Não podemos falar em cultura se não pensarmos nas trocas de valores que são estabelecidas nela. Esses valores são construídos por meio de várias formas de se ver, pensar e agir no mundo de diversas classes sociais e diversas formas de relação de poder. Além disso, a cultura está diretamente ligada à localidade geográfica a qual afeta outras localidades e vice e versa. Como eu disse, não tem como pensarmos em cultura se não considerarmos as trocas de diversas influências contidas nela.
Para mim, esse contágio decorrente das múltiplas influências aconteceu com o chamado Sertanejo Universitário. Vejamos: a música caipira, influência do Sertanejo Universitário, foi forte em um contexto econômico no qual o Brasil era marcado por uma economia rural. Quando ocorreu o processo de urbanização, essas pessoas trouxeram em seu repertório musical, a chamada música caipira. Vale lembrar que essas pessoas chegaram às cidades empobrecidas formando grandes bolsões de miséria.
Lá pela década de 90, a industrialização brasileira já havia atingido um crescimento exorbitante em relação ao período da música caipira. Nessa década, os filhos dos imigrantes rurais, diferente de seus pais, haviam adquirido valores fortemente urbanos devido ao recorrente contato com as experiências fora do eixo rural. No entanto, como a cultura apesar de se transformar, é resultado das combinações dos valores antecedentes vividos pelos indivíduos em seus meios, vemos surgir a música sertaneja.
A música sertaneja, diferentemente da música caipira, nem sempre traz em seu repertório questões vinculadas aos espaços rurais. Na maioria das vezes, ela aborda questões vinculadas às frustrações conjugais, deixando de lado o uso de figuras folclóricas do campo. Acredito que essa necessidade de se abordar as frustrações das relações conjugais de forma compulsiva, deva-se a carência vivida pelos indivíduos em meio a um espaço urbano marcado pelo individualismo e pela fragilidade dos laços afetivos.
Contudo, a música sertaneja, antes consumida por setores desprivilegiados, hoje assume uma nova rotulação, ou seja, Sertanejo Universitário. Por que uma linguagem musical proveniente dos setores empobrecidos passa a se encontrar vinculada a um setor, isto é, o universitário, que tradicionalmente foi marcado por indivíduos provenientes da classe média? Quem são os responsáveis para que essa rotulação seja capaz de atingir altas cifras de consumo como presenciamos atualmente?
Aí entraremos na afirmação que eu fiz de que a cultura é produto de diversas classes sociais e localidades e que afetam e são afetadas por outras culturas. Pelo fato da música sertaneja ser produto dos setores pauperizados e provenientes de um contexto de imigração do campo, daí sua influência da música caipira, os filhos das classes médias ao serem deixados aos cuidados das empregadas domésticas, cresceram infiltrando esses valores musicais que terminaram desbancando no chamado sertanejo universitário.
O mercado que de idiota não tem nada, ao observar a grande tendência dos setores tradicionalmente privilegiados da classe média em consumir esses produtos, manteve algumas características da música sertaneja como os discursos amorosos, agregando em seus artistas uma indumentária extremamente urbana e pop. É isso: o sertanejo universitário não é nada mais nada menos do que uma inevitável tendência do setor médio se apropriar de culturas oriundas dos setores populares.
Como se percebe, a cultura, a partir das experiências decorrentes das diversas formas de socialização entre diversas classes sociais e diversas localidades geográficas, termina se transmutando em seu processo de misturas constantes. E como podemos também notar, em meio a essas misturas, aparecem fortes mecanismos econômicos como o mercado que, aproveitando-se dessa inevitável combinação cultural, classifica novos gêneros como forma de expô-los nas vitrines do consumo.
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