sábado, 12 de janeiro de 2013

O pagode baiano e a crise da subjetividade

Existe uma lógica bastante recorrente que diz que a arte é reflexo da sociedade. Pensando nessa lógica, acredito que não cabe a nós afirmarmos que o pagode baiano, por exemplo, não traga nenhuma significação construtiva sobre as questões sociais. Na verdade, o que podemos pensar é que ele revela uma sociedade em um processo de desumanização e crise de subjetividade entre os indivíduos.

Acredito que pensarmos sob essa expectativa já nos faz refletir sobre questões referentes às significações sociais, visto que estaremos pensando no lugar do sujeito em meio à sociedade. Refletirmos acerca da desumanização e crise da subjetividade do indivíduo pode fazer com que tenhamos não só alguns entendimentos sobre o que leva as pessoas a consumirem esse tipo de manifestação, como propor estratégias.

A desumanização me assusta muito, pois traz como conseqüência, a falta de reconhecimento do indivíduo como parte integrante da coletividade. Esse não reconhecimento social termina por resultar numa falta de interesse entre os sujeitos em fomentar formas de mobilização entre eles, estimulando o individualismo entre eles, negando-se a enxergar as relações de poder contidas na sociedade.

Essa falta de mobilização também é consequência do consumo, afinal, com o consumo, o indivíduo deixa de pensar em seu lugar no mundo perdendo sua subjetividade, uma vez que se preocupa apenas em ter, isto é, em obter o produto. Na ilusão de obter o novo, os indivíduos não se pensam no mundo, fazendo com que as problemáticas e os conflitos do presente fiquem esquecidos.

Acredito que as palavras de Jorge Mcfly em um belíssimo comentário no facebook esclarecerão o que estou querendo dizer. Pensando o capitalismo, assim se manifestou: “o comodismo causado pelo conforto capitalista, onde trabalhamos constantemente para alcançar metas e supérfluos, torna o ser humano segregável, individualista realmente, incapaz de ações plurais para o bem coletivo”.

Portanto, não acho que eu posso afirmar que o pagode não traduz a subjetividade do indivíduo atual. O que eu acho é que o pagode baiano reflete um indivíduo que anda perdendo sua subjetividade, seu senso de participação, de coletividade e os seus laços afetivos devido à mecanização das relações sociais em meio a um contexto reduzido ao consumo, ao individualismo e à satisfação imediata.

Não sou contra ao pagode baiano nem a qualquer tipo de manifestação artística e estética. O que me preocupa é a falta de reconhecimento que o indivíduo anda tendo acerca da sua subjetividade. É necessário que os sujeitos passem a perceber o quanto são imprescindíveis para a sociedade. Não acho que dançar e consumir o pagode seja errado. O erro está em consumir sem o exercício da auto-reflexão.

Devemos compreender o que levou o indivíduo a chegar a essa apatia profunda, quais os contextos que terminaram por permitir com que o consumo e a busca pelo ter e pelo prazer imediato preponderassem em nossa atualidade. Acredito que essas questões merecem uma atenção bastante cuidadosa para que não cometamos o risco de reduzir o pagode, o seu discurso e o seu público.

O entretenimento pode semear condutas de questionamentos também. Posso me divertir com o pagode e nem por isso deixar de pensar em alguns agravantes contidos em seu discurso como questões de gênero sexual, por exemplo. Posso dançar pagode sem por isso deixar de pensar no automatismo que anda reinando em nossas relações, no mercado, no consumo, na robotização do ser, etc.

Portanto, a des-subjetivação do indivíduo no pagode não significa a inexistência da subjetividade. O que anda ocorrendo é uma espécie de subjetivação em crise provocada não só pela natureza racional e produtivista de um contexto, como também pela necessidade do imediato que tem gerado uma alienação entre homens que, apesar de fazedores da história, não andam enxergando isso.

3 comentários:

  1. Gostei do texto e não faz uma semana que discuti sobre esse tema relacionado ao Funk (mas em uma análise paralela a que você fez) e quando você comentou sobre questionar não só a música mas o contexto em que ela é feita me fez novamente lembrar a resposta de Gilberto Gil no roda viva quando questionado o motivo dele gostar da música baiana "não intelectualizada" (o termo usado pelo jornalista foi esse) e ele responde "como você quer esses meninos escrevam sobre música quântica e religião, como eu fiz nesse cd se eles sequer conhecem o alfabeto". Parabéns e que não tentemos a todo o momento (como faz a maioria) analisar e pensar a música baiana por ela mesma.

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  2. Concordo contigo, Vina. Entretenimento não precisa ser sinônimo de idiotice e falta de reflexão. Acredito que a tendência interpretativa que busca o separatismo como subjetivismo/objetivismo; ciência/religião e homem/mulher e por aí vai... nos levam a concepções por vezes maniqueístas
    que passam de reflexões para dogmas. Portanto, vejo que o exercício da subjetividade passa pelo reconhecimento de nós mesmos na relação com o que acessamos ou que nos é oferecido e qual a importância disso em nossas vidas.

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  3. Parabéns pela reflexão! Apenas sugeriria, pra futuros aprofundamentos na discussão, complementar o conteúdo com possíveis análises de casos. Acho que elas nos ajudariam a compreender melhor como e em quais contextos os principais argumentos por ti elucidados refletem o pensar sobre esta ou aquela parcela da realidade. Também tenho interesse no tema, mas ainda não assumi o compromisso do desafio. Fique à vontade pra encarar! Abraços!

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