domingo, 6 de fevereiro de 2011

Repetição (Wiederholung) e Transferência (Übertragung) I

 A experiência vivida com a paciente Dora foi um dos quesitos que suscitaram em Freud uma busca por um maior esclarecimento acerca da transferência e, consequentemente, da repetição. Após o relato do caso (1905), Freud chega a esta conclusão: "Fui surpreendido pela transferência e, por causa desse "x" que me fazia lembrar-lhe Herr K., ela se vingou de mim como queria vingar-se dele, e me abandonou como se acreditara enganada e abandonada por ele. Assim, atuou uma parte essencial de suas lembranças e fantasias, em vez de reproduzi-las no tratamento". Ou seja, quando começou a se dar conta do fenômeno da transferência, Freud se depara também com o mecanismo da repetição. Nas palavras dele, "o paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu e recalcou, mas expressa-o pela atuação ou atua-o (acts it out). Ele o reproduz não como lembrança, mas como ação; repete-o sem, naturalmente, saber o que está repetindo". Então, o pai da Psicanálise chega à conclusão de que "a transferência é, ela própria, apenas um fragmento da repetição e que a repetição é uma transferência do passado esquecido".

Segundo Garcia-Roza (2003), "(...) essa repetição não se dá conscientemente, pois se isto ocorresse, ela perderia sua eficácia como mecanismo defensivo. Assim, se a repetição é o que impede a reminiscência, ela é, ao mesmo tempo, o sinal irrecusável do conflito psíquico; se por um lado é uma forma de resistência, por outro é o mais poderoso dos instrumentos terapêuticos". Ou seja, a repetição traz consigo a tarefa de tamponar o conteúdo recalcado, e, portanto, traz paradoxalmente uma ótima chave para o processo de análise. Para Lacan, apesar de a repetição atuar na transferência, e de Freud ter dado atenção ao mecanismo de repetição, através da inferência do prório conceito de transferência, estes são conceitos que não compartilham de um espaço tão comum. De acordo com Garcia-Roza, "isto significa que se na transferência dá-se uma repetição de protótipos infantis, essa repetição não é uma reprodução de situações reais vividas pelo paciente, mas equivalentes simbólicos do desejo inconsciente. O que se repete, faz-se num ato que só
toma sentido em relação ao analista, o que implicaria, pelo menos, que fizéssemos uma dinstinção entre 'repetição do mesmo e 'repetição diferencial'.

Se a transferência é repetição, ela é uma repetição diferencial, e somente sob este aspecto a repetição toma um sentido positivo e pode constituir-se como um instrumento no sentido da cura". Como podemos perceber no artigo que Freud escreveu em 1914, "Recordar, repetir e elaborar", a transferência flui no paciente, através da via da repetição, na direção da projeção de uma imago de natureza parental no analista, no processo de análise.

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