segunda-feira, 27 de junho de 2016

Respostas tortas

Devido a algumas críticas e questões constantemente trazidas acerca do que eu entendo sobre a perspectiva torta, resolvi elaborar algumas respostas às problematizações trazidas. Gostaria de todo o coração que este texto, apesar de trazer algumas argumentações minhas sobre a questão, fosse requestionado. Acredito que pontos de vista que se divirjam do meu são importantes para o meu exercício do entortar.

Se a ideia do que seja torto encontra argumentações para se justificar enquanto tal, como ele pode ser contra as classificações e as definições?

Ora, em nenhum instante a perspectiva torta se mostra contra as classificações. Se eu falo sobre o torto, eu estou sugerindo uma classificação e uma definição. O que acontece é que o se entortar nos leva a um constante questionar acerca das classificações, assim como das definições que fazemos dessas classificações. A questão é negar a aceitar as classificações impostas como definições precisas.

Vivemos em uma sociedade na qual, apesar de ser povoada de humanos, e, portanto, de subjetividades, tem provocado atitudes, vamos dizer, retas entre os indivíduos. Estes costumam taxar as coisas, encaixotá-las em classificações engessadas, quando na verdade deveriam entortá-las, ou seja, entender que as “verdades” são culturalmente e historicamente construídas, e, portanto, mudam, entortam-se o tempo inteiro.

Se o ser torto aceita então as classificações e as definições, como ele pode entortar?

Justamente pelo fato de aceitar as classificações e as definições, mas também reconhecer que estas estão continuamente sujeitas a novos requestionamentos. O ser torto, por exemplo, por si mesmo necessita se entortar, uma vez que a definição que faço dele está predisposta a ser requestionada. Não é por acaso que estou escrevendo este texto com o intuito de responder e inevitavelmente repensar o torto.

Pelo fato da perspectiva torta se encontrar situada em meio a uma sociedade, posso dizer que não tem como não reconhecer a importância das classificações e dos códigos. No entanto, reconheço a importância de me entortar no instante em que afirmo que, as classificações, por terem sido resultados das construções sociais muitas vezes ligadas aos interesses de classe e das relações de poder, precisam ser repensadas.

Se o ser torto trás constantemente a afirmação das classificações e ao mesmo tempo a impossibilidade precisa delas, significa dizer que o ser torto não assume posições?

De forma alguma. Quando eu, através dos meus textos e reflexões, digo o que para mim seria o torto, consequentemente eu estou assumindo uma posição. Assumir uma postura torta, apesar de sugerir a importância de enxergar as afirmações dentro das possibilidades ambíguas que as sustentam, em nenhum instante implica em dizer que não sejamos capazes, nem tenhamos o direito de nos posicionar sobre algo.

O entortar leva a uma necessidade de reconhecermos que, apesar da nossa capacidade de definir, e, portanto, de tomar uma posição, em nenhum momento nos torna aptos em abdicar também da nossa condição falha enquanto humanos. A realidade, apesar de justificada e defendida, não deixa de ser se encontrar em um devir, ou seja, em uma incessante mudança, e por isso mesmo, em uma relativização contínua acerca de si mesma.

Se o ser torto, por se entortar, relativiza, poderíamos pensar que haveria um imobilismo e uma postura alheia em suas perspectivas?

Não. Se, apesar de reconhecer que a verdade que construímos não deixa de ser fluida, o fato de se admitir que as posições existam, não me mantém alheio às coisas. O que pode provocar essa impressão é o fato de se reconhecer que as posições, apesar de existirem, são móveis, e, portanto, provisórias. O que existe é uma intenção de renovar as afirmações participando da realidade, não fugir dessa realidade.

Portanto, se eu admito a importância de se renovar as ideias, como posso dizer que a perspectiva torta nos leva ao imobilismo? O que existe, como já dito, é uma incessante construção de pontos de vista. Na verdade, o que acontece é que, o fato de afirmarmos e refutarmos essas afirmações o tempo inteiro, nos faz pensar que exista um imobilismo, contudo, o que temos é um inacabável e constante refazer.

A questão é que o relativizar provoca um constante e imprevisto mudar de cena. Ao relativizar, o torto chama atenção para o fato de que as suas afirmações, assim como as afirmações dos outros, por mais que tragam argumentos bastante contundentes, não significa dizer que estes são eternos e acabados. Aí é onde se encontra a importância de relativizar, e, portanto, de aceitar o inevitável fluxo das coisas.

O que acontece é que a perspectiva torta indica justamente a questão da incessante mobilidade das ditas verdades. Qualquer pessoa, por mais que tenha convicção a respeito do ponto de vista que defende, por se encontrar em meio a uma diversidade de pontos de vista, inevitavelmente tende a repensar essas afirmações. Mesmo que esteja segura de suas opiniões, faz-se de profunda importância revê-las, e, portanto, relativizá-las o tempo inteiro.

A ambiguidade constantemente trazida pelo torto não faria com que sua ideia assuma uma postura conservadora?

Não. O problema é que a nossa cultura, por se encontrar submetida a uma infeliz dicotomia, entende que o fato da perspectiva torta entender que inevitavelmente, por sermos produtos de uma sociedade, vivemos em meio às regras e as expectativas de comportamentos que fazemos devido à exigência dessas regras, a torna conservadora, porém, o fato de se admitir a organização e o funcionamento da sociedade, não significa ser conservador.

O que acontece é que a perspectiva torta, como o nome já sugere, leva-nos ao entortar. Se ela vive a se entortar, consequentemente vive a dialogar com os diversos lados da realidade, e um desses lados diz respeito à aceitação de que a cultura, apesar de ser construída e reformulada devido às transformações ocorridas nela, também é feita pela herança social a qual termina por gerar um infindável número de resistências em meio a essas mudanças.

Se não existe um conservadorismo em sentido puro para o torto, ele seria liberto?

Também não. Aí é onde se encontra o grande problema de uma cultura submetida às dicotomias. Ou se é uma coisa ou se é outra. Como já dito, se o torto diz respeito ao se entortar, ele transita e dialoga com os opostos, misturando-se a esses opostos. Volto a afirmar: se a cultura trás como característica a herança social, ou seja, a continuidade, e por consequência, a resistência de certas mudanças, ela também trás as próprias mudanças.

É por isso que pensar a perspectiva torta implica em reconhecer que, se por um lado trazemos a continuidade de valores construídos ao longo da cultura, também, por entortarmos, repensamos esses valores. O torto é liberto, mas admite que não se pode libertar plenamente por estar submetido também aos valores historicamente construídos pela sociedade na qual se encontra; reconhece a permanência e ao mesmo tempo a alteração das coisas.

Se o ser torto aceita e ao mesmo tempo nega as classificações; se o ser torto aceita a submissão às regras como também as condena, o que de fato seria o torto?

Uma mediação ou uma terceira via se assim quiserem pensar. O fato de mostrar a dinâmica torta a partir do fluxo entre o construir/reconstruir, faz com que as pessoas entendam essa dinâmica pela lógica binária ou dicotômica. No entanto, a lógica é muito mais abrangente. Na verdade ela se movimenta entre o construir/desconstruir/reconstruir, ou seja, no fazer/desfazer/refazer.

Se eu estou diante do entortar, isto é, entre a objetividade/subjetividade, entre a ordem/caos, é por que ao me encontrar diante delas, eu faço uma releitura colhendo seus prós e contras, construindo assim um terceiro caminho. Ao aceitar as potencialidades e negar as deficiências dos diversos lados, para me entortar eu faço uma mediação buscando construir uma nova síntese que por sua vez se desfaz e refaz em outra síntese e assim sucessivamente.

3 comentários:

  1. Todos somos tortos em potencial?

    O torto dialoga constantemente entre a objetividade e a subjetividade, ora ele se aproxima do emocional, da arte e do instinto. O torto é mais racional ou instintual?

    O torto pode assumir um posicionamento político, no ponto de vista da ação e participação política?

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    1. Se é mais racional ou instintual não sei ao certo. O que sei é que ele cheira a lógica discursiva e cheira as sensações inajustáveis às matrizes racionais. Ele se acha por ter razão, mas por ter consigo coexistindo o instinto, se perde dessa razão; assim como por ter o instinto ele navega nas sensações, mas por estas dialogarem com a razão, ele se encontra.

      Se o torto pode assumir um posicionamento político? Pode sim. O que ele não assume são posições imutáveis. O fato do torto admitir a transição pelo fato de entortar já faz dele um personagem possuidor de ações. Se ele pensa sua relação com o mundo a nível de comportamento, valores, negociações e conflitos, ele é político.

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  2. Podemos dizer que o Torto é mutante? Ele utiliza da reflexividade e da característica do mundo contemporâneo no tocante das escolhas individuais a partir de um constante devenir. Nada é permanente, tudo é mutável. Seria esse um possível lema para entender o Torto?

    Na pergunta sobre a participação política quis me referir sobre o engajamento político e ideológico. Como o torto lida com essa postura política?

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