segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Orgasmo Feminino

Atualmente, muitas mulheres encontram prazer nas relações sexuais, mas muitas desconhecem o orgasmo. Embora não constitua toda resposta sexual, a ausência do orgasmo impõe um limite à realização da mulher. Quando o último grau de excitação não se faz revelado, ele deve considerar as expectativas na relação sexual.
Ainda está presente o estereotipo da mulher “frígida”, incapaz de sentir o clímax na relação tão esperada pelos seus parceiros. Mas isso não passa de desconhecimento do seu próprio corpo que esse, por muito tempo, foi visto como algo sacralizado. Sacralizar aquilo que é meio para explorar grandes sensações é criar fronteiras para descobrir algo tão peculiar na alma feminina: o uso do prazer como sendo um pouco de revelação de si mesma.
Podemos perceber que nos últimos tempos houve uma maior permissividade em discutir esse assunto através de meios midiáticos, científicos e populares. Isso proporcionou uma mudança discursiva capaz de repercutir diretamente nas práticas sociais. Essa mudança de percepção para com o uso do seu próprio corpo em busca do clímax com seu parceiro no ato sexual, foi fruto das revoluções, feminista e sexual, ocorridas na década de 60 nas grandes cidades dos países ocidentais industrializados que solapou paradigmas em que a mulher estava sob condição apenas para satisfazer o seu parceiro.
A sensação do orgasmo não cabia mais para as mulheres ousadas correspondente a uma porcentagem mínima, mas uma conquista para todas que nos últimos tempos foi motivo de uma certa preocupação. Isso porque o intenso prazer é emblemático em uma sociedade tão pueril quanto a nossa que se preocupa satisfazer seus desejos tão rapidamente. O fluxo de informação e o reconhecimento do orgasmo feminino na esfera popular caminham em duas velocidades: uma de possibilitar a mulher ter acesso a descobrir o seu corpo sem culpa, a outra traz a ela frustrações quando não conseguem realizar a tal sensação.
Como o prazer em nossa sociedade está intimamente ligado ao poder, assim afirmava Foucault, os indivíduos se reconhecem como sujeitos de uma sexualidade que abre para conhecimentos diversos e se articula num sistema de regras e coerções.

Procedimentos metodológicos


Essa pesquisa etnográfica foi realizada com finalidade de captar os pensamentos, os valores, enfim, as representações que as mulheres têm sobre sentir o orgasmo com os seus parceiros, podendo ser em uma relação casual ou estável.
Afim de conhecer um pouco mais sobre a sexualidade feminina, principalmente o orgasmo, contactei com mulheres dispostas a revelar um pouco mais sobre sua sexualidade, pois essa questão ainda se mostra pouco viabilizada, por existir uma pressão social que circula em torno dessa esfera.
As primeiras dificuldades encontradas foram na busca pelos artigos científicos publicados na internet. Visitei o site de busca, Google, e não encontrei qualquer pesquisa de teor acadêmico que me pudesse orientar não só teoricamente, mas através das idéias defendidas me possibilitar ter insights de como eu poderia proceder na minha ida a campo.
Então, para viabilizar a minha pesquisa, procurei uma estratégia que pudesse atravessar o universo consensual dessas mulheres. Dessa forma, a prática dessa pesquisa foi fundamentada na Teoria de Representações Socais de Moscovici, a qual explica que existem formas diferentes de conhecer e de se comunicar, guiadas por objetivos diferentes, formas que são móveis, e define duas delas nas nossas sociedades: a consensual e a científica, cada uma gerando seu próprio universo. Optei pela forma mais consensual de me comunicar com essas mulheres, ver o seu universo através de um diálogo popular que tornasse a nossa comunicação mais horizontal o possível. Eu e a pessoa entrevistada não demarcaríamos na nossa relação um status diferenciado de pesquisador-provido de saber especializado- com o entrevistado, mas duas pessoas que através de uma conversa informal poderiam refletir as suas vivências e, assim, compartilhar valores.
A minha ida ao campo não apresentaria uma entrevista, mas sim um dialogo, que no decorrer, dependendo de como elas se disponibilizaram para a conversa, eu iria apresentando tópicos com formulações momentâneas, que dependia do uso do discurso que cada uma apresentava.
Para iniciar a conversa, eu aquecia revelando qual eram os propósitos da pesquisa e falar sobre meu entusiasmo sobre a temática e explicitava interesse como elas pensavam sobre o orgasmo e quais eram as suas expectativas em relação ao parceiro. Primeiramente eu iniciava com discussões sobre o prazer sexual, pois percebia que falar de orgasmo requer uma intimidade maior na conversa, mesmo que essas falassem de uma maneira mais generalizada, como por exemplo: “as mulheres de maneira geral...” .
No primeiro momento pensei em realizar uma entrevista em grupo, mas não deu certo devido à falta de imcompatibilidade de horários entre elas. Então, fiz entrevistas individuais com 5 mulheres entre a faixa etária de 39 a 64 anos, em locais escolhidos por elas como casa ou parque. A duração da conversa girava em torno de 25min a 1h e 30min, dependendo da sua disposição.
Sendo colegas de curso de pintura, essa característica deu outra dimensão para o meu trabalho: a primeira barreira que eu iria encontrar- estabelecer um contato amigável, que poderia não vingar, caso fossem desconhecidas- não existiu. Todas elas que me direcionei para executar o meu trabalho, apresentaram uma boa receptividade e muito disponível para conversar sobre o assunto, mesmo que em graus diferentes.
A análise que pude fazer foi através de reflexões com as teorias que abordei, em especial O Relatório Hite de Shere Hite (1976) por seu uma pesquisa que mais se aproximou do que eu queria me aprofundar. E através dessa pesquisa pude tatear quais as mudanças nas representações apresentadas sobre essa temática da década de 70 até os dias atuais.




Diário de Campo


Segundo o depoimento delas, algumas se abstiveram em aprofundar muito nessa questão, a intensidade do prazer sexual é um termômetro para avaliar a possibilidade de uma mulher sentir o orgasmo. Ele é visto como uma sensação última que nem sempre é alcançado e a maioria afirmou que logo após essa sensação, precisava de um pouco de descanso para logo em seguida iniciar, quando tem tempo, uma nova transa.
Quanto à descoberta do orgasmo, a cultura como nós mulheres fomos influenciadas para construção de nossos valores implicou diretamente na sexualidade. O desconhecimento de nosso próprio corpo adiou essa sensação e que muitas vezes nos pegamos com a seguinte dúvida, a qual foi levantada em uma das entrevistas “na verdade, o como é que sente o orgasmo?”, “somente pela masturbação?”, “e na penetração é possível?”
Equiparando como se procede a cultura sexual masculina, concordamos que existem poucos diálogos entre as mulheres, pouca informação sobre essa temática nos livros, embora ultimamente tenha se difundido bastante no meio midiático e a cultura fortemente patriarcal impediu que a mulher ousasse um pouco mais na sua relação sexual. E isso produziu um certo receio de explorarmos um pouco mais na relação para ir em busca do clímax sexual. Mas mesmo assim, o tabu em torno da sensação que nos provoca êxtase não nos impediu de alimentar a nossa curiosidade indo em busca de livros, revista (como Nova , Claúdia e Marie Clarie) e filmes eróticos, não pornográficos, para logo comparar com a nossa realidade.
Na educação familiar, teve alguns contrapontos. A maioria delas, 3 especificamente, revelaram que a educação conservadora impediu muito para as suas descobertas sexuais: “estudei muitos anos no colégio religioso”, “a sensações do corpo eram algo perigoso”, “minha educação é assim, conservadora”, “meu pai era muito oculto na minha formação sexual”,“sexo era sujo”, “se prezava muito a virgindade, quando se disvirginava com seus maridos, o corpo ficava coberto”. As outras revelaram: “nunca tive problema com isso, meus pais eram bem abertos comigo”, “minha mãe me esclarecia muito quanto ao sexo, me explicava tudo direitinho”.

Quanto ao conteúdo informativo que é passado para nós é de grande importância para aprendermos um pouco mais e assim ser mais “performática” no sexo para ir ao encontro do orgasmo. Embora seja às vezes apelativo para algumas, dizendo que “não acredito nessas histórias que contam” “falam de orgasmo como se sente de maneira rápida e muito fácil”, “acho bom, mas muito exposto, tem certas coisas que só se faz em quatro paredes, não se deve revelar”. Algumas delas revelaram também que os filmes eróticos excitam muito e ajudam as mulheres a inspirar a criatividade, diferentemente dos filmes pornográficos, que altamente machistas, pois colocam a mulher como condição de “instrumento” de prazer para os homens: “filmes pornográficos nos ajuda visualmente”, “os eróticos despertam sensações mais profundas, o que é mais importante despertam fantasias”, “tem uns abestalhados que acreditam que no filme pornográfico as mulheres sentem orgasmo, como podem acreditar nisso?”, “essa cachoeira que falam é mentira, através desses filmes”, “tudo isso é mecânica e fingimento”.
Foi unânime a descoberta do orgasmo com o parceiro. A conversa que tinha com ele era muito mais aberta que entre amigas, já que elas se mostravam muito fechadas e às vezes providas de um falso moralismo: “eu descobri o orgasmo com meu parceiro, já que na minha educação não existia isso”, “as duas pessoas vão se conhecendo daí gera o prazer”, “converso tudo com meu parceiro, sobre fantasia, orgasmo meu e o dele”, “entre nós mulheres é difícil uma conversa aberta”, “acho que muitas mentem, fingem não saber muita coisa sobre isso”.
A maioria admitiu que para sentir o orgasmo, é necessária uma relação afetiva com o parceiro. Isso porque há um comprometimento maior entre os dois na relação e uma sintonização eficaz do parceiro com os seus próprios desejos. Desse modo, elas afirmaram também que o homem precisa de experiência, não somente a “mecânica”, o ato em si, mas de toque e preliminares. Houve também quem afirmasse que o orgasmo só se encontra não relação mais “selvagem”, pouco amorosa, em que envolve sussurros, leve agressão física, como “tapinhas” e “encostar na parede” e referir a mulher com termos “gostosa”. E não necessariamente envolvia uma relação afetiva e estável, poderia encontrar com um desconhecido: “para eu entrar no clima, o homem tem que ter uma pegada boa, tem que me chamar de gostosa!”, “qualquer um pode dá orgasmo a mulher, eu acredito que ele tem que ser bom de cama”, “ter cara de macho é fundamental, não precisa ser bonito”,”ele tem que me deixar ser mulher, me deixar fazer acontecer, me deixar por cima”, “o toque é fundamental, as preliminares, ele precisa ter noção disso, eu acredito que só é possível dentro de uma relação afetiva”, “o homem tem que ter sensibilidade no toque e saber esperar a mulher, não fazer dela um deposito de espermas”.
As mulheres precisam de um pouco de experiência também, afirmam elas, tendo uma noção do próprio corpo e ser bem resolvida (ter auto-estima): “pra mim o orgasmo foi uma conquista pessoal”, “a mulher precisa ter se tocado antes para conseguir chegar ao orgasmo”, “ela precisa se sentir linda e mulher para não ter vergonha de se manifestar diante do parceiro”, “a mulher tem que se dispor na relação emocionalmente e psicologicamente”, “eu não sou a favor da mulher ter várias relações ao mesmo tempo, mas ela poderia ter vários parceiros para ter experiência, para saber qual é o homem certo para ela”, “o problema é que a sociedade exige que sejamos uma lady, mas tem na verdade temos que ser puta na cama”, “a mulher não pode ter vergonha do próprio corpo”.
Isso também ira colaborar com as fantasias femininas, sendo um indicador de afinidade com seu parceiro. As fantasias são importantes, para dá dinamicidade no sexo e a partir daí ser um pré-requisito para o clímax sexual. Estando presentes imaginações com outros homens, como sendo ideal para aquele momento, ou situações de perigo e o ato em “si”. Essas constatações se mostraram presente em fala de algumas mulheres. Também foi mencionado outro ponto de vista, a fantasia como sendo perigosa, pois ponde afastar a realidade do relacionamento da mulher: “para chegar aquele instante, eu preciso pensar o ato em si, na mecânica, o encaixe dos órgãos”, “o sexo precisa de tempero, preciso pensar em uma situação picante”, “qual a mulher que não fantasia?, eu não acredito que nos vamos pensar na hora no nosso companheiro o tempo todo”, “existe sim a presença de outro homens nas nossas imaginações, como existe nas deles também”, “fantasia é muito perigoso, a mulher precisa ser forte, ela remete a uma situação virtual, se ela não conseguir realizar na prática, ela se frustrará”.
Outro tópico que mencionei foi sobre o fingimento do orgasmo na relação com seus parceiros. A maioria acredita que as mulheres fingem orgasmo para os seus parceiros, porque eles mesmos se sentem gratificados quando elas sentem o êxtase na relação. Elas dizem que isso significaria para eles como um denominador para revelar a sua potência no sexo. Outras defendiam que fingir orgasmo é ilusão para elas mesmas, pois o orgasmo não existiu para elas e sim para seus parceiros: “terrível fingir!, nunca precisei disso”” meu marido vibra muito quando eu orgasmo, mas da minha parte é verdadeiro”, “ela está se enganando e sendo submissa a ele”, “acho que ocorre sim , o fingimento, eles cobram muito, e às vezes a mulher para se livrar logo ou porque fica sem jeito acaba fingindo”, “elas fingem para enganar eles!, para ter poder!”
Finalmente, o orgasmo é importante para elas, pois revela a intimidade com o seu parceiro e a fluidez na esfera sexual. Todas que se permitiram falar sobre como sentem orgasmo afirmaram que é preciso do auxílio do parceiro ou dela mesma para se masturbar, fora isso elas acreditam que não exista orgasmo pela penetração apenas. Para isso, elas afirmaram também que precisa se sentir muito à vontade com o parceiro independente de uma relação casual ou não. Assim a sensação de ter orgasmo com o determinado parceiro revelará maturidade e experiência na relação sexual: “só consigo me masturbando, para depois sentir orgasmo na penetração”, “me masturbo simultaneamente enquanto faço sexo”, “exijo do meu parceiro o orgasmo, toda vez que transo, quero me sentir mulher”, “sentir orgasmo é encontrar satisfação e felicidade”, “me satisfaço plenamente com o meu parceiro, isso é o combustível para a minha sensação de orgasmo”.



Considerações finais


“Costumo comparar a relação sexual como uma refeição, é diferente você comer para saciar a sua fome e você comer apreciando o prato, saboreando todo o tempero da comida”


Pude perceber através desse trabalho, o quanto o orgasmo transcendia a sensação meramente física e individual. Refleti, juntamente com elas, que o orgasmo é o reflexo do bem estar feminino com o corpo, a mente e a interpessoalidade. Cada uma trouxe questionamentos, afirmações sobre suas experiências que pôde compartilhar comigo suas representações atreladas a seus valores e suas crenças.
Sentir orgasmo significa ter domínio do seu corpo e reflexo da sua libertação que por anos era uma sensação que somente cabia ao homem e que a mulher não poderia exercer esse papel, era “pura demais” para sentir algo tão pecaminoso. Isso trouxe impacto para vida sexual de todas as mulheres, abriu uma possibilidade de se posicionar diante da relação sem ter culpa, sem ter receio de ser rotulada de “vulgar”. Mesmo com todas essas conquistas, ainda sofremos preconceitos quando ousamos em falar um pouco da nossa intimidade ou nos mostrar “experientes com o parceiro”.
Concordamos no seguinte aspecto que a liberdade sexual que nos trouxe hoje parece ter trazido a mulher uma relação distorcida com o seu próprio corpo. Ao mesmo tempo que houve um afrouxamento nas pressões sociais quanto o papel feminino no sexo, dando liberdade de escolha do parceiro sexual no relacionamento, essa excessiva liberdade implicou distância de sintonia com o parceiro que implicava no adiamento constante de sentir orgasmo.
Mesmo com todas as dificuldades apresentadas, é necessário discutir mais a sexualidade feminina e a partir daí provocar mudanças nas suas representações produzindo novos significados que possam reverberar nas praticas sociais.


*Pesquisa realizada em Agosto de 2008

2 comentários:

  1. É... Cultural -> Social -> Psicológico -> Fisiológico...

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  2. Concordo Lou. Dificil de identificar a origem do ponto G, isso e, se existir algua origem.

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