terça-feira, 29 de março de 2011

Estratégia ou ambiguidade?

O Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF) reúne diferentes linhas de financiamento de terras para agricultores pobres, sem terra ou com pouca terra. No nosso entender, trata-se de uma política fundiária neoliberal, originada sob os auspícios das políticas de terras do Banco Mundial. O PNCF é a manifestação contemporânea do que alguns pesquisadores como Ramos Filho (2008a), Martins (2004) e Rosset (2004) chamam de Reforma Agrária de Mercado (RAM), programa que funciona como uma política compensatória de compra e venda de terras, parcialmente subsidiada pelo estado.

Supostamente, segundo os seus formuladores, consiste em uma política que vem como uma alternativa às dificuldades e ineficiências ao modelo tradicional de reforma agrária (PEREIRA, 2004), que consiste na desapropriação de terras improdutivas para fins de reforma agrária. Para os causídicos da RAM a reforma agrária distributivo-desapropriacionista pressupõem conflitualidade, envolvida no processo de denúncia da existência de terras improdutivas, bem como a lentidão do processo de desapropriação de terras ociosas. Assim, através de um instrumento de compra e venda de terras, pretende-se baixar os custos de distribuição das terras, atenuando a pobreza e a exclusão social.

Sabemos que o território é palco de intencionalidades e que a RAM provém da leitura oriunda do capitalismo agrário que enxerga como único referencial de desenvolvimento da agricultura a sua total inserção no mercado capitalista, um referencial desse paradigma é Ricardo Abramovay que trás essa leitura na obra Paradigmas do Capitalismo Agrário em Questão. Para mim esta inserção apontada por Abramovay promove muito mais a sujeição e recriação do camponês pelo capital, do que a criação da sua autonomia. Este contexto está inserido no processo de territorialização do capitalismo no campo cuja RAM faz parte.

Para Raffestin (1993) o território seria o conjunto das estruturas de: tessituras, nós e redes. A tessitura de um território seria o limite deste, a área ao qual se insere o conjunto de nós e redes, em suma, a sua delimitação ou o seu conjunto de fronteiras. Essa tessitura pode ser estável ou não, isso dependerá da constituição desta. Geralmente as tessituras de ordem política são mais estáveis do que a de ordem econômica, uma vez, que esta última, muitas vezes não possui uma territorialidade precisa. Em um conjunto de ligações de no mínimo três pontos se constitui uma rede, que seria aquilo que asseguraria a comunicação, mediante uma intenção estabelecida.

A estrutura tessituras-nós-redes é exteriorizada por um grupo. É a encenação de uma estrutura interiorizada (...). Mas o simples fato de que esse conjunto se manifesta para qualquer grupo indica que, apesar das formas que possa tomar, é assinalável na passagem da interioridade à exterioridade (RAFFESTIN, 1993, p. 151).

É dentro desta ótica que refletimos a RAM como uma rede complexa, onde vários pontos criam nós institucionais e multi-escalares (global, nacional, regional, local), entre instituições financeiras supranacionais e governos nacionais, que por sua vez constroem nós entre os governos locais e os camponeses e, entre os camponeses e os proprietários de terras.

Como podemos ver no exemplo do empreendimento Associação de Cooperativa Agrícola Florestan Fernandes I e II situado no estado de Sergipe, onde se deu um arranjo territorial complexo onde foram envolvidos a Igreja Católica e o Estado por um lado e do outro o MST, que participaram de um processo de negociação com ocupantes de uma fazenda que reivindicavam por reforma agrária. A natureza da negociação era para viabilizar uma troca da fazenda ocupada por uma empreendimento de RAM.

Vejamos que aí residem dois territórios distintos, o primeiro que se articula em pro da RAM, ou seja, da troca, composto por nós que unem a Igreja e o Estado, este último como gestor da política, se articula com uma rede que tem desmembramentos institucionais na escala nacional e mundial através do Banco Mundial. E o outro que até então a nível local era contrário a RAM , composto pelo MST e seus aderentes locais, entre o MST nacional e movimentos sociais internacionais, e por fim entidades políticas diversas. A partir dessa relação percebemos brotar um território que pela sua composicionalidade é novo, o MST entra na rede que contempla a RAM que foi criada pela fusão de dois territórios distintos.

Temos percebido que os aderentes do MST possuem o comportamento de ao entrar no crédito, levar sua territorialidade, e assim encarar, a terra como algo impagável, um direito universal e portanto incoerente com a política pública que pressupõe o pagamento das parcelas que deve ter seu inicio no mínimo em 5 anos depois da entrada na terra . Portanto perguntamos aos caros colegas isso é uma estratégia ou ambigüidade?

Um comentário:

  1. Antes de ler o texto inteiro e criar reflexões, já dou meus parabéns pela forma, como um todo, pelos motivos que todos que me conhecem já sabem. Depois comento o conteúdo.

    ResponderExcluir