domingo, 7 de outubro de 2012

O ALIENADO

- Dona Cosminha já sabe da nova? - Não, mulher. Cheguei ontem de Aracaju. - Morreu mais gente? - Não, mulher. Vixe Maria! - Então, o que é mulher? Deixou-me curiosa. -Tem um estranho na rua. - E é? Mais um para embuchar as moças. Esse povo de Aracaju só gosta disso quando chega aqui. - Que mulher! Ninguém vai querer não! Todo cheio de tatuagem; parece um maconheiro. Nem sei se é mesmo. Olha, se eu sentir cheiro de mato eu chamo a polícia. O Dr. Eduardo veio para Tobias fazer pesquisas arqueológicas nas margens do Rio Real. Sua tese era que, em Tobias, há cerca de dez mil anos atrás viveu uma raça indígena muito parecida com os índios andinos. Embora sem evidências de construções como pirâmides e outros objetos, o pesquisador encontrou potes de barros com os mesmos desenhos geométricos e características bem parecidas. O professor pensou que descendo o Rio Real até Indiaroba ele poderia encontrar mais vestígios desse povo. O problema era que não havia o menor sinal de ruínas de vilas; ademais, o clima da região é muito árido e quente, e isso tornava mais complicada a pesquisa. Como provar que esse tipo étnico acostumado com o frio viveu aqui sob essas condições? - Dr. Eduardo, o povo andino aqui em Sergipe? E logo nos Campos? Rapaz, você deve estar com algum problema! - Dr. Alencar o vaso é real e a data confere. As características são as mesmas. Fazer o que? Preciso de verba pelo menos para dois anos de pesquisas. No final, eu provarei que, se não forem andinos, são parentes bem chegados com os mesmos traços culturais. Foi esse o espírito que trouxe o Dr. Eduardo, Antropólogo e arqueólogo da Universidade Federal de Sergipe para a Vila de Campos em 1993. Eduardo era negro e usava uma bermuda jeans, óculos escuros, cabelo rastafári, e consumia nas horas vagas muita cerveja em lata. O fato de o rapaz usar camisetas tornava visíveis suas tatuagens que ele não tinha a menor intenção de esconder. Eduardo era uma pessoa alienada para os valores conservadores da Vila de Campos de Rio Real. - E esse preto é professor mesmo da faculdade? Rapaz, o negão foi longe! - Pra mim pode ser professor do cabrunco! Pra mim continua sendo um negro maconheiro cheio de tatuagens. Eu não sei como deixam gente desse tipo ser professor de nada? É o fim do mundo! - Calma Telma! Até que o moço tem um rosto simpático! Disse Rafaela – a mulher do padre. Em Tobias, de vez em quando, um padre casa com uma de suas ovelhas. Eduardo continuava seu trabalho com muita dedicação. O moço não fazia a menor ideia das coisas que o povo dizia. Mas, um dia, seu colega de trabalho, Nonato o convidou para uma festa no povoado Peba. Era época de São João, o Peba estava todo enfeitado de bandeiras juninas. Havia fogueiras acesas na frente de quase todas as casas. Na praça principal armaram um palco para receber uma banda famosa da região, “Os rebeldes do Sertão”. As moças queriam Nonato, mas, do coitado do professor, ninguém se aproximava, exceto as de vida fácil; essas estão em todo lugar. Eduardo não percebia, ou se percebia, guardava para si. Tudo que ele queria, mesmo, era terminar seu trabalho e escrever seu livro sobre os andinos em Sergipe. No entanto, a festa do Peba mudaria a vida do moço para sempre. - Veja, eu fico com Nonato e você com o professor, entendeu? - Não entendi nada Santinha. - Num entendeu o que Cleisielma? - Eu Namoro Nonato e você namora o professor Eduardo. - Por que eu com Eduardo e você com Nonato? Vamos trocar! - Deixa de ser besta peste! Ademais, o teacher tem a grana. Cleisielma tinha apenas dezesseis anos; Dona Santinha era maior de idade. Os foguetes estouravam nos céus do Peba. O povo estava cheio de alegria. A cachaça rolava solta por todos os bares e botecos. Havia gente de toda parte do município de Tobias Barreto. Eduardo dançou com a moça a noite quase toda. O professor não sabia que a menina era menor de idade. Nonato ficou com Santinha e com Risodalva. Os três namoraram a noite quase toda no carro que faz frete para o Curtume. Contudo Eduardo não tocou um dedo na moça que lhe fazia companhia. - Como é teu nome menina? - Meu nome é Cleisielma. - Você é daqui mesmo? - Sim. Eduardo falou um pouco de seus projetos, mas, a pobre moça nada entendia e nem sabia da importância para o seu povoado caso ficasse provado a tese dele. A noite terminou. Eduardo foi até o Batom deixar a menina. Deu-lhe um beijo na testa e foi-se de volta ao seu quarto por volta das quatro horas. - O professor num vai querer nada não? - Não Cleisielma! Você é muito atraente, mas, ainda é uma criança. Tá em casa! Durma com os anjos! Cleisielma entrou em casa com a lembrança daquele rosto negro muito gentil e cheio de ideias que ela não entendia. A moça se prepara para se deitar quando alguém bate a sua porta. Cleisielma responde assustada: “Quem é?” A pessoa insistiu batendo novamente; a moça disse na tentativa de afugentar o intruso: “Vou chamar meu pai”. A voz se calou e com o seu silêncio o galo cantou três vezes. No outro dia, bem cedo, os dois pesquisadores vão para a margem do Rio Real cavarem no sítio arqueológico que já estava devidamente delimitado. Agora era só trabalhar e ver no que daria. A tese de Eduardo era que os andinos vieram para Sergipe passando pelo planalto central. Atravessaram a Bahia e se instalaram em Sergipe devido à fartura de comida do agreste sergipano. Eduardo contratara uns peões para fazerem o serviço de escavação. Todos receberam curso gratuito pela Universidade. “Se encontrarem qualquer coisa, me chamem e muito cuidado ao manusear; além do mais, se estiver preso na terra, me chamem que tem o jeito especial para remover a peça”. Os dias de escavação foram longos e muitos. Nada foi encontrado até o mês de setembro de 1994 quando, finalmente, uma urna funerária com inscrições semelhantes aos hieróglifos Incas foi encontrada na margem baiana do rio. O jornal da cidade noticiou o achado que logo se espalhou pelo estado. “Em Tobias teve índio Inca”. Não se falava outra coisa na cidade. Alguns comerciantes colocaram imagens de índios e estátuas na frente de suas lojas. Dona Estelita montou uma pirâmide de isopor e passou a vender as roupas de Caruaru dentro de sua nova barraca-pirâmide. - Rapaz, então, nossos ancestrais, na parte de índio, eram os Incas? - Mas, Geraldo, o que é Inca? - Sei lá, num estudei isso na escola não. A minha professora só falava da Revolução Francesa. Apesar do sucesso do professor e de sua pesquisa, as pessoas continuavam com dúvidas sobre a moral do rapaz. O costume local é a execração de tudo que “num tá nos conformes”. - Hoje, o Padre Filebaldo disse na missa que nas universidades existem pessoas que entraram por cotas e que não deveriam estar lá. “Esses são os representantes da escória social, na maioria dos casos, filhos de mulheres perdidas, pais maconheiros e viciados”. - Mas, mulher, o homem é sabido e até agora num se tem o que falar dele. - Ele deve ser viado! - Por que mulher? - Um rapaz muito novo, e não entra mulher na casa dele? Sei não! Eu soube que na festa do Peba ele andou agarrando uma. A menina depois disso sumiu. - E foi? - E quem era? - Era a Cleisielma, filha da finada Augusta que o marido matou e se mandou no mundo deixando a moça fazer vida no Batom. O Batom era o bairro pobre do povoado Peba, também conhecido como “a favela”. O povo do Batom demorou a sentir a falta da moça. A vizinhança entrou na casa e nada viu exceto que as coisas dela estavam lá. “Bem, ela não viajou, pois, suas roupas e objetos pessoais estão aqui!” Afirmou com um tom sério um rapaz cujo nome era Gladstone – O seu Vereador. Gladstone chamou a polícia, que depois de dois dias, apareceu no Peba. A investigação durou alguns minutos. O delegado plantonista Orfeu Medrado estava convencido de assassinato porque havia marcas de luta e sangue no local. “Usei um produto que a Secretaria distribuiu para todas as delegacias; é um reagente químico que mostra a presença de sangue, mesmo tendo sido lavado o local”. - Porra! O Peba é Miami Vice! Disse Osmário - um criador de passarinhos. - Rapaz! A Briba diz que nos final dos tempos o saber ia se multiplicar. Tá vendo? Até no Peba, tem tecnologia. Tá na hora de aceitar a Jesus! - Rapaz, é mermo! O professor Eduardo estava ocupado analisando as peças encontradas à margem baiana do Rio Real. Eram potes e urnas funerárias datadas com mais de 10 mil anos. O achado era fascinante. O jovem professor havia encontrado provas contundentes que na região da fronteira entre Tobias e Itapicuru existiu uma civilização muito avançada. Foi nesse espírito que Eduardo foi atender a voz que gritava no portão de sua casa na Rua João Alves. - Sou oficial de justiça. Favor assine esse documento! Eduardo viu que era uma intimação para comparecer a delegacia. “Mas, logo hoje!” Pensou o professor. Eduardo fazia planos de descer a ribanceira do rio e fazer um mergulho na parte funda para ver se encontrava mais urnas ou restos de alguma construção. Eduardo foi à delegacia cumprir seu dever cívico. O delegado Orfeu viu as tatuagens e o cabelo do professor. - Por favor, não me leve a mal, mas, ninguém nunca te disse que esse costume de se tatuar é muito mal visto por nossa comunidade? - Não sou dessa comunidade. Estou aqui de passagem, contudo, nada vejo de estranho num costume milenar. - Qual? - O de se tatuar, ou raspar a cabeça, ou usar saia ou calça. Os costumes, as modas, os hábitos são coisas da cultura e tendem a mudarem com a força do tempo. Uns ficam aqui e ali, principalmente aqueles que dizem respeito à sexualidade. - E a sua sexualidade como vai? Perguntou o delegado olhando o professor nos olhos. - Não entendi sua pergunta! - Você está sendo acusado de matar e desaparecer com o corpo de uma moça do Peba. O povo de Tobias soube do ocorrido e a conversa logo rolou a cidade. As opiniões eram muitas: “Eu sabia que aquele negro safado ia aprontar!” “Bem que eu dizia que gente que usa tatuagem usa drogas e é bandido!” “Desde a primeira vez que vi Eduardo eu sabia que ele era um tarado!” “Já pensou, ganha a vida cavando buraco, isso é trabalho de gente?” Para todos os fins, Eduardo havia sido julgado e condenado. A Radio local noticiou no horário de maior audiência – “A hora da verdade” que Eduardo já havia sido preso por porte de maconha quando fazia o curso na faculdade. “Professor arqueólogo é maconheiro!” Assim gritava o âncora do programa. A situação de Eduardo ficou como ele, bem pretinha. Eduardo assistia tevê em sua residência quando o telefone toca: - Eduardo venha imediatamente para Aracaju. O Reitor quer ter uma conversa com você! - Sim, dona Belina, eu irei prontamente. No outro dia, Eduardo toma o carro da universidade e segue rumo a capital sergipana. Na altura da serra do Canine, Eduardo percebe que a polícia vinha atrás com a intenção de prendê-lo. O radio do carro dizia que o suspeito de assassinato havia acabado de evadir-se de Tobias, e que a polícia estava no encalço. Eduardo se assustou e entrou a esquerda na estrada de Campo Pequeno e a polícia foi atrás. Outros carros entraram na perseguição. Passando por Campo Pequeno, Eduardo toma a antiga estrada do Jabiberi e volta para Tobias, no entanto, a polícia continuava em seu encalço. Eduardo segue, agora, rumo ao Peba e a polícia não para de segui-lo. O radio do carro dizia que a perseguição ao professor era coisa de cinema. Eduardo ouviu um disparo. Logo em seguida, sente um frio em seu corpo, um projétil havia lhe varado o corpo na altura do abdômen se alojando no painel do veículo; o rapaz se esforça para chegar ao acampamento onde, segundo ele, teria como se esconder. Sangrando muito, o arqueólogo veste a roupa de mergulho repetindo em sua mente “Vou morrer perto das ruínas”. A polícia cerca o local, e logo em seguida chegam os curiosos. - Num é Zé, se está fugindo da lei é por que deve! - É mermo compadre, o negrão tá todo complicado. Ouve-se um disparo de arma de fogo, era o som de um tiro de rifle calibre 38. A bala arranhou a cabeça do professor jogando-o inconsciente nas águas escuras do Rio Real que separa os baianos dos sergipanos. Seu corpo afundou rapidamente. A uma profundidade de dez metros o corpo encontra o fundo do rio onde as águas eram rápidas e apressadas. A correnteza leva Eduardo inconsciente às ruínas da antiga civilização Aruaxaba, os verdadeiros descendentes dos Incas. Tonto e sangrando o professor nada até a pirâmide no fundo do Rio Real. Entra pela abertura na parede que dá para o Oeste. A câmara no interior do edifício inca não tinha água, o ar impedia a penetração do líquido potável. Eduardo cai e desmaia no solo sagrado no templo inca dos mortos. Em cima na margem do rio, uma multidão de pessoas se juntam as autoridades na captura do professor assassino. - Olha desde que ele alugou a casa que a gente percebia um movimento estranho. Tinha dias que entrava um rapaz com cara de bandido. - Por que você não chamou a polícia? - Eu chamei, mas, eles disseram que não podiam invadir. Só podiam entrar com mandato judicial. - É por isso que sempre defendi a ditadura. Naquela época não tinha isso não. Vagabundo aprontou, o Dops tomava de conta. Disse uma professora de História lotada na prefeitura que respondia pelo nome de Juçarinha. - Tá vendo mulher, o que é uma professora de verdade? Essa sim deve estar em sala de aula. A polícia passou dias à procura do corpo do professor e nada foi encontrado. Em sua casa encontraram uma imagem de Iemanjá e outra de Ogum, o tal São Jorge. Dentro de um potinho de barro, encontraram um pó branco que levaram para a perícia em Aracaju. A Radio local alarmou a notícia no horário de meio dia: “Pó branco na casa do professor pode ser cocaína!” De imediato, a vizinhança associou as pessoas que frequentavam a casa do mestre ao maldito pó dos pirados e noiados. Felizmente, o pó era pemba – um produto usado em rituais afros. - Tá vendo? Deus tarda mais na falha! - É, dona Maria, esse dito é verdadeiro comadre! - Mas, disseram que o pó num era cocaína não; era coisa de macumba. - Eu sabia! Eu sempre desconfiei do cheiro de incenso que vinha da casa dele. - Mas, você me disse que era droga, lembra? - Ah, deixa pra lá! O tempo passou e o corpo do professor não foi encontrado e nem ele foi dado como foragido. O professor Eduardo foi dado como morto. No entanto, a verdade estava no fundo das águas do rio mais importante de Tobias. O ar da câmara mortuária da pirâmide submersa curou Eduardo da hemorragia e ele passou a explorar o lugar. Havia, espalhada pelo chão do templo, um tipo de planta que produzia algo semelhante a algodão, mas, era na verdade comida. Eduardo descobriu, por acaso, o maná dos Incas – aruaxabas. Sua pele recobrou tônus e seu rosto ânimo. Agora o pesquisador tinha tudo para provar sua tese, contudo, lá em cima, a calúnia e o preconceito o aguardavam enfurecido. Nas paredes da câmara mortuária havia placas de cerâmicas com escritas. Eram hieróglifos que certamente contavam a história dos que se enterraram ali. Eduardo comia do maná e trabalhava na tradução das placas. Suas primeiras descobertas diziam: “O iniciado é aquele que possui a lâmpada de Trimegisto; o manto de Apolônio, e o bastão dos patriarcas”. Eduardo meditou nessas palavras por muitos dias, mas, ele não as entendeu. Seria necessário traduzir dezenas de outras ou quem sabe, centenas de azulejos antigos. Porém, certa manhã, ele traduziu esse escrito: “A alma aspira e respira como o corpo, assim, vede em que pensais e com quem andais”. Foi isso que levou o Doutor Eduardo ao entendimento que os escritos se tratavam de um documento esotérico Inca-aruaxaba muito antigo, e que, certamente, tinha ligação com o esoterismo do Egito. “Mas, afinal, como tudo isso veio parar aqui?” “Como atravessou o oceano?” O algodão branco, chamado, agora, de maná aruaxaba, garantiu a Eduardo boa nutrição. O ar sem bactérias ou fungos ou vírus deu ao jovem a aparência de um deus do passado antigo. Definitivamente algo estava acontecendo com o rapaz. Isso foi confirmado, na manhã do dia 13, 70 dias depois do mergulho no rio – o mergulho sem aparente retorno. Ele descobriu outra placa que traduzida dizia: “O mundo está imantado pelo sol, e estamos imantados da luz astral do mundo. O que se opera no corpo do planeta se repete em nós”. Após ler o azulejo, Eduardo entra em reflexão sobre o que seria “luz astral”. No piso da câmara havia um símbolo que não tinha, até então, chamado à atenção do professor. Era um signo formado por duas cobras que formavam um círculo – uma cobra mordendo o rabo da outra. “Mas o que isso quer dizer?” Pensou consigo o rapaz. - Eduardo! O rapaz vira-se para ver quem o chamava. Ele não ver nada. - Eduardo! O rapaz olha em volta. A câmara estava vazia. - Eduardo! “Por onde entra a luz?” Isso nunca havia sido objeto de estudo do rapaz, afinal, havia tanta coisa para entender naquele lugar. - Eu não sei. - Dissestes certo. Não sabes muitas coisas antes e depois de ti. - Quem é você? Perguntou o arqueólogo. - Sou o que sou ou quem sou; sou a soma de tudo e em tudo estou. Eduardo para um instante para ver se havia algo como uma caixa de som, ou fio, ou algo parecido. Nada havia. Depois de setenta dias um contato com alguém ou alguma coisa seria bem interesante. - Não entendo o seu dizer. Por que você não aparece para que eu possa vê-lo? - Certo, não há problema! De repente, um holograma surge diante do professor. A figura nele era a do professor. - Mas, aí, sou eu. Eu pedi que você aparecesse! Mas, você está com a minha forma. É truque! - Mas, nós somos assim. Eu e você temos a mesma forma! Eduardo conversou com sua forma durante meses no interior da câmara. Eles falaram sobre ciência, religião, filosofia, esoterismo, e outras coisas que na terra não existe. A forma de Eduardo estava acostumada com Eduardo e ele com ela. Para onde Eduardo ia a forma ia também. Um dia a forma disse: “Venha comigo!” A forma abriu uma passagem no lugar onde o signo das serpentes estava. Era uma passagem que o professor não sabia; nem tinha como descobrir. Uma escada enorme os levava as cavernas debaixo da terra; lá criaturas horrendas gemiam e contavam suas histórias. O sofrimento daquelas criaturas era tão grande que o professor chorou sete vezes sete vezes durante o percurso. “Por que a forma me trouxe aqui?” A pergunta do pensamento de Eduardo foi respondida de imediato. - De tudo se deve saber. Tudo se deve aprender. Mas, nem tudo se deve fazer ou dizer ou pensar. As formas ganham formas no alto e no embaixo. - Não entendo! - Os seus pensamentos ganham formas e em alguns casos vida. Aqui você está na sua cela. Estas formas são proporcionais aos seus pensamentos. Aqui estão suas vidas. Eduardo saiu da escada e se distanciou de sua forma. O rapaz ganhou coragem e foi investigar a veracidade dos ditos da forma que o acompanhava. Ele viu um menino que chorava a morte de sua mãe. Ele sentia dentro de si uma mistura de dor e de raiva, no íntimo uma cobra fina e pequena se aloja naquela forma de criança. A cobra dizia de seu alívio com a partida da mulher. Mais adiante, em uma cela úmida, estavam várias formas, todas elas riam e zombavam de alguém. Quando Eduardo as olha elas ganham aparências conhecidas; eram colegas de curso, amigos de infância, e todos eles tinha um escárnio para o rapaz. Eduardo se irou ao ouvir o que ouvia no passado. A ira do professor foi tão grande que nasceu outra forma que passou a persegui-lo por entre as celas. Se não fosse a forma boa que o acompanhava não se sabe o que seria do rapaz. Eduardo se livra da forma má criada por seus encantos mentais. Um choro ecoa da sétima cela à esquerda se é que posso dizer esquerda, pois, ali a escuridão era tão densa que nada se podia ver; era preciso crer. Na sétima cela estava uma jovem branca e muita bonita. Uma moça de dezesseis anos. Ela estava sentada segurando sua cabeça. A cabeça, em suas mãos, dizia sobre a moça e cobrava de Eduardo um pagamento ou uma compensação. - Moça, eu estou inocente. Eu me lembro de tudo. Deixei-te em casa e pronto. Os olhos da cabeça da moça olharam para o arqueólogo e disseram. - Você voltou! - Isso é o que todos pensam! Eu não voltei, tenho provas. Meu ajudante viu a hora que cheguei à minha casa. - Você chegou à sua casa, já dia adiantado! E o eu estou na baixada da ponte, entre o Peba e a Lagoa dos Soares; veja se não é verdade! Tobias havia se esquecido do sinistro professor. Joaldo, um catador de lixo, estava debaixo da ponte que separa Sergipe da Bahia – a ponte da Lagoa Redonda. O catador de lixo encontrou deitado entre pneus velhos, caixas de papelão, e outras coisas, um rapaz de uns trinta anos, deitado nu e inconsciente. O curioso, segundo Joaldo, era que ele estava envolvido em uma substantiva parecida com vaselina líquida, mas, que tinha um cheiro muito forte. Levaram o rapaz para o hospital, e descobriram que a substancia tinha a mesma composição do líquido amniótico das mulheres. O rapaz era branco, cabelos claros, estatura média e possuía feições helênicas; e muito confuso mentalmente. Ele dizia que veio de uma pirâmide escondida debaixo da terra, e que por meio dela as pessoas podiam atravessar os continentes. Ele não lembrava o seu nome, nem nada sobre sua família, formação ou coisa assim. A professora Juçarinha se interessou pelo caso do rapaz e o pôs em sua residência – “A caridade deve ser feita a todos”. Quando as pessoas perguntavam pelo rapaz era dizia: “Meu menino está bom, graças a Deus!” De fato, o estranho rapaz foi fazer o curso supletivo o qual terminou em três anos. Casou-se com Juçarinha. A mulher, psicopedagoga dizia poder cuidar do homem. Depois ele fez o ensino médio o qual terminou em dois anos. E finalmente fez a faculdade nos finais de semana. “Vou ser professor como você Juçarinha”. Eduardo se formou em professor de história em dois anos e foi ensinar na rede pública. Todavia as coisas mudam como a cobra muda de pele. A esposa de Eduardo anda muito preocupada com ele, pois, o homem diz que sua cicatriz na testa, de uma hora para outra, começou a coçar. Quando ele coça, a pele cai, e o tecido embaixo dela é de cor negra. Juçarinha tomou um grande susto quando no dia 15 de agosto, no dia da festa da Santa, Eduardo, agora, Luís, tombou da moto e arranhou muito a pele. Após a cicatrização, a pele se regenerou negra. Aos poucos Eduardo ou Luís foi tendo sua cor de volta. Juçarinha ficou muito triste com o caso do marido. O tempo passou; as tatuagens foram aparecendo; os cabelos foram voltando a ser rastafári, e o povo associando o caso à história de outro professor. - Comadre Luís é um homem doente. A pele dele é muito fraca. - Mas, ele vai ficar bom. Ele é um rapaz direito. Deus vai ajuda-lo. - Eu me apego todo dia com minha mãe santíssima! - Amém, mulher! No enterro de Eduardo ou Luís não se pôde ver o corpo. O caixão esteve lacrado o tempo inteiro. O cortejo percorreu a Avenida Sete até a Igreja Matriz. O caixão não pôde entrar porque o novo padre aboliu a extrema unção à porta da casa de Deus – Tempos modernos! Uma figura acompanhava tudo e todos – Nonato. Depois do enterro do amigo, ele foi à Lagoa do Soares e desenterrou os ossos da moça. Com isso sentiu um grande alívio. Os ossos da menina do Batom viraram pentes, enfeites domésticos, pembas para magia negra, e outras coisas. - A criatura humana tem tantas versões de sua história. - E é Calunga! - É. - E a razão? - Que razão? - No final, ninguém tem razão; a morte é a coisa mais certa, e depois dela, as sombras povoam a terra...

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