segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A música de vanguarda e a música brega nas escolas II

Devido ao belíssimo texto de Roosevelt acerca da vanguarda e do brega, somado ao intenso debate que tem se construído acerca desse tema, eu me vejo cada vez mais envolvido nessa construção de idéias, e por isso mesmo, esta semana quero falar sobre a forma como a escola lida com à familiaridade e o estranhamento que eu enxergo na música brega e na música de vanguarda.

Vejamos: a música brega é reconhecida como uma música demasiadamente simples. Ao prestarmos atenção no repertório desse universo musical, perceberemos que ele trará constantemente discursos que estão a nossa volta a todo instante em nosso dia a dia. A forma como são construídas as letras das músicas, revela-nos o que há de mais óbvio e de mais familiar em nosso cotidiano.

Já a música de vanguarda é reconhecida como uma música demasiadamente complexa. Podemos perceber que seus discursos musicais são diferentes do que estamos acostumados a ouvir cotidianamente. A música de vanguarda nos revela o não-óbvio, o que termina por nos provocar um estranhamento ao invés de uma familiaridade assim como acontece na música brega.

Os docentes deveriam propor o diálogo com a familiaridade e o estranhamento encontrados nessas músicas. Deveriam aproveitar a familiaridade da música brega, por exemplo, para aproximar o conhecimento com o cotidiano do aluno, assim como aproveitar o estranhamento da música de vanguarda fazendo o aluno observar que certas regras legitimadas também necessitam ser requestionadas.

Porém, infelizmente a escola termina não reconhecendo nem a música de vanguarda, uma vez que o discurso dessa estética se encontra distante do cotidiano do aluno por ser monológico como bem apontou Roosevelt; assim como não reconhece a música brega pelo fato da escola representar claramente os interesses ideológicos e estéticos dos setores privilegiados da sociedade.

Acredito que os docentes e a escola, ao invés de ficarem perdendo tempo com conteúdos descontextualizados da realidade dos alunos e insistindo nas classificações preconceituosas do que é "bom" e do que é "ruim", deveriam era propor uma análise crítica dessas duas tendências musicais, fazendo o aluno refletir acerca dos prós e dos contras de cada uma delas.

Ao trazer a música brega, por exemplo, enxergá-la como uma identificação espontânea de boa parte do alunado, aceitando-a enquanto gênero musical, mas também pensar que a dificuldade do público em muitas vezes aceitar músicas que fujam do modelo mais corriqueiro como o da música brega, pode ser reflexo de uma cultura escolar rotineira e indisposta a estimular um olhar curioso em seus alunos acerca da diversidade cultural.

Os docentes deveriam usar a música de vanguarda para estimular a criatividade dos alunos por ela propor a recriação dos modelos, mas também provocar reflexões acerca das exclusões que o saber constrói, usando como exemplo, a ausência da própria música de vanguarda nas escolas, provando assim, o quanto à educação, mesmo estando inserida em um contexto democrático, ainda é segregadora.

Acredito que seja importante articular a música brega com a música de vanguarda, afinal, a escola como extensão da sociedade, deveria reconhecer que a nossa vida social é marcada por regras que nos são familiares assim como os códigos corriqueiros da música brega, mas também nos estranhamos com essas regras assim como faz a música de vanguarda ao questionar os modelos legitimados.

VISITEM: www.pensandoaeducacao10.blogspot.com

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Educação libertadora e Educação interacionista

Introdução:

O presente texto não busca aprofundar um diálogo entre Paulo Freire e Vigotsky. Seu foco é mostrar que um diálogo é possível uma vez que os dois vêem pontos muito próximos entre si sobre uma educação do diálogo e da interação. Ambos fazem uso do marxismo, embora, com diferentes leituras, mas, com objetos idênticos: A construção do sujeito no mundo.

A visão freireana de Educação aponta para uma relação dialógica com a realidade. Muito nos lembra a visão maiêutica no sentido de se conhecer as coisas por meio de um diálogo com o real que pode ser um monólogo/diálogo quando nossa voz interior trava dentro de nós um diálogo questionador dos fatos ao nosso redor. Freire viu a necessidade de uma educação que desvela os fatos e depois propõe uma crítica que em sua visão é libertadora do homem. Assim a pedagogia libertadora é a pedagogia do diálogo, da crítica, da proposta racional para uma despolarização da realidade. (Barreto,1998).

A teoria do pedagogo brasileiro acredita que a tensão entre as classes pode ser menor, portanto, o mundo pode ser melhor. E está na Educação a ferramenta maior de um processo de libertação, pois é ela que liberta o homem do medo. O medo de não conhecer, o medo de não superar a condição de homem inconsciente/inocente, o medo da liberdade de um homem em vigília/consciente de seu mundo, de seu lócus, de sua realidade enquanto vida material e simbólica produtora de múltiplos sentidos, inclusive o sentido político. (Barreto, 1998)


Paulo Freire coloca o educando na condição de um ser político. Por esta causa sua teoria reflete sobre o papel da educação nas relações concretas ou nas relações materiais da sociedade. A educação libertadora é aquela que ver o educando em seu lócus político, é a educação da práxis, e a escola presente nesse lugar, busca nas contradições desvelar suas causas para que uma nova ordem surja entre os seres humanos. (Barreto, 1998)


Freire sustenta que devemos sonhar e acreditar em nossos sonhos. O sonho do educador é a paz entre as classes para que a exploração e a dominação cessem entre elas, para isso, é preciso educar ambas as partes. Não são apenas aqueles considerados acéfalos pelas classes dominantes que necessitam aprender a apreender a realidade. Pois a tensão fere os dois lados. As classes dominantes também precisam despertar-se da utopia da dominação plena de lucro total. Freire deixa claro que o mal-estar entre as classes é causado pela dominação irracional das partes mais privilegiadas. Toda dominação é irracional, contudo, Freire viu a inevitabilidade de sua existência e a necessidade de um diálogo entre os homens para uma superação possível desse mal-estar. Um mal-estar cultural, pois sua gênese está na raiz das relações do homem com o meio e na significação do espaço natural em espaço geográfico, portanto, o espaço da cultura. Freire e Vygotsky conseguem ver a cultura e a interação com ela um caminho para transformar a história individual e coletiva dos homens. Assim a educação é uma ação cultural na visão de Freire. (Freire, 1970)


A educação como ação cultural, no entender de Paulo Freire, se põe ou a serviço dos opressores, ou a serviço da libertação dos homens, de forma consciente ou inconsciente. Quando se põe a serviço dos opressores, não se encontra a possibilidade de superar seu caráter de indução; quando se põe a serviço da libertação dos homens, a educação se coloca em posição dialógica e se acha a condição para superar a indução. Segundo Paulo Freire a libertação é um processo doloroso, pois depende do próprio individuo expulsar ou não o opressor de dentro de si. O homem que nasce deste parto é um homem novo que só é viável pela superação da contradição opressor-oprimidos, que é a libertação de todos. A superação da contradição é o parto que traz ao mundo este homem novo, não o opressor, não mais o oprimido, mas homem libertando-se. Um dos problemas mais graves que se opõe à libertação é que opressores e oprimidos precisam ganhar a consciência critica da opressão na práxis desta busca. Através da práxis autêntica que, não sendo "blábláblá", nem ativismo, mas na ação e reflexão é possível fazê-lo. Práxis é a reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela é impossível a superação da contradição opressor-oprimido (Freire, 1970).


Considero relevante nesse artigo destacar que o pensamento do teórico Paulo Freire contém marcas de Cristianismo. Ele acredita de fato que a humanidade por meio da educação pode ser mais justa e, portanto, alcançar o seu “paraíso” o qual na sua visão representa uma tensão menor entre as classes sociais. O que deve ser levado em conta nesse momento é o caráter utópico da teoria freireana em sintonia com a utopia cristã. O termo utopia nesse artigo refere-se à um fenômeno pertencente ao psiquismo humano e por isso presente na educação como construtora de sonhos, de sentidos, de significados. O pensamento cristão de Freire marca sua teoria com a presença do simbólico, do signo, do sonho. É claro que encontramos maior evidência dessa marca na forma como ele trata a palavra, a escrita e a leitura. (Freire, 1989)


A relação entre educando e educador no pensamento de Paulo Freire é uma relação mediada pelo signo, pela palavra, é uma ação cultural, pois, ocorre no meio cultural. É conseqüentemente uma relação de interação. O educador não se encontra em um pólo e o educando em outro. Os dois são agentes no processo tendo o intuito de problematizar a palavra, o discurso. A educação problematizadora se enquadra muito bem no pensamento do russo Vygotsky, pois este, também, entendia que a educação necessita de interação entre as partes. Freire enxerga nitidamente que a forma tradicional de educação, conservadora dos modelos e estereótipos culturais e sociais, a educação bancária, embora necessária para alguns, contém o discurso do dominador. E o professor, inevitavelmente, é o agente transmissor desse discurso. Para ele, então, aluno e professor necessitarão de libertação dessas amarras para que sejam salvos pela educação. A educação ocorre em ambos os lados por meio do diálogo entre aluno e professor. A palavra, a língua escrita e falada é o maior instrumento visto tanto por Freire quanto por Vygotsky no processo de ensino/aprendizagem


Para Freire, o aluno tem dificuldade no aprendizado das primeiras letras porque são alfabetizados usando palavras fora de seu cotidiano. O aluno não possui referências e nem uma relação psicológica com aquele signo lingüístico. Freire entende que educar sem considerar o cotidiano, o cultural é um caminho mais distante. É por outro lado um método que interessa a seguimentos outros da sociedade. O interesse existe porque sem a problematização dos fatos reais da existência, o homem torna-se vítima de si mesmo e de seu medo. O conhecimento do lócus no processo educativo é fundamental para que o sujeito se encontre no tempo e no espaço e perceba o mundo a sua volta, e é por isso que as classes sociais dominantes insistem em criar modelos de educação. Cada sociedade seguirá seu modelo, sua visão de mundo e de verdade providos pela a educação.


Freire apreendeu que a dominação é inevitável e que esta ocorre por meio da palavra. A língua internaliza os modelos de dominação e pode exteriorizar uma crítica para a libertação. Cabe, assim, a todos os homens dialogarem com essa realidade na consecução de seu bem maior. Contudo o bem maior é utopia, o próprio teórico admite. Mas ele insiste em sonhar.


Vigotsky também enxerga o valor da língua como mediadora e produtora de sentidos. O psicólogo russo viu que a criança aprende com a fala. É no diálogo com o adulto ou o professor ou um colega mais velho que ela desenvolve seu vocabulário e conhecimento do mundo. A escola para Vigotsky é o lugar da interação, do diálogo. Portanto um lugar do sentido, do significado, da palavra.


Freire e Vigotsky concordam que a interação mediada pela palavra é fundamental no processo de aprender. Os dois entendem que o discurso oficial tem caráter monológico. As ideologias das classes dominantes se transformam em monólogo, um diálogo de uma só via. A ordem das relações de poder e de dominação das classes privilegiadas é a soma total dos discursos produzidos e por ela transmitidos de forma monológica pela escola. Isso fica bem evidenciado na pessoa do educador. Somente ele tem o conhecimento na visão bancária de educação. Seus alunos são sem história, sem mundo. O educador é o agente do poder e portador do discurso oficial que legitimiza a condição de dominação. Tanto Freire como Vigotsky viram que a língua e sobre tudo a palavra é ideológica e transmite os genes da dominação. A educação deve, então, oferecer uma relação dialética com o signo e desmistificá-lo. Para tanto é preciso brincar com as palavras e ensinar as crianças palavras que falem de seu contexto histórico e cultural. Freire muito bem viu, que a cultura do educando deve ser considerada e com ela a história do sujeito aprendente. Os dois teóricos se casam muito bem nesse aspecto. A história e a cultura presentes nas ações pedagógica buscando situar o sujeito em seu mundo. Sem essa consideração o ensino continua sendo um monólogo, um recorte de algum lugar.


O psicólogo russo entendeu que a ontogênese do sujeito, a formação de nossa subjetividade e nossa personalidade é um fenômeno, sobretudo histórico-cultural. O sujeito é constituído de fora para dentro, ou seja, o sujeito é o mundo social internalizado no indivíduo cuja via maior do processo é a educação, e o espaço onde isso acontece é, principalmente, a escola e a educação formal que ela oferece. É óbvio que a preocupação primeira de Vigotsky foi mostrar como se constitui o sujeito, e como se estrutura sua máquina cognitiva. Para tanto ele trilha um caminho muito parecido com o nosso brasileiro Paulo Freire. Ele toma as relações sociais inerentes ao processo ensino/aprendizagem como referência para sua especulação psicológica e pedagógica. O sujeito interage com o mundo na pessoa do educador e a sala de aula torna-se um simulacro das relações contidas na sociedade. Ele não descarta outro tipo de aprendizagem: A informal. Ele vê nela uma via muito importante de aprender-se no mundo e sobre ele. O que une os seres cognitivos é a linguagem e sobre tudo a palavra, o signo/elo que une todas as mentes na reflexão sobre os fatos. Nesse processo, tanto se constrói um corpo de palavras (léxico) como se reflete sobre o uso das mesmas e sua importância para o desvelamento da realidade.


Paulo Freire (1979, 2002) ressalta a importância e a necessidade de se entender a existência humana a partir de sua substancialidade, ou seja, o reconhecimento de todos os homens como verdadeiros sujeitos históricos. Os atributos dados aos homens não podem, assim, sobrepujar o dado mais importante da existência humana: A sua presença no mundo como sujeito. Tomando como referência o ambiente cultural onde o homem nasce e se desenvolve, a abordagem vigotskyana entende que o processo de construção do conhecimento ocorre através da interação do sujeito historicamente situado com o ambiente sócio-cultural onde vive. A educação deve, nessa perspectiva, tomar como referência toda a experiência de vida própria do sujeito. Vigotsky tornou-se o principal expoente da abordagem psicológica histórico-cultural, que concebe o sujeito socialmente inserido num meio historicamente construído. Enquanto veiculador da cultura, o meio se constitui em fonte de conhecimento. Vigotsky empenhou-se na busca do entendimento sobre os mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte integrante da natureza de cada ser humano. O sujeito para o médico russo é o sujeito do conhecimento e o sujeito psicológico que atuam no meio sócio-cultural. Que sofre sua ação e nele imprimem a sua.

As semelhanças entre os dois pensadores são muito grandes sendo, então, possível um diálogo longo entre ambos. O sujeito é um dos pontos que os aproxima de forma muito radical. O sujeito em Vigotsky é o exterior que se interioriza, é o social que se torna pessoal, que se torna substância internalizada em um lócus inexistente. O lócus é inexistente porque para ele a pessoa não existe em um lugar fixo de fato, é criação das relações sociais e do processo de maturação psicológica. A proporção em que ocorre o crescimento filogenético do indivíduo a ontogênese também ocorre. Assim, para Vigotsky o sujeito é uma mente social, e, portanto, não é substância propriamente dita. A criança é uma tabula rasa com tendências ao social e seguirá essa tendência cabendo a escola usá-la para a educação da mesma.


Bibliografia

Barreto, Vera. Paulo Freire para educadores. São Paulo: Arte e Ciência, 1998.
Freire, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 17a. Ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
Freire, Paulo. A importância do ato de ler: Três ensaios que se completam. São Paulo, Cortez, 1989.
Vigotsky, Lev Semenovich. Formação da mente social. 7a Ed. São Paulo, Martins Fontes, 2007

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O cristão pós-moderno

“Deus é onisciente e onipotente”

“Sou um dos escolhidos do senhor”

“Irei ao céu, você não vai!”

“Minha igreja é a correta. A sua é errada!”

“Você segue coisas mundanas“

“Não segue as coisas de Deus”

“Eu sigo...”

“Porém, traio minha mulher, lavo um dinheirinho ali”

“Mas, por favor, não conte a ninguém!”

“Pelo amor de Deus, não conte a ninguém que eu bato punheta”

“Pelo amor de Deus, não conte a ninguém que roubei os óculos do meu amigo”

“Pelo amor de Deus, não conte a ninguém que roubei um livro”

“Pelo amor de Deus, Eu quero fumar maconha!“

“Ir pra farra! Pelo amor de Deus!”

“Eu vou à praça, sou respeitado, apesar de ir contra aos ideais, busco a Deus”

Ao Deus não me cabe avaliar sua existência e ética divina, essa questão metafísica e teológica não me convém debater, no entanto a alguns homens, cabem observações. A moral cristã ainda é enraizada na nossa legislação e profunda nos princípios referenciais familiares e institucionais. A alteridade ainda é grande, no entanto, na sociedade moderna ou como chamamos “fluida”. Os escapes são mais diretos “aos objetos hedonísticos” em relação aos antepassados do cristianismo. A ação é além-ética, no entanto, a neurose cristã não busca mais reconfigurar TANTO o pensamento sintomático. Mas camuflar a imagem teatral destinado ao ideal transmitido ao outro. Por mais que roubo e pedofilia sempre existiram às escondidas, a mascara está caindo cada vez mais, porém, a insistência moral ainda é presente e persistente. Por mais que o ateu ou a pessoa de outra procedência religiosa não cometa nenhum crime grave em relação aos ideais da igreja cristã, olham com repressão a sua opinião de crença.


Obervação: Os óculos e o livro (de história por sinal) eram meus e de fato sumiram...


Ruela Despoética

Os caminhos da minha poética curvam-se, cada vez mais desertos, ao princípio da realidade. Que árvore é esta em que cada vez que se fixa um distraído olhar, mais ramificada se apresenta?  E quando menos se deu conta, a estética está toda submersa em dantesca sombra.

Bem como disse o eminente Virgílio ao temeroso Dante diante do inferno: “aqui, pouco se deve falar!”
Eis como me sinto: no vazio do verbo.

Os que souberam morrer no caminho foram vitoriosos; eu, arrastando-me no viver, perco.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Sobre as palavras e as coisas

Mesmo não sabendo o sentido real das palavras, sigo a vida observando as bocas se movimentando, talvez traduzindo a força de algo vivo que disfarça sua angustia nos sons, nomeando aquilo que nem mesmo tem controle ou certeza, para controlar espíritos humanos ou não. Para mim as palavras são como o sexo das árvores ou como o magnetismo terrestre, diria ainda que uma vontade absurda de congelar o tempo para assim evitar o sofrimento e não obstante a morte. Alguns homens traduzem com menos profundidade as palavras, pois aprenderam com outros mamíferos a cortejar sem manifestar grande complexidade de códigos falados, aí então usam qualquer outra coisa com metal ou vida para os outros olharem e sonharem com a satisfação dos seus prazeres. Todos os tipos de heróis ou modelos foram coisas criadas para nos fazer sonhar e cultuar a ilusão, pois nós temos uma tendência a nos saciar na dor e na mentira, fazendo da lacuna uma bengala.

Quero ser um espírito melhor, mas pra isso tenho que caminhar pelo domínio da minha matéria desgovernada, pulsante e caótica. Vejo que o caminho do equilíbrio e do bem, ou seja, da evolução parece tão turvo e tão difícil. Como falei aqui com outras palavras, querer o bem não é necessariamente ser bondoso, isso que chamam de espírito evoluído é algo que terrenamente parece ser difícil. Compreendo hoje que sentimentos opostos em demasia são uma coisa só, apenas com caras diferentes, por isso que amor demais pode gerar egoísmo e supressão de um outro ego, como querer demasiadamente o mal do outro pode gerar morte do outro e de nós mesmos. Causar dor quando se quer bem pode elevar o espírito alheio. O problema das pessoas que exaltam hoje o amor e o bem, é que não possuem tempo de se olhar no espelho, na verdade possuem uma certeza sobre eles mesmos que muitas vezes não dão tempo do espelho refletir sua imagem, assim congelam aquilo que idealizam em um espelho postiço.

Somos todos idealistas de um suposto equilíbrio, creio que é salutar essa busca, porém sei que sabemos pouco sobre nossas atividades inconscientes, e das improbabilidades da vida. Pensando nas palavras de Nietzche, creio que a vontade de poder que se traduz culturalmente como fazer o bem, que contempla toda a sorte de nobreza, é para mim uma atividade positiva, pois é ao contrario da morte (o mal), uma atividade de natureza recíproca, portanto ela soma, já a outra pode apenas devolver ela mesma. Claro que não coloco essas nomenclaturas (mal e bem) em um sentido absoluto, falo daquilo que convencionamos chamar como tal, afinal para o cosmo tudo é vida tanto a desconstrução como a construção.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Solidez Fluida

Vez ou outra recebo classificações precipitadas que, apesar de muitas vezes me deixarem contrariado, também me deixam feliz por eu saber que ando provocando reflexões, mas, por algumas pessoas já terem classificado minha postura de engessada, senti a necessidade de explicar algumas de minhas concepções. Sei que o ato interpretativo confere infindáveis sentidos ao leitor, mas independente disso, preciso esclarecer alguns pontos.

Antes eu insistia na idéia de que a realidade era descentralizada e sem referências. Eu achava que vivíamos em um contexto fluido no qual os códigos haviam se diluído. Porém, quando eu olhava para os lados, apesar dos acidentes, os carros andavam de acordo com os códigos de trânsito, as famílias se sentavam em frente às televisões e o Estado, apesar de sua evidente precariedade, era a instituição a qual eu terminava por recorrer para resolver perrengues burocráticos.

Mesmo os laços não sendo tão rígidos, eu percebia que eles não haviam se acabado. Isso se clareou mais ainda para mim quando passei um bom tempo no Rio de Janeiro. Lá, vi que os contatos eram rápidos, mas que existiam relações que uniam as pessoas. Apesar de parecer mais vulnerável, o nosso contexto ainda tinha uma natureza não apenas fluida, pois possuía regras e hábitos que davam sentido a toda uma organização social-afetiva-funcional na vida dos indivíduos.

Com isso, passei a enxergar a importância das regras sociais. O problema é que acham que a pessoa que aceita os valores sociais é conservadora e contrária a qualquer mudança. Sei que a sociedade cria regras e controles sociais, no entanto, não significa dizer que eles não devam ser requestionados. Ao contrário. Sempre digo que nenhuma verdade é absoluta por ser construída por humanos, e que os humanos trazem o dom das falhas e dos deslizes.

Eu encaro a importância das regras, mas admito que por mais que eu as aceite, não necessariamente elas devem ser encaradas como infalíveis. Para mim, a sociedade tem seu lado sólido com seus regimentos, mas tem seu lado liquido, uma vez que cada indivíduo é livre e possui visões diferentes do outro, o que provoca a fluidez, novas interpretações, e, portanto, novos valores. O que eu acredito é num jogo de negociações e de conflitos entre esses dois lados da sociedade.

Pergunto: onde se encontra o meu olhar engessado? Encaro a realidade como algo que faz, se desfaz e se refaz continuamente, e por isso mesmo eu vejo a sociedade de forma dinâmica, mas não numa dinâmica radical, pois não sou dado a achar que os valores possam se acabar imediatamente, pois mesmo quem os confronta, foi educado por muitos desses valores. É por não abdicar em enxergar as mudanças que não acho minha perspectiva engessada.

O que acontece é que talvez exista uma diferença entre mudança e modificação. Para mim, mudança diz respeito a uma alteração mais ampla de uma realidade, o que eu não compactuo, pois os valores sociais não se desligam imediatamente dos indivíduos por estarem conectados a toda uma formação histórica. Prefiro a modificação, ou seja, alterações que não ocorrem repentinamente, e sim, por um processo que sem percebermos, revela-se em nossas ações dia após dia.

Querer negar um lado e aceitar apenas o outro é que é conservador por não aceitar requestionar a contradição das coisas, e como forma de encontrar um caminho para manter a comodidade da ordem, busca apenas aceitar um lado e expurga o outro. Quem tem predisposições ao engessamento, é quem não se vê capaz de verificar as possibilidades das infindáveis combinações de valores dentro de uma lógica complexa de se visualizar a realidade.

Associação Livre

sapoto, sapo, sebo, sinistro, sentado, sapato
curto, enxuto, escrachado, encaixado
caixa, vazia, vazo, vácuo
absorto, absorvente, adolescente

exonerado
cargo
encargo
encargado, cargado



estancado
extorquido
exilado
do lado

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

VANGUARDA E BREGA, DIÁLOGO E MONÓLOGO

VANGUARDA E BREGA, DIÁLOGO E MONÓLOGO

O brega é um estilo musical que transita pelas camadas sociais. Devemos admitir: Quem nunca curtiu um breguinha? O Brasil inteiro ouve brega! Da zona sul a zona norte de nossa cidade, vemos pessoas ouvindo o brega. Isso ocorre de forma consciente ou não. Não depende se a pessoa sabe se é brega ou não. Isso me leva a acreditar que o estilo brega tem algo que a Vanguarda não tem. Por favor, não me esfolem vivo! Esse algo, para mim, está no discurso.

O discurso está presente em tudo que o humano produz. Então a vanguarda tem o seu. Mas o brega tem um tipo de discurso que transita com mais velocidade de que os outros discursos presentes em outros estilos musicais. Isso eu posso dizer sem medo de estar errado embora não sendo especialista na área. É algo de fácil observação. Coloca-se a cadeira na calçada em qualquer bairro de Aracaju e observa-se, logo, o brega aparece dizendo o que quer e como quer.

Talvez seja esse “como quer” e esse “o que quer” que fazem a diferença para outros estilos presos a uma estética voltada para um público mais “refinado”. As aspas estão aí por que aceito o fato de que os humanos são iguais até que se prove o contrário, logo, as nossas classificações são sempre injustas.

O “o que quer” é um campo discurso muito vasto. Logo o discurso brega contém marcas discursivas que despertam temas das mais variadas faces do real das pessoas presentes em uma dada sociedade. Ele toca as pessoas no seu imaginário e por tabela suas emoções e inconsciente. Quem nunca foi chifrado ou conhece um corninho? Quem nunca fez amor de todo jeito após uma festinha regada por muita bebida?

O discurso brega é dialógico. Digo isso por que ao contrário do que ocorre com os outros estilos musicais o povo entende muito melhor sua temática. Quando há compreensão abre-se a porta para o diálogo, e neste caso, ele começa no interior das pessoas. Elas se encontram naquela letra, vêem um pouco de suas vidas e de sua realidade. E por isso dialogam com o brega sem perceberem, e o brega, do mesmo modo, dialoga com elas: “Garçom, faça um favor...” Como? Sim, o brega dialoga por que ele enquanto discurso é intencional e dirigido a outro ser humano e essas são condições bases para um diálogo. É diálogo por que não é uma imposição, sua ideologia não busca a hegemonia, a dominação. É o discurso da expressão. Entende-se pelo trabalho de Vina torto que o brega surgiu pela necessidade das pessoas terem um estilo musical que abordasse uma temática mais próxima de sua realidade. Quando eu me vejo em algum lugar ou em alguma coisa isso aflora em mim palavras mil. Não é verdade?

Enquanto diálogo o brega causou medo ao poder. O poder não gosta que o povo fale de seu mundo. O medo do poder é que o povo dialogue sobre seu mundo e descubra as contradições presentes nele. O poder não confere ao povo o direito do discurso. O discurso do povo é o discurso do louco. Portanto o discurso brega foi censurado, ou taxado de coisa podre ou nojenta ou de baixo valor cultural por que o poder talvez tivesse pensado que seria um contra discurso, algo subversivo, atentatório a moral e aos bons costumes.

O “o como quer” também tem um vasto campo de atuação. Bem maior que o discurso da vanguarda que se prende a estética mais polida. A linguagem brega é acessível a todos. Por esta causa a identificação crescente da sociedade com o brega é compreensível. A exclusão no Brasil atinge a sociedade de todas as formas. Temos aqui a exclusão lingüística. O personagem Odorico Paraguassu da Novela o Bem Amado exemplifica muito bem o que quero colocar aqui. Ele falava um quilo e ninguém entendia uma grama. Assim é nossa arte em muitas ocasiões. O povo não sabe de que se trata. Não quero com isso culpar a arte ou os artistas, apenas digo que existe uma grande parte do Brasil excluída por questões lingüísticas. Falamos para um Brasil culto, de classe alta, que ler e estuda. Mas o brega fala como quer, usa termos do dia a dia, e fala de coisas da rua e de casa. Que bom! Assim, as pessoas entendem, e entender o que se diz é um passo importante para o processo de inclusão e para um diálogo entre as classes como diria Freire.

O discurso vanguadista é monológico. Ele fala a academia. É a academia falando com a academia. É um monólogo. Não quero tirar dele sua importância em vários aspectos. Sua estrutura lingüística não permite ao povão decodificá-lo e aperceber-se de sua importância. Ademais o discurso vanguadista não poderia levantar questões prementes às classes populares por que parece não ser essa sua preocupação. O que não ocorre com o brega. Não estou com isso dizendo que o brega esteja preocupado com alguma coisa. Como qualquer arte o brega é expressão, portanto, uma expressão do povo que fala para o povo do jeito do povo com a cara do povo. Constitui-se, então, num discurso popular. (Bakhtin)

Enfim, parece que o brega ainda assusta a muita gente. As pessoas não gostam que se mude a nota musical preferida. Parece que “o deixe tudo como estar” é um discurso que vai demorar muito para sair de moda. Estudar o brega é estudar o povo, seu imaginário, suas tensões e sonhos. Estudar o brega é estar cara a cara com o efeito lesivo de uma exclusão massacrante. É massacrante por que não precisaria ocorrer, e causa massacres literais no seio da sociedade, é massacrante por que temos tudo a nosso favor, e sofremos de diarréia e dengue o ano inteiro, logo, o massacre vem do poder, e é intencional, pois este não muda o discurso em seu miolo. O Brasil é o país da exclusão que canta e fala em liberdade sem que os oprimidos saibam que estão falando sobre eles. Ironia né?

“Vem vamos embora que esperar não é fazer, quem sabe faz hora não espera acontecer”. Seu João pedreiro, pagador de impostos, e bom cidadão, nunca foi escola. Ele não entende esses versos e nem sabe que eles estão falando de sua realidade.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Hierarquia

Correntes, tapa olho, Paulada
Cadeira elétrica, facada, um tiro
Chuva ácida!

A orquestra não para!

Sorrir?

Sorrir! Não fique triste,
Vamos dançar outra vez!

"...é tudo contrário, é tudo uma ilusão"

Atropelo, câncer, pus e batida
Tsunami, terremoto, um cometa
Tornado!

A orquestra não para!

"Está tudo em ordem"

Vamos dançar novamente, querida
A valsa nos conduz

A mordida, o gozo reprimido, o chingamento
Uma violência! O chicote, a prisão
Um belo punhal, talvez um cassetete
Quem sabe outra guerra

Sorrir?

Sorrir!

"Não fique triste”

Dançar, dançar, um aperto de mão!
Não escolha, deixe-me exercer a vontade sobre você
Permita-me te sufocar! por gentileza (ouve-se "te dou um beijo')
A liberda...Não consigo terminar de exprimir essa palavra.
É algo de poucos, almejam a natureza e o homem
O todo como poucos desejam ser e ter controle
Dos únicos aos poucos aos outros poucos aos outros poucos...
Por fim, os demais!

Sorrir?
Sorrir! Não fique triste...

"Está tudo dentro dos conformes"




http://www.hacasoseacasos.blogspot.com/

Repetição (Wiederholung) e Transferência (Übertragung) III

Jacques Lacan retoma constantemente o conceito freudiano de transferência, reforçando alguns pontos. Lacan opõe a "transferência simbólica à "transferência imaginária". Para Lacan, a transferência é de ordem simbólica uma vez que a sua força reside na função em que o analisando coloca o analista, que ele o ame ou o deteste é secundário.

A transferência é fundamentalmente ligada à imagem de alguém já conhecido. Sabendo-se que o analista é um "sujeito suposto a saber" para Lacan, perecebe-se que, na sua visão, a transferência não é mais que o "amor endereçado ao saber". Para Lacan, a transferência imaginária é um obstáculo, no sentido de não ser mais que o imobilismo do sujeito. Na verdade, o sujeito age na análise por não mais ter a dizer, e, logo, mais o sujeito resiste, e mais a repetição lhe é imposta.

Assim se encerra a série de abordagens sobre estes conceitos iniciais de psicanálise. Talvez eles não tenham sido probleamtizados de forma tão madura, mas através das discussões aqui no site do Torto, talvez possamos revisá-los.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Poema Arcade

Eu tenho alma de poeta
Sinto isso às vezes
Quando tenho que escrever
E quando vejo TV
Enquanto o mundo chora nela
Sinto que tenho essa alma.

Tudo que nela falam é fumaça
Peitos abertos esfacelados
Pouca atração verdadeira
Parece que ninguém se comunica
E tudo fica assim
Como um vício de sangue.

Acho que...
Agora tenho que comprar um carro
Não falar com estranhos
Não abrir a porta
Nem os pulmões
Nem declamar versos
Apenas subir as montanhas que fazem no meio da cidade
Congelar-me em seu ar rarefeito.

Expurgar o medo
Cabelo de mulher
Vestido azul
Sóbrio
Algo em Francês tocando
Canto da orelha
Varanda e mato
Sonhos de poeta
Silêncio.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

se penso

se penso, logo não existo
eu consumo
e pratico
sou o que sou por ser
e não por pensar
porque penso que assim,
logo eu existo.

A música de vanguarda e a música brega nas escolas

Devido ao comentário fantástico que recebi semanas atrás do meu querido torto Roosevelt acerca do meu texto “Música de vanguarda e educação”, resolvi trazer mais ideias sobre a proposta dele referente à aplicação da música brega nas escolas. Por eu ter trazido textos falando sobre a música de vanguarda, decidi propor nesta semana uma abordagem em relação à música de vanguarda e à música brega, pensando esses dois universos dentro do cenário educacional.

Tanto a denominação vanguarda quanto brega foram construídas por meras intenções de poder. A vanguarda foi associada a uma música “além do tempo” e como uma música crítica pelo fato de seus consumidores estarem associados ao público universitário. Já o brega foi uma denominação associada a algo alienante e clichê, por seus artistas, diferente dos da vanguarda, serem pessoas que geralmente não possuem muita escolaridade.

Mesmo que eu veja na música de vanguarda um caminho para provocar curiosidade nos discentes, ela pode não gerar muitos efeitos positivos. Como eu já expus semana passada, se mesmo sendo consumida por universitários, essa estética se encontra pouco consumida por uma boa parte deles e pelos profissionais provenientes desses meios como os próprios docentes, como podemos esperar em uma sala de aula, estimulo e interesse de um aluno de ensino médio por esse tipo de música?

Portanto, como observei em textos anteriores, a música de vanguarda é válida para ser aplicada nas escolas por questionar os modelos legitimados, mas também não surte efeito pelo fato dessa música se encontrar distante do cotidiano dos discentes e de muitos docentes, sem contar que muitas vezes o seu público-consumidor, como forma de manter seu prestigio, faz dela uma construção incompreensível e inatingível. Outro ponto se refere à educação: nosso sistema educacional, caracterizado pelo controle social, não comunga com a natureza liberta dessa música.

Já com a música brega a situação muda. Apesar de ainda ser na maioria das vezes consumida por setores mais periféricos, ela estabelece um canal de comunicação com a sociedade chegando a extrapolar as barreiras sociais. É por isso que acredito no ganho das escolas ao utilizarem essa música, afinal, uma educação de qualidade se dá através do diálogo que o docente termina por estabelecer com o seu aluno buscando entender o cotidiano desse aluno.

No entanto, apesar de eu visualizar um ponto frutífero em trazer a música brega para a sala de aula por ver nela a possibilidade de dialogar com a realidade dos alunos, eu penso que a nossa educação é reflexo também dos interesses simbólicos dos setores prestigiados da sociedade. Ou seja, os grupos sociais, para se afirmarem em seus espaços, demarcam fronteiras entre eles e os demais grupos como forma de se distinguirem e de preservarem seu poder na hierarquia estética e social.

Por exemplo: se eu sou considerado intelectual para a sociedade, para demarcar meu espaço, nego a utilização da música brega em minha aula por ela ser vista como algo simplório e de mau gosto e por se encontrar com maior freqüência em um público sem muita instrução escolar e sem prestigio social. Infelizmente é isso que muitas vezes acontece: os docentes reafirmam seus valores estéticos em salas de aula de acordo com o que é legitimado e imposto pelo seu grupo.

Percebemos essa imposição estética nos livros também. Nos livros de história, por exemplo, lemos sobre a MPB na ditadura militar, mas não encontramos nada acerca da música brega. Em literatura, podemos observar que os artistas e estéticas citadas, são as que interessam a uma elite intelectual. Se olharmos a gramática, o discurso legitimo é apenas aquele oficializado pelos que detêm de um saber formalizado. Assim acontece com a geografia, a matemática, a sociologia, etc.

Portanto, com relação à música brega, também visualizo uma importância dela nas salas de aula por ela se encontrar ligada ao cotidiano dos alunos, no entanto, muitas vezes ela não surte efeitos pelo fato dos docentes necessitarem reafirmar seu lugar de prestigio, esquecendo da importância da vivência cultural do seu discente para uma boa aprendizagem, preferindo as velhas classificações do que é uma música “mais” importante e “menos” importante para serem discutidas nos ambientes escolares.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

ANTONIOS

Antônios

As margens dos rios são testemunhas de muitas coisas que o homem faz. Às vezes, elas contam estórias de amor, de ódio, ou simplesmente estórias. O presidente Figueiredo havia subido ao poder. O Brasil estava em ordem e progresso, e as águas do rio Cocó estavam muito turvas; em alguns trechos, eram águas escuras. Um caboclinho cearense costumava banhar-se nas turvas águas do Velho Cocó. A natureza fala conosco de diversas formas. Até nossos gestos corporais humanizados falam do mundo. Assim, uma cena congelada no espaço com uma paisagem ao seu redor pode nos contar muitas estórias. As margens do Cocó foram cenário de muitas delas. Um caboclinho das águas, às manhãs de sábado, ia comer siri; era um desses dias de sol quente; as águas do Cocó refrescavam a mais quente pele. Elas refrescam até a alma. O Jovem Airapanã comia siri e se refrescava na água quando um casal aparece e senta-se na areia, na margem do rio. Airapanã escutou quando Vó Inã disse: “Oia, meu fio, a ternura humana!”
- Meu amor, eu não quero ter esse filho - iniciou a conversa Ciribele.
- Mas querida, filho não é o fim de uma mulher. Um filho é a natureza da mulher se expressando naturalmente.
- Você diz isso porque não é com você, você não vai arrastar uma barriga.
- Seu corpo foi programado com dispositivos naturais de adaptação orgânica ao estado de gravidez.
- Mas, sou jovem e quero me divertir, quero estudar, não quero criar filho agora.
Airapanã viu quando Vó Inã se abaixou para pegar água para ela e para os curumins. Os pequenos correram para junto dela.
Rocha e Ciribele se amavam, contudo, uma gravidez inesperada, totalmente acidental, gerou conflito entre eles. E Ciribele queria abortar. Rocha não concordava com o aborto, mas não insistia para a moça parar seus planos. Naquele sábado, eles foram ao Cocó para analisarem os fatos e tomarem uma decisão. Rocha estava terminando uma licenciatura e pretendia o mestrado, Ciribele iniciava sua graduação em matemática.
Eu vi quando Inã veio para mim. Ela estava com o cachimbo na mão. Andava encurvada, parecia cansada. Ela veio, sentou-se numa pedra ao meu lado e deixou os pés nas águas que refletiam o dourado do sol nos meus olhos.
- Vó Inã, as mães matam seus filhos?
- Uma mulher pode ser uma ursa violenta contra suas crias. Isso ocorre quando seu ser natural fica enterrado no seu mundo de sonhos. Assim como os homens, as mulheres sonham.
- E o sonho da mulher pode matar curumim na barriga da mãe?
- As mulheres se desesperam por muitas razões. Às vezes, elas provam o sentimento de seu homem. Os homens silenciam os gritos da mulher impondo o silêncio.
- Se Zambi fez os dois para viverem juntos, como há conflito no amor?
- Meu fio, olhe a água corrente! Elas se chocam contra meus pés e por certo os meus pés contra elas, assim são as pessoas.
Airapanã coçou a cabeça e pulou no rio. Mergulhou fundo nas águas até que parou próximo a uma loca de onde saía uma raiz muito grande. O indiozinho sentou-se nela para ver os peixes. Diante de seus olhos encantados, forma-se da raiz submersa de uma árvore um rapaz muito bonito, vestido em traje de homem branco. Ele subia até Ciribele.
- Precisamos ser práticos. A criança só vai atrapalhar, e nós estamos ficando como você sempre disse: “Frios”. Argumentou a moça.
- E você nunca negou o fato de que fomos ficantes. Hoje em dia, as coisas são assim - argumentou Rocha com voz tímida.
- Isso não tem nada a ver. A criança vai atrapalhar os meus planos. Se minha mãe souber que estou grávida, ela vai barrar toda minha vida.
O tom das palavras de Ciribele foi muito convincente. Rocha, no fundo, já tinha aceitado o fato de ser pai. Estava até gostando da ideia, pensando em como seria um menino ou menina correndo dentro de casa. Sua mãe um dia lhe dissera: “Meu filho, filho é uma benção, sempre traz alegria”. No entanto, ele não se esforçava para tirar da cabeça da moça a ideia de aborto. Ela comprou o remédio e o carregava em sua bolsa. A conversa entre os dois ganha um tom de monólogo.
- Depois do aborto, volta tudo ao normal - disse Ciribele.
- É - disse Rocha concordando com a moça.
- Aborto nessa idade tem seus riscos, mas sou jovem, sou forte.
- É, e depois não vai ocorrer nada.
- Você acha, amor? Acha?
- Acho.
A areia do fundo do rio em alguns lugares era bem branquinha. Airapanã gostava de brincar com ela. Ele passou a mão nela e arrastou uma pedra dourada, lavada pela correnteza. A pedra irradiava um clarão quando o sol incidia sobre ela.
- Num vê, meu filho, que até a dura pedra do rio reflete a luz? E escute!
Um borbulhar se espalhava em forma de ondas, e o rio se agitou por um instante. Uma sereia vestida de dourado e joias muitas por todo o corpo surgiu como por encanto. Vó Inã canta um ponto. E Oxum se senta ao seu lado. Ciribele abraça Rocha e chora por um instante. Havia um clima de profunda tristeza. Ciribele toma a garrafa de água mineral e engole os comprimidos letais, e em sua mente, estava a dúvida do amor de seu homem. Os dois se levantam, caminham para a calçada e pegam um ônibus para casa. O resto do dia para moça foi como sempre fora- tudo em seu lugar. Estudou, comeu, assistiu TV, e aguardou ansiosa sentir alguma coisa. Ciribele foi se deitar cedo, depois de ler algumas páginas de O pequeno Príncipe. Ela sonhou que estava no rio Cocó, naquele lugar que tem uma pedra muito grande, e a calha do rio se alarga. Uma moça muito bonita estava na pedra. Ao seu lado, havia flores diversas espalhadas. Ciribele chegou e sentou-se com ela.
- A menina está triste, não é? - disse a moça estranha. - Foi você que soube da morte de Antônio? - continuou a estranha.
- Não, eu não soube não -respondeu Ciribele.
- Antônio morreu sem ter a menor chance. Era um rapaz bom, estudioso, teria um futuro brilhante, um orgulho para seus pais.
- Como ele morreu moça? – perguntou, curiosa, Ciribele.
- Ele foi envenenado. Ele confiava muito em sua mãe e o que colocavam na mesa para comer, ele comia sem perguntar. Não se sabe como, mas sua comida foi envenenada, e ele a comeu e morreu sem motivo algum. O pobre comeu a comida com tanto gosto. - contou a estranha.
- Ele sofreu muito para morrer? - perguntou Ciribele.
A estranha jogou-se nas águas do rio. E Ciribele gritava para ela voltar. A estranha sumiu no rio onde suas águas eram bem escuras. Ciribele, então, via em seu sonho que a natureza se deformava ao seu redor como se as plantas e pedras fossem feitas de papel.
- Ciribele?
- Você de volta?
- Sim.
- Onde estão as coisas que estavam aqui? As pedras, as árvores, o rio? Você ouve alguma coisa?
- Não.
- Mãe natureza está de luto. Quando isso ocorre, nada faz sentido. As coisas se tornam caos. Não há sentido sem a natureza.
- Mas estávamos conversando sobre o Antônio, cuja existência eu não conheci.
- O rapaz era apenas um pequeno pedaço da natureza, e por causa dele, tudo se encolheu, você não vê?
- Não. Isso, minha amiga estranha, é apenas um sonho; logo, eu acordarei.
- Você não está dormindo. Esta é você por dentro. O que você faria com a pessoa que envenenou o moço? - perguntou a cabocla do rio.
- Se eu tivesse provas, chamaria a policia.
- É você a pessoa - terminou a conversa a Rainha das águas.
Ciribele acordou muito tensa e havia sangue em seus lençóis. A moça foi levada para o José Frota, com hemorragia grave. Passou dois dias internada. Seus pais foram visitá-la e ficaram sabendo de tudo. Rocha, com muito remorso, esfriou seu amor para com a moça Ciribele.
- Está melhor?
- Estou.
- Quando vai poder sair da cama?
- No final de semana.
- Ciribele, me perdoe, mas vim te avisar que estou indo para Orlando. Minha mãe acha melhor eu passar uns tempos lá. Quem sabe eu consiga um mestrado nos Estados Unidos.
Os dois nunca mais se viram. Ciribele teve o útero perfurado pelo remédio abortivo. Alguns anos depois, a moça se casou com um ex-seminarista católico chamado Honorato Gomes de Melo. Moraram uns dias em Fortaleza e depois foram para Recife. A vida do casal era comum. Trabalho, vida de casa, amigos, festas e contas. Um dia, Honorato sentiu que faltava algo na união tão bonita dos dois.

- Ciribele, quero que você faça um exame, pois você não engravida nunca. Estamos sem nos prevenir há meses e nada de menino.
- Meu bem, acho que deve ser a tensão na escola. Ser professora é muito estressante, e a gente nunca está disposta nos dias férteis. - argumentou a moça.
- Eu acho muito importante um filho para coroar um amor. Além do mais, nossa casa está ficando vazia.
- Eu sei, meu bem. Vamos pedir a Deus uma criança.
Airapanã voltou de longa viajem ao além. O Rio Cocó estava sendo roubado de sua beleza. Suas águas estavam mais poluídas. E ao seu redor não havia mais a mata. Os prédios e o shopping tomaram o lugar da beleza natural. Ele encontrou a velha Inã sentada na mesma pedra.
- Meu filho, o mundo tem tantos Antônios, mas nenhum é igual ao outro. Não é uma questão de sobrenome. Os homens são como este rio. Ele é único no mundo de Zambi. O fio rodou, o que o fio viu? - perguntou a encantada.
- Eu vi que os homens são iguais em uma coisa: “Eles se precipitam correndo para aqui e para ali como se a vida fosse toda aqui na beira desse rio”.
- Num é, meu fio?
- É.
Ciribele finalmente engravidou. Toda a sua gravidez foi em paz. O casal estava com tanta felicidade que preparam tudo para receber a criança. Pelo Ultrassom, eles souberam que era um menino. Honorato queria muito homenagear seu avô com o nome de seu primeiro filho. O menino seria chamado de Antonio Vieira de Melo Neto. A criança nasceu. Parecia que a estrela da sorte havia surgido no céu daquele casal. Antônio cresceu, foi à escola, terminou os estudos, prestou vestibular para medicina e passou em boa colocação. Recife é uma cidade linda. Mas como toda cidade grande, ela abriga seus monstros. Antônio foi assaltado e levou um tiro na cabeça. O rapaz nunca mais se levantou da cadeira de rodas. Suas pernas e braços não podiam sustentar seu corpo, seus sonhos e os de seus pais.
- Ciribele!
- Sim!
- Onde está o pequeno Antônio?
- Qual?
- Não importa. Cuide desse!
Ciribele deixou o emprego de professora e dedicou sua vida a cuidar de Antônio. Agora, sua sina era o rapaz brilhante que teve sua vida quase interrompida por alguém que passava na calçada.
- Vó, e nós?
- Estamos sem rio...

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Repetição (Wiederholung) e Transferência (Übertragung) II

Em seu texto intitulado "Além do princípio do prazer" (1920), Freud associa com ares poéticos a pulsão de morte à repetição. Em suma, o autor nos propõe que a repetição aluaria no sentido de nos fazer retornar ao nosso estado mais primitivo, ao estado de ser inanimado. E chega, ainda à seguinte conclusão: "seremos então compelidos a dizer que o objetivo de toda a vida é a morte".

A transferência, segundo Laplanche e Pontalis (2001), " designa em psicanálise o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de relação estabelecida com eles e, eminentemente, no quadro da relação analítica. Trata-se aqui de uma repetição de protótipos infantis vivida com um sentimento de atualidade
acentuada. É à transferência no tratamento que os psicanalistas chamam a maior parte das vezes transferência, sem qualquer outro qualificativo.

 A transferência é classicamente reconhecida como o terreno em que se dá a problemática de um tratamento psicanalítico, pois são a sua instalação, as suas modalidades, a sua interpretação e a sua resolução que caracterizam este". Isto aliás, justifica o "quase-jargão" entre os psicanalistas de que só há análise, quando se há transferência. Quando esta ocorre, substituiu-se necessariamente a imagem pessoal do analista por uma imagem pessoal previamente conhecida. E é este um dos grandes motivos de termos trabalhado, neste texto, os dois conceitos juntos.

Percebemos ainda que Freud, no seu texto "Recordar, repetir e elaborar", chama a atenção para alguns fatores acerca da transferência, da repetição e da resistência. O autor nos propõe que quanto mais hostil é a transferência, mais diminuta é a recordação e mais frequente a repetição.

Propõe-nos também que a repetição é determinada pela ação da resistência e que a repetição é uma força atual, antagonizando-se com a recordação, que descreve um acontecimento bem definido do passado.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O pop não poupa ninguém

Realmente, quando Augusto Comte defendeu um modelo de sociedade onde seria priorizada a atuação das forças individuais que simultaneamente trabalhariam para engendrar o progresso, não imaginaria a que ponto a sociedade ocidental chegaria. Vivemos hoje a exaltação do individuo em vários sentidos, o homem do século XIX, XX e com mais ênfase do XXI não possui mais suas referenciais pautadas unicamente em instituições como a Igreja e a família, ou seja, em instituições que possam representar ou projetar valores estritamente homogêneos. Agora não somos apenas individualistas no sentido material, no entendimento moderno de propriedade que até hoje perdura, agora também a existência, e as escolhas de valores perpassam a individualidade, o que outrora era escolhido na hora do nosso nascimento. A liberdade de expressão tão defendida nos anos 70 trouxe consigo um problema, a cabo que promulgou culturas diferentes como a Indiana, Africana, a cultura Zen oriental etc. O problema que falo, portanto, é como em uma panacéia de referências vou dar sentido a minha vida? Se não tenho quem escolha minha visão de mundo tenho que dar sentido a minha existência! Mas aí é onde mora o vazio e a libertação.

Vivemos a ausência das grandes metanarrativas, não possuímos mais a figura do Rei nem do Papa como senhores de verdades inequívocas e inquestionáveis. O preço da liberdade veio acompanhado da fobia, do medo e da depressão. Passamos, portanto por sensações de abandono, de dúvida, de projeção da expectativa em um pragmatismo futurista, convivendo com a luta e a incerteza do fututo promissor, o excesso de estímulos cognitivos devido ao ritmo do nosso tempo, exigindo ao mesmo tempo flexibilidade e foco da atenção. Ao cabo que sofremos essa angustia, a nossa sociedade passou a entender como modelo em contrapartida, talvez como forma de distinção social, logo artifício de poder, a exigência da felicidade e do aparente bem estar do outro, o velho pensamento positivo e a coerção a todo custo da tristeza. O mais engraçado é ver o discurso de certas pessoas, que herdaram o discurso hippie de que devemos ter pensamento positivo, e sorrir e sorrir e sorrir, como se fossemos bobos da corte, e entender que eles não percebem que esse discurso hoje é hegemônico, e que a tão contestada cultura de massa por eles está neles de forma muito mais presente do que em algumas pessoas ditas “povão”. Não condeno a necessidade de positivar a nossa experiência de mundo, mas esse niilismo em que algumas pessoas chegam é por demais esquizofrênico e incomodo. Para exemplificar vejamos o que o Nietzsche nos fala sobre a prática do bem:

Ao fazer bem e mal aos outros exercitamos o nosso poder sobre eles – é, nesse caso, o que queremos! Fazemos mal a quem devemos fazer sentir nosso poder, pois o sofrimento é um meio muito mais sensível, para esse fim, do que o prazer: o sofrimento procura sempre a sua causa enquanto o prazer mostra inclinação para se bastar a si próprio e a não olhar para trás. Ao fazer bem ou ao desejarmos o bem exercemos o nosso poder sobre aqueles que, de alguma forma, já estão na nossa dependência (quer dizer que se habituaram a pensar em nós como suas causas); queremos aumentar o seu poder por que assim aumentamos o nosso poder; ficarão mais satisfeitos com a sua situação e mais hostis aos inimigos do nosso poder, mais prontos a combatê-los. (NIETZCHE, 2005, p. 45)

Outro problema da liberdade de escolha é a aceitação dela, cada um tem direito de viver sua neurose, mas é importante em termos de convivência a aceitação da subjetivação do outro, pois do contrário suponho que podemos chegar a um grau de fragmentação discrepante. Mas, voltando ao lado da minha vivência como fiz no parágrafo anterior, o mais irritante é que as figuras sociais que condenam a sectarização também são sectários, como já disseram muitas vezes no Torto, que na verdade usam essa pretensa abertura como qualquer outro individuo faz, quando existi um investimento libidinal em algum objeto, ou seja, são abertos quando é conveniente. Como dizem os apologistas da paz e do amor não devemos dar atenção à roupagem, afinal em termos práticos esses indivíduos “libertários” acabam sendo tão comuns quanto retóricos.

Quando Bauman fala em sociedade liquida alguns o rotulam de pós-moderno, portanto anti-revolucionário, estão muitas vezes retratando o sonho da época da ditadura que ainda é exemplo, e exercitando sua preguiça intelectual. O que o dito cujo queria dizer, a meu ver, é que hoje em dia o poder está diluído, e que as coisas se ordenam de forma sistêmica, onde a pessoalidade do inimigo não é algo muito recorrente. O entendimento do engajamento político tem que vir de uma leitura mais complexa de mundo, pois o que sustenta o poder é uma teia de articulações. Poderíamos apontar uma forma de articulação profícua em termos de contaminação discursiva em pro de uma mudança social, uma forma de nos articular com essa sociedade do micro e do individuo é a internet; tendo em vista o rombo que pessoas comuns deram a empresas por postar vídeos no youtube por exemplo.

Para entendermos e colaborar com as opniões inscritas nesse texto, ficamos com um fragmento de um texto do Morin que fala sobre o paradigma da complexidade e que transmite uma quebra com o maniqueísmo presente no discurso de nossa sociedade, coisa que o Torto tenta fazer:

Tem razão de falar da complexidade. Efetivamente, a complexidade não é somente o fato de que tudo está ligado, de que não se podem separar os diferentes aspectos de um mesmo fenômeno, de que nós somos seres de desejo, seres econômicos, seres sociais, etc., de que tudo está ligado – mas é além do mais a idéia de que conceitos que se opõem não devem ser expulsos um pelo outro quando se chega a eles, por meios racionais. Isso faz parte da minha concepção de complexidade. Do universo e do homem (MORIN, 2002a, p. 58-59 apud: LIMBERGER, 2006, p. 105)

*Esse texto foi inspirado no programa Café Filosófico que levou o tema de: Pirando no Século XXI

** Referências: NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. Martin Claret, 2005; original em alemão: Die Fröhliche Wisenschaft (1881-1887).
LIMBERGER, Leila. Abordagem sistêmica e complexidade na geografia. Geografia – v. 15, n. 2, jul./dez. 2006. Disponível em http://www.uel.br/revistas/geografia

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Música de Vanguarda e Educação III

Antes de qualquer coisa, gostaria de dizer que meu interesse nesse tema está em articular especificamente a música de vanguarda com a educação, e não articular a educação com as músicas em geral consideradas vanguardistas. Por exemplo: a Bossa Nova é considerada uma estética vanguardista, mas meu interesse está no gênero musical classificado de música de vanguarda, ou seja, uma música na qual o artista, através das quebras dos modelos ditos tradicionais, INTENCIONALMENTE provoca um estranhamento no ouvinte.

Outro ponto que eu gostaria de reforçar se refere à música de vanguarda em relação à educação. Em meu texto publicado semana passada, notei que minha perspectiva acerca da educação foi um tanto unilateral. Meu olhar se limitou apenas a um negativismo acerca da educação impossibilitando-a de se entrecruzar com a música de vanguarda. Porém, continuo acreditando que da forma como a educação se encontra, ou seja, caracterizada por um automatismo evidente, ela não consegue dialogar com a natureza experimental e liberta da música de vanguarda.

Também andei revisando minha concepção sobre o contato do público acadêmico com a música de vanguarda. Será que a maioria dos ditos universitários consome essa música? O que tenho constatado é que essa tendência musical é tão elitista que termina se tornando um gueto dentro de um gueto que já é a própria universidade. Há uma certa impossibilidade dos docentes usarem a música da vanguarda na educação pois ela ainda não se faz entendida até mesmo entre a maioria dos indivíduos provenientes dos meios acadêmicos.

Por outro lado, eu continuo acreditando que uma boa parte do consumidor da música de vanguarda termina se utilizando do estranhamento provocado por essa música mais como forma de manter o poder desse público do que de provocar requestionamentos críticos. No jogo do poder, o estranhamento busca a distância, pois a proximidade significa risco de se popularizar essa música. O que eu noto é que existe uma lógica de valor na auto-afirmação estética desse público: quanto mais comum, menos valorizado.

Pensando sobre como a visão que os docentes fazem da música de vanguarda podem ser refletidas na educação, eu chego a duas conclusões: como eu já disse, se uma boa parte dos universitários não possui nenhum conhecimento acerca dessa música, como eles vão saber utilizá-la em sala de aula? Por outro, se para os que a consomem e a utilizam como um instrumento de auto-afirmação, como ela vai produzir efeitos de conscientização se ela serve muitas vezes meramente como espetacularização para as vaidades classistas?

Em relação à aplicabilidade da música de vanguarda na educação eu pergunto: mesmo que haja um docente consciente do papel que ela pode provocar na educação, até em que limite ela pode gerar um estimulo nos alunos? Só há estimulo quando o conhecimento se encontra diretamente vinculado à realidade sócio-cultural do discente. Portanto, imagine essa tendência musical sendo aplicada em uma escola da rede estadual, por exemplo, onde geralmente o hábito musical dos alunos está longe do convivio com a música de vanguarda?

Não significa dizer que um educador não possa trazer outras estéticas para dentro das salas de aula, até por que, esse é um dos grandes papéis da educação: fomentar outras possibilidades de conhecimento e de contatos aos seus alunos para com isso motivá-los pela busca de novas descobertas, mas não deixa de ser necessário lembrarmos que não adianta colocarmos um tipo de música que não seja familiar aos critérios estéticos do discente achando que com apenas isso estaremos revolucionando o mundo.

Manifesto dos diabos

Eu já estou cansado deste inferno, pois ele não está como antes. Depois dos excessos de liberalismos, os conceitos atravessaram outros poros impenetráveis. E isso causou sérios danos ao inferno, simplesmente as pessoas estão incrivelmente indecisas entre as suas escolhas.

O céu já não está tão bom assim. Para o brasileiro está pior ainda, não se como feijão por lá. As pessoas viram anjos, passam o tempo tocando harpas e protegendo os podres humanos. Como se não bastasse, automaticamente ao virar anjo, perde-se o sexo. Apesar dos anjos serem denominados no masculino, eles são castrados e sem direito a nenhuma cicatriz, ou seja, perdem um pouco a noção do tesão.

No inferno o patamar muda. Diferente da cor azul- sem- graça do céu, lá o vermelho ferve. O carnaval é o ano inteiro sem qualquer distinção de sexo, raça ou cor, ou seja, lá todo mundo pode tudo. A democracia é literalmente escancarada, quero dizer, os luciferzinhos dançam no sabor da luxúria usufruindo da sua miséria e inclusive da miséria alheia. O oportunismo é lei. Uma lei tão certa na terra de ninguém, ou melhor, na terra daquele que sabe manipular os seus doces diabólicos amiguinhos. E o mais divertido é que o poder não cabe só a um, mas a vários, há um ciclo eterno de entrada e queda, queda e entrada de quem sabe sobrepor ao seu oponente.

Quando alguém se deu conta que a terra é uma extensão, uma porta para entrada do inferno, quem mais quis saber de ser julgado no Juízo Final? Primeiro, porque um santo e vários outros afirmaram que já nascemos com o pecado original. Segundo, um tal de João, o João Calvino, atestou que o homem se purificava através do trabalho. Tudo bem, confesso que esse último deu um pouco certo até porque homens, mulheres e crianças trabalharam tanto que envelheceram precocemente em prol do enriquecimento da nação para ter sua recompensa minguada. Ao chegar no céu teve que aceitar a ditadura de negar os seus instintos, denominador que lhes dão o estado de natureza pura.

O ditador pendurou suas botas, pois ser ditador não é fácil. Tentar encontrar uma organicidade para os humanos essencializados de perversão e doçura flutuantes, a sua cabeça foi a mil quando percebeu que era uma missão impossível. Ele jurou que quando os hominídeos forem extintos, tratará de descansar 1000 anos e não mais 7 dias. Mas como o processo de extinção demora e Lúcifer é decisivamente contra isso- apesar de não agüentar os humanos também- eles demorarão muitas décadas, talvez alguns séculos para sumirem do mapa de uma vez. Então, só restou ao Todo Poderoso dividir um pouco o seu trono para as máquinas terrenas (construídas por homem- deus) e o diabo. É isso mesmo, os diabos que os carreguem os humanos, pois Deus não está conseguindo escrever certo por linhas retas.

O desapontamento de Deus é grande. Ele construiu um império universal e cósmico para que um, apenas um, anjo mau intencionado colocasse as coordenadas celestes a perder. Como se não bastasse, angariou um exército de humanos para o inferno, só que não para por aí, vai mais e mais e mais. Não se trata de criar, institucionalizar comportamentos diabólicos até por que de demonizado todos eles já nasceram. É mais fácil fabricar modelos ideais cristãos, mas como eles são falhos (e como falham!) , ir com cristo está difícil.

Lúcifer cansou e todos nós também. O inferno está cheio, todo mundo reclama, pois o oportunismo legítimo está sendo tomado pela hipocrisia. Os novos demônios estão cheios de boas intenções. Mas todo mundo sabe que de bom não se tem nada. Então para que encher mais o caldeirão vermelho? O calor está infernal, estratosférico em relação ao efeito estufa, as piadas estão de mal gosto e as bebidas viraram água de cevada. Não sei que geração perdida é essa. Acredito que sejam alguns últimos que desistiram de ficar no céu e querem infernizar o inferno, tentando impor algumas leis da regras de ouro. Moisés tentou, desde o Monte Sinai, e não conseguiu, as leis divinas se foram imagine as dos homens, então para que diabos tentar por aqui? Sabe de uma? Quem quiser, que saia logo do Inferno!