Neste texto eu pretendo mostrar a importância do uso da arte de vanguarda surrealista na educação para a formação crítica do aluno. No cotidiano escolar encontramos uma formação opressora que impede o aluno de criar. Porém, acredito que a arte de vanguarda, ao estimular a criação, ao mesmo tempo em que encontra sérios empecilhos na educação, pode semear um espírito de liberdade e de autonomia entre os alunos.
Não estou dizendo que só a arte de vanguarda surrealista pode promover a formação crítica do aluno. Obviamente que existem outros recursos para que esse objetivo seja realizado. Além disso, eu penso nessas estratégias dentro da minha disciplina, a Sociologia. Não posso afirmar isso em outras áreas do conhecimento, uma vez que não vivo experiências nessas áreas para saber quais as deficiências do alunado.
Para mostrar os obstáculos e os possíveis caminhos para a arte de vanguarda surrealista na educação, é necessário trazer de forma breve algumas de suas características. O surrealismo, assim como a vanguarda em geral, tem como objetivo questionar os modelos convencionais. Para isso, ela se propõe a apresentar novos modelos a partir de novas linguagens.
O surrealismo se encontra preocupado em transitar entre a esfera dita real e a surreal. Para essa corrente, a realidade vive em uma constante oscilação, alterando-se de forma constante. A realidade, antes de ser uma verdade imutável e única, passa por incessantes processos de combinação. Em outras palavras, a realidade se recria, se desfaz e se refaz o tempo inteiro.
Para o surrealismo, a realidade não existe apenas no plano real ou surreal. Não existe apenas a verdade, assim como não existe apenas a ficção. A realidade é justamente proveniente dessa tensão. Ao mesmo tempo em que se confunde a realidade com a ficção, eles terminam por se interagirem em uma espécie de conflito negociador e de negociação conflitiva.
Por entender a realidade como um misto de concreto e de abstrato, é que o surrealismo questiona a verdade absoluta dos modelos impostos socialmente. Se a realidade é resultado das infinitas combinações, obviamente que os modelos ditos oficializados, assim como qualquer fenômeno pertencente a realidade, devem ser questionados e constantemente recriados.
Com isso, segue a pergunta: por que a arte de vanguarda surrealista encontra profundos obstáculos na prática educacional? O surrealismo, por acreditar que a realidade oscila e se refaz incessantemente, faz com que os modelos impostos como verdadeiros sejam questionados. Além disso, por prezar pela criatividade, a arte de vanguarda surrealista objetiva a liberdade e a autonomia do sujeito.
Contudo, como mostrar a fragilidade dos modelos em um sistema educacional submetido a eles? Como abrir caminhos para a liberdade do aluno, se a própria conjuntura educacional se encontra marcada pela castração técnica dos manuais de aprendizado os quais se preocupam muito mais em ensinar como fazer do que em exercitar o criar no aprender, anulando as subjetividades dos discentes?
Vivemos em um contexto extremamente autoritário. Ao observarmos as práticas pedagógicas desde o ensino infantil, percebemos que os professores insistem em educar as crianças como se elas fossem objetos a serem moldados. Percebemos o reflexo disso quando damos aula para adolescentes no ensino médio. Existe uma dificuldade absurda para se expressarem. Eles não acreditam em suas capacidades criativas.
Ao ceder aos alunos certas ferramentas, ao invés dos professores do ensino infantil abrir espaços para a liberdade e para a formação subjetiva da criança, fazendo-a perceber a importância de sua construção, os professores ensinam como fazer. Nesse sentido, o brilho da imaginação, da criatividade, do encanto com as surpresas da descoberta passam a ser anuladas em prol de um manual.
Obviamente que não podemos pensar nessa formação opressora apenas partindo de uma análise acerca da educação. Vale lembrar que os professores do ensino infantil também são reflexos dessa educação autoritária. Portanto, pensar no medo de se manifestar dos alunos e na metodologia opressora dos professores, é também pensar na nossa formação familiar que também é fundada na base do autoritarismo.
O medo de responder, de participar, de construir, é também um reflexo da opressão sofrida pela cultura construída por nossa cultura familiar, ou seja, a de que as crianças e os adolescentes não têm direito a voz por “não saberem de nada” e por não terem o direito de se manifestar por não serem responsáveis pelo fator econômico do lar. Portanto, os sujeitos vão crescendo com medo de reivindicar.
Para complicar ainda mais a realidade dos fatos, além do autoritarismo educacional e familiar, encontramos uma realidade atual moldada pela sociedade do consumo que faz com que tenhamos a necessidade do imediato. Isso nós podemos notar também de forma bastante evidente nas salas de aula. Os alunos, ao invés de buscar criar caminhos para as respostas, necessitam de modelos prontos.
Temos, portanto, um problema extremamente complexo. Por um lado a formação educacional vinda desde a infância que faz com que o aprendizado seja direcionado ao invés de construído; uma formação familiar marcada por fortes doses hierárquicas nas quais esses alunos não têm direito a voz e uma realidade capitalista impositiva do consumo que os educa ao imediatismo e a busca por modelos prontos.
Os alunos, por não possuírem a liberdade, não aprendem a criar. Pelo fato de serem reflexos de uma cultura familiar autoritária, vão crescendo sem ter direito à autonomia. Por estarem em meio a um sistema que preza pelo agora, não exercitam a reflexão e naturalizam as coisas devido ao imediatismo tomando os modelos impostos socialmente como verdades absolutas.
Voltemos à questão da arte de vanguarda surrealista na educação. Vejamos: modelos absolutos, direcionamento do aprendizado. Todos esses pontos podem ser relacionados com falta de liberdade, ausência da prática da criação, anulação da subjetividade. Levando-se em conta que o surrealismo propõe a liberdade, a autonomia, a criação, como articulá-los dentro da nossa educação?
O surrealismo faz uso da chamada collage. A collage é uma espécie de método que possibilita o sujeito recriar sua própria realidade. Ela se propõe a cultivar o senso de liberdade do sujeito ao deixá-lo aberto para as suas próprias combinações. Com isso, o sujeito passa a garantir para ele mesmo um senso de autonomia, visto que ele é se reconhece como responsável por sua criação.
Juntando a liberdade com a autonomia, inevitavelmente através da collage o sujeito se vê capaz de montar/desmontar seus próprios modelos. Percebendo que foi capaz de construir outras realidades, o sujeito não só passa a se enxergar como dono de suas ações, como questiona os modelos impostos socialmente como verdades absolutas ao invés de apenas reproduzi-los enquanto tais.
Através da collage usando recortes de jornais, por exemplo, o educador pode estimular os alunos a combinarem várias gravuras de acordo com suas próprias escolhas, gerando assim, a liberdade e a autonomia deles. Ao perceber que foram capazes de elaborar novas imagens a partir de outras, reconhecerão que são capazes de criar, de construir, de gerar novas realidades.
O educador pode também buscar outros meios propondo que a partir de uma gravura, por exemplo, os alunos passem a produzir um texto, e que esse texto depois de produzido, seja trocado com os textos dos outros colegas, para que com isso, eles possam desmontá-los, recortá-los. Isso pode fazer com que os alunos reconheçam que os discursos são dados a reformulações.
Com isso, os alunos podem reconhecer que os discursos, antes de se constituírem como uma verdade absoluta e inquestionável, assim como querem fazer acreditar os setores dominantes com as suas ideologias, na verdade podem ser reformulados e alterados como foram os discursos dos colegas. Perceberão com isso que os discursos ditos como verdadeiros, escondem vários interesses de classe.
A arte de vanguarda surrealista, mesmo parecendo andar na contramão das práticas educacionais, pode encontrar caminhos. Com o surrealismo através do recurso da collage, os alunos poderão repensar a naturalização dos modelos impostos como verdadeiros, assim como podem reconquistar a liberdade, a criatividade e a subjetividade amputadas pelo sistema político, familiar e educacional.
A educação enquanto formadora da criticidade do aluno, deve se preocupar em estimulá-lo a criar seus próprios modelos, isto é, sua própria concepção de mundo. É de profunda importância que esse aluno ao buscar o seu lugar na sociedade, passe a questionar esse lugar. Esse questionamento só ocorrerá quando ele tiver a liberdade e autonomia enquanto sujeito.
"A educação enquanto formadora da criticidade do aluno, deve se preocupar em estimulá-lo a criar seus próprios modelos, isto é, sua própria concepção de mundo. É de profunda importância que esse aluno ao buscar o seu lugar na sociedade, passe a questionar esse lugar. Esse questionamento só ocorrerá quando ele tiver a liberdade e autonomia enquanto sujeito.".
ResponderExcluirTenho razões para pensar que um dos mais importantes papéis da Sociologia como matéria de ensino escolar é justamente o estímulo dessa criticidade do alunato. Que os professores sejam como as águias, que empurram suas crias do ninho. O ato de voar é natural, mas o empurrão, em nosso contexto atual, é mais do que necessário. Nosso potencial criativo precisa ser incentivado. E por que não usar o ambiente por excelência de repressão (escola) como facilitador dessa libertação? Que outras idéias como essas se propaguem entre nós. Abraços.
Acredito que nós professores podemos conduzir esse caminho para uma educação mais criativa e reflexiva. Por meio de um plano de aula que priorize esse caminho. A nossa tradição conservadora de influencia católica e positivista limita os alunos que mais tarde são cobrados a pensar depois de tanto mecanicismo.
ResponderExcluir