Creio que é difícil algum dos leitores dizerem que nunca contaram com a ajuda de alguma pessoa para adiantar algum tramite burocrático, seja lá em qual ambiente, com a justiça, com a professora, com políticos, ou seja, utilizar a influencia de algum amigo ou mesmo conhecido que desempenha uma função ou ocupa um cargo que venha a solucionar um problema seu. O tal do dar o “jeito” pode ser visto em nossa pratica cotidiana. Os professores devem entender o que eu quero dizer, quando os alunos procuram desesperados em busca de notas para passar: - professor corrija com carinho; ou então, professor considere; ou professor me ajeite aí, por favor. Todos esses exemplos designam o tal do jeito, que é uma prática costumeira e que pode ser considerada como instituição, pois a sua não utilização nas diversas situações que a norma se coloca é uma afronta e o sujeito que não o aplicou sofre sanções morais porque seguiu as leis. O fato é que o jeitinho é bem brasileiro e caracteriza o modo de vida cultivado em suas relações sociais.
Quando falamos sobre as características do Torto em outro texto (Movimento incompleto.) vimos que os sentimentos, valores e pensamentos cultivados na sua ética pluralista se ligam a sociedade moderna, principalmente a demanda de criticidade que as subjetividades encontram constantemente nas suas relações de negociação e conflito com as estruturas. Além disso, ele se propõe a transitar pelas convenções e cuspir na cara dela quando vê a necessidade de fazê-lo. Sendo a reflexividade a sua principal ferramenta.
Em relação ao jeitinho e Torto: Seriam lados de uma mesma moeda? O que o jeitinho tem a ver com o Torto? Será que o Torto finalmente encontrou o seu sentido, sua definição? Vamos aos entortamentos.
Primeiro o jeitinho. Definido por DaMatta, como o “modo de navegação social” do brasileiro, ou seja, o caminho pelo qual o brasileiro soluciona os seus problemas, ou dá os seus “jeitos”, ou seus “pulos”. Esse aspecto da nossa cultura se encontra associado com um longo processo de construção sócio-histórica da sociedade brasileira, em que as elites, desde a colonização fizeram questão de sempre impor os seus modelos: educacional, artes, jurídico, político, conhecimento, econômico e, por aí vai, em sua grande maioria importados da Europa ou dos Estados Unidos. Como forma de situar nesse contexto opressor, o jeitinho foi instituído a partir do fundamento das práticas sociais ou do fazer cultural. Como reação as decisões das elites foi criada uma terceira opção entre o “pode” e o “não pode”, que é o “jeito”. Essa terceira via adentra as brechas do que é normatizado. É uma espécie de acordo tácito com o fim de resolver problemas. Como diz DaMatta, “é um modo pacifico e até mesmo legitimo de resolver tais problemas, provocando essa junção inteiramente casuística da lei com a pessoa que a está utilizando”.
A perspectiva do Torto da critica pela critica, em que o alvo é qualquer objeto que se mova ou que esteja pronto para ser questionado e analisado no campo das convenções e das individualidades se encontra com as expectativas do jeitinho, no tocante a utilização dessa individualização. Com as suas devidas dimensões. O jeitinho dá seus “pulos” no convívio sócio-cultural e está voltado para soluções de problemas práticos. Por outro lado, o Torto questiona-se não apresentando uma satisfação com a situação dada. A solução é o questionamento voltado para a (re) construção de sua subjetividade, sem soluções práticas e nem mesmo discursivas. São soluções momentâneas, que podem ser revistas e contrariadas a qualquer momento.
No questionamento das convenções, o Torto atira para todos os lados e o jeitinho atira para um lado, já que o alvo é burlar as leis e com isso ganhar respaldo, pois essa atitude é o que faz dele pessoa e conseqüentemente ser aceito. O Torto não tem essa preocupação. Ele pode querer ser individuo ou pessoa, dependendo das suas análises e do que seja conveniente naquele momento, que podem ser totalmente contrarias ao que ele já pregou algum dia.
A diferença entre Torto e “jeitinho” está na busca da realização da subjetividade, onde o jeito deseja a solução de um problema pratico, seja um emprego, a agilização de um processo, a dispensa de pagamento de uma multa, ou seja, se livrar dos tramites “burocráticos” representados pela normas. O Torto tem a preocupação de uma realização da subjetividade no que concerne a critica dos valores morais e culturais estabelecidos ou não. Nessa aproximação os dois buscam brechas e assumem personificações de acordo com a busca de uma satisfação, seja ela intelectual ou pratica.
*DAMATTA, Roberto. O que faz do brasil, Brasil? Rio de Janeiro. Rocco, 1986.
Lendo seu texto, tirei algumas reflexões entre o jeitinho e o torto. Na verdade, o torto admite ter um jeitinho para transitar com os diversos valores da sociedade, mas ele se confronta com esses próprios valores, visto que por ele admitir ser produto do meio, e, portanto, dotado de classificações, preconceitos e limitações, admite muitas vezes que o transitar entre as diversidades de valores, não necessariamente implicam caminhos fáveis para se aceitar a pluralidade de opiniões. Enquanto o jeitinho burla e apenas canta a vitória do que conquista nesse burlar, o torto burla, reconhece a inevitabilidade da necessidade em se burlar a realidade, mas requestiona a própria natureza ética ao burlar alguma coisa. Eu acho que o jeitinho é um negociador perverso, e o torto é um negociador perverso, porém, cheio de culpa rsrs. Eu penso assim.
ResponderExcluirJá temos bagagem para escrever sobre a ética do torto?
ResponderExcluirA semelhança maior que vi foi a característica transgressora do jeitinho. Porém, esse, formula e legitima a sua rede de valores e as cultiva a todo momento, numa relação entre o individual e o coletivo. Vou explicar melhor. O jeitinho por meio de uma rede de relações construídas pela amizade, familiaridade, confiança para fins individuais, ou interesses da pessoas (como DaMatta comenta). POr outro lado, o Torto, parte do subjetivo para a realização desse subjetivo.
ResponderExcluirOutra coisa, o jeitinho vai seguir a risca para aquilo que lhe convem em especial para o imediatismo da realização daquilo que ele almeja alcançar, ou seja, ele pode fazer o que lhe mandam sob a luz das normas para mais a frente passar uma rasteira nela e conseguir o que ele desejou.
Bom, eu acredito que o torto se encontra também nesse jogo de negociação entre a ação individual/ estrutura, lei/ desejo.
ResponderExcluirA diferença que eu vejo é que enquanto o jeitinho constrói laços para se fazer socialmente, o torto constrói laços para se adentrar no social também. Porém, a diferença é que o torto se nega a compartilhar a todo instante com as pessoas, inclusive com as próprias pessoas com as quais ele necessitou criar laços.
Sabe fazer o joguete e ganha; mas também ele perde ao não admitir que os outros tentem anular sua subjetividade. Já o jeitinho pode até não compartilhar com a apropriação de sua subjetividade, mas o objetivo de não ficar por baixo, faz com que ele aceite essa anulação. O torto a aceita momentaneamente, mas depois cai fora. Agrega uma rede de relações, assim como jeitinho, mas depois vai buscar construir outra rede, para posteriormente construir outras e outras e outras.
O torto é efemero, e se ele consegue ser malandro em suas negociações, ele também é a própria pedra de seu sapato hehehe
Tudo bem, na sua colocação o torto é "solto", livre para transitar pelas convenções e ações individuais. Mesmo não considerando essa fixidez no que diz respeito a prática para qual o jeitinho está diretamente orientado. Porém, esse movimento do sujeito pós-moderno descentrado o faz como um Flaneur (Baudelaire)que explora a cidade sem um rumo pré-estabelecido, o que não impede de viver a cidade. Dessa mesmo forma, creio que o torto segue nessa mesma linha de se socializar, mesmo que momentaneamente, com grupos referenciais e fica com eles até o momento que a sua subjetividade não congregue com aquele grupo. O jeitinho tem seus referenciais e o seu sentido de ação orientado, com uma dinâmica diferenciada do torto, como apontei no texto. Vejo uma diferença temporal de viver o tempo desses tempos. Ou seja, o jeitinho pede por legitimação, por mais que seja, principalmente, voltada para uma realização passional das suas intenções. Por outro lado, o torto está como um eletron que a qualquer força possa ser movido ou mover-se.
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