Ontem eu fui tomar umas no boteco Traseiro da Estratosfera para aliviar meus problemas e me deparei com minha amiga Josellen Bolucha. Pra variar, batemos um longo papo acerca de diversos assuntos polêmicos tratados em nosso contexto atual. Selecionei o nosso papo sobre os preconceitos e as hipocrisias sociais para discutir em meu texto desta semana aqui no torto.
Eu e Josellen temos semelhanças: somos duas baleias e sofremos preconceitos. Bolucha argumentou sobre a necessidade que a sociedade tem de optar pela hipocrisia ao construir discursos contra os preconceitos sem agir de acordo com esses discursos. Com isso, questionamos o limite da sinceridade de certas políticas da diferença tão comuns em nosso dia a dia.
Observamos que existe uma relação ambivalente no que se refere à aceitação e à negação entre as próprias categorias excluídas. A inclusão é exigida por quem se vê excluído, mas o excluído é também produto do meio e apreende os valores sociais como qualquer outro. Se por um lado ele nega os valores oficiais, por outro, ele quer esses valores legitimados pela sociedade.
Exemplo: o gordo, por se sentir excluído, defende-se para garantir os seus direitos em meio à arena política e pública. Contudo, o próprio gordo é educado a enxergar no não-gordo a alavanca para uma autoafirmação, um prestígio na hierarquia estética. Não é por acaso que muitos gordos não desejam os gordos, mas sim os que estão dentro de um padrão estético aceitável.
Óbvio que escolhas estéticas são próprias a cada um. Não é por que os gordos devam ter seus direitos garantidos que necessariamente eles não possam optar por outros padrões estéticos. No entanto, para mim, os valores sociais possuem um grande peso em nossas opções, mas infelizmente as categorias marginalizadas necessitam insistir em um discurso hipócrita.
A forma como expomos nossos discursos contra os preconceitos parece que prática nós de fato não temos preconceitos. Contudo nós temos. A diferença é que nos utilizamos de termos com o intuito de amenizarmos preconceitos. Ou seja, não podemos nos referir ao gordo por baleia, mas preservamos nossos preconceitos quando os não-gordos é que nos atraem.
Temos que reconhecer que apesar do fim dos preconceitos ser o Ideal, nós aprendemos ao longo de nossas vivências na cultura a classificar as coisas como melhores e piores, e os preconceitos não serão eliminados pelas simples substituições dos termos, visto que eles se mantêm em nosso imaginário construído ao longo da nossa experiência com os valores sociais.
É claro que ao interagirmos principalmente com quem não temos uma intimidade, nós agimos por conveniência, pois se inevitavelmente temos nossos preconceitos por introjetarmos algumas classificações sociais, por também nós sabermos que socialmente o preconceito é desagradável, nós evitamos fazer com que o outro entenda nosso ato como um preconceito.
No entanto, uma coisa é o uso de determinados termos como caracterização, outra coisa é a utilização desses termos como formas de discriminação. Posso dizer: pegue o dinheiro com aquela gorda como forma de utilizar as características dela para orientar a quem eu estou pedindo que pegue o dinheiro com ela. Outra coisa sou eu distingui-la como forma de inferiorizá-la.
Eu e Josellen Bolucha chegamos a uma conclusão: uma coisa é exercitar uma convivência com a diversidade cultural, outra coisa é dizer que estamos aptos em aceitar todos os excluídos. Por isso mesmo eu não intimido em utilizar termos proibidos pela hipocrisia do politicamente correto. Chamo os outros de baleias, de pretos, de bichas, de pobres e de aleijados.
Depois de muito papo, levantei-me para dar uma mijada, olhei-me no espelho do banheiro e disse: baleia. Ao perceber que eu estava bêbado, fui ao balcão pagar pelas minhas cervejas, afinal, não pago conta de seu ninguém, e resolvi seguir para o meu doce lar. Ao sair do bar, logo me esqueci de Josellen Bolucha ao me deparar com uma rabuda não-bolucha. Comecei a sonhar...
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vina,
ResponderExcluirgostei da sua alegoria remetendo a atitude humana mais decadente que ter preconceito: a hipocrisia em afirmar que nao tem ou que pelo menos luta para nao ter preconceito. Sabemos que isso nao existe, no dia que acabar o preconceito para gordos, inventaram quem sabe um preconceito para magros. enfim, enquanto nao acaba, estamos ai amando os atleticos inchados e odiando quando um pneu cresce ao redor da nossa cintura.
No entanto, vejo o ser humano um ser ,antes de tudo, essencialmente contraditorio. Temos tesao pelos gostosoes, mas de vez em quando um gordo ou uma gorda aparece na nossa cabeca. Nao por desejarmos conscientemente ou por sermos livre de preconceito,mas por amamos antes de tudo o torto e o obtuso. Pensamos no grotesco, tao considerado pelas revistas de moda, para atingirmos o orgamos mais rapido, que elas esquecem de apontar isso. Acredito que o senso comum, as vezes, carrega alguns sentimentos humanos, colocamos defeito por que no intimo queremos comprar.
um beijo
Maira
ResponderExcluirConcordo. Eu mesmo não acredito que nao haja na sociedade quem goste do corpo de barriga atlética de banhas, até por que, se assim fosse, eu não teria tido experiências com garotas não-gordas. Agora nós temos que admitir que em geral, o discurso da bela forma, é o discurso que paira na maioria das pessoas. Todo mundo é igual o caralho!! Vá uma gostosa top de linha casar com um anão! Um esportista casar com uma garota com duas pernas amputadas! Como eu disse anteriormente, é claro que existem exceções, no entanto, vamos convir que entre as exceçoes, a regra geral é muito maior para esses casos. Eu mesmo adoro mulheres gostosas, e se muitas vezes deitei em minha cama pra bater uma punheta, foi pensando em um corpo bem distribuido. Agora fica ai um discurso de gente frustrada que na prática comete o ato de forma contrária ao discurso. É só discurso pois enquanto isso o que vejo são pretos querendo comer brancos, brancos querendo comer pretos (mas apenas comer... é fetiche), bichas falando mal das bichas, pobre querendo casar com rico, o rico comendo o pobre, claro que apenas quando levanta a saia da doméstica em sua casa enquanto ela limpa seu prato sebodo de macarronada e por ai vai.
bjs
concordo isso pela via do discurso moral, preponderante da sociedade. mas como vc citou uma palavra que descreve muito sobre o q eu acredito: o fetiche, ele distorce e muito as nossas atitudes e a partir dai chega a culpa. Comi um pobre e vou dormir cheia de culpas e assim vai.Gostamos e muito do corpo distribuido, mas o nao distribuido, sem pernas , bracos e desdentados algumas vezes, nem q seja a minoria dos casos, sao muito desejados. Ai onde se encontra a falha do discurso dominante. Ele alcanca, penetra em profundidade, mas nao preenche as laterais consistentes de excecoes.
ResponderExcluirbjo
Mai,
ResponderExcluirEu acho que devemos olhar duas questões que foram levantadas de forma separada uma da outra. Existe o discurso dominante que prega o desejo pelo belo e se esqueçe de avaliar os gostos das minorias; mas também existe o discurso dominante que faz parte de um discurso da maioria mas que é aplicado apenas por uma minoria. Tentando esclarecer: de fato existem pessoas, apesar de minorias, que se direcionam para buscar aquele gosto que é encarado pela maioria como não-aceitável; no entanto, politicamente o discurso dominante assume um outro lado, e esse lado é justamente o do discurso que é construido com a intenção de nos convencer que todos possuem suas belezas, seja o magrelo, seja o malhado, porém, nesse segundo tipo, justamente é o grotesco que você fala que é repudiado e não almejado.
bjs
Vina,
ResponderExcluir"e os preconceitos não serão eliminados pelas simples substituições dos termos, visto que eles se mantêm em nosso imaginário construído ao longo da nossa experiência com os valores sociais."
Perfeito!
Quanto a parte final, me sinto sempre numa corda bamba com relação à terminologias menos e mais aceitáveis, e minha disposição para com interpretações do que seja hipócrita ou sincero. Concordo que boa parte dessas resignificações não passam de eufemismo ineficaz, no que tange à concretude do que intentam: amenizar a carga pejorativa da designação e, por conseguinte, o preconceito em si. Refleti sobre aspecto similar após uma aula de antropologia, acerca das relações entre "aculturação" e "hibridização cultural", tal como "raça" e "grupo étnico"...
Concordo com o texto do excelentíssimo amigo e com os que ele concordam subsequentemente. Gostaria apenas de deixar a observação de que talvez o próprio "policiamento" intríseco ao politicamente correto já signifique algum avanço, ao menos em termos de problematizar o preconceito. O que, em épocas outras, talvez fosse inimaginável. Nenhuma revolução vem a galope. Aliás, acredito, outrossim, que há uma relevante diferença entre o status de veracidade da afirmação "o preconceito sempre existirá" para "o preconceito em relação a fenômeno Y sempre existirá". Afinal, os próprios padrões estéticos já passaram por revoluções no mundo ocidental.
ResponderExcluirAbraços a todos!
Josua
ResponderExcluirObrigado mais uma vez por suas complementações. Sim, é importante avaliarmos melhor isso que você expos, afinal, preconceitos fazem parte da vida humana, até por que, a partir do momento em que a cultura estabelece classificações, estas já implicam hierarquias e hierarquias são diferenciações entre o que é melhor do que não é. No entanto, não há como negarmos que o fato de se estar no politicamente correto já significa um grande avanço, apesar de sabermos que não é por que o preconceito se é discutido que de fato ele é pensado, porém, realmente não podemos deixar de amitir que só em olharmos as coisas sem o direito da segregação como tinhamos antes já é um grande passo como você bem chamou atenção.
abraços
Lou,
ResponderExcluirEu entendo a sua duvida em relação ao uso de determinados termos, até por que eu sinto também essa dificuldade em muitas ocasiões. É como eu disse: existem certas circunstâncias que nos obrigam a agir de acordo com as etiquetas sociais. Mesmo que eu saiba que o fato de eu chamar alguém de gordo não seja por intenções depreciativas, não significa dizer que determinado gordo ao me ouvir chamá-lo de tal forma, aceitará normalmente o termo, afinal, ele como produto do meio, sabe que o ser gordo é algo que implica posições sem prestígios na sociedade. Acredito que por enquanto, o que vale é tentarmos entender de uma vez por todas que não necessariamente é o uso do termo que nos faz preconceituosos.
abraços