segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Solidez Fluida

Vez ou outra recebo classificações precipitadas que, apesar de muitas vezes me deixarem contrariado, também me deixam feliz por eu saber que ando provocando reflexões, mas, por algumas pessoas já terem classificado minha postura de engessada, senti a necessidade de explicar algumas de minhas concepções. Sei que o ato interpretativo confere infindáveis sentidos ao leitor, mas independente disso, preciso esclarecer alguns pontos.

Antes eu insistia na idéia de que a realidade era descentralizada e sem referências. Eu achava que vivíamos em um contexto fluido no qual os códigos haviam se diluído. Porém, quando eu olhava para os lados, apesar dos acidentes, os carros andavam de acordo com os códigos de trânsito, as famílias se sentavam em frente às televisões e o Estado, apesar de sua evidente precariedade, era a instituição a qual eu terminava por recorrer para resolver perrengues burocráticos.

Mesmo os laços não sendo tão rígidos, eu percebia que eles não haviam se acabado. Isso se clareou mais ainda para mim quando passei um bom tempo no Rio de Janeiro. Lá, vi que os contatos eram rápidos, mas que existiam relações que uniam as pessoas. Apesar de parecer mais vulnerável, o nosso contexto ainda tinha uma natureza não apenas fluida, pois possuía regras e hábitos que davam sentido a toda uma organização social-afetiva-funcional na vida dos indivíduos.

Com isso, passei a enxergar a importância das regras sociais. O problema é que acham que a pessoa que aceita os valores sociais é conservadora e contrária a qualquer mudança. Sei que a sociedade cria regras e controles sociais, no entanto, não significa dizer que eles não devam ser requestionados. Ao contrário. Sempre digo que nenhuma verdade é absoluta por ser construída por humanos, e que os humanos trazem o dom das falhas e dos deslizes.

Eu encaro a importância das regras, mas admito que por mais que eu as aceite, não necessariamente elas devem ser encaradas como infalíveis. Para mim, a sociedade tem seu lado sólido com seus regimentos, mas tem seu lado liquido, uma vez que cada indivíduo é livre e possui visões diferentes do outro, o que provoca a fluidez, novas interpretações, e, portanto, novos valores. O que eu acredito é num jogo de negociações e de conflitos entre esses dois lados da sociedade.

Pergunto: onde se encontra o meu olhar engessado? Encaro a realidade como algo que faz, se desfaz e se refaz continuamente, e por isso mesmo eu vejo a sociedade de forma dinâmica, mas não numa dinâmica radical, pois não sou dado a achar que os valores possam se acabar imediatamente, pois mesmo quem os confronta, foi educado por muitos desses valores. É por não abdicar em enxergar as mudanças que não acho minha perspectiva engessada.

O que acontece é que talvez exista uma diferença entre mudança e modificação. Para mim, mudança diz respeito a uma alteração mais ampla de uma realidade, o que eu não compactuo, pois os valores sociais não se desligam imediatamente dos indivíduos por estarem conectados a toda uma formação histórica. Prefiro a modificação, ou seja, alterações que não ocorrem repentinamente, e sim, por um processo que sem percebermos, revela-se em nossas ações dia após dia.

Querer negar um lado e aceitar apenas o outro é que é conservador por não aceitar requestionar a contradição das coisas, e como forma de encontrar um caminho para manter a comodidade da ordem, busca apenas aceitar um lado e expurga o outro. Quem tem predisposições ao engessamento, é quem não se vê capaz de verificar as possibilidades das infindáveis combinações de valores dentro de uma lógica complexa de se visualizar a realidade.

2 comentários:

  1. Seu texto acabou por ser uma feliz retomada epistemológica. Por compartilhar de todas estas afirmações, ainda me sinto torto...hehehee

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  2. Meu caro Vina,
    Seu texto nos traz uma grande visão do que seria a lógica que nos "ilumina" os dias. Sabemos que a ordem é necessária, contudo somos racionais e tendemos a questioná-la pq sabemos ser ela humana como nós. O importante em seu texto é admitir o sólido num mundo fluido. Acredito que os dois convivem bem e sem polarizações. Todo o tecido é uma mesma coisa de muitas coisas interligadas o tempo inteiro.

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