quarta-feira, 10 de julho de 2013

Arte e acaso

Somos educados a esperar um sentido prévio para a arte. Isso de certa forma é resultado de uma concepção racionalista ocidental que nos reduz apenas ao que se encontra a nível perceptivo, visível. Não aceitamos nada que “não faça sentido”. Negamos tudo aquilo que aparentemente foge de uma função clara e objetiva aos nossos olhos. Somos medíocres sempre à espera do óbvio, do já existente.

Se um determinado objeto se desloca de sua função original, nós os excluímos, pois para nós, ele já não possui mais serventia. Somos limitados e vivemos a insistir na relação previsível entre o objeto, o seu ambiente e a sua função. Fazemos nossos olhos caminharem preguiçosamente e acomodados em detectar o pronto para com isso apreciar o pronto.

Dessa forma nada muda e nem nada pode mudar. Somos seres cartesianos e nocivos demais a nós mesmos. Quando queremos o sempre pronto, nós estamos negando a possibilidade de exercitarmos a nossa capacidade em criar novos olhares capazes de mudar a realidade das coisas. Ao optarmos pelo sedentarismo mental, deixamos de assumir o compromisso com a mudança do panorama existente.

Longe de mim a perspectiva militante enfadonha e imbecilizada pela eterna e redundante seriedade sobre as coisas. A minha preocupação realmente não deixa de ser política, mas é uma preocupação com a política implícita, ou seja, uma política povoada de subjetividades, de negociações, de interesses e de conflitos, mas é com a política do cotidiano que me preocupo.

Estou de olho é na política do dia a dia praticada pelos atores sociais em suas realidades mais íntimas. Quando a arte passa a ser reduzida a uma massacrante mecanicidade à espera de signos ordinários, convencionados e desgastados, a possibilidade de reinvenção do cotidiano desaparece de todos nós; a possibilidade de olhar de forma critica e questionadora as coisas passa a não fazer parte principal dos nossos projetos.

Quando me recolho na espera do que já me vem pronto, automaticamente já estou afirmando para mim mesmo que estou apenas apto em me submeter às regras impostas a mim. Esperar um sentido pronto da arte, é me subjugar a verdade do outro, é jogar fora a minha auto-estima e toda a minha intervenção sobre as coisas. É manter uma relação de imediatismo, de passividade, de incapacidade criativa, de sonolência estética.

Não querer aceitar o “estranho” e o “caótico” na arte, é negar assumir um posicionamento de participação na vida social; é deixar de assumir uma demarcação, uma afirmação do nosso lugar na esfera pública; é negar toda a nossa competência de criar, de fazer, refazer, desfazer as coisas que estão a nossa volta. É morrer na vida, caminhar cansado pelos mesmos caminhos. É se desvalorizar.

Temer se adentrar no não-conhecido significa não alterar uma forma de se conceber o mundo; não se tornar um novo homem; não assumir uma postura própria no plano das opiniões; é temer em ser autônomo, não reconhecendo que a vida, apesar dos códigos, das leis, das estruturas, é também susto, risco, desvio, acidente, desencontros, ruínas, desentendimentos. Enfim, é corpo, mas também é vento.

Não aceitar o acaso, significa ceder à covardia a qual se ilude com a existência concreta de uma mera ilusão chamada realidade. Não aceitar o acaso implica em não buscar se destituir dos preconceitos, pois as intolerâncias só poderão ser retiradas, a partir do instante em que o sujeito reconhecer que a vida só é vida por que muda e que essa vida só muda por que ela é feita de diversidade, de questionamentos, e, portanto, é um lugar de convívio com a diferença.

Se o sujeito não sente esse acaso, essa mudança, ele não tem a menor necessidade em criar. Ora, o que é o homem sem o efeito da criação? A criação já revela a vontade de sermos autônomos, de sermos livres. Construir ao invés de esperar o significado pronto da arte implica em olharmos a vida como ela é, ou seja, uma combinação de valores, de idéias que vão se refazendo o tempo inteiro e criando incessantemente novas formas de se pensar o mundo.

É necessário acabar essa realidade de sujeições espontâneas aos modelos. É importante se acreditar quando muito, apenas nas intenções constantes de se achar modelos, mas jamais em modelos prontos, pois ao longo da vida essas intenções vivem outras experiências e vivem sempre a tentar construir novos modelos. Ou seja, as intenções vivem a desmontar os modelos que sequer se realizaram plenamente e já abrem espaços para outros sonhos, outro homem.

A vida, antes de ser feita de significados prontos, é produto de constantes construções, mas jamais é um produto final de si mesma, pois ela está sempre por se fazer. Assim é a arte, ou seja, uma expressão de um sujeito implicado em uma vida que sempre se refaz e nunca se termina. Por isso que a arte é um desafio, e como todo desafio, necessita ser repensada, e, obviamente, desafiada.

O homem só participa do seu tempo quando ele intervém nesse tempo. Entretanto, só haverá intervenção desse homem no momento em que ele admite se transmutar, se transcodificar, se avançar no seu direito de pecar, de errar, de desmontar para aprender a criar novas estratégias para a sua realização enquanto ser social. A arte que não desmonta, bajula a apatia e infantiliza o homem.

A arte que se preocupa em trazer ao homem o modelo pronto faz da sua capacidade interpretativa uma máquina redutível a um manual preestabelecido da vida. Transfigurar a realidade, esse é o grande objetivo da arte que propõe a construção dos sentidos. O sujeito que se degusta dessa arte, se desmonta, se estranha, mas também se revela enquanto agente participante e construtor da sua história.

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