Decepcionamo-nos com o amor por geralmente retirarmos dele toda a sua relação com a espontaneidade da vida. Carregamos uma triste herança construída pelos valores ocidentais acerca desse sentimento tão desejado pelo humano. Vou explicar: o ocidente traz consigo uma necessidade urgente de tentar pôr tudo em seu devido lugar. É incrível como o ocidente soube e sabe departamentalizar as coisas, organizar o tempo, selecionar os valores, classificar os afetos, padronizar sentimentos.
Essa doença do ocidente tem estado relacionada às concepções que defendemos acerca do amor. Assim como a sociedade ocidental determina modelos para qualquer coisa, nos relacionamentos conjugais transformamos tudo em padrões de etiquetas e de comportamentos. Em outras palavras, toda e qualquer ação em uma relação conjugal que fuja daquilo que é imposto e classificado como correto, rapidamente provoca desentendimentos no cotidiano dos cônjuges.
Isso acontece pelo fato de acreditarmos que as relações podem funcionar a partir de uma previsibilidade, de uma linearidade, de uma ordenação, de uma totalidade. Ou seja, o ocidental crê que a vida e os relacionamentos podem ser controlados e realizados plenamente através dos cronogramas dos seus projetos, acha que pode evitar os caminhos acidentais, que é capaz de nunca se contradizer com suas afirmações e que as experiências podem ser perfeitamente acabadas.
Porém, sinto informar aos adeptos dessa concepção, mas o amor, assim como qualquer coisa inserida nas experiências e vivências humanas, é impotente para atingir essa linearidade, essa previsibilidade, essa ordenação, essa totalidade. A experiência de amar implica em viver as contingências da vida, em saborear o inesperado das ações dos cônjuges envolvidos. Além disso, o amor é amante da contradição, e assim como qualquer sentimento reinante, ele não é perfeito por ser humano.
As relações conjugais não são capazes de predeterminar de forma sempre harmônica e equilibrada as etapas de uma vivência amorosa entre as pessoas. Ora, a experiência conjugal está inserida em meio às imprevisibilidades da vida. As pessoas mudam de opinião, variam de estado de humor, enfim, são circunstanciais. É óbvio que com isso não podemos pensar que a perfeição de um relacionamento amoroso seja plena. O amor salva e se afoga em meio a essa turbulência chamada contradição.
Envolver-se com alguém e afirmar que o amor vai ser eterno, que nunca vai sofrer, é deixar de se reconhecer como humano e deixar de reconhecer o parceiro ou a parceira como humanos. O outro, assim como nós, não está livre em errar, em se equivocar, nem nós estamos imunes a nos confrontarmos com os valores de quem escolhemos para viver uma relação. Somos históricos, e se fazemos história, é por que estamos mudando e revendo nossos próprios valores o tempo inteiro.
Não somos robóticos. Ainda bem! Não podemos achar que, assim como robôs programados, nós estaremos livres dos conflitos que alimentam qualquer relação humana. Somos o nosso próprio susto. Quantas ações achávamos que nunca cometeríamos, e, no entanto cometemos? Óbvio que o amor se faz também de momentos felizes, de prazeres intensos. Porém, somos humanos expostos às crises, aos erros e aos acertos. Se o amor é a chama que provoca desejos, também é a lama...
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