O conhecimento é um discurso e não existe discurso sem palavras. Porém as palavras são signos lingüísticos compostos de duas partes: significante e significado. Podemos dizer que o significante é a parte física da palavra (grafia + som) enquanto o significado é o conceito trazido pelo significante. Porém, o fato de ser o conceito não quer dizer que o significado traga apenas um conceito. É por não haver só um conceito e um significado que nós nos deparamos com a chamada polissemia da linguagem.
Para tornar a coisa mais clara, farei uso de um exemplo. Certa vez a Folha de São Paulo publicou uma charge que mostrava dois políticos. Um deles justificava que um novo imposto criado seria investido exclusivamente na saúde. Ao seu lado, o outro reforçava dizendo que seria investido tim tim por tim tim. Ao final os dois políticos aparecem andando em um iate. Na comemoração pelo iate comprado com o aumento de mais um tributo imposto à sociedade, um disse: saúde. O outro levantando a taça responde: tim tim.
Acredito que com o exemplo trazido por essa charge, nós podemos observar claramente a dimensão de novos sentidos que as palavras escondem. Com isso, é claro se mostrar o quanto um significado não pode ser visto apenas como um significado que ele está representando, ou seja, apenas um conceito. Enfim, um significado não necessariamente pode ser visto como a conseqüência de um mesmo significante. As mesmas palavras podem ser alteradas dependendo da circunstância, como também da interpretação de cada um.
Pois bem: em um ato comunicativo entre duas ou mais pessoas, por exemplo, podemos perceber que não necessariamente uma mensagem pode chegar ao receptor da forma literal com que saiu do emissor. Ao me pronunciar acerca de algo, eu posso está transmitindo uma mensagem com um significado, ou seja, com um conceito, em um sentido completamente diferente do que vai ser decodificado pelo receptor. Portanto, a comunicação é um meio cheio de acidentes interpretativos.
Se eu pensar essa relação cheia de acidentes em uma sala de aula, chego a uma conclusão de que a relação entre docente e discente, assim como qualquer ato comunicativo composto por discursos costurados por palavras recheadas de inúmeras possibilidades de sentidos, não necessariamente vai chegar ao aluno da mesma forma como eu estou transmitindo. Como professor, eu não posso cobrar do aluno uma associação de sentidos semelhante à minha.
Não estou me colocando em uma posição de aceitação extrema a qualquer coisa. Sabemos que o conhecimento sistematizado e formal possui seus conceitos e que isso não deve ser negado. Porém, eu acho que a forma diferenciada com que cada aluno faz do conhecimento deve ser considerada. O saber é como um significado que a todo instante está mudando de sentidos, ou seja, está sendo re-significado por ser permeado de significantes que se transmutam em cada interpretação.
Como eu não nego a produção do conceito em sala de aula, eu penso que o professor poderia estimular o aluno a confrontar a sua interpretação produzida pelo deslocamento-significante, dialogando com o conceito-significado para com isso reinventar o seu saber. Aprender é um brinquedo que precisa ser desmontado, assim como um significado inevitavelmente é, afinal, só há produção de conhecimento quando há re-significação desse conhecimento.
Que existe um significado, isto é, um conceito para um conteúdo ninguém tem dúvida. O problema é quando não vemos que a partir do deslocamento-significante podemos chegar a acertos e novas interpretações até então impensadas. O professor se chateia e repreende o aluno por este “não entender”, mas quem disse que ele não entende? Quem disse que só de reproduções de conceitos se faz uma teoria? Quem disse que dos acidentes não se descobrem novos caminhos?
Quando eu coloquei no início a distinção entre o significante e o significado, é por que na minha opinião o ambiente educacional ainda se encontra muito preso a uma ideia de conhecimento-significado, ou seja, tende a enxergar o conceito como o fim da verdade nela mesma. A educação representa o conhecimento-significado, ou seja, o conhecimento padronizado feito de modelos definidos.
Contudo, como eu disse anteriormente, paralelo ao conceito existem significantes borbulhantes em um ato comunicativo que, de um instante para o outro, colocam esses conceitos em cheque. E é por isso que eu acho que a educação deveria se permitir ao conhecimento-significante, isto é, a um conhecimento que por mais que seja ornamentado de conceitos, também é reflexo de re-significações constantes, de polissemias inevitáveis.
É imprescindível reconhecer o conhecimento-significante, afinal, não se existem inovações no saber se não existem deslizamentos-significantes, ou seja, riscos e deslocamentos dos sentidos originais. Não existem apropriações literais dos conteúdos que são transmitidos em sala de aula. Não só a comunicação de conteúdos passa por trajetos repletos de acidentes, como um conhecimento, por ser produzido nesse ato comunicativo feito de acidentes, revela-se também como porta para o equívoco.
Conciliar-se com o conhecimento-significante faz com que a educação de fato coloque em prática a relação do aluno enquanto um ator social transformador. Só admitindo os vultos-significantes contidos nas “certezas” das coisas que possibilitaremos aos discentes perceberem a falácia de certos discursos ideológicos por fazê-los sentirem a constante desestruturação e a incessante necessidade de reestruturação das “verdades”.
Se os docentes aceitassem o conhecimento-significante, abraçariam a prática da cidadania, pois fariam os alunos mais participativos por torná-los questionadores, como os possibilitariam a reconhecer que se temos os significantes à nossa volta, é por que estamos em meio a uma diversidade de olhares, e por isso mesmo, o convívio com a diferença é importante não por que simplesmente dizem isso, mas por que inevitavelmente essa diferença existe.
É isso brucutu.
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