Esta semana li um livro intitulado “Ordenar para desordenar” de Luiz Milanesi que vai fazer uma análise acerca dos professores, dos bibliotecários, da comunidade e dos alunos em relação à biblioteca. Resolvi trazer uma resenha breve acerca dessa obra, principalmente por que me lembrei de uma vez (apenas uma!) que fui à biblioteca pública aqui em Aracaju com meu amigo torto Josué Maia e saí decepcionado por ela não ter provocado qualquer motivação que me fizesse voltar lá outra vez.
Segundo o autor, diferente da Europa, onde a história da escrita e da leitura teve tempo suficiente para amadurecer e pertencer a um hábito mais cotidiano da população, no Brasil, a prática com a leitura, antes mesmo de conseguir atingir uma totalidade do território brasileiro, perdeu lugar para os meios de comunicação de massa. Em outras palavras, antes da população se alfabetizar e passar por um processo de educação voltada à prática da leitura, ela passou a ser educada por esses meios massivos.
Para complicar ainda mais a situação, no Brasil foi se criando uma idéia de acesso à leitura como algo reservado aos ditos intelectuais. Portanto, a biblioteca passou a significar inacessibilidade. Já os meios de comunicação, com o intuito de gerar consumo em suas emissoras, passaram a se utilizar de discursos populares. Como o país era marcado por alto índice de analfabetismo, as bibliotecas se tornaram lugares chatos, enquanto os meios de comunicação de massa passaram a ser consumidos.
Juntando o fato da leitura não ter tido tempo de se alastrar entre os brasileiros, além de se criar a idéia de uma biblioteca serviente apenas aos interesses de uma categoria letrada, somou-se ainda a forma como os professores passaram a utilizar a biblioteca. Ao invés de pensá-la como algo capaz de produzir questionamentos, esse espaço passou a representar formas de obrigação, uma vez que ele significa o meio pelo qual os alunos se utilizam apenas para adquirirem suas notas.
O uso da biblioteca passou apenas a cumprir uma obrigação exigida pelo professor. Os docentes, ao proporem essas pesquisas, colocam essa atividade como algo voltado a uma utilidade prática. A biblioteca, ao invés de abrir a possibilidade de inúmeras formas de leituras, provocando o reconhecimento das contradições, passou a servir apenas para a reprodução de um conhecimento exposto em sala de aula, o qual passou a se caracterizar pela necessidade da praticidade acrítica, fazendo da informação apenas uma cópia.
Entretanto, mesmo reconhecendo características perpetuadoras do sistema nas instituições educacionais, Milanesi admite que o espaço da escola, por reproduzir o discurso da ordem vigente, inevitavelmente cria possibilidades de resistências, servindo como brechas dentro das instituições de ensino, fazendo com que o conhecimento não se resuma apenas à memorização dos conteúdos, e sim, a algo capaz de provocar nos alunos o reconhecimento das contradições e alternativas de como superá-las.
Outra crítica se referiu à condição dos bibliotecários no Brasil. Estes se preparam para serem técnicos e atuam no espaço apenas com a função de catalogar e de classificar. Sem contar que muitos que assumem esse posto são indivíduos sem nenhum preparo e que foram removidos de seus cargos anteriores. Isso gera desestímulos nos usuários, visto que os bibliotecários não se preocupam em conhecer as reais necessidades do alunado, tornando a biblioteca um espaço descontextualizado.
Apesar do autor reconhecer que as bibliotecas são descontextualizadas das reais necessidades dos usuários, e de não fornecer serviços de qualidade, ele também entende a biblioteca como um espaço de transformação da sociedade, uma vez que para ele, a biblioteca dentro de sua ordenação nas prateleiras, apresenta ao leitor a possibilidade de se adentrar em uma pluralidade de pontos vista e com isso, promover o encontro desse público com as contradições expostas diante da diversidade textual.
No entanto, a biblioteca não deve se restringir a um espaço voltado unicamente ao contato do público leitor, mas deve também se preocupar com o público majoritário analfabeto que representa a parcela mais alheia a ela. Para isso, essas instituições têm o papel de não reduzir sua função apenas à prática da leitura textual, mas deve trazer possibilidades de outros tipos de atividades dentro delas como debates, amostra de filmes, utilização de áudios, dentre outras coisas.
Essa perspectiva decorre pelo fato do autor conceber a capacidade dos setores iletrados em produzir conhecimentos, obter e expor informações da mesma forma que o público preparado para lidar com a leitura. Para ele, deve-se compreender que as linguagens imagéticas ou de qualquer outra ordem, podem propiciar o contato do público com novas questões, com a possibilidade de re-elaboração de sentidos, de novas formas de compreensão acerca do mundo também através desses meios.
A idéia é formular uma biblioteca que não se resuma ao apático cotidiano monótono e mecanicista que mais parece um funcionalismo público. O olhar de Milanesi se encontra voltado a uma biblioteca que, através da ordem colocada em sua organização, seja capaz de provocar desordens a partir do instante em que possibilita o usuário a ler o mundo de forma mais crítica pelo fato desse conhecimento se encontrar diretamente vinculado ao seu cotidiano cultural.
Milanesi mostra a possibilidade das bibliotecas exporem as histórias dos setores excluídos, fazendo-os se sentirem pertencidos e atuantes na história. O autor salienta que a apresentação de produções ditas eruditas para esse setor é também de profunda importância, pois é através delas que esse público, ao se estranhar com uma prática não-recorrente em seu meio cultural, questiona os valores, possibilitando a re-significação de uma ordem, produzindo assim, uma desordem e gerando uma nova ordem.
Para Milanesi, deve se haver um diálogo entre bibliotecários e professores. Ao bibliotecário é dada a função não só da sua técnica enquanto catalogação das obras, como o papel de buscar compreender, mesmo que de forma superficial, conteúdos das obras, assim como os reais interesses dos usuários. Já com relação aos professores, cabe a eles provocarem questões em salas de aula, propor aos alunos pesquisas que façam com que eles detectem contradições para que essas contradições sejam posteriormente superadas.
Para finalizar, gostaria de deixar uma observação acerca de uma lacuna percebida por mim ao ler o livro. Antes preciso dizer que achei formidável a análise do autor sobre a biblioteca no Brasil, como fiquei bastante satisfeito com o esclarecimento que ele me proporcionou sobre o papel do bibliotecário. Posso dizer também que a proposta de articular o diálogo entre professores-bibliotecários-alunos foi muito pertinente, além de admitir que a visão acerca da biblioteca pela ótica de Milanesi foi extasiante.
Entretanto, apesar dessa análise crítica em tornar a biblioteca um lugar mais agradável, eu fiquei a me questionar sobre como a partir dessa proposta, atingir o objetivo de fazer o aluno também se usufruir do consumo de livros na biblioteca. Não acredito que é apenas disponibilizando livros mais vinculados aos reais interesses do público que uma biblioteca possibilitará o consumo do livro em uma cultura marcada pelo analfabetismo e pela falta de hábito com a leitura.
Investir em outros recursos é de fato um caminho bastante pertinente, mas como estimular a partir disso um interesse pela leitura? As bibliotecas podem abrir possibilidades de outras atividades, mas ao sair delas, ou os alunos vão se deparar geralmente com a falta de habito de leitura dos pais e da sociedade em geral, ou a comunidade, em particular os analfabetos continuarão sem ler justamente pela carência de ferramentas provocadas pela sua falta de contato com a alfabetização.
Como a partir da utilização de outros recursos disponibilizados pelas bibliotecas, o público em geral vai passar a ter interesse em tornar a leitura um hábito, levando-se em conta que ele pode se deparar com esses entraves em seu cotidiano? Como fazer com que os meios de comunicação, mesmo passando a produzir novas formas de conhecimento, sejam ao menos mais distribuídos entre as prioridades do público para que com isso a leitura também faça parte de suas vidas?
REFERÊNCIA
MILANESI, Luiz. Ordenar para desordenar. 2 edição: São Paulo: Editora Brasiliense, 1986.
Vinícius: o Ordenar para Desordenar foi da-ti-lo-gra-fa-do, refletindo aquele momento. Foi minha tese de doutorado. Na banca estava a Ruth Cardoso. Lembro-me que ela fez uma curiosa observação: as bibliotecas brasileiras são tão ruins que nem se prestam para ser aparelhos ideológicos do Estado... O Althusser, nem é preciso dizer, era moda. De qualquer forma, o livro causou confusão. Inclusive os meus colegas bibliotecários tiveram enorme dificuldade para classificá-lo. Hoje devo pensar num cenário totalmente diferente: o ensino, inclusive o universitário, sem livros de papel e pouca leitura. Como professor faço acrobacias para compreender a ojeriza que os meus alunos - a maioria - demonstram pela leitura. Isso me parece genérico. De uns tempos para cá resolvi empurrá-los para a resolução de problemas. Exemplo: na disciplina "Cultura e Políticas Culturais" escolheram duas cidades para construir políticas de Cultura. O trabalho final foi apresentar ao próprio Secretário de Cultura desses municípios os projetos que construíram. Acho que perceberam que só a imaginação não dá conta de responder às demandas. É preciso juntar informações, ler, ler, ler... No entanto, se os próprios professores não são fanáticos pela leitura... complica de vez. Não acredito que o mundo esteja torto, apenas que vivemos um novo momento e é precio entendê-lo.
ResponderExcluirAbraço.