segunda-feira, 31 de maio de 2010

A maconha e seus mitos

Este texto é um complemento do outro texto que publiquei na semana passada intitulado “Maconha é legal”. Ele é fruto das observações trazidas pelos queridos tortos Alysson e Josué Maia. Não é por ser um complemento, que necessariamente ele não traga outras indagações. Os tortos me chamaram atenção para a relação dos mitos com a maconha, e é sobre esse tema que venho tratar essa semana.

Para mim, esses mitos se encontram entre o grupo dos não-usuários e o grupo dos usuários. Os não-usuários insistem no mito da visão determinista da maconha, como um alucinógeno que progressivamente leva a outro. Outro mito dos não-usuários vem da classificação. Esse grupo insiste em acreditar muitas vezes que os usuários, por fumarem maconha, são viciados, marginais, dentre outras adjetivações.

Já os usuários insistem em uma postura auto-afirmativa de construir mitos em cima de suas imagens por acreditarem que por usarem a maconha, são “diferentes” e “subversivos”. O outro mito é o que eu chamo de mito da naturalização. Já presenciei casos em que neguinho, por acreditar que a maconha era algo normal, sentia necessidade de “naturalizá-la” fumando seu beck em ambientes abertos.

O que eu percebo, é que entre as duas realidades, o desrespeito é evidente. É devido a isso que eu proponho o exercício de entortar o olhar. É necessário analisarmos a complexidade da coisa, relevando o conservadorismo de determinadas posturas, mas ao mesmo tempo, possibilitando a mudança dos valores. Faz-se importante analisarmos as fragilidades e as validades de ambos os discursos.

Com relação às posturas dos não-usuários, é importante refutarmos determinadas visões. Primeiro: a maconha não necessariamente leva a outro alucinógeno. Quando alguns indivíduos passam a consumir de forma progressiva outras espécies de alucinógenos, é por que essa progressão está muitas vezes mais ligada a uma falta de diálogo e a uma formação familiar, do que necessariamente à maconha.

O segundo ponto se refere às adjetivações pejorativas. Faço questão de lembrar que existem muitas pessoas que consomem a lombreira e que nem por isso deixam de exercer suas funções sociais com responsabilidade. Porém, se os não-usuários não reverem suas posturas discriminatórias, a maconha continuará a ser proibida, e os usuários terão que continuar a entrar em bocas de fumo para comprá-la ilegalmente.

No que diz respeito aos usuários, é bom reconhecermos que muitos discursos e posturas praticadas por esses grupos são criticáveis. Quem faz o uso da maconha, consome por que gosta. O hábito em lidar com o alucinógeno é um hábito como qualquer outro. Gritar para o mundo que fica “doidão” ao fumar a folhinha do barato, só dificulta a aceitação da maconha, uma vez que reforça o discurso dos não-usuários.

Quanto à questão da naturalização, é importante o usuário ter consciência de que, se ele quer que a maconha seja aceita pela sociedade, primeiramente ele tem que provar para essa sociedade, que não é por que ele fuma maconha, que necessariamente ele não saiba exercer o seu direito de cidadão. Desrespeitar os espaços públicos, só faz afrontar os valores, ao invés de possibilitar novas visões em relação ao alucinógeno.

Também existem pontos válidos em ambos os discursos. Os não-usuários de certa forma têm sua razão em criar conceitos pejorativos a respeito dos usuários, uma vez que muitos dos próprios consumidores do chicotinho queimado, reforçam a idéia da marginalização ao insistirem em posturas que prezam pela maluquice aborrecente. A visão da marginalidade se perpetua quando insistimos em nos marginalizarmos.

Com relação aos usuários, eu posso dizer que o discurso favorável à legalização da maconha é válido. Como eu disse, esse alucinógeno, apesar de ser considerado ilegal, além de não ter efeitos progressivos para quem sabe usá-lo de forma consciente, é muitas vezes consumido por profissionais que não deixam de cumprir de forma ética seus papéis na sociedade e que são reconhecidos pelo seu trabalho.

Depois disso eu pergunto: será que alguns dos não-usuários estão preocupados em saber que se insistirem em seus discursos discriminatórios, os usuários continuarão sofrendo perigos por terem que entrar em bocas de fumo? Será que alguns usuários estão preocupados em perceber que, consumindo maconha em espaços públicos, eles estão desrespeitando o espaço dos não-usuários? Acho que não.

É por isso que eu acredito que para acabar com esse abismo entre esses dois grupos sociais, faz-se necessário exercitarmos um olhar torto capaz de relevar e criticar esses dois discursos, buscando evitar ao máximo as intolerâncias encontradas entre esses dois universos. Com a intolerância de ambas as partes, fica difícil acabarmos com os preconceitos e com a ilegalidade da maconha.

5 comentários:

  1. A maconha ganhou um sentido pejorativo no imaginário social. Diferente de drogas como o fumo e o alcool, ela ocupou o lado "mau" dos alucinogenos permitidos e mais ainda em torno dela criou-se uma série de mitos e esteriotipos para os usuários.

    Essa relação entre usuário e não-usuário é complexa, tendo em vista que cada um carrega seus valores e tabus diante da erva. Acredito que esse processo de legalização passa diretamente pela intolerância e que essa, no meu ponto de vista, não apresenta uma abertura nem a médio e muito menos a longo prazo. A preocupação que é colocada ao não-usuário para com o usuário, ou seja, dos perigos que esses correm em bocas de fumo, coisa e tal, não seria suficiente na minha visão, tendo vista a construção de uma ordem de valores dentro do universo dos usuários que são aqueles que traficam. o que contribui bastante para a associação entre erva e violência.

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  2. Eu concordo, mas pra legalizar precisa tb haver esse respeito do qual vc flou e tb ações esclarecedoras como a tua para com a sociedade.

    Reuel Astronauta.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Creio que a inexperiência e a inadaptabilidade psicofisiológica de determinados indivíduos sejam o maior entrave para a legalização e popularização, embora o álcool. Outro fator importante é o mercadológico: por traz do crime organizado, há as corporações e o Estado, que certamente lucram com produtos caros, de baixo custo de produção e livres de impostos, já que ilegais.

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  5. Discutir este tema é criar uma imensa bola de neve caso não estejamos atentos a alguns aspectos que levaram diversos países a "tolerar" o uso da cannabis. Países como o Canadá e a Holanda primaram pela educação como principal mediador entre usuários e não-usuários.

    Nestes países fuma-se em lugares apropriados como praças ou cafés. Mas o processo não é simples. Não é permitido fumar qualquer quantidade como se faz no Brasil. Talvez este seja o mito menos percebido entre os brasileiros.

    Ficar "doidão", bater um "barato", "viajar" é fumar absurdamente vários e imensos baseados por dia. Grande mito! Poucos sabem que o efeito da erva, principalmente a pura e de boa qualidade só ocorre após uns 10 min ou mais. Então desconhecendo o usuário busca tragar várias vezes, prensar o nariz para surtir o efeito mais rápido e fumar mais de um baseado por dia. O ideal é consumir 1 baseado simples e aos poucos durante 1 dia, o que mantem o efeito mais duradouro e saudável.

    Além dos efeitos socioculturais e políticos já ressaltado pelos autores, há também os efeitos psicológicos sobre o uso. Há estudos que demonstram o efeito “negativo” que o uso da erva causa em usuários depressivos ou que possuem um modo de vida associado à violência. São vários fatores que podem ser discutidos.

    Mas o mito criado pelos próprios usuários talvez ainda seja a fonte de maior intolerância. Fumar em locais abertos é até interessante e entre os grupos juvenis tem sido menos conflitivo, porém não necessariamente naturalizado. Os não-usuários continuam incomodados com a ervita. Sentem receios, afloram preconceitos. Contudo até compreendo, pois muitos usuários não pedem licença para acender e baforar sua fumaça por aí.

    Seria interessante se no Brasil houvessem espaços para o uso. No entanto, deveria antes haver uma política de conscientização não só pelo Estado, mas pelos usuários mais conscientes sobre os diferentes usos.

    abraços, Eder.

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