Cada classe tem seus próprios valores. As representações, ou seja, a forma como cada uma concebe o mundo, varia de uma para outra. Um quadro considerado bonito para um setor social pode ser feio para o outro. O que é visto para um setor como normal, para o outro pode não ser. No entanto, por vivermos em meio a uma sociedade de classes marcada por setores que são prestigiados e outros marginalizados, o que é visto como normal, é normal dentro da forma como o setor prestigiado aceita como normal.
Em outras palavras, tudo aquilo que é considerado como ofensivo para os valores dos setores sociais prestigiados, tende a ser excluído ou taxado de forma pejorativa como brega por exemplo. Se pensarmos o brega enquanto um estilo de ser, brega termina sendo tudo aquilo que não diz respeito às coisas que são consideradas aceitáveis para as classes prestigiadas. É por isso que eu acredito que ser brega significa agir de uma forma que para o setor privilegiado é vista como subversiva.
Sim, acredito que ser brega significa ser subversivo, pois desestabiliza os modelos que os setores de prestígio querem conservar. Nesse sentido, ser brega significa sair completamente dos padrões considerados como “corretos” para o setor prestigiado. Alguém que decora sua casa ou se veste de forma brega, é visto como alguém que não está se comportando conforme os valores dominantes. Quem é visto como brega termina andando na contramão de tudo aquilo que é tido como coerente.
Mas se o fato de ser brega significa tudo aquilo que vai de encontro aos modelos sociais oficializados pelos setores dominantes, também quer dizer que o querer ser brega significa atender a lógica da classe dominante, uma vez que, se por um lado o setor prestigiado classifica algo como brega por ir de encontro aos seus modelos, por outro, o querer ser brega nada mais é do que querer copiar os modelos dominantes. A diferença é que esses modelos são copiados de forma vista como de mau gosto.
Exemplo: usar o mesmo modelo de roupa da atriz da novela das oito é querer refletir os modelos oficializados pelo sistema, mas o fato de usar o mesmo modelo com tecidos de qualidades inferiores e de preços mais baratos significa ser brega. A lógica do setor dominante é a seguinte: ele cria a ideia do que seja um modelo aceitável para manter o seu poder, e tendo esse poder garantido, ele provoca cobiças dos outros setores em querer fazer parte da camada prestigiada.
A pessoa se comportando de forma a ser considerada como brega termina por atender os setores dominantes, uma vez que nessa cobiça, essa classe ganha por conquistar a admiração social dos outros setores, e faz com que o mercado do consumo continue circulando riquezas para ela a partir do instante em que esses setores passam a sonhar em atingir esse lugar de prestígio. Se por um lado o ser brega foge das convenções, por outro, ele se encontra dentro delas.
O grande problema é que o setor dominante cria uma lógica que faz com que os outros setores, apesar de sonharem atingir a condição de prestígio, não alcancem esse prestígio. Apesar de querer ser cobiçado, o setor prestigiado não quer que a cobiça seja capaz de conquistar esse espaço, até por que conquistando, eles irão ter que dividir a fatia do bolo com os outros, perdendo assim, o seu poder. Eles estimulam o sonho, mas não permitem que esse sonho seja concretizado.
Para mim, a educação seria um espaço muito importante para acionar uma espécie de alarme nessa questão referente ao ser brega. Como eu mostrei, o fato de ser considerado brega de certa forma subverte a ordem por ir de encontro aos modelos oficializados. Esses pontos poderiam ser discutidos em aula para mostrar que apesar da elite esperar que os setores desfavorecidos consumam, ela exclui esse mesmo setor no instante em que o poder aquisitivo é distribuído de forma desigual.
Essa exclusão parte não só apenas com relação ao fator econômico, ou seja, na capacidade aquisitiva de cada classe em poder consumir determinados produtos disponibilizados nas prateleiras da sociedade de consumo, como também com relação ao fator simbólico. Sim, o ser brega não significa apenas não ter condições de se igualar ao setor prestigiado aquisitivamente, mas também diz respeito ao fato de ser ridicularizado por não conseguir atingir os ideais de beleza legitimados pela classe dominante.
Acredito que dentro das salas de aula, o educador poderia provocar questões como: por que eu não posso consumir da mesma forma que o outro? Por que é que os modelos dominantes são os únicos que devem ser encarados como aceitáveis? Quais são os caminhos possíveis para que essa distinção possa ser superada? Por que eu necessito tentar copiar o modelo do outro? Esse outro deve ser visto por mim como um modelo a ser seguido ou como um modelo a ser questionado e criticado?
Acredito que a partir dessas provocações, o tentar ser brega de fato poderia provocar uma subversão mais profunda, uma vez que estimularia novos questionamentos acerca do poder entre as classes sociais, e não por subverter simplesmente pelo fato de não agregar os valores reconhecidos como válidos por uma elite. O importante seria provocar um questionamento intenso sobre o porquê se existe o brega e o chique, assim como o grotesco e o sublime, o vulgar e o refinado.
Mostrar também que o ser brega agride não simplesmente por que é feio. Para isso, seria interessante esclarecer aos alunos que o feio é um critério de classe e que tem como objetivo fazer com que os valores sociais e estéticos se mantenham em seu lugar na hierarquia para que os setores dominantes reforcem seu poder. Seria importante também atentar para o fato de que a elite teme perder o seu poder, e por isso mesmo cria classificações com o intuito de denegrir qualquer setor que venha ameaçar o seu prestígio.
O fato de ser visto como subversivo aos valores dominantes também serve como um caminho pelo qual o educador pode mostrar que, apesar de ser ridicularizado pela mídia e pela sociedade em geral, o setor periférico também representa um setor perigoso à classe alta da sociedade, e que por provocar tensões com esse setor, ele pode reconhecer o quanto a própria elite o enxerga enquanto uma classe social capaz de destituí-la do poder.
Olhando o fato de ser brega e pensando nas possíveis ameaças detectadas pelos setores dominantes, o educador pode abrir caminhos para que esse setor marginalizado conquiste uma auto-estima. Mostrar que o receio que ele provoca é fruto do receio que o setor privilegiado tem dele poder conquistar um lugar de prestígio. Isso poderia abrir uma possibilidade do setor desfavorecido pensar acerca da importância que ele dá aos valores da elite, desnaturalizando assim, a legitimidade que dá para esse setor.
É muito interessante seu raciocínio sobre o brega e a sociedade. O mais interessante ainda é o papel da escola como agencia produtora de discursos. Por que uma escola publica reproduz a estética daqueles que não estudam nela? Se a coisa é publica e o povo, os Despretigiados, os sem fala, estão nela por que não é dado a esses indivíduos o direito de aorenderem com suas realidade. o que eu entendo é que a escola detesta mudança. Sua natureza é reprodutora de uma lógica social em que seus alunos estão na base.
ResponderExcluirO discurso da escola é monológico! Não há espaço para o brega ou para o estudo da história sem historiografia. A história que ninguém quer contar porque "não vale a pena".
Sousa, sua pessoa, já havia falado do carater seletivo da memória.
Para construirmos uma nova escola teremos que criar uma nova sociedade. Será? Muito bom seu texto!