Na produção de uma obra musical e na inspiração do artista, não existe originalidade em si mesma, nem a falta dela de forma absoluta. As duas condições se encontram entrelaçadas. Essa classificação rígida traz algumas conseqüências negativas como a dificuldade de se fazer uma leitura mais ampla do artista ou do contexto no qual a sua obra foi produzida. Classificar rigidamente uma condição da arte ou do artista significa negar a transitoriedade - elemento fundamental de todo o processo histórico.
Comumente encontramos afirmações que tendem a relegar certas músicas, gêneros musicais, artistas de determinados momentos históricos a um plano inferior. Exemplos não faltam. Percebemos o alto valor dado a bossa nova, o baixo valor ao samba-canção e às músicas aboleradas dos anos 40 e 50. Percebemos um imenso valor a dita MPB, uma repulsa a Jovem Guarda. Podemos perceber essa repulsa também no rock anos 80, como encontramos um excessivo valor aos sambas do início do século XX.
Os argumentos possuem justificativas como o fato de certas músicas, artistas ou gêneros musicais em determinados contextos não terem produzido nada que pudesse ser considerado original, ou ao contrário, ou seja, o alto valor por serem considerados originais. Mas será que existem músicas ou artistas menos ou mais originais? Existem contextos históricos que podem ser considerados sem originalidade? Será que em algum contexto, os artistas não produziram nada que se diferenciasse de outras épocas?
Para tentar responder a essas indagações, discutirei a relação da cultura com a conservação. O interesse por essa relação vai servir para a construção de uma abordagem acerca da não originalidade contida em todos os artistas e obras musicais. Tentarei também buscar compreender a relação da cultura com a transformação com o intuito de encontrar atalhos capazes de proporcionar um debate sobre a originalidade. Por fim, a relação da cultura com o processo histórico e seus fluxos temporais.
Para falar sobre cultura enquanto conservação é necessário compreender a cultura como um conjunto de conhecimentos materiais e não-materiais acumulados ao longo da história da sociedade. Nesse sentido, a cultura é vista como uma herança de valores que são transmitidos de geração a geração. Sob esse aspecto, a cultura passa a ser incorporada pelo indivíduo de acordo com os valores apreendidos em seus grupos. Em se tratando da música, os indivíduos sofrem influências dos seus meios sociais.
Por outro lado, a cultura, além das heranças acumuladas que fazem dela algo fortemente marcado pela conservação; a própria cultura, por se encontrar em meio a um fluxo constante de trocas entre diversos indivíduos e atores sociais, transforma-se a todo instante. Portanto, além de manter traços provenientes das experiências vivenciadas por gerações antecedentes, a cultura está inserida em uma rede complexa de relações compostas por diversos outros grupos com outros valores.
Pensando a música em meio a essa cultura que conserva e que ao mesmo tempo transforma, nenhum artista é por todo original, assim como nenhum artista é completamente sem originalidade. Se por um lado, todo e qualquer artista, por viver experiências com outros grupos, termina por agregar novas formas estilísticas em seu trabalho musical, por outro, nenhum artista foge da condição histórica e social que o faz inevitavelmente se encontrar em meio a valores externos de seus meios.
Mesmo que o compositor de uma música tenha a intenção de assemelhar sua composição com a de outro artista, tanto um quanto o outro possuem referências e ao longo de suas experiências eles tendem a agregam outras referências. Além do mais, o compositor é um indivíduo, isto é, ele é indivisível. Em outras palavras, mesmo tendo as influências totalmente iguais, cada compositor tem sua própria subjetividade e essa subjetividade se refletirá na construção de sua obra.
Por outro lado, mesmo que o artista queira a originalidade plena em seu trabalho, não há como ele fugir das referências que são incorporadas aos seus valores estéticos e musicais ao longo de sua vida. Nenhum artista é capaz de produzir uma determinada obra musical sem ao menos ter tido uma rede de influências anteriores capazes de levá-lo a construção de sua música. Além do mais, todo artista também é produto de uma cultura, logo, ele está diretamente submetido aos valores de seus meios.
Agora que fizemos uma análise bastante breve acerca da relação com a cultura enquanto conservação para entendermos o porquê que nenhum artista pode ser considerado apenas original em seu trabalho, e a cultura enquanto transformação com o intuito de reconhecer a impossibilidade de classificarmos um artista como sem originalidade, a pergunta a tentar ser respondida é a seguinte: quais são os efeitos que poderemos ter ao insistirmos em classificar o artista como original e não-original?
Os efeitos podem ser extremamente nocivos, uma vez que, ao reduzirmos a cultura enquanto original e não-original, tendemos a negar o fluxo da história na qual essa cultura se encontra diretamente vinculada. Ao negarmos o fluxo da história, além de não reconhecermos a importância das trocas de valores que se constroem na sociedade, nós passamos a julgar a cultura pelo prisma do preconceito, deixando de lado um olhar mais abrangente e mais disposto a entender a diversidade.
Além da dificuldade em saber lidar com a multiplicidade de uma sociedade que se quer plural, o fato de classificarmos os artistas e suas músicas, leva a nos esquecermos de questionar a quem interessa essas classificações. Esse questionamento é muito importante, pois faz com que nosso olhar não caia no equívoco de deixar de lado as relações de poder que existem em meio à cultura. O importante é que possamos reconhecer o diverso e as intenções de exclusão que coexistem em meio a ele.
Quem classifica não percebe que certos artistas e gêneros musicais entendidos como não-originais, posteriormente passaram a ser vistos como importantes. O próprio samba do início do século XX, a música caipira, as marchinhas de carnaval, o baião em Luiz Gonzaga, são alguns exemplos. O ser original e importante é uma questão histórica e esta varia de acordo com o interesse de grupos que têm o prestígio e poder de incluir e excluir o que interessa aos seus critérios estéticos e políticos.
A classificação disso e daquilo sempre trará benefícios e prejuízos. Se por um lado, quando enuncio qualquer coisa tendo a 'valorar' esse ou aquele signo linguístico, pois, o ato de enunciar é um ato valorativo. Por outro lado, as possibilidades linguísticas que me são oferecidas estão inseridas num contexto de uma gigantesca teia discursiva bem maior de que eu. E se dizer é valorar um termo linguístico que acho apropriado para um dada situação material, então, o que eu valorei em uma determinada situação, pode não ser a mesma coisa em outra. Isso me permite dizer que a estrutura linguística é estruturada e estruturante a semelhança das estruturas sociais e culturais. Elas possuem uma totalidade, elas possuem leis de composição, e é óbvio, também possuem formalização ou classificação. O que é mais interessante nas classificações generalizadas é que elas pecam contra o próprio conceito de estrutura linguística - ela não permite transformação - as estruturas linguísticas, as estruturas mentais (esquemátismos de Piaget), sociais e culturas são estruturas de transformação, de trânsito, e auto regulação, portanto - classificar é preciso, não classificar também e fazer as duas coisas para extrair uma síntese seria bem interessante. Olhando para as produções culturais pelo determinismo sócio linguístico e cultural não há nada de original, isso é correto, olhando pelo subjetivismo e a autonomia linguística do sujeito é original sim. Os arranjos na estrutura sintagmática obedece ao critério de valoração, portanto, o sujeito faz uma escolha lexical a composição das estruturas enunciativas de seus discursos, seja na arte plástica, seja na música, literatura, teatro etc. Todas as produções humanas são consideradas pela filosofia da linguagem de discursos, composição de enunciados com vias de comunicação, ou como digo epifanizar o sujeito. É isso mestre Vina, está certo!
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