terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Educação sisuda

Estava me lembrando de uma situação vivida por mim enquanto docente. Eu estava na sala de professores, mas não estava suportando o papo que rolava entre eles. Como era o horário do intervalo, resolvi me sentar com um aluno no chão do pátio. Meu interesse naquele aluno se deveu ao fato dele estar tocando violão e por ele fazer parte do grêmio estudantil. Aproveitei e fiquei a dialogar com ele acerca da relação entre a produção musical no Brasil com a política cultural.

No entanto, fui chamado pelo coordenador. Pensei que me falaria sobre algum projeto, mas não. Ele me chamou atenção para o fato de eu ficar sentado com um aluno no chão, pois ficava desconfortável para a coordenação se um pai de aluno chegasse e me visse daquela forma com um aluno, além de me dizer que os alunos poderiam me desrespeitar enquanto professor pelo meu comportamento, uma vez que era importante que as relações ficassem mais definidas entre a gente.

Confesso que cheguei a questionar acerca de meu comportamento, mas logo depois aquilo tudo se tornou bastante confuso. Nossa, eu estava apenas batendo um papo! Não sabia ele que aquele papo tinha me inspirado levar um debate para a sala, visto que eu discutia com meus alunos sobre cultura popular, cultura de massa e folclore. Ora, uma discussão referente à relação do elitismo da intelectualidade com a arte seria de profunda importância para esclarecer o assunto.

Pergunto: será que se eu ficasse na sala dos professores falando sobre aumento salarial eu teria a inspiração que tive? Como eu poderia afirmar que aquela minha conduta poderia ser vista como prejudicial para o meu conteúdo que pensei em expor na sala de aula? Será que os pais não me agradeceriam? Será que eu levando aquelas problemáticas eu retiraria meu papel de professor e os alunos me desvalorizariam por aquilo simplesmente por que eu me sentei no chão com um deles?

Eu fico extremamente indignado com as colisões que eu encontro entre o discurso pedagógico e a realidade dos ambientes educacionais. Ora, no discurso as teorias pedagógicas querem ser livres, querem que a gente trate os alunos de forma igual, querem que os alunos se sintam capazes de enxergar o educador como um profissional capaz de possibilitar o diálogo. O discurso geralmente se encontra recheado de liberdades de expressão, contrário a um ambiente educacional sisudo.

Por outro lado, o que eu observo é que o ambiente educacional é sisudo. Não há como negar que apesar do discurso exigir uma mobilidade maior nas relações estabelecidas entre professores e alunos, nossa educação é caretinha pra caramba. Nossa educação se caracteriza pelo forte autoritarismo, por uma estúpida idéia de perfeição limitada a modelos de comportamento. Tudo se resume a tentativa de manter as coisas dentro de uma ordem que cheira a hierarquia.

Não achem que eu sou a favor da liberdade sem limites. Sei que a vida exige um compromisso, e inevitavelmente precisamos dos limites, ou seja, precisamos dos códigos de comportamento e de hierarquia. Contudo, existe uma grande diferença entre aceitar a organização das coisas e as funções delegadas a cada profissional e querer que as organizações e as funções se limitem a regrinhas alienadas que não questionam até que limite suas validades são necessárias ou não para o bom funcionamento do sistema.

Digo isso, pois ficou claro que para o coordenador a preocupação se limitava a forma como cada um veria a minha condição enquanto professor, isto é, a uma etiqueta. Em nenhum momento meu querido camarada se questionou em até que limite aquele regulamento moral imposto era condizente com a realidade ou não. Enfim, o que posso dizer é que havia naquela proibição apenas uma imagem preocupada com a ordem, como se ela inexistisse com o meu comportamento.

O fato de um professor se sentar com um aluno no chão do pátio não significa dizer que esse professor deixe de ter compromisso com o seu trabalho. A responsabilidade não se anula devido a uma escolha mais informal que eu estabeleci enquanto educador. Não tem nada a ver responsabilidade com excessos de formalismos. Se fosse assim nenhum camarada de terno e gravata cometeria suas improbidades administrativas na nossa defasada maquina pública como vemos comumente.

Em nenhum momento eu precisei largar minha postura profissional apenas pelo fato de eu ter me sentado com um aluno. Em muitos casos, o grande aprendizado ocorre em situações como a do tipo que vivi com meu aluno. Profissionalismo não necessariamente precisa ter ar de seriedade. A seriedade deve existir sempre, mas não necessariamente ela precisa ser enfadonha e monótona. Posso muito bem ser sério e profissional conversando informalmente com qualquer aluno.

Infelizmente vivemos em uma educação tão produtivista que em nenhum momento sabe unir seriedade com diversão. O que posso constatar em uma situação como essa vivida por mim é que a educação se limita a entender que responsabilidade se limita aquilo que consideramos como sério, monótono e cansativo. Sim, tudo aquilo que seja sinônimo de labuta, ou seja, de tudo aquilo que não abra espaço para a inovação e para uma relação mais humana entre educador e aluno.

( TEXTO PUBLICADO NO BLOG PENSANDO A EDUCAÇÃO- http://www.pensandoaeducacao10.blogspot.com NO DIA 07 DE FEVEREIRO DE 2012)

10 comentários:

  1. Concordo com cada linha do texto. E, acrescento: os professores que mais me estimularam ao estudo foram aqueles que sempre assumiram uma postura aberta como a sua. A lógica do profissionalismo associado a uma suposta seriedade é mesmo ridícula. No ensino fundamental estudei em um colégio onde o diretor acreditava nisso, e aí tive a pior experiência educacional da minha vida. Retrospecto diferente ocorreu no Cefet, onde esbarrei com alguns professores mais camaradas. Bom texto.

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    1. João

      É isso mesmo cara. Os ditos teóricos da educação expoem um discurso que tende a compreender o conhecimento vinculado à motivação os alunos, mas por outro lado, eles nem percebem que o que eles externam não confere com uma prática cotidiana no ambiente educacional.

      É por isso que o ambiente educacional tende a ser visto como algo enfadonho pelos alunos, pois ele é sisudo pra caralho. Entre a sisudez do conhecimento e o entretenimento da televisão e da internet, a tendência é ficar com o qual né?

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  2. Meu caro Vina concordo com vc e com o camarada maldito. Seu texto me lembrou um fato que ocorreu, aqui, em aju. Em uma faculdade muito conhecida, faziamos um curso de pós-graduação em Educação. A aula era sobre bases neurologicas da educação. A professora, médica, neurologista, muito conceituada em Sergipe, professora da faculdade de medicina da UFS, passava um filme que falava sobre a prática de incesto na Alemanha. Algumas mães são estrupadas, ou se deixam estrupar por sus filhos com problemas mentais. O filme relativizava certos conceitos de certo e errado que, no momento, não vou detalhar. uma professora, antiga no magistério, para a aula com gritos e crise de moralismo dizendo que não sabia que em uma faculdade se exibiam cenas tão obcenas. Imaginem um médico ginecologista que nunca meteu a mão na vagina de um cadáver feminino. O agravante, é que aquela senhora estava em um curso avançado em educação. Digamos de passagem, a melhor pos-graduação em psicopedagogia do estado. A ilustre pedagoga estava para se aposentar e por isso carregava anos de bagagem e experiência na educação. Mas, o que houve com ela? A teoria, a experiência não foram o bastante para mudar sua mente?
    Chegamos a inevitável conclusão que a educação está para reforçar o paradigmas e mitos consagrados pela sociedade. E que os gestores, salvo, raras exceções são sacerdotes dessa religião acadêmica deformada. A máxima sociológica da educação no olhar Durkheimiano: "A escola reproduz, por meio da geração anterior, uma nova geração de homens".

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    1. Roosevelt,

      Como você bem expôs em seu exemplo, notamos o quanto a educação paira em um falso moralista ridiculo. É incrivel como a educação na prática se encontra longe de realizar as intenções das teorias pedagógicas que é uma educação voltada a emancipação do aluno, ou seja, uma educação que tem como finalidade, as mudanças. Contudo, como você bem observou, a educação simplesmente quer reproduzir os valores higienistas da geração anterior.

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  3. Uma coisa importante que quero destacar é que além da teoria que na maioria das vezes é exogena a nossa realidade social e histórica. O agente da educação tem uma formação cultural que valoriza exageradamente seus mitos. Vejo, a escola como uma potencializadora dos mitos. Sua missão deveria requestionar essas coisa. repensar sua ação e face de nossa realidade.

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    1. Roosevelt,

      Pois é, mas o que mais me chama a atenção é que muitas vezes os discursos são externados de forma contrária e parece que quem externa esses discursos (no caso dos educadores), ou não percebem a contradição ou a contradição está muito visível e por preguiça deixam de questionar essa contradição ou é hipocrisia mesmo. Não sei se existe uma alienação que termina obtruindo a capacidade do educador rever e se deparar com seu discurso contraditório. Enfim, só sei que as teorias pedagógicas por um lado quebram os mitos e a quebra dos mitos é externada no discurso do educador, mas na prática esses mitos não são quebrados pois os educadores não querem quebrá-los.

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  4. Corre-se riscos ao assumir uma postura mais libertária que conservadora, e vice-versa. Lembrei de ter visto Bauman discutir sobre este dilema num programa, utilizando os termos liberdade e segurança. Poderíamos fazer um link com o teu caso.

    Há em cada aluno uma maneira própria de reagir a determinadas condutas e/ou esteriótipos, que variará de acordo com o modo como foi aculturado e/ou com sua estrutura psíquica (me valendo destes jargões, por alto). Tanto haverá o aluno que tomará a sua atitude aberta como um facilitador para que este ponha em prática atitudes "subversivas" - não me atendo ao que pode ser ou não entendido por tal, mas tomando um padrão geral socialmente aceitável por definição -, quanto haverá aquele outro aluno mais dócil que tomará sua atitude como um facilitador para que o mesmo tenha acesso ao seu conhecimento de modo que a descontração o torne, pelo contrário, ainda mais eficaz e produtivo. Não julgo que a atitude do seu coordenador seja de todo ingênua, tal como percebo a necessidade de uma postura um tanto mais dialógica em certos momentos. O grande problema é encontrar esse meio termo, ou terceira via, ideal, para o equilíbrio entre ordem e caos, direito e dever, segurança e liberdade, objetividade e subjetividade etc.

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    1. Lou

      Encontrar uma terceira via sempre tende a ser um Ideal a ser conquistado. Acredito que jamais chegaremos a uma perfeição, seja de para um lado ou para o outro.

      Concordo quando observa que existem tipos variados de alunos,e, portanto, várias reações provocadas por diversas motivações. Contudo, eu acho que a tentativa dialógica permite a possibilidade desses varios tipos se manifestarem.

      Não acredito que a subversidade seja algo nocivo a educação, desde que o educador consiga estabelecer uma relação de camaradagem e profissionalismo com o aluno.

      Por outro lado, também acho que o aluno que traduz a postura do educador como um caminho propicio para o seu aperfeiçoamento no que confere ao seu conhecimento, seja de grande valia.

      Acho que o agir subversivamente é tão útil quanto compreender a postura do educador. Só não acho que uma postura informal venha a retirar a capacidade do profissional, nem fazer com que o aluno deixe de encará-lo como um profissional

      Não estou dizendo que isso é um processo fácil. Não. Se tratando principalmente de uma relação com jovens, sabemos que precisamos passar por todo um processo paa que eles passem a compreender o nosso propósito.

      Ora, mas a própria vida em si é assim mesmo. Constante reformulaçao e constante destruição dos nossos valores. É por isso que para mim isso também cabe no processo de nossas estratégias pedagógicas em relação aos alunos.

      abraços.

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    2. Entendo e concordo. Talvez os que temam o excesso de liberdade estejam de olho na extrapolação de certos limites... Algo como o demonstrado em Laranja Mecânica. Ou talvez, lembrando Foucault, seja tão só aquela boa e velha vontade de exercer poder sobre o outro, vê-lo obedecer e chamar, ao final, isto de "ordem". Enfim...

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    3. Lou

      É como Roosevelt disse no comentário mais acima: a educação se preocupa demais em preservar seus mitos. Ora, é justamente por isso que a liberdade seja tão temida pelos educadores, pois ela questiona os mitos ou pior: ridiculariza os cânones que sustentam esses mitos. A ridicularizaçao dos mitos implica consequentemente em pôr o prestigio do docente em risco, afinal, os mitos servem muitas vezes para preservar o poder. Eu estava essa semana conversando com um aluno no IFAL sobre isso e ele me disse: aprender no Brasil, é aprender como aceitar passivamente o controle imposto pelos servidores do ambiente educacional. É isso.

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