aluno a construir o sentido conferido por ele mesmo acerca de uma produção artística articulando conceitos que foram trabalhados em sala de aula, os docentes insistem em pôr uma interpretação do texto da arte avaliando se a resposta foi certa ou errada.

Antes de se preocupar com a trajetória do próprio aluno sobre o sentido que deu a arte, motivando-o a alimentar seu senso crítico, sua capacidade criativa e imaginativa, estimulando assim, o reconhecimento de sua própria subjetividade; o docente simplesmente reduz a infinidade interpretativa da arte submetendo o discente a respostas mecânicas, isto é, o artista quis dizer isso ou aquilo.

Se o aluno rompe e extrapola o sentido da arte dando a sua própria interpretação, rapidamente é reprovado pela correção docente. Insistir nessa forma de pensar a arte é estimular a perpetuação da figura do mestre a qual tem causado tanto estrago em nossa sociedade. Além disso, torna os humanos dependentes de uma resposta “verdadeira” como se a interpretação da obra fosse única.

Além de produzir efeitos negativos como dependência de uma autoridade, fragilização da subjetividade, da autonomia, da liberdade, do senso crítico, da criatividade, expressividade, imaginação, esse modelo de se pensar a obra reproduz o discurso da superioridade. É isso: termina que nos tornamos incapazes de reconhecer o nosso potencial criativo, de enxergar nossa potencialidade de recriar sentidos.

Apesar de sonharmos com uma sociedade coerente e perfeita, sabemos que no plano real das coisas estamos em meio a uma sociedade que se transborda de novos sentidos a cada instante. Somos seres em construção, e que a realidade, apesar de ter seus códigos que faz com que a gente conviva de forma compreensiva com os outros, é antes de tudo construções de representações.

É por essa realidade ser feita de representações que não nos dá a certeza de objetividade em nada. E é por encontrarmos carência de definições precisas que nós sempre mudamos nossa forma de nos compreender e de compreender o mundo. Por isso que a arte, antes de se reduzir a um modelo fechado, deve provocar o reconhecimento do sujeito de sua necessidade de construção de si mesmo.

A arte, portanto, deve motivar a tradução em pedaços. Não falo de uma tradução mecânica reduzida a compreensão do sentido dado pelo autor, mas a tradução da recriação capaz de fazer com que o sujeito seja capaz de se repensar. Uma arte que provoque a necessidade de formulações de novos sentidos, enfim, que possibilite o reencontro do sujeito através da desconstrução dele próprio.

Aceitando a tradução feita em pedaços, o leitor vai passar a se reconhecer como construtor da história, pois perceberá que por ser pedaços ele passa por uma constante construção de si e do mundo. Compreendendo a necessidade de refazer seus próprios pontos de vista, deixará o paternalismo que tem rondado o discurso dos defensores da arte enquanto interpretação única e válida da autoridade.

Além do mais, com a desmistificação da arte enquanto modelo fechado de sentidos e limitado ao autor, o leitor passará a renunciar essa visão covarde, amedrontada em questionar a autoridade, pois ele reconhecerá que é dono de suas próprias opiniões e capaz de construir seus próprios discursos. Perceberá que a realidade é ele quem cria, que ele é responsável pela forma como interpreta o mundo.

Aceitando a tradução em pedaços, o leitor não só ganhará a sua autonomia, como também passará a afirmar o seu lugar no mundo. Acreditará que suas opiniões não são desnecessárias por se enxergar enquanto subjetividade. Quem sabe se com essa perspectiva de arte, os humanos passarão a ter menos medo em se comprometer com suas escolhas e com sua forma de lidar com a autoridade?

sexta-feira, 22 de março de 2013

CARTAS PEDAGÓGICAS II

Voluntatis et actus Considerações iniciais: Meu caro Souza, Desde que cheguei ao sertão sergipano que tenho observado o que ocorre com a educação nessa região do Brasil. Confesso, houve momentos de muitas revoltas, e outros em que pensei em mudar de profissão. As águas do inverno ou da trovoada alimentam, não apenas a barriga de nosso povo, mas, suas esperanças. O sertão é morte e vida como uma cobra mordendo o próprio rabo. O sertão é dialético; encontrar sua síntese foi um processo que me levou aos textos de Freire (1987), e neles encontrei argumentos para uma síntese do que chamo de Pedagogia Dialogista. Com certeza o que digo, foi dito por outros, pois em minha mente não há nada que não já esteja presente no mundo. Portanto, este trabalho é apenas um olhar meu para o sertão que também é meu. Cada um tem seu sertão, como alhures disseram. Esse presente ensaio discorre sobre nossa concepção de dialogismo, da vontade como motor do mundo, do ato como objeto diferente da ação, da práxis como uma cadeia de actus realizados pelos homens em comunhão, do discurso enquanto pensamento organizado e lógico em detrimento do dito impensado ou enquanto repetição do repertório léxico – auditivo dos sujeitos, da relação dos enunciados com a ideologia, da educação para práxis, da inevitável natureza ideológica da educação, da voz interior, de algumas estratégias freireanas, dos sonhos e da necessidade de sonhar para que haja educação. São coisas que nós dois debatemos ao longo de anos e que, no presente trabalho, reapresento-as ao ilustre doutorando em Sociologia. Introdução: Perdoe-me meu amigo os termos em latim retirados do tradutor Google. Fiz isso de propósito para mostrar ao amigo que quanto mais distante de uma referencia comum, mais distantes estaremos do dialogo tão premente para as mudanças educacionais. O breve ensaio assinado por minha pessoa é uma humilde carta de contato com o ilustre mestre das Ciências Sociais. Este visa mantermos as discursões em dia sobre temas que já foram abordados. O ensaio tenta, pela primeira vez, apresentar uma epistemologia dialogista. Não me sinto satisfeito com o produto final, pois, sinto que ainda falta muito para amadurecermos esses conceitos. O amigo sabe que nossa linha de estudo é a linguística europeia (Bakhtin), a pedagogia, a teologia e algumas leituras da Antropologia e filosofia, o pouco que aprendi da Sociologia foi com sua pessoa. Espero que entenda esse emaranhado de sintagmas que acho postos em confusa disposição. Dialogism A“voluntas”é a força que move os sujeitos no meio onde ocorrem suas relações sociais. Onde houver um homo sapiens, quando mais este for humanizado, mais a vontade será a potência que o move sobre a terra. Não estou estabelecendo o império da vontade, mas, lembrando ao amigo que a vontade é um dos mais poderosos fenômenos humanos. A dimensão da voluntas é tão cheia de mistérios quanto tudo que diz respeito ao psiquismo desse animal - o ‘homo sapiens’. O estudo da vontade é de muita importância para a compreensão das relações sociais que envolvem outro fenômeno – a Educação. A educação enquanto ato social é também um ato da vontade, ou a manifestação desta no eixo diacrônico da voluntas. Não pode haver voluntas, no contexto aqui estudado, sem história. Nossa espécie por milhares de anos sobre a terra conseguiu uma façanha nunca alcançada por nenhuma outra espécie terrestre. Os estímulos de ordem neuro-sensoriais se tornaram signos (σημείο) e estes representações da realidade. À proporção que o encéfalo se desenvolve e passa a ter um determinado volume na caixa craniana, a máquina cognitiva se forma pela mesma força que provocou o crescimento da máquina orgânica encefálica. O homo – sapiens se abstrai de tudo ao seu redor, se individualiza do meio, e percebe-se na paisagem. A percepção de si é uma leitura de mundo que nos remeteu ao eu, e do eu à consciência, que passa a ser uma centelha de luz no caos da natureza natural. Se antes, em estagio animal pleno, o homo sapiens era portador dos instintos comuns aos da sua espécie, agora ele é portador da voluntas; um eu que quer, ou melhor, como diz Freire (1987), um sujeito que escreve e ler sua história. A curiosidade é um instinto que move o animal às coisas, às descobertas, a ver, sentir, tocar o mundo, ou pelo menos, a experimentá-lo por meio de seu enervamento. Os instintos naturais como a curiosidade, a fome, o medo, a reprodução, e outros eram a base do movimento da criatura no meio ambiente. Assim como o animal se move no meio, este último exerce uma ação sobre o mesmo. O meio e o animal se constroem e desconstroem no eixo diacrônico do tempo filogênico. A relação dialética entre o homo sapiens e o meio por causa do crescimento de sua caixa craniana favoreceu o surgimento do fenômeno psíquico, ou a psiquificação das coisas ou da natureza. Por meio dos signos (πινακίδες) que antes não passavam de simples impressões neuro – sensórias do meio, mas que agora formam representações do mundo, o homo sapiens consegue enuntiare. Os signos se agruparam em cadeias significativas tornando nosso homo sapiens num ser portador do enuntiatum. A cadeia de signos produzem sentidos, ou representações da realidade. Esta é, num primeiro momento, algo externo ao sujeito, a posteriore, o homo sapiens descobre que como em tudo na natureza, ele e o meio, ou ele e as representações do mundo formam um todo indissociável. Se o sistema de enervamento perece, a cadeia de signos cessa, se esta cessa, a máquina orgânica chega a óbito. A filosofia da linguagem de Bakhtin traz muita luz sobre isso: Tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia. Um corpo físico vale por si próprio: não significa nada e coincide inteiramente com sua própria natureza. Neste caso, não se trata de ideologia. (Bakhtin, 2006, p.29) A coisa é a coisa; o signo é a coisa na mente do homem, sem mente sem signo, sem signo sem mente. Para educarmos o homem necessitamos considerar as duas máquinas que interagem naturalmente. A capacidade de representar o mundo criou no homem a potência que o move – a vontade, o desejo. Da curiosidade instinto - visceral chegamos a voluntas. E enquanto seres de vontade, somos, também, seres do ato. Para este estudo, o termo ato difere do termo ação. A ação, aqui, é instintual, visceral, o ato, por sua vez, é o germe da práxis – é ação idealizada da realidade. O ato de educar é um fenômeno social, sócio político. O estudo da história dos discursos sobre a educação atesta que percebemos recortes do real sobre esse fenômeno, e sobre eles produzimos discursus. O estudo desses discursos pode muito elucidar o fenômeno educação. Tomemos por exemplo os enunciados de Émile Durkheim em Sociologia da educação pela pena de Carlos Lucena : As discussões sobre a educação são parte importante da obra de Durkheim. As reflexões sobre uma sociedade acabada, a mais avançada da história da humanidade, proporcionam a elaboração de fundamentos educacionais voltados à construção de uma moral coletiva, condição essencial para a existência da solidariedade orgânica na sociedade. É assim que em “Educação e Sociologia” Durkheim afirma que a influência das coisas sobre os homens é diversa daquela que provém dos próprios homens; e a ação dos membros de uma geração sobre os outros, difere da que os adultos exercem sobre as crianças e os adolescentes. É esta relação que Durkheim denomina como Educação. Tomando como referência os princípios da solidariedade orgânica baseada nas diferenças entre os homens, tal qual afirmamos anteriormente, Durkheim entende em “Educação e Sociologia” que nem todos os homens são feitos para refletir; será preciso que sempre haja homens de sensibilidade e homens de ação. Os homens não podem dedicar todos ao mesmo gênero da vida; existem diferentes funções a preencher. É preciso construir uma harmonia para o trabalho. A educação é em essência, um fenômeno social que consiste em socializar os indivíduos. Educar uma criança é prepará-la (ou forçá-la) a participar de uma ou de várias comunidades. A educação é um processo social, e cada sociedade tem as instituições pedagógicas que lhe convém. Todo o passado da humanidade contribui para estabelecer o conjunto de princípios que dirigem a educação do presente. (Lucena, 2010, p.301 – 302a). Analisemos o enunciado em negrito: - “Uma sociedade acabada, a mais avançada da humanidade”: Lucena entendeu que o contexto histórico do pensamento do mestre francês era a França industrializada sob a égide do positivismo científico. Uma das grandes façanhas do Positivismo foi fazer o homo sapiens crer ser a ciência a reposta para as mazelas sociais. Nosso contexto histórico desmente essa proposição até mesmo o contexto da França atual. Hoje sabemos que a ciência não solucionou os problemas sociais como a fome, a pobreza, as injustiças, as psicopatias e sociopatias, etc. Vivemos, talvez, a mais negra era do homo sapiens. - “de fundamentos educacionais voltados à construção de uma moral coletiva”: Este enunciado nos põe diante de uma Pedagogia do amansamento do sujeito, da sujeição pela sujeição, da ordem pela ordem sem reflexão. - “a ação dos membros de uma geração sobre os outros, difere da que os adultos exercem sobre as crianças e os adolescentes”: Lucena viu em Durkheim que a educação era uma reprodução de uma sociedade e seus modelos pela coerção dos mais velhos – a escola, o ensino formal e informal. Pensar educação nesses termos, atualmente, seria um reducionismo sem precedentes. - “nem todos os homens são feitos para refletir; será preciso que sempre haja homens de sensibilidade e homens de ação”: Mais uma heresia para um educador dialogista. Pois, como descobrirei quem é quem? E afinal, será que há homens que não sonham? Longe de minha pessoa dizer mal dos enunciados de Durkheim, o que procuro mostrar é que no eixo diacrônico, não se pensa mais educação por essas variáveis. Contudo, meu ilustre sociólogo, é preciso ver que estas proposições estão engendradas nos diversos discursos produzidos ao longo dos anos pelas diversas LDBs de nosso país, aqui, esse discurso hibridizou-se, mas, essa é outra carta que prometo escrever-te. Lucena continua: Para que haja educação é necessário que haja uma geração de adultos e de jovens, crianças e adolescentes, em que uma ação seja exercida da primeira sobre a segunda. Não há povo em que não exista certo número de ideias, sentimentos e práticas que a educação deve inculcar nas crianças, independente da categoria social a que pertençam. Toda e qualquer educação, seja a dos ricos ou a dos pobres, tem objetivo de fixar ideias nas cabeças dos educandos. (Lucena, 2010, p.302) O amigo já viu isso em algum lugar? Já ouviu algum colega dizer que deve a educação ser assim? Os sonhos dos outros se hospedam em nós, e nem o percebemos. A nossa vontade é a vontade do outro de certa forma. O dialogismo reconhece a validade dos enunciados, pois, reconhece que o sujeito que o produz está inserido no espaço e no tempo, desta forma, o espaço e o tempo são variáveis que explicam os enunciados humanos. O dialogismo sabe que o sujeito do discurso e o discurso do sujeito são constructos do meio social nos eixos espaço e tempo. Os signos só podem aparecer em um terreno interindividual. Ainda assim, trata-se de um terreno que não pode ser chamado de “natural” no sentido usual da palavra: não basta colocar face a face dois homo sapiens quaisquer para que os signos se constituam. É fundamental que esses dois indivíduos estejam socialmente organizados, que formem um grupo (uma unidade social): só assim um sistema de signos pode constituir-se. A consciência individual não só nada pode explicar, mas, ao contrário, deve ela própria ser explicada a partir do meio ideológico e social. (Bakhtin, 2006, p.25) A capacidade de dialogar do homo sapiens é a condição para uma realidade dialogista. O dialogo estabelece relações entre os homens, e relações entre o sujeito e seu ambiente, este último é entendido por nós como a soma das coisas e das representações das mesmas. O ambiente do homem não deve ser mais tomado como o espaço natural ou humanizado onde ele se encontra; o ambiente para o dialogismo é o locus histórico do sujeito. O locus histórico é constituído por uma imensa rede de discursos que se apresentam, ora em uma expressão sincrônica, ora, numa epifania diacrônica. A teia discursiva se apresenta imbricada, cheia de nós, ou de hibridizações. Isso é o mesmo que dizer que após a fundação do σημείο não há mais possibilidade de silêncio, ou de monólogo na terra. Meu caro, Souza, que maravilha da criação! A natureza produziu inteligência consciente e capaz de produzir uma existência, não foi apenas o viver (seguir o ciclo natural que depende das condições viscerais somente). É apoiado nessas bases que o dialogismo propõe o dialogo racional, a proposição de enunciados sobre o real buscando na cadeia discursiva o máximo possível de discursos, para que após examiná-los possamos produzir mais discursos. É preciso dizer sobre o mundo; foi assim que o homo sapiens começou tudo – eis o dialogismo! O homem da vontade é também o homem da linguagem, o homem das representações do mundo. As representações do mundo são em todas as suas possibilidades recortes, pequenos lampejos da consciência humana cuja gênese é o seio social, desta forma, enquanto representações possuem a mesma substancia dos sonhos. As contradições, as negações das proposições não apenas contribuem para o progresso da ciência, mas, para atestar que nunca saberemos ao certo o que estamos enunciando. Assim, a vontade é um desejo de um pedaço do mundo, o que dissermos dele não é diferente. A vontade é um sonho do homo sapiens assim como a educação. Somente o estudo dos discursos nos dará de forma cada vez mais nítida a compreensão do que movimenta o fenômeno educação. O dialogismo estuda o fenômeno partindo dos discursos proferidos sobre ele, e com exaustão os expõe a todos recortes da razão para que se possível, se obtenha uma visão mais clara do que o fenômeno seja. No final, o método dialogista entende que o que produziu ainda é um pequeno recorte do real – o diálogo continua assim como o movimento das coisas. É importante aceitarmos que a razão fragmentada, a epistemologia cartesiana, o positivismo científico, embora seja razão, produz uma razão sem a consideração da variável discursiva racional que a produziu – a linguagem. A razão enquanto representação das coisas não pode prescindir do estudo dos discursos que a produz. Em virtude das novas concepções de mundo, urge complexizar a razão complexizando a educação. Isso não significa que seu objeto, sua janela aberta, deixará de existir, isso significa que para fazer ciência é preciso o diálogo entre as diversas razões. O mercado, talvez, não se interesse por essa epistemologia, pois, ele tem pressa e não entende que a ciência deve estar a serviço dos homens. O dialogismo entende a complexidade do real. Reconhece a validade dos enunciados que defendem a fragmentação dos objetos, mas, também, percebe que a via dialógica com as demais variáveis podem produzir uma razão mais nítida. A escola dialogista tenta resgatar a forma natural de nossa espécie perceber o mundo e transformá-la em ciência – o sonho do homo sapiens. A pedra, o mandacaru, o nome, o sintagma, um enunciado, os discursos, as diversas ciências, a filosofia, a arte, a religião, toda produção de sentidos é válida para o dialogismo porque constituem os sonhos dos homens e sua materialidade. Como diz Bakhtin: Cada signo ideológico não é apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas também um fragmento material dessa realidade. Todo fenômeno que funciona como signo ideológico tem uma encarnação material, seja como som, como massa física, como cor, como movimento do corpo ou como outra coisa qualquer. Nesse sentido, a realidade do signo é totalmente objetiva e, portanto, passível de um estudo metodologicamente unitário e objetivo. Um signo é um fenômeno do mundo exterior. O próprio signo e todos os seus efeitos (todas as ações, reações e novos signos que ele gera no meio social circundante) aparecem na experiência exterior. (Bakhtin, 2006, p.23) Voluntas Não podemos, meu caro Souza, negar que a vontade é marca de nossa humanidade. O autista com pouca vontade de interagir com o mundo ao seu redor, cria um mundo só seu. Um sonho de difícil compreensão, o que reduz em muito suas chances de interação no tecido social. Nem mesmo a linguagem consegue superar a potência da vontade, pois, ela é o desejo, a força da voluntas que me impele as coisas e estas exercem coerção sobre a psique. Quando a máquina psíquica dissocia-se, é a vontade expressa em linguagem, quase sempre confusa, que atesta o afetamento nevrálgico conhecido como loucura. Se quisermos entender a educação em nosso país, é preciso conhecer a vontade do Brasil sobre educação em seu eixo diacrônico. Facilmente, chegaremos à conclusão que o Brasil parece não ter vontade de mudar sua educação. Os atores sociais envolvidos nos micros processos localizados nas mais diversas regiões parecem não ter também voluntas para fazer algo novo, com muitas poucas exceções. A vontade aqui deve ser entendida de duas formas distintas: A voluntas enquanto epifania do sujeito, e a voluntas enquanto epifania da sociedade. Em consequência de nossas considerações anteriores, com toda a coincidência interna entre Kant e Platão e a identidade do objetivo que ambos tinham em mente, ou a concepção de mundo, que os estimulava e os conduzia ao filosofar, mesmo assim, ideia e coisa em si não são simplesmente uma e a mesma: Mas a ideia é para nós somente a objetividade imediata, e por isto adequada da coisa em si, que, porém, ela própria é a vontade, a vontade enquanto não objetivada, ainda não tornada representação. (Schopenhauer, 2006, p.32) O presente ensaio relaciona ideia de vontade de Schopenhauer ao fenômeno educação, sendo a primeira vista por ele como ideia enquanto vontade não objetivada, ou seja, transformada em coisa (actus), e a segunda a vontade objetivada – a coisa - a educação pública; verifica-se que esta está em perfeita sintonia com grande parte da voluntas da sociedade brasileira; para outra parte, a educação tem uma outra ideia, é expressão de outra vontade. A educação enquanto representação ideológica de uma sociedade é a expressão da vontade dos que controlam o tecido social e dos que o constituem inconscientemente, assim, a vontade da sociedade brasileira, digo, da massa, é uma, é a vontade input transmitida pelos discursos presentes no fluido linguístico social. Desta forma, o Brasil aceita sua educação passivamente, ora considerando-a a educação possível, ora um acaso, ora uma consequência insuperável, ora a vontade de Deus. Por outro lado, a classe hegemônica, mesmo consciente de seus atos, naturaliza seu discurso de dominação, mesmo diante dos fatos, uma vez que também não percebe ser sua vontade a vontade input do colonizador presente no fluido linguístico hibridizado – um discurso traçado com o colonialismo e o pós colonialismo. Freire (1987) dizia isso nos anos 60: “Colonizador (dominador) e colonizado (dominado) ambos alienados” (paráfrase minha). Se, nos termos de Bhabha (1994:13), o “local da cultura” pode ser definido como uma posição discursiva híbrida, fundada nas mútuas contaminações entre colonizadores e colonizados, então precisamos de um aparato teórico que possibilite o pensamento sobre como se constrói esta posição discursiva híbrida. (Balocco, 2003, p. 2) O amigo sociólogo sabe muito mais de que esse pedagogo do sertão que o sujeito é o construere (constructo, ou construído) do social. A teoria dialética marxista em todas as suas derivações já mostrou isso muito bem. Nosso irmão Freire (1987) muito bem demonstrou essa verdade em sua obra Pedagogia do Oprimido, e outras. Assim, a vontade é, em grande parte, determinada pelo social. Os signos sociais, suas ideias e representações, uma vez internalizadas, se tornam comportamento individual e de massa, todavia, o homo sapiens possui uma forma pessoal de organizar e reorganizar essa cadeia, o que o permite, voluntas individual – a epifania minha; única no mundo. É errado achar que o homo sapiens é cognitivamente passivo às impressões que lhe advém do meio externo, seja, o meio natural, ou a cadeia de signos – O meio humanizado – social. Por isso, a psicologia que entende ser nosso comportamento resposta a estímulos, viu apenas um aspecto do fenômeno. O homo sapiens, após o σημείο não mais possui apenas vida animal - anima, mas, existência histórica ou historicidade. As diferentes histórias dos sujeitos, das nações e povos, comprovam que nossa condição no mundo não se limita a um construere que resulta apenas dos modos de produção e reprodução material, mas, da forma como cada sujeito, povo, ou nação significou essa relação. A capacidade de abstrair-se do mundo, nos tornou seres de existência, portanto, históricos. Assim como respondemos, sem ponderarmos sobre os estímulos externos, pela força da coerção social, também está sobejamente provado, que respondemos aos estímulos que partem de nossas representações pessoais; a forma como, individualmente, respondemos ao chamado do meio ou de nossa voz interior pode expressar a vontade, ou dizer dela. A vontade nasce do organismo em interação com o meio e consigo. Meu caro Souza, o que é a História do homem a não ser a história de sua vontade realizada por seus atos? O ilustre estudioso da alma social entende que os atos também são marcas de nossa humanidade e de nossa historicidade. Actus O ato do homem é único, se funda em sua vontade única em um dado momento de sua história. O animal irracional não compartilha da realização do actus. A única espécie viva na terra que pratica no mundo o actus é a do homo sapiens, os demais seres vivos apenas instintualmente agem sobre a natureza, sua ação não é idealizada nem o pode ser. O actus se transforma em práxis quando o ato se reveste de engajamento teórico e político. A mudança de uma realidade social necessita da práxis que necessita de muitos atos para ser realizada. Para nós, a ação nos remete ao comportamento visceral do animal no mundo, o actus nos remente ao ser psiquificador das coisas e do mundo, e a práxis a sociedade organizada. Todas as vezes que a história humana mudou, ou que as classes conseguiram seus direitos não foi por meio de ações, mas dos atos relacionados a uma determinada práxis. Um dos propósitos da Educação é garantir ao educando todas as ferramentas possíveis para a consecução da práxis, pois, somente quando essa ocorre haverá mudanças, tanto no âmbito pessoal quanto no âmbito social. Um cidadão do sertão percebeu em suas abstrações intelectuais que o Rio Jabiberi está assoreado e agonizando. Seu Francisco, então resolveu não mais destruir a mata ciliar; sua ação, portanto, é um actus, pois, foi a idealização de uma ação que tem como apoio o pensamento racional, entretanto, não é a práxis necessária para solução do problema. Para tanto, o lavrador necessitaria de uma teoria que envolvesse um conjunto de atos feitos por ele e por outros lavradores para que o movimento de transformação ocorresse. Desta forma, a práxis ocorre em comunhão com os outros. A substância da práxis é a mesma da do actus – a idealização do real, a teoria racional que advém de uma relação epistêmica com o meio. Ora, meu amigo das Ciências Sociais, o que é idealizar o real? A idealização do real é enunciar sobre ele. Enunciar é dizer uma ideia, ou uma ideologia. Todas as coisas na terra que não constituem o espaço natural são a materialização de ideais, ou das ideologias. De uma simples caixa de fósforos ao comportamento de grandes massas encontramos a força das ideologias. As ideologias presentes nos mais diversos discursos sociais formam a substancia da mente humana, a base de nossos sonhos, a fonte de nossos actus. A grande obra de Althusser foi ver a materialidade das ideologias, ou, a força que elas exercem sobre o meio se tornando em ações, actus ou práxis. O professor Dr. Roberto Ramos em seu estudo sobre Althusser nos diz: Os meios massivos de comunicação foram uma das mais consequentes instâncias de poder nesse fim de século. Configuram uma personalidade, particularizada, de instituição pós-moderna. São empresas que produzem e reproduzem o econômico e o ideológico, como uma única e indissociável mercadoria. Em nenhum outro momento histórico, como agora, se produziu tanto discurso. (Ramos, 2007, p.143) As ideologias não somente constituem a mente do sujeito social, mas, todo o espaço humanizado. Uma estrutura arquitetônica religiosa da idade média é um objeto concreto no mundo das formas, por isso, lemos nesse objeto o modo de crença de uma época e quiçá as relações sociais da mesma. O estudo geográfico da paisagem urbana nos apresenta com muita clareza o que as ideologias podem fazer e comprova sua materialidade. Por traz do actus estão as ideias, as ideias que possuem energia psíquica suficiente para detonar o ato. A ideia na forma de vontade produz atos. Nossa máquina orgânica reconhece esse código e reage naturalmente. As ideias como diz Althusser pela pena de Ramos tem existência material: [...], Althusser formula uma Teoria da Ideologia em Geral em duas teses básicas: a) a ideologia representa a relação imaginária dos indivíduos com as suas condições reais de existência; b) a ideologia tem uma existência material. (Ramos, 2007, p.146) Pode-se assim dizer que deveria haver na educação uma relação harmônica entre ideia, vontade, actus e práxis, todavia nossa história da educação contesta isso. Somos um pais inserido num mundo pós colonial com fortes marcas discursivas colonialistas. Tomemos como exemplo o salario de algumas profissões: Um policial militar em Sergipe ganha quase R$ 4.000,00, um professor tem seu piso salarial fixado em R$ 1.025,00. Mas por que os salários da educação pública em Sergipe são tão baixos? Por que no Sergipe colonial, os filhos dos fazendeiros estudavam com professoras importadas da Europa, e os negros e mestiços não tinham acesso à educação. As outras categorias frequentavam as instituições controladas pela religião. Produzimos um discurso pós colonial de educação com marcas discursivas (ideologias) da sociedade colonial escravocrata agropecuarista: O discurso da escola pública presente nos conteúdos programáticos nos remete ao passado, a estrutura física precária (com raras exceções) das escolas nos remete ao passado, seus ritos (em algumas escolas os alunos rezam ao entrar, saúdam a bandeira, e cantam as quintas o hino nacional), nos remete ao passado, a forte marca positivista no ensino, no programa, na teoria aplicada, nos remete ao passado, a avaliação quantitativa e matematizada, nos remete aos conceitos da pedagogia mecanicista. (Durkheim está muito vivo na educação brasileira). Interioris vox O pensamento de Vygotsky sobre a Educação de crianças apoia nossa teoria. Os adultos, portadores de um domínio maior dos códigos passam para os mais jovens os modelos da cultura. Mas, não apenas isso; os modelos, as ideologias científicas, filosóficas, religiosas, estéticas, éticas, lógicas, e o recorte histórico do agente em função de sua existência em um dado meio sócio cultural, está presente nos discursos dos professores, e/ou de todos os atores do processo, e formarão a mente social do sujeito, portanto, são fontes de atos, e construtora de histórias ou da História. A internalização dos signos favoreceu o surgimento de um diálogo interior no sujeito. O momento em que este se torna sujeito e objeto receptor de seu discurso. Em um primeiro momento, parece irracional o homo sapiens dialogar consigo mesmo, contudo, seu encéfalo necessita organizar os signos em categorias que sendo cada vez mais específicas se tornam mais poderosas na produção de novos enunciados. Os enunciados não poderiam deixar de ser ideológicos, nem a substancia de nossas proposições sobre o real. Se os signos são representações da realidade, então, eles são de certa forma como os sonhos, e de outra forma matéria mental que se objetiva no mundo real. Eis, a possibilidade de práxis no mundo! Mas, sempre tenha em mente que até mesmo a práxis libertadora não passa de mais uma ideologia, um sonho. Nossa voz interior nos apresenta o sujeito que se abstraiu do mundo para reconhecer-se enquanto pessoa objetiva. Contudo, isso também é sonho, pois, para me objetivar preciso dos signos, dos sonhos do homo sapiens. A voz interior não tem somente função psicológica dessa forma, mas, a função, sobretudo, pedagógica. Aprender é dialogar consigo e com o objeto. A mudança de comportamento, ou o processo educativo necessita da voz interior, ninguém apreende nada sem dialogar consigo. Essa voz interior é o gene de uma sociedade em interação total, um mundo em permanente comunicação, um real dialogista, pois, não há monólogo na natureza desde a evolução do homo sapiens e com ele o advento dos signos. A educação como práxis libertadora deve perceber o alunado como sujeitos históricos, portadores de actus e passíveis de práxis. O fim ético da educação não é a vestibularização do ensino, nem a tecnicização do homem, nem apenas a construção de uma cultura livresca. O alvo maior da educação é o poder da vontade do homem, ou o despertar de sua capacidade de sonhar seu mundo. Fazê-lo perceber que ele está umbilicalmente inserido numa grande teia de relações complexas e que, quer saiba ou não, quer seja seu desejo ou não, ele terá que interagir nesse mundo. A educação deve despertar o sujeito e lhe garantir todos os recursos gnosiológicos para a consecução de uma vida digna. A criança em tenra idade trava sozinha uma conversa em seu quarto. Ela pergunta a si e responde a si, naquele momento, o receptor; a segunda pessoa é uma terceira imaginada pela mente pueril. A fala egocêntrica infantil é fundamental para a organização das representações da realidade assim como os sonhos são fundamentais para o equilíbrio da energia psíquica. Na fase adulta continuamos conversando conosco; alguns chamam isso de voz da consciência, para o presente estudo é apenas interioris vox. A voz interior diz que nossa espécie não monologiza a realidade, o monólogo para o homo sapiens é impossível, pois, se digo; digo para alguém, mesmo, que esse não tenha natureza tangível aos sentidos. Meu amigo Souza, desta vez, eu não pecarei mais contra sua pessoa, pois, não me esquecerei de alguns rabiscos de meus manuscritos. Certa feita sua pessoa perguntou-me: “Como colocar isso em prática?” O que, agora discorro não pertence a mim, nem ao ilustre pensador Paulo Freire, mas, coube ao mesmo a missão de por em palavras o que a natureza já dizia há milênios. Dou graças a Deus pela encarnação do irmão filósofo e pedagogo Paulo Freire. Ora, meu amigo, se minha primeira leitura de mundo foi a que fiz de um pé de manga, ou de uma bananeira, então, o aprender necessita de sucessivas leituras partindo de um ponto comum ao organismo aprendente. É muito racional aceitarmos que preciso primeiro ler o meu mundo, pois, com ele tenho afinidades. Seus signos me são conhecidos e quando algo novo surge existem em mim referências para significa-lo. Sem metalinguagem, sem metacognição! Agora minha humilde pessoa traça algumas linhas de minhas experiências ensinando aos filhos do sertão, espero que o amigo tenha paciência: - Suely, por que o mandacaru é verde o tempo inteiro? - Meu pai disse que é porque o bicho é tão ruim que nem a falta d’água mata. - Suely, você quando vai a Tobias percebe que as cercas vão até lá? - É mesmo professor tem cerca em todo canto. - Suely, por que os mandacarus estão dentro dos terrenos cercados? - Ah, professor porque a roça tem dono! - Suely seu pai tem roça? - Não! - Então, seu pai não tem mandacaru! - E dai? Eu num gosto do mandacaru! A conversa continuou a tarde inteira. Esse foi o inicio de uma aula de Sociedade e Cultura. O mandacaru e a cerca são palavras do vocabulário local e serviram de palavras geradoras de temas que são geradores de outros temas criando uma cadeia infinita de possibilidades discursivas e pedagógicas. (O homo sapiens, primeiro imitou os sons do mundo, os de seu mundo – um pássaro, o vento, a folha balançando...) - Suely quem trouxe as cercas foram os portugueses..., então, o sertão já tinha gente, se tinha gente por que chamam de “Descobrimento do Brasil?” (Wilson Vieira in memória). a) busque palavras geradoras, para tanto, faça um diagnostico e levante a história, o contexto cultural do alunado; b) seja mediador do processo, mas, sem imposições. No dialogismo não existem mestres, somos aprendentes eternamente; c) exponha seu alunado a maior quantidade possível de estímulos, faça a sociologia dialogar com tudo, parta do locus histórico de seu aluno; d) devolva a fala de seu aluno; a aula não é monólogo; e) se avalie sempre antes de avaliar seu discente; f) anote tudo que ocorre no processo e reveja erros e acertos; recomece sempre; g) toda ciência tende a despertar a razão, portanto, a Sociologia (no seu caso) deve ser ferramenta de mobilidade do alunado no espaço escolar, assim como as ciências introdutórias das séries primeiras servem para as mobilizações de “escola limpa, espaço limpo”. Busque despertar no alunado a vontade do actus e da práxis, pois, não estamos sós. h) evite avaliações longas e cansativas de marcar um X. Estimule o alunado a escrita e a leitura. Pasme, enquanto docente de uma faculdade de pedagogia encontrei analfabetos funcionais. Eles estão em todo lugar. i) Crie um caderno de palavras que você percebe que têm maior valor simbólico para o alunado. Essas palavras são preciosas, pois, os remete ao passado. Trabalhe sempre novas palavras partindo dessas primeiras. Faça de seu aluno um leitor e um escritor, pois, o carro chefe de toda produção acadêmica é a arte da leitura e da escrita. j) Nunca se omita do uso de toda tecnologia. h) Dialogue com as outras disciplinas mesmo com as resistências. Tenha fé e amor. Um abraço amigo Souza. NÃO EXISTE UM ÚNICO CAMINHO PARA O ENSINO SEM PASSAR PELA PORTA DO AMOR AO ALUNO E AO SABER. Um beijo meu amigo! Referencias: Um mandacaru na estrada do Jabiberi. 2013, editora natureza. Freire, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 17ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. Freire, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo, Cortez, 1989. Ramos, Roberto. Conexão – Comunicação e Cultura, UCS, Caxias do Sul, v. 6, n. 12, julho./dez. 2007. http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/conexao/article/viewFile/178/169 Lucena, Carlos. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.40, p. 295-305, dez.2010 - ISSN: 1676-2584. http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/edicoes/40/art18_40.pdf Balocco, A,E. A Análise Crítica do Discurso e o conceito de interdiscurso: sua pertinência para o estudo de narrativas pós-coloniais. In: XII Congresso da ASSEL-Rio, 2003. SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação livro III. Edição Acrópolis. EBooksBrasil.com Eco, Humberto. Semiótica e filosofia da linguagem. São Paulo, Ática, 1991.

sábado, 16 de março de 2013

Arte: uma tradução em pedaços III

Já me apareceram várias críticas reprovativas acerca de meu texto “Arte: uma tradução em pedaços”. As pessoas me questionam a falta de limites em se interpretar um trabalho artístico. Continuo insistindo em afirmar essa minha posição. Para tentar esclarecer esse argumento, acredito que a gente precisa pensar primeiramente na natureza de determinadas linguagens. A linguagem científica, por exemplo, apesar de necessitar da inspiração, assim como a arte, possui certo diferencial.

Quando eu abordo um tema dentro dos parâmetros ditos científicos, eu preciso construir um conceito que seja claro ao meu leitor, mas nem aí eu consigo evitar o “deslize” interpretativo que esse leitor fará de minha produção textual. Já na arte, eu acredito que essa condição deva ser colocada de forma extremamente liberta. Pensar em uma arte que queira informar com precisão o seu sentido, é retirar um dos poucos objetos que o sujeito ainda tem para ser livre em suas construções.

Para mim, a arte revela nossos fantasmas. Esses fantasmas que nos perturbam constantemente em nosso cotidiano. É nela que nós conseguimos através da nossa interpretação, encontrar meios para amenizar as excessivas dores existenciais que nos perseguem. Não vejo como colocar os sentidos abertos da arte como quem escultura um conceito preciso em um texto científico. A arte pede o rompimento das certezas e nos dá a garantia de criar nosso próprio mundo.

Fizeram-me a seguinte colocação: a arte é contexto, e por isso mesmo, eu tenho que contextualizar o seu sentido. Tudo bem, mas devemos convir que o fato de contextualizar algo não significa impedir que o sujeito possa transbordar o próprio sentido da arte. Que uma produção artística está ligada a um contexto político, histórico, social e estético, eu não tenho dúvidas, porém, o sujeito ao criar sua própria tradução acerca dela, também está refletindo as necessidades de um tempo.

O que me deixa indignado é a reprovação que um sujeito tem que receber por não interpretar de forma literal o sentido que um autor quis transmitir em sua obra. As colocações de determinado discurso artístico podem e devem ser deslocados do sentido dado pelo autor e é aí que se encontra a sua riqueza. Quando trabalhadores nos anos 70 quiseram reivindicar suas precárias condições de trabalho, por exemplo, usaram o trecho “Eu não sou cachorro não” do Waldick Soriano.

Por que eu tenho que reduzir a música “Eu não sou cachorro não” a uma canção que quer falar sobre o abandono de uma pessoa em relação à outra? Se esse é o sentido do autor, não significa que o sentido dado pelos trabalhadores não tenha sido coerente. Será que o sentido retirado de sua função inicial foi inválido? Será que os trabalhadores, a partir da colocação de um trecho da música em outra circunstância, não buscaram com isso afirmar seu lugar e suas identidades? Não fez sentido?

Na minha infância, quando meus pais colocavam a música “Nuvem Passageira” do compositor Hermes Aquino, eu criava uma idéia de um ambiente cheio de ventanias e cores azuladas. Ao ouvi-la enquanto adulto, minha interpretação mudou. Passei a interpretá-la como uma crítica ao contexto marcado pela pressa e pela impessoalidade principalmente quando ela diz “a lua cheia me convida para um longo beijo/ mas o relógio me cobra o dia de amanhã”. O sentido alterou completamente.

Aí eu pergunto: a minha interpretação na infância estava errada? A minha interpretação agora está correta? Nem uma, nem outra. A minha interpretação é diferente porque ela reflete uma necessidade que a minha pessoa tem de interpretar a canção em cada circunstância da minha existência. A forma como eu traduzi e traduzo essa canção se encontra diretamente ligada à minha necessidade de obter satisfações para as minhas angústias em cada momento de minha vida. A arte pede isso: criação de sentidos.

É por isso que falo dos pedaços. A cada tempo de nossa vida, ao passarmos por novas experiências, repensamos os nossos valores e ao nos depararmos com uma mesma expressão de arte, inevitavelmente mudamos nossa opinião sobre ela. Isso acontece pelo fato de que, por sermos pedaços, estamos o tempo inteiro nos emendando. Somos um tecido que nunca se encontra completo. É por isso que eu posso adorar um filme hoje e amanhã já ter outra opinião e vice e versa.

Eu fico muito triste quando vejo as pessoas quererem criar formas até para a interpretação. Eu acredito que essa nossa dificuldade de saber reivindicar e de participar politicamente, além de ser resultado de nossa história, está muito ligada a essa forma de autoritarismo que criamos para as coisas. Se estamos em casa devemos obedecer passivamente nossos pais; se estamos na escola devemos obedecer passivamente nossos professores; se estamos diante da arte devemos obedecer o autor.

Insisto em afirmar que a arte que eu acredito e que apoio é a arte que não infantiliza o seu apreciador. A arte que eu valorizo é a arte que deixa ao leitor a própria responsabilidade de sua interpretação e a criação de seus próprios sentidos. O que eu admiro na arte é essa capacidade de politizar o sujeito não por que ela tem que ensiná-lo como se politizar, mas por que ela o motiva a criar seus próprios percursos e ser o próprio agente ativo de sua história e dono de suas opiniões.

Enquanto o discurso referente à interpretação da obra de arte se reduzir a idéia de algo submetido a formas e padrões, o sujeito não encontrará formas de se emancipar diante do mundo. Sem o estímulo à criação, a reinvenção e a imaginação, o sujeito não será crítico, nem muito menos criativo. Será apenas um agente sem vida preenchendo as frias estatísticas da nossa sociedade. O sujeito precisa da arte para se humanizar e não para ser um simples reprodutor de sentidos.

Arte: uma tradução em pedaços II

Ao escrever este texto, eu tenho o interesse de estabelecer uma forma de comunicação com o meu leitor. Com a arte é a mesma coisa. O autor, ao produzir a sua obra, quer proporcionar ao leitor um sentido. Porém, existe uma diferença entre querer gerar um sentido e impor um sentido. Para que um leitor produza sua própria interpretação, eu não preciso explicar previamente o que eu quis dizer.

O que se nota é que o leitor, ao invés de assumir diante da arte um lugar de processo, ou seja, de constante construção de si através da forma como ele traduz uma determinada obra, ele já quer o sentido previamente formulado para com isso poder apreciá-la. Ora, mas a arte se encontra no mundo para que o leitor faça a leitura de sua própria realidade de acordo com seus interesses.

Porém, o leitor, ao se deparar com a arte, ao invés de buscar construir a sua própria interpretação acerca dela, busca entender o que o autor quis dizer. Mas os sentidos são do autor e não dele! O leitor é quem deve encontrar o seu próprio sentido, até mesmo por que é a partir da tradução que ele faz da arte que ele passará a encontrar soluções para suas crises no processo de catarse estimulado por ela.

Não é impondo um sentido prévio na obra de arte que possibilitaremos ao leitor repensar sobre si. A partir da apreciação, o leitor faz sua própria tradução. Vale lembrar que o indivíduo tem a necessidade de re-elaborar sua própria concepção acerca de sua existência por ser pedaços de si mesmo, e é por isso que a arte tem que estimular a construção e não o construído.

Que a tradução de uma obra de arte seja feita em pedaços, visto que a tradução é a forma como cada um interpreta determinado objeto artístico. Não existem traduções totais, pois cada um vai produzir sua própria interpretação. E não falo em pedaços apenas me referindo ao fato dessa tradução ser feita por cada um, mas por também reconhecer que cada um é composto de vários pedaços.

Ou seja, um dia um indivíduo pode achar que uma expressão artística não foi condizente com o seu parâmetro estético, mas no outro dia pode achar que ela seja válida, afinal, temos identidades diferentes para cada circunstância e estamos variando de sentimentos a todo instante. Que cada um seja livre para mudar sua opinião acerca da tradução que faz sobre determinada obra de arte.

Vale lembrar que a interpretação não se reduz a reprodução de algo, mas sim, na construção de novos significados. Ao fazermos a leitura sobre determinada obra de arte não a captamos em sua totalidade, mas sim em pedaços, pois se quem faz a leitura é o indivíduo caracterizado por uma constante construção de si, sempre algo é passado de forma despercebida em sua ação interpretativa.

É por isso que acredito que uma das funções da arte é a de fazer com que o leitor através da leitura que faz dela, consiga se refazer e não obter um sentido pleno. Sendo o individuo um sujeito em constante processo de construção e carregado de contradições, uma interpretação dada a uma arte não precisa que o leitor obrigatoriamente tenha que ter dela um entendimento do que o autor quis dizer.

A arte deve provocar diversas traduções. Acredito em uma arte que aceite e que valorize as diversas formas de interpretação, e não como uma forma que tem que ser antecipadamente dada ao leitor. Não aceito essa idéia de afirmar que alguém entendeu certo ou errado o sentido de uma arte. Cada um entende e se comunica com a arte de acordo com as suas próprias necessidades existenciais.

Por mais que o autor de uma obra queira se comunicar e dizer alguma coisa ao seu leitor, devemos reconhecer que inevitavelmente o discurso construído por esse autor, ou seja, a forma como esse discurso foi entendido, faz parte do juízo estético e compreensivo do autor e não do leitor. O leitor vive outra realidade com sua própria vida, seus valores e suas indagações pessoais.

Acho que o autor de uma obra que quer que o seu leitor compreenda literalmente o sentido que foi passado por ele, no mínimo é uma pessoa robótica que ainda não conseguiu se reconhecer como um constante processo de mudança em relação à construção de sua história. Não reconhece que falar de indivíduo, significa pensá-lo enquanto subjetividade e criações de seus próprios sentidos.

Temos que acabar com a idéia da arte enquanto sentido prévio, afinal, somos donos de nossas opiniões e são elas que geram a construção de novos valores. Temos que aprender a construir nosso próprio sentido, até mesmo para que a gente aprenda a lidar com nossas próprias escolhas. Aceitando os pedaços, aceitamos a riqueza da diversidade de nós mesmos e de tudo que se encontra a nossa volta.

sexta-feira, 15 de março de 2013

CARTAS PEDAGÓGICAS

Meu caro Souza, Há bastante tempo que não trocamos ideias sobre o fenômeno social Educação. É muito visível a cooperação das ciências sociais para a elucidação do fenômeno e contribuição na produção das ações pedagógicas. Émile Durkheim (1858 – 1917), em seu tempo, muito bem dizia da grande ajuda da Sociologia na formação do pensamento pedagógico. O grande sociólogo francês muito ajudou ao homo sapiens a pensar sobre educar sua espécie, contudo, como todos os demais, esbarrou na epistemologia de sua época que trouxe muitas nuvens negras sobre o que é o que. Está chegando o fim de três décadas em sala de aula. Hoje me recordo do primeiro dia em que risquei o giz, pela primeira vez, na lousa de pedra fria. Eu era apenas um garoto de pouco mais de vinte e dois anos. Cheio de ideias e vida, o mundo para mim ainda era colorido, e o processo educativo um objeto fascinante! Recordo-me de alguns rostos que com muita dificuldade os via na penumbra de uma sala de aula com iluminação precária na periferia do Recife – era o bairro Cavaleiro. “Roosevelt, você pode dar aulas de Inglês para nós?” Eu, por um instante, pensei não ser capaz de fazer nada em uma sala de aula. Mas devo confessar amigo Souza, aquela fora a experiência mais saborosa de minha existência nesse orbe! Ensinar é aprender novamente, ou melhor, reaprender constantemente o que aprendemos uma vez. É uma experiência de movimento permanente, uma dialética que ora nos põe entre os ignorantes, e ora nos põe entre os mestres da terra. O rio epistêmico nunca está seco, nunca se torna ralo; suas águas são, por vezes, turvas, outras vezes, tão límpidas e tão cristalinas que refletem a imagem dos que passam, ou as formas da paisagem ao seu redor. São águas profundas; nunca o sábio se farta delas. O sertão me trouxe novos horizontes; é certo que dificultou muito o acesso a níveis maiores na academia. No entanto, posso te garantir meu ilustre sociólogo, que foi no sertão, entre os mandacarus e juremas que o professor nasceu definitivamente. Ele nasceu pela força do sonho de um povo. Aprendi de minhas crianças que ensinar é sonhar, é imaginar, por isso, ao ensinar estou em um processo de criação e recriação do mundo. É preciso, então, para continuar ensinando permanecer sonhando com sertão novo que renasce a cada inverno, e acreditando que dele sairão novos sujeitos que garantirão a continuidade de nossa espécie sobre a terra. Ensinar sem um gota de amor ou fé é impossível! Reconheço meu amigo que depois do neoliberalismo, as salas de aulas se tornaram escritórios de negócios e os alunos e professores coisas falantes, acéfalos pensantes! Se sonhar é preciso, vejo nos meninos uma chama de fé que me diz que vale a pena continuar sonhando até o óbito. Afinal o que são as coisas que dizemos do mundo? O homo sapiens se achou fora do contexto da paisagem natural, se reconheceu enquanto consciência. Ora, amigo Souza, isso é um sonho! A substância prima de nossa consciência é intangível. Nossa subjetividade é constituída de signos, imagens, sons, ecos, reminiscências, arquétipos, fantasias. O nosso amigo Durkheim se envergonharia de ter dito de uma biologia social. A realidade é a possibilidade de um sonho que se apresenta a mim única assim como para o outro. Sonhar o mundo é ato único que sujeito faz em dado um momento de sua existência única também. Fora da phisis, só existe imaginação! O que dizemos dela, ou que pensamos dizer, pode ser com um novo florescer do mandacaru, uma quimera, uma fantasia! Sobre o óbito e o que há depois, bem, poderia minha humilde pessoa discorrer sobre isso, mas, acredito que sua ilustre figura das ciências sociais não o suportaria. Se é verdade que as coisas concretas se fundam em sonhos, então, deve ser redundante, é preciso sonhar para educar o homem objetivo! As coisas, as instituições nascem dentro de nossa espécie. Nascem no seio de sua imaginação. Antes de ganharem corporeidade, objetividade, elas foram fecundadas pelo semem dos signos. Mas, veja! meu amigo Souza, que coisa fabulosa! Nossa espécie olha o mundo e nele sonha; desta forma o mundo faz o nosso sonhar e se refaz quando sonhamos. A benção e a maldição do mundo estão entre os signos! Pois, se sonho o sonho do outro, é o outro que está em mim. É um hospedeiro como dizia nosso irmão Freire. Alojou-se em mim pela força da soma dos sonhos coletivos que exercem uma pressão tão forte como a força natural da gravidade. Educar é o processo de despertar o sonho de cada sujeito, pois, cada um tem seu sertão! A pedagogia dialogista consegue ver a validade dos sonhos como realidade comum a nossa espécie, a necessidade que a humanidade tem de ter seu sonho livre e único. Meu amigo Souza, o Dialogismo será a pedagogia da nova geração de homens. Não se pauta no biologismo social, ou no geneticismo pedagógico, permita-me esses neologismos. Nem se funda numa única compreensão do homo sapiens. Uma vez que acordamos e vemos no despertar a necessidade de sonhar, então, todos os sonhos são benvindos. A escola precisa dialogar consigo, com a vizinhança próxima, com o território que lhe exerce coerção, com o mundo globalizado, com a sociedade fluida, vaporizada; somente assim, ela perceberá que depois da Economia da Educação, das estratégias de ideologizar ainda mais o sujeito, todos se tornaram mercadorias, e o conhecimento um resultado previsto em planilhas de metas. Isso carece de um conhecimento mais preciso de nossa antropologia! Isso carece de alteridade! O mercado, embora, sonho, é perigoso, uma vez que seu alvo é o egoísmo do lucro, do individualismo, da classificação das pessoas, das hegemonias, dos donos dos outros, dos ladrões de sonhos ou dos fabricantes de quimeras. A natureza atesta que essa experiência não é razão, é desrazão! A natureza geme e agoniza sob as garras do extrativismo capitalista cujo sonho não enxerga que a grama sob nossos pés também fala, dialoga e nos indica um caminho, ou o fim da espécie. Perdoe-me minha pouca gramática, mas, tudo isso eu vi no mandacaru! Abraços!

quinta-feira, 14 de março de 2013

Arte: uma tradução em pedaços

Temos uma tendência em não aceitar aquilo que se encontra fora da lógica das coisas. Não sabemos lidar com o solto, com o fugidio, com o acidente, com o desencontro, com as colisões. Constantemente queremos a coerência, a simetria, a linearidade, o esperado. Essa busca pelo previsível afeta também a idéia que fazemos acerca da arte. Ao nos depararmos com uma obra que rompa com os sentidos antecipadamente traduzíveis, tendemos a negá-la enquanto arte.

Essa concepção de encarar a obra de arte como uma forma que tem que ser igualmente traduzível a todos é comum no discurso das pessoas. Existe uma necessidade em se ter um sentido preciso para tudo. Quando um leitor analisa uma dada manifestação artística e diz que ela não quer dizer nada e por isso mesmo não é arte, já mostra claramente a redução que o indivíduo faz da arte. Infelizmente temos a necessidade de esperar o sentido universal, o explicativo, o óbvio para que a gente legitime algo como arte.

Mas vejamos: a sociedade vive passando por profundas transformações. Viver nela significa se encontrar em meio a inúmeros discursos. Estes discursos se colidem uns com os outros, provocando assim, as contradições. Não podemos pensar nas experiências cotidianas, se não pensarmos nas intermináveis alterações de concepções de mundo que vão se modificando ao longo da história. Os valores existentes na sociedade são produções de constantes sentidos reelaborados por nós dia após dia.

Com isso, eu quero dizer que os indivíduos são produtores de sentidos, visto que, devido aos contatos estabelecidos socialmente, eles vão agregando novas informações e repensando novas perspectivas sobre eles e sobre as coisas que se encontram a sua volta. Se pensarmos nessa individuação no que diz respeito aos juízos estéticos, logo percebemos que a forma como indivíduo estabelece uma opinião acerca de uma obra de arte, por exemplo, vai se diferenciar do outro.

Entretanto, a sociedade faz com que esse julgamento de apreciação e de juízo estético particular a cada indivíduo tenda a ser esmagado por uma necessidade de imposições de regras fixas e formas de sentidos prontos às obras de arte. A arte, antes de provocar a liberdade e a produção de sentido de cada olhar, passa a ser vista como se fosse uma forma definitiva e universal, como se a tradução de uma arte tivesse obrigatoriamente que ser compartilhada da mesma maneira por todos.

Por que temos a necessidade de definir uma tradução comum a todos para legitimarmos um dado objeto como algo artístico? Na verdade, qual o sentido da arte? Seria gerar previamente o sentido compreendido por todos, reproduzir uma realidade fidedignamente ou seria a capacidade de provocar uma ruína naquele prédio bem consolidado na alma do apreciador para que ele possa reelaborá-lo e repensar suas certezas? Eu fico com a segunda hipótese, mas antes preciso tecer um comentário.

Infelizmente a nossa cultura ainda se encontra fortemente marcada por uma alta dose de autoritarismo. Somos educados a esperar que o outro responda por nós. Devido a essa imposição, encontramo-nos inibidos em produzir nossos próprios sentidos. A opressão chega a tal nível que temos dificuldades em criar nossas próprias opiniões. É devido a essa repressão que necessitamos de respostas prontas na arte, uma vez que temos dificuldades em construir nossas próprias interpretações.

Além disso, vivemos em uma sociedade marcada pela rapidez. Com essa constante pressa, temos a necessidade de excluirmos as contradições e aceitarmos a ordem das coisas. É por isso que buscamos o sentido acabado da arte. Toda a arte que não reduza seu discurso a algo já passível de ser traduzido passa a não ser arte. A praticidade faz com que a gente busque o sentido pronto. Se a arte não comungar com o esperado, mas provocar a desarrumação do que é dito como certo, logo é tirada de campo.

Porém, para mim, a arte significa toda a forma de provocar uma expressão que pode ser revelada através do riso, da tristeza, da reflexão, etc. No momento em que nos deparamos com a arte, inevitavelmente nos colocamos diante do nosso próprio espelho. Como cada indivíduo significa sua própria lacuna e sua própria falta é óbvio que toda a leitura que ele faz da arte imediatamente provoca nele um repensar sobre si mesmo, produzindo sempre um novo sentido.

Como cada indivíduo é uma constante construção e recriação de si justamente devido à sua incompletude, a tradução que ele fará de determinado objeto artístico não se reduz a algo que pode ser totalmente igual para todos os outros. A arte é uma espécie de tradução em pedaços que o indivíduo vai re-elaborar de acordo com a sua necessidade existencial do momento. Ela é uma interminável construção, pois o indivíduo também vive a se construir e se reformular o tempo inteiro.

Devemos acabar com essa idéia comodista de esperar uma forma externa para a arte, além de esperarmos sentidos prontos e previamente traduzíveis por todos. Viver em sociedade implica em estabelecermos formas de comunicação com signos reconhecidos, mas a “desordem” também faz parte do nosso cotidiano, afinal, precisamos navegar no caos todos os dias para que possamos cada vez mais tentar encontrar sentidos em meio a esse infinito mistério que somos todos nós.

Eu quero mais é que o leitor ao se deparar com a minha arte busque construir seu próprio sentido. Que ele re-elabore sua própria afirmação e opinião sobre algo que eu exponho, até mesmo por que inevitavelmente eu sei que as decisões que esse indivíduo tomar em sua vida vão ser resultantes da forma como ele vai buscar re-solucionar seus próprios obstáculos, afinal, o sentido que ele vai conceber as cosias vai ser fruto da forma como ele encara e traduz a sua própria vida.

Eu quero mesmo é que ele se desencontre de si mesmo, perca-se por um instante e que faça sua própria realidade. O que eu quero é um leitor responsável por sua própria trama e que seja livre em transitar nesse imenso oceano chamado linguagem. Que ele se afogue, que construa sua jangada e que veleje com seus próprios métodos a partir de seu próprio mapa e de acordo com as suas próprias convicções. Que ele faça o seu tempo, o seu percurso, sua finalidade e seja capaz de realizar seus próprios sonhos e desejos.

Enquanto autor de uma obra de arte, eu só posso dizer que eu me encontro tão atormentado e perdido devido à força das ondas do mar que se batem nos rochedos do meu peito como qualquer leitor. É mais que urgente fazer com que o meu leitor seja capaz de criar suas próprias estratégias, pois são as suas escolhas que darão significados e soluções às suas contradições. Quero a tradução da minha obra de arte em seu processo, em sua interminável necessidade de gerar sentidos.

Eu quero que o leitor de minha arte seja capaz de amar alguma forma de expressão que eu exponha, mas que também se sinta no direito e na liberdade de odiar essa mesma expressão que por um instante amou. Digo isso porque eu necessito que meu leitor se construa e se destrua diante da minha arte, até por que eu sei que meu leitor é um humano sedento por novos sentidos, e por isso mesmo, um incansável aprendiz de si mesmo, variando conflitivamente em suas certezas e em suas subjetividades.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Inclusão da exclusão dá hibridização discursiva

É, pelo menos, curioso o uso do termo ‘inclusão’ numa sociedade de classe. Uma sociedade de classe é sustentada pela exclusão, pois, se esta não existisse, também, não existiriam classes. Isso obriga o pensador a refletir sobre o que os homens querem dizer ao usarem o referido termo. Esse vocábulo de origem latina: Includere - fechar em, inserir, rodear; de IN, “em”, + CLAUDERE, “fechar” pode não significar no ambiente social aquilo que sua força semântica propõe. Incluir uma pessoa deficiente no seio social seria oferecer a esta pessoa todos os direitos e meios para a consecução de uma vida digna. O acesso à comunicação e a educação são elementos fundamentais para que isso ocorra. Por isso, urge a discussão do termo inclusão na escola. O termo tem sido usado por educadores e teóricos da educação como sendo um processo que contempla a diferença não como um afastamento, mas, como um meio de aproximação das pessoas e aprimoramento de suas capacidades. Isso requer uma mudança de paradigma. Pois, tanto o afastamento, como a aproximação são fenômenos norteados pelo bojo cultural. É a cultura quem diz o que deve ser com máxima frequência no seio da escola. Isso pode ser facilmente percebido quando estudamos a história da educação. Em épocas passadas, as mulheres e os negros não tinham acesso à escola no Brasil; eram, portanto, excluídos de seus direitos devido a uma concepção de homem que norteou as mentalidades naquele período histórico. Assim, o termo inclusão, na escola atual, pode estar hibridizado com marcas discursivas que fogem a nossa percepção, pois, nosso país ainda mantém relações geopolíticas muito semelhantes as que fabricaram o conceito de homem na época da colônia. Foi na Espanha, antiga metrópole das Américas, na cidade de Salamanca, em 1948, que se fundaram, definitivamente, os princípios de cunho político relacionados a pratica da educação para pessoas com necessidades especiais. Ficou oficializado mundialmente o termo “inclusão” no campo educacional, de onde derivam expressões como: Educação Inclusiva, Políticas Educacionais Inclusivas e outros. No entanto, não se pode permitir a razão a negligencia de não ver que essa é mais uma palavra importada para o nosso cotidiano. A sua evolução dos afazeres domésticos e cotidianos para uma prática supostamente sistemática e política realizada na escola tem o mérito do cidadão europeu. Nesse momento, a pesquisa realizada entende que o termo inclusão como tem sido posto é ideologia. Ideologia no sentido Althusseriano, ideologia que cria mais ideologia, uma vez que, a mente sendo débil permite devaneios outros que a tornam mais débil. Não se pode negar a veracidade das afirmações de Luis Althusser, mesmo que este tenha estrangulado sua amada esposa: Como Marx dizia, até uma criança sabe que se uma formação social não reproduz as condições da produção ao mesmo tempo em que produz não conseguirá sobreviver um ano que seja. A condição última da produção é, portanto a reprodução das condições da produção. (ALTHUSSER, 1985, p. 09). O que o filósofo francês está dizendo nessa citação é que as sociedades reproduzem seus modelos. Ora, se a sociedade brasileira é capitalista, é o capitalismo que será reproduzido. Se este pressupõe a existência de classes sociais, onde uma classe domina as outras e explora suas consciências e força de trabalho, então, é isso que a Educação fará – reproduzir o modelo em que o sujeito está inserido. Isso leva o pensamento a seguinte questão: “Como o Brasil se apropriou da ideologia ‘Educação inclusiva’?” Althusser citando o pensamento de Marx, escreve que a ideologia é o “sistema das ideias e das representações, que domina o espírito de um homem ou de um grupo social”. Althusser continua: Ora, é através da aprendizagem de alguns saberes práticos (savoir-faire) envolvidos na inculcação massiva da ideologia da classe dominante, que são em grande parte reproduzidas as relações de produção de uma formação social capitalista, isto é, as relações de explorados com exploradores e de exploradores com explorados. Os mecanismos que reproduzem este resultado vital para o regime capitalista são naturalmente envolvidos e dissimulados por uma ideologia da Escola universalmente reinante, visto que é uma das formas essenciais da ideologia burguesa dominante: uma ideologia que representa a Escola como um meio neutro... (ALTHUSSER, 1970, p. 66-67) Ou seja, o conceito de Escola Inclusiva exige o conceito de Escola neutra, pois, essa neutralidade permite que a escola olhe o direito de todos, pois, para ela não há classes ou categorias de seres humanos. Isso não é visto na pratica educacional brasileira. A história de nossa escola – ‘a agência althusseriana do modelo colonial brasileiro’ aponta para uma realidade onde a inclusão permanece como um discurso ou como uma pratica puramente política de adequação as exigências exógenas a nossa realidade. Veja o que diz Ghiraldelli sobre a LDB que está em vigor; é obvio que o custo aluno aumentou, contudo, proporcionalmente a situação é a mesma: Por fim, um aspecto bastante salutar e inovador foi a criação, na letra da Lei, do “Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério”. É certo que o “Fundo” não deu os frutos que poderia dar, pois, por conta de modificações que foram feitas na Constituição de 1988 (note: a Constituição é de 1988, a LDBN de 1996, durante este período a Constituição foi várias vezes sujeita a emendas e, como já foi dito, em um período de inspiração mais conservadora do que quando ela foi promulgada), a União ficou livre decertas obrigações financeiras predeterminadas. Dessa forma, o que se calculou foi que cada aluno tem um custo mínimo de 300 reais um custo baixo, insatisfatório para que, baseado nele, se possa levar adiante uma política nacional da educação condizente com a necessidade do país. (Ghiraldelli, 2001, p. 174) A presente referência de Ghiraldelli nos permite ver duas coisas com relação ao discurso ‘Educação Inclusiva’: A forma como a Europa, sede das colônias mundiais, trata a mesma é diferente da forma de suas ex-colônias (A verba para a educação é mais significativa, o que permite a realização de ações que se transformam em inclusão), no entanto, o discurso é o mesmo, pois, o modelo sócio econômico é igual – A sociedade de classes. O Brasil se apropriou desse discurso de acordo com sua realidade que deve ser vista como uma das formas mais perversas de capitalismo – O capitalismo entendido pela colônia lusitana é o capitalismo da concentração de renda, terra e poder. Nossa realidade permite que um mesmo indivíduo seja proprietário de todos os elementos da cadeia reprodutiva: O capital, a terra, a infraestrutura, a mídia, etc. Retomando a questão anterior: “O que é inclusão no Brasil?” De acordo com autores de textos sobre esse tema, e estes advêm de formações diferentes, mas, que o discutem por meio de uma observação racional da realidade, a inclusão no Brasil é: Para Roiz que faz uma citação do livro de Maria Angélica Peixoto “Inclusão ou exclusão: Um dilema da Educação especial”: “A inclusão nada mais é do que uma forma para o governo diminuir seus gastos com a população assim marginalizando estas pessoas ao dizer que estão sendo incluídas na sociedade”. Maria Angélica não acredita na inclusão, e para ela a inclusão é exclusão. A referida autora citada por Roiz é portadora do título de Mestre em Sociologia. A doutora em educação, professora da Universidade Federal Fluminense, Valdelúcia Alves da Costa discorrendo sobre a formação continuada dos profissionais da educação para a inclusão diz: No Brasil, com o advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (3), n.º 9.394/1996, que em seu capítulo V, afirma a Educação Especial como sendo “(...) uma modalidade de educação escolar, oferecida, preferencialmente, na rede regular de ensino, para alunos portadores de necessidades especiais”, o movimento em prol da inclusão vem sendo discutido e ampliado, mesmo considerando suas contradições ou mesmo ambiguidades. (Costa, 2007, p. 1) A referida autora cita os termos contradições e ambiguidades, o que o professor, mesmo no senso comum percebe perfeitamente quando em sua sala encontra-se um aluno com necessidades especiais. “Como vou ensinar um cego se não temos nada em braile?” “Como vou ensinar uma criança que teve paralisia cerebral sem recursos paradidáticos próprios para isso?” “Como vou ensinar um surdo/mudo se não sei LIBRAS, e qual a motivação se isso em nada alterará no meu rendimento?” “Quem vai financiar minha capacitação e adequação?” Essas são algumas das contradições e ambiguidades. A ilustre doutora fluminense continua: Com base nas narrativas dos professores, mesmo considerando as contradições, é possível afirmar que a maioria dos professores participantes da pesquisa é favorável à inclusão escolar, afirmando, porém, que a organização das escolas é primordial para que a inclusão ocorra. (Costa, 2007, p.3) As citações presente no trabalho ora desenvolvido visam confirmar a tese supracitada de Althusser e confirmam a análise de Ghiraldelli sobre a LDB de 1996. Cada sociedade reproduz seus modelos da forma que entende ser. No caso brasileiro, o tema inclusão é uma ideologia política que visa mascarar a exclusão aberrante, pois, é uma inclusão sem recurso (Ghiraldelli), podemos, então, dizer que com raras exceções, no Brasil, quando se diz incluir é o mesmo que se dizer excluir. As citações tanto da pedagoga Simone Tonoli Oliveira Roiz que resenhou o trabalho de Maria Angélica Peixoto, como as citações do artigo da doutora e professora do curso de mestrado em educação da Universidade Federal Fluminense Valdelúcia Alves da Costa, apontam para uma inclusão sem uma adequação do espaço escolar e do professor como ator no processo. Para Simone, no Brasil a educação inclusiva é de qualquer jeito, para a segunda, a inclusão existe em alguns casos (Rio de Janeiro, onde foi feita sua pesquisa), mas, que precisa de adequação tanto do espaço escolar como dos agentes. Para Valdelúcia, a classe docente deseja a inclusão. Como pensar inclusão num espaço que se supõe ser para isso? Esta é uma pergunta que se faz a escola. A escola, lugar do aprendizado, da socialização do sujeito é visto como o espaço da inclusão, portanto, dizer ‘escola inclusiva’ soa um tanto redundante. Todavia a redundância tem um efeito no psiquismo coletivo: “Estão incluindo o que se não incluía”. A ideologia escola inclusiva é uma forma de causar a impressão de que o Estado cumpre seu dever. Em Sergipe, por exemplo, um aluno do ensino fundamental custa, atualmente, R$1.966,53 ao ano, o que significa R$163,87 por mês. Um aluno do ensino médio custa mensalmente para o estado de Sergipe a bagatela de 196,65. Fazer inclusão com essa verba é um milagre! Mas, não apenas um milagre; é reviver a época da colônia. Esse é um discurso conhecido pela sociedade tupiniquim – “Não há verba para a educação”. “O dever de educar é da igreja!” “Educação é coisa de branco”. Referencias: ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de estado: Nota sobre os aparelhos ideológicos de estado. 3 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985. Jr. Ghiraldelli, Paulo. Introdução à Educação Escolar Brasileira: História, Política e Filosofia da Educação. http://www.teleminiweb.com.br/Educadores/artigos/pdf/introdu-edu-bra.pdf Roiz, Simone Tonoli Oliveira. O DILEMA DA INCLUSÃONA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL. http://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/article/viewFile/539/521 Costa, Valdelucia Alves. Políticas Públicas em Educação no Brasil: Experiências de formação continuada de professores para a inclusão. http://www.uff.br/revistaleph/N10/valdelu.htm

quarta-feira, 6 de março de 2013

MANIFESTO A LOUCURA

O homo sapiens deixou seu habitat natural, rompeu com as amarras de sua natureza animal e criou a civilização. Este animal fascinante conseguiu uma façanha jamais realizada por outra espécie da terra – criar o mundo dos signos ou das representações neuro – psíquicas. Foi nessa realidade que ele percebeu que havia criado algo errado. O homo sapiens anela em seu intimo um contato com o mundo natural mesmo sabendo que o retorno ao seu mundo real é impossível. Vivendo com o desejo de uma volta ao estado natural e, ao mesmo tempo preso às cadeias de suas representações psíquicas o que lhe restou nesse mundo das formas foi a loucura. A loucura é, no presente momento, a condição de todos os homens. Em escalas diferentes a loucura está presente como uma hospedeira em todos nós aguardando um momento singular e significativo para se manifestar. Basta apenas que nossas representações entrem em conflito com o que a coletividade psíquica loucamente chama de sanidade. O conflito pode acontecer pela força de qualquer evento, ou impressão que recebamos do meio externo. As representações mais poderosas são aquelas que advêm do meio linguístico. A nossa fala tanto denuncia que enlouquecemos ou pode detonar, como um gatilho, o explosivo guardado por nossos ancestrais. Os conceitos de certo e errado, de ser e de ter; o medo, o sofrimento causado pelas palavras, etc. é a pólvora que aciona o dispositivo letal da loucura. Com isso não deixo de considerar as condições fisiológicas, as heranças hereditárias, os acidentes que também podem lesar a máquina mental. No entanto, considerado louco pelos demais indivíduos, o aflito não devia ser rotulado por esse adjetivo, pois, dizermos da loucura é uma loucura. Se nossa condição criada pela natureza não é essa que nós vivemos então vivemos outra realidade criada pelos homens o que nos obriga a perguntar: “Até que ponto podemos nós asseverar que a realidade criada por nós é sana?” O ser sano é uma de nossas representações psíquicas como todas as demais, portanto, está sujeita a contradição, pois, foi como tudo mais forjada pelo momento histórico. O estudo da loucura nos leva a essa conclusão. O presente manifesto chama a atenção do leitor para um repensar a sanidade e a loucura e entender que a nossa condição no mundo é de louco quer você acredite ou não.