O que seria do humano dotado de linguagem e excedido de duvidas, se não tivesse a capacidade de eleger determinados objetos para extravasar todas as suas faltas e desejos reinantes em sua alma? Sequer suportaria o enigma que perdura a sua realidade se não fosse apto para se adentrar nos prazeres estéticos que constrói ao se relacionar com certos objetos a sua volta.
Misturada a uma realidade que definimos como real, todos nós humanos carregamos circuitos desenfreados que perpassam, e, portanto, desmoronam toda a afirmação que fazemos do que é real. O que afirmamos se embaralha com afirmações que giram em outras órbitas. O que dizemos que somos, em um rápido instante se desfaz, fazendo-nos re-significar tudo que havíamos jurado ser verdade.
A alma humana é um labirinto e tudo o que nós podemos mapear dela não passa de contornos cambaliantes em suas imprevisibilidades. Se nossos pés se avançam na certeza do que achamos ter domínio, muitas vezes não temos controle do que achamos dominar, e os nossos passos se tornam meros rastros transfigurados e desaparecidos pelos ventos desnorteados que nos perseguem.
O prazer estético que temos das coisas serve para que a gente possa ter a fantasia do controle que não temos de nós. O prazer estético promove a ilusória capacidade de nos orientarmos diante de um mundo desenhado e rabiscado por nós mesmos que não passa de re-configurações deslizantes e incapazes de nos tornar aptos em apreender a plenitude conceitual daquilo que nos afeta.
É com o prazer estético que nós somos capazes de escavar aquilo que sabemos sentir, mas que não sabemos dizer. É dele que nos sentimos libertados dos nossos próprios emaranhados, mesmo que para isso a gente continue sem saber qual o caminho e qual a possível estratégia podemos encontrar para superar de toda essa falta de sentido que não nos garante nenhuma forma de libertação.
Ah, mas de que vale esse prazer estético, se ao mesmo tempo em que ele me garante o conforto, esse conforto não passa de mera fantasia de minha mente? Vale tudo. Ele nos garante um momento de suspensão de uma realidade crua, objetiva, calculista e massacrante de cronômetros e exigências, e nos leva, pelo menos por um instante, a uma realidade que escapa a todo esse pesadelo.
O prazer estético nos garante o reencontro com a alma da criança; com a alma recheada de afetividades e de leveza. Entrar nesse prazer é aceitar a plenitude que foi rompida pela crueza da cultura; é nos possibilitar uma reconstrução de nossa integridade que foi despedaçada a partir do instante em que aprendemos a nomear o mundo, abstraí-lo, e por isso mesmo, expurgá-lo de nossas vidas.
O humano que se deixa navegar no prazer estético, além de encontrar seu provisório sossego, exercita sua postura consciente e crítica de si e do mundo que o cerca, afinal, deixa rasgar a alma, desfaz e passa a rever seus fantasmas que o corroem pelas entranhas e por todo seu espírito potencialmente fracassado, o qual, se por um lado soluciona enigmas, por outro, perde-se por entre eles.
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