terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

A árvore

Estava eu hoje deixando esquecer meu olhar na luz que traspassava as brechas das sombras daquela árvore. Sim, aquela árvore é o que agora quero que me pertença. Quero que me pertença, pois justamente me dou o direito que qualquer coisa a mim pertença por eu saber que a mim nada pertence.

Se lembro das saudades que soaram dentro de minha alma enquanto eu ficava a dançar sob o silêncio místico de seu olhar? Óbvio que me lembro, assim como tenho para mim que a saudade, o silêncio e o olhar foi meu. Mas por eu saber que nesse exato momento o brilho de meu olhar se encontra naquela árvore, tenho que reconhecer que o canto que eu grito às vezes não sinto ecoar em mim, pois tudo que tenho se esvai pelas minhas mãos.

Não, não é por que eu não queira esse canto! Não! Tudo isso se deve ao fato de eu querer sonhar, alimentar mais sonhos, querer mais sonhos, morrer pelos sonhos e sonhar e sonhar e não consegui me convencer de que o que se encontra envolto dessas mãos imundas e cientes não passam de vultos que circulam essa casa tão grande do além de mim.

É por isso que me lembro dessa dança, pois sinto o quanto ela percorre o meu peito, escorre em minhas mãos, circula em meu sangue e escorre em meu suor. O medo, a expectativa, a ressalva, o querer desnorteado, tudo isso foi surpreendente e marcante em meu peito e nas dolorosas representações que eu sentia me preencher naquele momento, naquela dança. Tudo está guardado em mim, mas nem tudo que eu gosto de guardar eu hesito em jogar fora.

Nesse momento, meu olhar ainda se perde naquela árvore e essa árvore cada vez mais se faz inspiração, alegria, se faz vida diante de tudo que eu tenho delimitado por entre as quatro paredes que aqui me cercam. Vejo-a e ainda fico a fitar as sombras, as brechas, as folhas. Vejo-a e sei que a sinto em mim, mas só a vejo, pois ela se encontra diante de mim apenas com o que eu quero que esteja adiante de mim e nada mais.

A árvore só está ali e eu estou aqui e entre aqui e ali está alguma coisa.

6 comentários:

  1. A forma como você lida com árvores eu só lido com raríssimos seres humanos!

    Da série: você não sabe diferenciar um discurso metafórico de um literal. =P

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  2. Lou

    Acredito que essa é a relação que eu estabeleço com qualquer coisa. Não tem jeito, mas eu não consigo perceber nada de real entre o mundo a nossa volta. Podem me taxar pejoratvamente de fenomenológico, mas realmente eu fico a pensar que tudo que sentimos, apesar de parecer bastante real, nao passa de criações culturais. A amizade, a verdade, o ódio, tudo isso não passam de invenções humanas. Tudo que tocamos se encontra dentro da ideia que fazemos e nada a mais. Tudo está a nossa volta, mas tudo se encontra alheio a todos nós. Tudo não passa de ideias que fazemos das coisas. A beleza, a justiça, por mais que possuam valores sociais, não deixam de ser distâncias intermediadas por sonhos e por mais um medo de um inevitável novo fracasso. Realidade significa sucessão de representações e de erros.

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    1. Sim. Entendo, na teoria, um tanto desse modo, embora traga muito pouco da teoria para a prática, quanto a esse quesito em específico. Simpatizei bastante com o último parágrafo, que converge, de certo modo, com o que prefiro/tendo a sentir perante o que é externo a mim, salvo exceções raríssimas, como antes dito.

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    2. Obviamente que eu não parto da ideia de que a realidade é uma mentira. Sabemos que cotidianamente a gente atua de acordo com a ideia que nos ensinaram acerca dos valores. Não há como negarmos que não hajam situações objetivas em nosso cotidiano. Contudo, acredito que esse "real" provém de uma idéia que fazemos dele. Ora, dizer que não existe injustiça, desigualdade, fome, seria um absurdo! No entanto, se dissermos que tudo isso não seja uma criação, uma carga de valor que damos as coisas também acho um absurdo. Tudo é uma questão do que se classifica. Se a fome fosse algo vinculado ao rico, todos buscariam a fome e não a falta dela.

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  3. Foi um momento de muita sensibilidade do peta Vinícius. A árvore nada mais foi que um gatilho para fazer a alma do poeta falar. Encaro a arte com muito entusiasmo quando ela brota sem pedir licenças. Sem mais comentários.

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