Uma casa não existe por si mesma. Para se tornar uma casa, foi necessário que se selecionasse os tijolos, colocasse esses tijolos um a um até levantar a casa. Assim como a casa, as coisas que nos rodeiam não existem por elas mesmas. Para que elas pudessem existir, cada um de nós necessitou organizar, selecionar, e justapor nossas idéias até chegarmos a uma opinião e uma afirmação dessas coisas a nossa volta.
O mais encantador nisso tudo é que todos nós podemos ser nossos próprios arquitetos e engenheiros das representações que fazemos das coisas. Cada um opta em fazer uso de seu próprio método para construir qualquer coisa, seja uma idéia, seja um objeto concreto. Não nego que existam técnicas que facilitam e padronizam os percursos na elaboração das coisas, mas querendo ou não, criamos nossos próprios procedimentos.
A interpretação é como esses tijolos que, articulados e justapostos um a um, terminam por dá vida a existência no mundo. Ao interpretar uma obra de arte, por exemplo, todos nós escolhemos os caminhos com os quais nos identificamos, projetando assim, nossas tramas de acordo com a nossa vontade. Uma obra de arte não faria sentido se ela não mexesse com a gente, e ela só mexe por que ela nos toca naquilo que nos interessa.
Vivemos em meio a uma cultura preocupada demasiadamente com a razão, com a verdade, com a objetividade e com a autoridade. O problema é que esses pontos se refletem também na arte e na forma como nós exigimos a interpretação do leitor acerca dela. Ao invés de nos libertamos, nos extrapolarmos em nossa liberdade interpretativa, ficamos aprisionados nos modelos e esquemas da arte.
Colocamos a razão na arte no instante em que exigimos um raciocinar logicamente sobre ela, deixando de lado o aspecto da sensibilidade estética. Buscamos a verdade no momento em que determinamos uma objetividade para ela, ou seja, exigimos do leitor uma interpretação igual ao do autor da obra. Queremos a autoridade quando nos submetemos covardemente a esperar que a nossa interpretação seja a interpretação do artista.
Acredito que existem condições externas imprescindíveis que devemos ter acerca de determinada manifestação artística. No entanto, essas condições dizem respeito apenas ao contexto em que a criação artística foi elaborada para que a gente tenha a noção e a visão crítica das reais situações políticas, sociais, culturais e estéticas dos contextos nos quais o artista estava situado e o reflexo da arte em meio a esse contexto.
Fora disso, eu acho que é do dever de todo artista, permitir aos leitores que expandam seus horizontes e construam sua própria casa. Acredito que não devemos deixar de lado o aspecto subjetivo de cada leitor, pois é nessa subjetividade em exercício que ele passará a criar sentidos para o seu mundo. Conquistando isso, o sujeito não temerá ter sua própria opinião e não ficará dependente da opinião de outro.
Quem insiste que a arte e o humano podem ser vistos como um modelo universal interpretativo, na certa nunca olhou o humano e a arte enquanto subjetividade. É essa subjetividade que deve ser estimulada. Não conheço caso algum de se ter ocorrido uma interpretação consensual acerca de algo. E mais: não estou nem falando da arte apenas; falo também acerca de escritos científicos.
O sujeito inevitavelmente ao se deparar com alguma textualidade, seja ela visual, auditiva, escrita, etc, inevitavelmente tende a construir sua opinião de forma singular do outro leitor. Ao fazermos um debate sobre qualquer coisa, percebemos que cada indivíduo vai trazer um ponto diferenciado acerca do que leu, assim como, cada leitor vai trazer elementos contidos na obra que o outro não conseguiu visualizar.
Os sujeitos são partes inacabadas deles mesmos. Até acredito que possam ser o todo, mas de forma circunstancial, pois o todo de cada um varia de momento para momento. Em cada nova situação o sujeito costura partes contidas nele e forma um novo todo, mas em outras situações, esse todo se desfaz dando lugar a uma nova teia composta de outras partes que termina por formar outro todo e assim sucessivamente.
Não é por acaso que o mesmo indivíduo pode se deparar com a mesma obra de arte e mudar de opinião sobre ela. É isso: temos que entender o sujeito como circunstância e a arte como tudo aquilo que reflete essa circunstância que nos define sem nunca nos definir por completo. O que há de errado nisso? Sinceramente, não vejo nada de nocivo. Ao contrário. Vejo nisso a possibilidade do sujeito lançar seu grito sobre o mundo.
A interpretação, portanto, é um inconstante desmembrar do sujeito, pois o sujeito é esse próprio desmembramento. Querer que o outro entenda o que nós queremos que seja entendido, é no mínimo intolerante e de uma ignorância inominável. Como dito, somos partes em instáveis recomposições incessantes. Não paramos. A arte é justamente esse sempre ir a algum lugar. É um construir desconstruindo e reconstruindo...
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