sexta-feira, 19 de outubro de 2012

A DICOTOMIA DE LE GOFF

RESENHA CRÍTICA Le Goff, Jacques. Antigo/Moderno. In: História e memória. 5 ed. Campinas: Editora Unicamp, 2003. p.173-184. O texto de Le Goff “Antigo /Moderno” trata das oposições entre os pares de sua dicotomia muito parecida com o estilo saussereano. Ao logo de suas 11 páginas o autor mostra os diversos sentidos que os pares recebem ao longo dos processos históricos que se desenvolveram no ocidente. O autor, no final, conclui que com o abandono da tese de um tempo histórico cíclico se consolida com a leitura historiográfica de um tempo linear que privilegia sistematicamente o moderno. O texto está seccionado em quatro secções nas quais, de forma, um tanto rebuscada, o autor expõe suas ideias sobre a dicotomia apresentada. O autor tem como maior objetivo mostrar que os termos “antigo e moderno” usado na historiografia ocidental são convenções construídas culturalmente ao logo dos séculos no ocidente. Para Le Goff o par Antigo/Moderno é uma discussão não apenas ocidental, pois, este está presente em outros lugares, no entanto, foi no ocidente que ele se ligou de forma decisiva as discussões acadêmicas. Esta oposição, segundo Le Goff não significa necessariamente uma oposição ou a negação de um pelo outro, mas, construção de uma discussão sobre os diversos sentidos tomados pelos termos ao longo dos séculos. o que ele observa, em um primeiro momento, é que é um par sobretudo gerador de ambiguidades linguísticas e semânticas. Os conceitos antigo e moderno são construídos pelos homens segundo a força que a cultura exerceu em determinadas épocas do ocidente. Le Goff expõe que o termo antigo passa por uma sucessão de compreensões assim como o termo Moderno. Essas compreensões estão ligadas não apenas a história, mas, a outras manifestações do intelecto humano, como a ciência, a filosofia, a arte e a religião. Para Le Goff antigo e moderno podem ser vistos sob diferentes olhares, pois, quem os ver é o homem, e este ver a partir de seu tempo histórico. É por essa razão que os termos ganham uma natureza polissêmica e sua compreensão está subordinada a leitura que o homem faz de seu tempo. Ademais, o autor mostrou de forma muito nítida que nem sempre os homens percebem seu tempo histórico, portanto, as convenções historiográficas não dizem muito sobre esse homem. As contribuições nas artes, na economia, como o advento do progresso e do processo de industrialização, segundo Le Goff, trouxe mais lenha para a fogueira no que diz respeito sobre o que é antigo ou antiguidade, ou sobre o que é moderno, novo, ou modernidade. Para o teórico francês a questão não é se o antigo é melhor do que o moderno como alguns no passado cogitaram, ou o contrário, para Le Goff, a questão está em o que é, ou o que antiguidade e modernidade significam no âmbito da historiografia e para o conhecimento humano com um todo. Le Goff termina seu texto dizendo que somente com o advento dos homens das luzes que a ruptura com a concepção de tempo histórico cíclico torna efêmera a superioridade do antigo sobre o moderno. A concepção de um tempo histórico linear que surge com o conceito de progresso substitui o romantismo com a antiguidade pela visão linear da história que privilegia o moderno. Desde que Bakhtin disse que o sentido do signo não está nele, mas, nas pessoas envolvidas no circuito comunicativo que muita coisa mudou na compreensão do fenômeno linguístico. Le Goff fez uso de uma dicotomia estilo saussereana em seu ensaio. Isso nos remete a antiga teoria da aleatoriedade do signo linguístico. Isso ele fez, certamente, para mostrar que os sentidos dos pares por ele analisados não estão em si, ou numa abordagem do “em si” da substância linguística que torna possível o processo historiográfico. Ora, se escrever a história é um processo de codificar, ou fazer uso de signos, então, é necessário uma precisão cartesiana ou positivista para que a historiografia tenha credenciais para aceitação pública? Será necessário o historiador impor os períodos históricos como verdades estanques a partir de uma analise política do tempo? Le Goff deixa claro no seu texto que as palavras falam muitas coisas e que essas coisas nem sempre tem uma relação empírica com os fatos. Os componentes culturais que envolvem o discurso linguístico estão plasmados na analise desse pensador francês. Quando ele diz que nem sempre o homem tem consciência do seu tempo, ele está dizendo que o homem tem limites de sentidos para descrever ou falar sobre sua realidade no mundo temporal. Não restam dúvidas, o texto apreciado dialoga com os postulados Jackobsoniano e Bakhtiano de percepção da linguagem, e da importância desta para a produção do discurso historiográfico. Esse texto é recomendado para alunos do curso de história e do curso de linguística ou sócio-linguística. Pois, embora possua uma preocupação com o estudo da história, ele traz conhecimentos da linguística, em particular, a sócio-linguística. Podemos tomar como exemplo, e é o que é mais evidente, as variantes dos pares e as oposições que autor analisa quase que como um trabalho de análise etimológica, ou análise do discurso. Nesta última percepção do texto de Le Goff detectamos marcas do discurso de Bourdie sobre o sujeito do discurso e o discurso do sujeito. No primeiro caso, as mudanças de sentido nos pares opostos, ou uma neutralidade, ou, uma polissemia ocorre porque o sujeito que diz sobre as coisas o diz a partir da posição de prestígio social. Le Goff não cita o discurso popular, todas as suas alusões se referem aos intelectuais de várias épocas. Fica claro que a historiografia por ele defendida não parte da análise do discurso do povo, do comum, mas, da análise dos ditos eruditos. Por isso, não será errado dizer que fazer historiografia partindo dessa via não corresponde muito às expectativas daqueles que ficam sem história porque não tem discurso, ou fala. Quem historiografou a fundo a mortandade das enchentes brasileiras, caso, de preocupação secular? Esses defuntos não tem discurso, portanto, não tem história. Essa preocupação que desponta do texto de Le Goff me lança inevitavelmente a segunda parte de minha análise: O discurso do sujeito. Ora, se a história é o relato discursivo dos fatos e acontecimentos relevantes da realidade humana, precisamos saber ao certo o que é relevante ao homem e quem está dizendo, e uma vez dito, analisarmos, como fez o autor, o dito. Le Goff viu que o dito sobre o antigo, a antiguidade, o moderno, a modernidade, o progresso etc., era construção cultural, e que não se tem, de fato, uma certeza para dizermos se estamos mesmo no moderno, ou se deixamos mesmo o antigo, ou se vivemos os dois tempos numa só realidade como se fosse uma hibridização temporal como ocorre nos discursos. Então, o discurso de modernidade como o de antiguidade traz uma visão de uma parcela da sociedade sobre o mundo e os fatos que nele ocorreram. Portanto, são discursos monológicos, discursos dominantes, assim como o conteúdo dos nossos livros de história oferecidos pelo sistema educacional. Posto isso não posso abrir mão de dizer que o estudo de Le Goff elucida ou ajuda a elucidar a velha tese de meu amigo Sousa. A memória enquanto discurso é seleção e só passa aquilo que as pessoas revestidas de prestígio se interessam. O caráter monológico de nossa educação está, então, presente nos livros didáticos e nas concepções de mundo que são passadas pelos diversos estucadores que se afinam na orquestração de sua sinfonia monológica.

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