quinta-feira, 6 de maio de 2010

Pedra sobre pedra

Pedras sobre Pedras

Meditar sobre os costumes é nos fazer retroceder aos contos de fadas. Sempre nos alegramos com o fim da estória. O herói está sempre presente quando se mais precisa. Ele sacrifica a si mesmo, é abnegado e indulgente, sempre disposto a tornar o mundo mais calmo, mais em ordem, e, sobretudo prender ou destruir o inimigo e seus associados. O Cristianismo tem essa visão escatológica: “No final, todos serão felizes e o mal será finalmente derrotado”. Temos um herói que deixou tudo e se sacrificou numa demonstração de auto - anulação sem precedentes na História: O Cristo. Ele se tornou, então, no modelo de homem ideal, ou herói ideal, “aquele acima de todos”, que não pode ser acusado de nada e que deve ser imitado por todos sob pena, em alguns casos, de perda da salvação. A sociedade dita cristã, por conclusão, é a que mais tem este privilégio de seguir os exemplos do mestre carpinteiro. O tempo, cujos séculos já se casam de ouvir o assobio do vento, é testemunha que a humanidade, mesmo tendo internalizado a moral Grego-Judaica como regra de conduta, sempre falhou em conter o pulsar de uma outra moral que nos confere a identidade de elementos da natureza. E sendo fora da natureza que cogitamos sobre nosso futuro, não podemos nem por um instante se quer lançar um olhar para o nosso eu - real. O eu, que consciente de suas limitações, e com menores pretensões, consegue ser feliz com os prazeres que a carne oferece sem arrependimento, e sem angústias de pecado na expectativa de uma punição eternamente cruel. Saindo um pouco deste foco, o conto de fadas da moral atuante, aquela ortodoxa, que não perdoa um ponto ou vírgula fora de lugar, nos leva para uma outra questão! Será que todo o rebanho acertou o novo caminho? Freud, ao analisar essa questão nos diz que há na mente saturada dessa moral uma redução de sua capacidade de julgamento; o indivíduo renunciou a razão para olhar o real pela crença, pela fé, desta forma, seu olhar é para fora, e quando olha para dentro de si não consegue tirar as lentes que se encravaram na sua visão. Seu eu - real torna-se refém de um superego tirano e dominador. Aquele herói que prometia a libertação e vida melhor, longe dos males, dos tiranos, é o mesmo que na inversão do olhar, tiraniza, oprime, proíbe, dita as leis do melhor ser. Paradoxo da moral ocidental cristianizada! O que foi posto aqui é válido para as demais formas de amansar o animal – homem. O que, de fato é real, é que há sempre uma passagem pela cerca, um buraco no teto, uma brecha na porta, sempre a verdade aparece, doa a quem doer, e não deixa pedra sobre pedra do edifício construído.

4 comentários:

  1. Meu caro Roosevelt, o caminho a fazer do dentro para fora e do fora para dentro é sempre dificil, pois somos socializados a buscar as soluções para a nossa complexa existência olhando para fora. Essa brecha é essencial, acredito para que nós humanos sapiens sapiens possamos continuar a existir nessa proposta de sociedade em que vivemos.

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  2. Concordo com o colega, mas não nego o custo alto, como bem disse Freud em "O totem e Tabu". Negar o que já foi posto, no sentido de anullá-lo por uma outra proposta para mim é impossível uma vez que os discursos se contaminam e fica difícil saber depois onde começoiu tudo. mas admito que o teurgico, o sábio, o vidente deve encarar os fatos sem espeantos e ver o que é como é. abraços.

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  3. Realmente eu achei bastante pertinente a sua observação sobre essa concepção de amor construida por uma herança judaico-cristã. Por incrivel q pareça, essa herança se reproduz nos discursos trazidos pelas tramas das novelas da globo, ou seja, aquela velha concepção idealista do amor onde o ser amado é defendido, preservado, pelo outro que tem que se anular para demostrar a quem ama e a sociedade inteira, o seu nocivo amor.
    A humanidade é infantilizada. Apesar de vermos barbados e peitudas correndo pelo mundo em busca de um lugarzinho no mercado dando aquele ar de seres responsáveis e adultos, no fundo não passam de crianças que ainda não conseguiram admitir o rompimento com o colo do papai e com os seios da mamãe. Querem que o outro se torne o ideal de suas expectativas, e que o outro seja a impossibilidade de suas frustrações.
    Porém, gostaria de fazer uma observação: apesar de eu não ter tido uma educação e um hábito de práticas religiosas, do pouco que eu conheço da história de Cristo, eu o considero um personagem da história surpreendente. Acredito que Cristo trouxe elementos em seu discurso que se aproximaram bastante da perspectiva socrática, ou seja, " olhe pra si mesmo". Psicanaliticamente, Cristo era um sujeito bem castrado. As religiões é que se apropriam de todo um distema discursivo construido por ele e deturpam com interesses em eliminar as próprias contradições conscientes deixadas nas palavras desse camarada tão do caralho, porém, tão pop como diria reuel, e tão banalizado que se tornou Jesus.
    Muito, muito, muito bom o seu texto.

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  4. è isso mestre Vina. Parabéns pelo mestrado concluído. Agora rumo ao doutorado.

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