Na verdade este texto vem da angústia de um sociólogo. Muitas vezes me sinto bastante discriminado por ter apenas cinqüenta minutos de aula por semana para cada turma. Esse tempo restrito me dificulta elaborar projetos mais complexos em sala de aula. Outro ponto diz respeito à idéia que se faz da sociologia como uma disciplina meramente divagadora, abstrata e sem nenhuma aplicação concreta.
A sociologia não só é uma disciplina aplicável às nossas experiências concretas, como estimula um olhar mais consciente acerca da forma pela qual a sociedade, as instituições, os grupos sociais e a cultura se organizam. Além disso, a sociologia tem um papel claramente político e também abre caminhos para possíveis emancipações dos alunos enquanto sujeitos críticos e questionadores.
Para mostrar que a sociologia não se reduz a meras divagações, eu resolvi apresentar alguns conceitos sociológicos articulando-os com as práticas sociais vivenciadas pelos servidores do Instituto Federal de Alagoas (IFAL) Campus Piranhas no alojamento cedido pela CHESF. Esses conceitos são referentes à interação, às assimilações e aos conflitos, à organização, às regras, aos papéis e às funções, à diversidade de valores, à cultura e à formação dos grupos sociais.
Pois bem: viver em sociedade implica em mantermos constantemente relações com as pessoas. No convívio social, inevitavelmente passamos a nos interagir com o outro. É diante dessa interação que ensinamos e ao mesmo tempo aprendemos. Ao estabelecermos essas trocas com os indivíduos, temos como resultado novas formulações de valores, uma vez que é na sociabilidade que a gente se apropria e constrói outras visões de mundo.
Não há como fugirmos desse constante aprendizado pelo qual passamos a adquirir em nosso cotidiano social a partir dessas diversas formas de ver, pensar e agir. Apesar de nos encontrarmos em meio à chamada cultura de massa, a qual tem se provado bastante eficaz em disseminar formas de comportamento para todas as partes do país, não há como negarmos que apesar de tudo, cada cultura traz sua particularidade histórica.
É nessa história que os indivíduos ao longo de todo um processo de incorporação de valores, costumes e hábitos, vão construindo sua personalidade social. Contudo, cada indivíduo termina por produzir novos conhecimentos no instante em que passa a unir sua leitura de mundo com novas leituras ao se deparar com uma nova organização social e cultural trazida por outro indivíduo, que assim como ele, traz outros valores.
Se pensarmos essas trocas culturais entre os indivíduos no alojamento da CHESF onde ficam alguns dos servidores do IFAL, averiguaremos que esse diálogo pluricultural é bastante notório, principalmente se tratando do Campus de Piranhas, o qual recebe servidores de todas as partes do país. Cotidianamente se convive com indivíduos da Bahia, Alagoas, Sergipe, Rio Grande do Norte, Ceará, Rio de Janeiro, Paraíba, Pernambuco, Minas Gerais etc.
Cada servidor ao chegar em solo Piranhense, termina por manter diálogos com outras realidades culturais. Além de cearenses dialogarem com mineiros e pernambucanos, por exemplo, também apreendem hábitos, valores, costumes piranhenses, assim como os piranhenses apreendem valores de outras partes do país. É nesse apreender que os valores vão se dialogando, se confluindo e provocando novos olhares, novas culturas.
São nessas trocas que os indivíduos vão agregando em seu repertório vocabular novos termos como gírias, por exemplo, vão infiltrando novas informações, sejam elas religiosas, políticas, artísticas. É nessa diversidade que os sujeitos sociais também convivem com novos sabores através da culinária, assim como também passam a conhecer a história de cada região, seus pontos turísticos, seus problemas comuns ou distintos de suas cidades, etc.
Porém, seria ingênuo afirmarmos que as interações apenas produzem efeitos positivos na convivência entre os atores sociais. Vejamos: se por um lado nós podemos afirmar que a diversidade cultural provoca um intercâmbio plural e rico, uma vez que dialoga com uma imensa gama de formas de conceber o mundo, por outro, nem sempre essa tal diversidade se reduz às trocas. A diferença também estimula o conflito.
Muitas vezes podem ocorrer desentendimentos dentro dos próprios membros que compõe um grupo que pernoita em determinado quarto do alojamento. Isso é inevitável, pois cada indivíduo traz hábitos diferentes, valores diferenciados oriundos de seus meios sociais. Sabemos que nem sempre um comportamento e um hábito de um indivíduo é compreendido ou aceito pelo outro que compartilha com ele do mesmo espaço.
Talvez por se encontrarem em meio a profissionais que atuam dentro de uma mesma instituição, os membros de cada grupo que convive em determinado quarto, podem manter uma espécie de acomodação entre eles, ou seja, reconhecem a convivência de determinados hábitos nem sempre dialogáveis, mas que para se evitar uma possível colisão de valores, terminam por se submeter à rotina.
Mas mesmo havendo a possibilidade de acomodações nas relações sociais estabelecidas pelos servidores no alojamento, podem se haver tentativas de entendimentos entre eles como forma de re-solucionar os conflitos. É nessa busca por evitar conflitos que eles irão negociar novas regras, provocando uma nova forma de apropriação do espaço, alterando a organização e as normas do lugar.
Se fizermos uma análise acerca do alojamento da CHESF, perceberemos que essa lógica sociológica não cai em uma realidade abstrata. Ao contrário. Ela se revela cotidianamente no plano concreto. No alojamento, cada quarto possui um número de servidores. Para conviver entre eles, terminam por estabelecer formas de acordos. Para isso, os indivíduos de cada grupo prescrevem funções e papéis para cada um.
Para que eles possam conviver de forma mais amistosa possível, eles vão ter que negociar as obrigações, assim como, delimitar o espaço de cada um. Nota-se que nessa demarcação e atribuição de papéis e funções, os servidores inevitavelmente determinam regras e organizam o espaço de cada quarto como forma de manter uma convivência mais harmônica possível entre eles.
Como no caso do Campus de Piranhas ocorre uma mudança constante de servidores devido às remoções, cada grupo que se apropria de determinado quarto tende a frequentemente ir modificando sua política de convivência. Nessa alteração o grupo vai redefinindo sua organização, modificando seu cotidiano, assim como sua interação com o novo sujeito. Nessa dinâmica, os papéis e as funções vão ser novamente dialogados.
Vale lembrar que ao longo da convivência, dentro de um mesmo quarto podem se formar uma variável de novos grupos, assim como podem se formar outros grupos com indivíduos de quartos diferentes. Portanto, as composições de grupos não só se estabelecem no interior do quarto, como também fora dele. Externamente ou internamento podemos detectar uma relação de aproximação maior entre determinados indivíduos.
Isso ocorre, pois no instante em que os indivíduos conseguem assimilar os valores do outro, inevitavelmente eles encontram nesse outro uma identidade, compactuando com os novos hábitos e valores, como também redefinindo e atualizando os seus valores a partir das trocas estabelecidas com o outro. É no grupo social que encontramos uma pluralidade de sujeitos que possuem objetivos em comum entre eles.
Por outro lado, como a arena social é permeada por uma diversidade de olhares, aqueles indivíduos que não se identificam entre eles, terminam por pertencer a outros grupos, visto que, cada grupo social, por possuir regras, códigos de comunicação, comportamentos, valores, hábitos e costumes, termina agregando indivíduos que compactuam com esses valores e os que não compactuam terminam por formar outros grupos.
É muito nítido observarmos alguns grupos sociais formados entre os servidores. Claro que não podemos fazer uma idéia rígida e imutável acerca dos grupos, mas é notório que existe uma recorrência muito maior de determinados indivíduos em certos grupos do que em outros. Isso é bastante normal, uma vez que a identificação a certo grupo resulta de opiniões que tendem a ser mais codificadas, aceitas, e, portanto, compartilhadas entre eles.
Como podemos notar, é a partir das interações, dos contatos entre as diversas formas de relações sociais, que ocorrem as trocas culturais, ou seja, no instante em que um indivíduo com visões de mundo diferenciadas e oriundas de sua historia e de seu meio, influencia e provoca novas formas de assimilação no outro, como também provoca conflitos, colisões de valores e estranhamento acerca dos valores e hábitos do outro.
Contudo esses conflitos podem ser negociados entre os sujeitos envolvidos com o outro. Essa negociação assegura uma forma de ao menos se tentar produzir uma convivência mais pacífica com o outro e com a diversidade cultural. Para que essa negociação se estabeleça de forma saudável, os indivíduos buscam criar regras, delimitar espaços, assim como papéis e funções como forma de gerar uma organização entre eles.
Eu tentei mostrar também que em meio a essas trocas e aos conflitos, diversos grupos vão se formando e se configurando de forma diferenciada uns dos outros. Essa proliferação de grupos resulta de valores que tendem a ser mais compartilhados entre determinados indivíduos do que em outros. A tendência disso é que haja indivíduos que se relacionam de forma mais recorrente entre uns do que em relação a outros.
Como eu atentei no início do texto, a sociologia, apesar de ser uma disciplina ainda bastante desvalorizada em relação às outras possuindo míseros cinqüenta minutos semanais de aula em cada turma, deveria ser repensada na grade curricular. Como eu tentei mostrar no texto, as práticas inevitavelmente são de natureza sociológica e a sociologia tem o objetivo de compreender o funcionamento dos grupos e da sociedade em geral.
Antes de ser uma mera abstração permeada de conceitos vagos, na sociologia a vida pulsa, afinal, construímos a sociologia ao longo de nossas experiências sociais, até por que nenhum humano consegue viver fora da sociedade. O processo de sociabilidade é um fato inerente a qualquer um, uma vez que não existem humanos sem valores, e os valores são resultados dos conflitos e das trocas estabelecidas na sociedade.
Não só isso. A sociologia é capaz de fomentar questões referentes à diversidade, à cidadania, uma vez que, a partir do olhar sociológico, nós podemos compreender que a sociedade é permeada por uma pluralidade de valores, e que isso pode servir para colocar os indivíduos a pensar acerca de seus preconceitos e intolerâncias no momento em que eles se reconhecem como parte desse trânsito e dessa troca.
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