Tenho discutido muito a relação entre surrealismo e educação. Entretanto, ao abordar sobre o surrealismo, eu falo acerca da disponibilidade dessa corrente estética em aprovar os acidentes, o acaso, o deslize, o estranhamento, o não-entendido, etc. A pergunta que recebo recorrentemente é a seguinte: como aplicar algo dado ao acaso dentro de uma instituição de ensino marcada por normas?
Ou seja, como conciliar a liberdade do surrealismo com as regras do sistema de ensino? Ao fazer essa indagação, existe uma imensa probabilidade do leitor elaborar uma nova pergunta: existe a possibilidade de o surrealismo se adentrar na estrutura educacional? E mais: nosso sistema de ensino está preparado em acolher o surrealismo? Não seria ilusão pensar em unir esses dois universos tão distintos?
Eu gostaria de dizer que os dois universos não são distintos. O surrealismo, apesar de prezar pelas quebras dos modelos convencionais e previsíveis, não nega e nem vai de encontro a ordem. Na verdade, o que ele contesta é uma razão excessivamente pragmática, burocrática e desumana a qual tem tirado de nós a capacidade de reconhecer a beleza do encanto, da surpresa, do maravilhoso.
O que o surrealismo vai propor é a existência de uma razão que não prenda o humano apenas no âmbito do verificável, do comprovável, reduzindo o valor das coisas unicamente pelo seu caráter utilitário e funcional. O que essa corrente clama é pela capacidade do humano se re-apropriar de sua vontade de sonhar, de se degustar das intuições, da mágica do absurdo, do prazer pelo imprevisto.
Ele quer atentar para a importância do reino da sensibilidade tão abandonado e excluído pelo excessivo censor de uma razão meramente racional. Acredita que também é necessário que o humano revisite o seu reino encantado faminto por idealizações, ímpetos e desejos. Não há nada contra a realidade dos fatos, mas há uma aclamação por outras realidades que se encontram além do concreto.
Quanto ao sistema escolar, reconheço que ele anda na contramão das propostas surrealistas e insiste em preservar certas regras e concepções institucionais que dificultam a inserção do surrealismo em suas estruturas. Porém, se pensarmos a educação de forma humanizante, perceberemos que o sonho, o desejo, o encanto e a magia tão clamados pelo surrealismo se fazem bastante necessários.
Entretanto, é uma pena que a maioria dos educadores ainda insiste em um modelo mórbido, triste e sisudo de educação. Ainda encontramos um sistema educacional preocupado com o resultado, ansioso pela exigência cronometrada do tempo, pela concepção de um conhecimento validado por ter sido compreendido pelos discentes, mas que muitas vezes não foi construído por eles.
Um modelo de escola que expurga o tempo livre, modelo bastante conservador que “resoluciona” os comportamentos dos discentes apenas julgando-os como dentro ou fora das regras institucionais. Um modelo que se esquece da qualidade e se orgulha pelo excesso de conteúdos, mesmo sem saber até que ponto o aluno foi capaz de enxergar e colocar esses conteúdos em seu dia a dia.
Depois disso tudo, o leitor pode se perguntar: apesar de acreditar que o surrealismo pode se inserir na instituição escolar por não negar a realidade lógica-racional, não será uma ilusão sua união com a educação, uma vez que, como foi afirmado anteriormente, o sistema educacional insiste em se organizar e em pensar de forma a não permitir a inserção do surrealismo na escola? A resposta é: existe a possibilidade.
No entanto, reconheço que essa possibilidade só vai se realizar no instante em que os educadores forem criativos o suficiente para encontrar em meio às regras institucionais, brechas, e, portanto, novas alternativas capazes de conciliar a liberdade proposta do surrealismo com a normatividade do sistema educacional. O próprio surrealismo nos ensina que vivemos entre duas realidades.
Se vivemos entre o mundo da racionalidade e o mundo da sensibilidade, podemos negociar a realidade instituída articulando-a com a instituível, isto é, manter a ordem sem deixar de lado a possibilidade de alterar essa ordem. Somos racionais o bastante para compreendermos a importância das regras e somos sensíveis a ponto de enxergarmos a necessidade de provocarmos mudanças.
Posso continuar cobrando compromisso aos meus alunos com a minha disciplina, uma vez que, por ter racionalidade, eu reconheço a importância do cumprimento das regras, como eu posso criar um espaço mais lúdico em minha aula, conseguindo com isso fazer com que meus alunos cumpram com as exigências institucionais, mas encontrando novas formas de convivência e contado com o conhecimento.
Não acredito que seja impossível eu criar situações capazes de fomentar nos alunos o encontro com o encanto do conhecimento, com um espaço para a criatividade, sem deixar de lado os seus deveres. Posso ministrar aula seguindo a exigência do plano de aula, do horário, do compromisso em trazer um conteúdo sem precisar abdicar da liberdade, do direito ao sonho, do direito ao prazer.
Além disso, acho de fundamental importância mostrar aos meus alunos a possibilidade de dialogar os dois universos, uma vez que para mim, o papel da educação é estimular o aluno a ter autonomia e liberdade, como saber seus limites por viver em sociedade. Precisa potencializar sua sensibilidade para mudar as coisas, mas precisa reconhecer a importância da racionalidade para a convivência social.
sábado, 20 de julho de 2013
sexta-feira, 19 de julho de 2013
Aventuras e encantos no conhecimento
A razão, da forma como o Ocidente a construiu, tem exigido de todos nós o encontro com a verdade. A verdade inserida nessa razão tem provocado nos humanos uma expectativa frustrada pelo fato de alimentar a ilusão mentirosa de um sentido acabado, eterno e perfeito. O pior é que quando os indivíduos não conseguem atingir a essa verdade e essa razão perfeita, ele adoece por não ter “acertado”.
A partir do instante em que o sujeito aprende que para tudo se existe um modelo com regras definidas, obviamente que ele se encontra limitado a duas míseras opções, ou seja, ou ele “erra” ou ele “acerta”. Infelizmente nosso meio escolar perpetua essa concepção do que seja compreensão e apreensão do conhecimento, criando assim, uma hierarquia triste entre os alunos que “sabem” e os que “não sabem”.
Essa delimitação desumana traz como conseqüência a prepotência das categorias docentes. Como é que eu, o mesmo professor que em sala de aula afirma que a competência de um aluno diz respeito à sua capacidade de “saber” ou “não saber”, posso suportar a idéia de mostrar a esse mesmo aluno que, assim como ele, sequer eu sou capaz de ter o pleno controle da própria disciplina que ministro?
Juntando a idéia de adquirir plenamente o sentido de um conteúdo, com a vergonha por não saber corresponder a mesma competência plena que cobro do aluno, aparece uma coisa chamada autoridade anti-dialógica. Essa autoridade faz com que o educador evite com que a troca de informações seja processada para não passar pelo desconforto de não saber responder as questões trazidas pelos discentes.
Um conhecimento só é provocador de motivações a partir do instante em que o discente encontra sua marca nesse conhecimento. Para se ter essa marca ele precisa participar da sua construção para que passe a se identificar com ele. Se o conhecimento não é dele, o conhecimento não lhe interessa. Portanto, quando o aluno se sente oprimido em poder intervir no conhecimento, ele não se encanta.
Quando o professor impede que a construção discente seja posta em prática no momento em que transmite o conhecimento de um dado conteúdo, o aluno apenas fica em uma condição passiva sempre à espera de aprender saber como fazer e como entender esse conteúdo, e não na forma de vasculhar dentro desse próprio conteúdo, caminhos construídos por ele para a sua resolução.
É por isso que nos deparamos com a grande crise da razão, pois ao mesmo tempo em que ela faz o indivíduo “aprender” a forma como se aplica determinado conhecimento; ela, por não pensar na perspectiva de uma razão construtiva e devoradora do próprio homem, faz com que o mesmo indivíduo que aprende como se utilizar do conhecimento transmitido, desumanize-se cada vez mais.
O indivíduo aprende o conteúdo, mas não produz, nem é capaz de re-significar, ou seja, de re-formular, re-construir esse conhecimento. Ele sabe, mas não se atreve. Ele compreende, mas não inova. Ele tem competência para expressar acerca desse conteúdo, mas não grita. Enfim, o indivíduo se apropria do conhecimento, mas não se conhece, não enxerga seus limites e suas potencialidades.
Eu acho que os educadores têm que entender que o conhecimento, antes de ser pensado como uma verdade pronta que deve ser treinada por cada aluno, é uma perspectiva em processo, é um contínuo e inconstante “sendo”, jamais a finalização de um “é”. Deveriam lembrar que o conhecimento é produto das dúvidas e dúvidas significam a existência de lacunas, não de certezas plenas.
Compreendendo o conhecimento como algo em interminável processo, além de resultado das faltas de certezas e não de certezas, o “errar” deixa de ser visto como algo reprovativo e passa a ser visto como algo re-ativador de novas tentativas, de novas estratégias. Nesse sentido, o “não acertar” não significará mais o “não saber”, mas sim, uma nova possibilidade de reformular esse saber.
A textualidade de um conteúdo, antes de ser reduzida ao seu plano estrutural, ou seja, reduzida a uma leitura limitada ao significado pronto e acabado, deve ser permissiva e estimulante à aventura do discente. Uma leitura de um texto, seja ele de qual disciplina for, deve provocar no aluno a vontade de desmontar a lógica externa do que se enuncia e produzir destroços dentro de sua carne textual.
O aluno é quem deve remontar seus próprios caminhos, tendo a liberdade de desmontar e refazer sua própria combinação sígnica no conteúdo lido. É necessário a semantização do saber, isto é, a produção de sentidos próprios de cada interpretação, a re-significação do conteúdo a partir da própria necessidade do aluno para com isso ele se reconhecer como capaz de construir seus próprios conhecimentos.
Vale lembrar que eu não estou defendendo uma mera atuação individual do aluno acerca do conhecimento. Acredito na importância do docente em saber transmitir o conhecimento de sua disciplina em seu aspecto formalizado. A minha crítica vai é em direção a uma forma de conhecimento meramente automática, instrumentalizada, pragmática e utilitária que retira a criatividade do aluno.
O que eu sou contra é a essa perspectiva da compreensão que insiste em mostrar o “entendimento” de determinado conteúdo unicamente sob o aspecto externo ao aluno, como se o conhecer pudesse ser reduzido a uma forma. Acho que o conteúdo pode ser dado pelo docente e o próprio docente pode permitir ao aluno desmontar o próprio conteúdo dado, gerando assim, novas questões e vice e versa.
O conhecimento que criamos é resultado de nossas dúvidas e as nossas dúvidas são nossas lacunas as quais nos provocam o desejo de criar. Que o discente se perca na sua aventura interpretativa para que ele reconquiste sua autonomia e auto-estima e não fique mumificado pela mera passividade em esperar um sentido de fora pronto apenas para ser meramente aplicado em sua vida.
O importante é o aluno perceber que ele não é “pior” do que o outro por não “compreender” o modelo pronto de um conhecimento, mas sim, capaz de reconhecer que ele pode se perder no processo de aprendizado, não por não ter a competência sobre um conteúdo, mas por que, como qualquer ator inserido na vida, ele constrói, e que essa construção é um processo inacabado de certezas, de vacilos, de gritos e de glórias.
A partir do instante em que o sujeito aprende que para tudo se existe um modelo com regras definidas, obviamente que ele se encontra limitado a duas míseras opções, ou seja, ou ele “erra” ou ele “acerta”. Infelizmente nosso meio escolar perpetua essa concepção do que seja compreensão e apreensão do conhecimento, criando assim, uma hierarquia triste entre os alunos que “sabem” e os que “não sabem”.
Essa delimitação desumana traz como conseqüência a prepotência das categorias docentes. Como é que eu, o mesmo professor que em sala de aula afirma que a competência de um aluno diz respeito à sua capacidade de “saber” ou “não saber”, posso suportar a idéia de mostrar a esse mesmo aluno que, assim como ele, sequer eu sou capaz de ter o pleno controle da própria disciplina que ministro?
Juntando a idéia de adquirir plenamente o sentido de um conteúdo, com a vergonha por não saber corresponder a mesma competência plena que cobro do aluno, aparece uma coisa chamada autoridade anti-dialógica. Essa autoridade faz com que o educador evite com que a troca de informações seja processada para não passar pelo desconforto de não saber responder as questões trazidas pelos discentes.
Um conhecimento só é provocador de motivações a partir do instante em que o discente encontra sua marca nesse conhecimento. Para se ter essa marca ele precisa participar da sua construção para que passe a se identificar com ele. Se o conhecimento não é dele, o conhecimento não lhe interessa. Portanto, quando o aluno se sente oprimido em poder intervir no conhecimento, ele não se encanta.
Quando o professor impede que a construção discente seja posta em prática no momento em que transmite o conhecimento de um dado conteúdo, o aluno apenas fica em uma condição passiva sempre à espera de aprender saber como fazer e como entender esse conteúdo, e não na forma de vasculhar dentro desse próprio conteúdo, caminhos construídos por ele para a sua resolução.
É por isso que nos deparamos com a grande crise da razão, pois ao mesmo tempo em que ela faz o indivíduo “aprender” a forma como se aplica determinado conhecimento; ela, por não pensar na perspectiva de uma razão construtiva e devoradora do próprio homem, faz com que o mesmo indivíduo que aprende como se utilizar do conhecimento transmitido, desumanize-se cada vez mais.
O indivíduo aprende o conteúdo, mas não produz, nem é capaz de re-significar, ou seja, de re-formular, re-construir esse conhecimento. Ele sabe, mas não se atreve. Ele compreende, mas não inova. Ele tem competência para expressar acerca desse conteúdo, mas não grita. Enfim, o indivíduo se apropria do conhecimento, mas não se conhece, não enxerga seus limites e suas potencialidades.
Eu acho que os educadores têm que entender que o conhecimento, antes de ser pensado como uma verdade pronta que deve ser treinada por cada aluno, é uma perspectiva em processo, é um contínuo e inconstante “sendo”, jamais a finalização de um “é”. Deveriam lembrar que o conhecimento é produto das dúvidas e dúvidas significam a existência de lacunas, não de certezas plenas.
Compreendendo o conhecimento como algo em interminável processo, além de resultado das faltas de certezas e não de certezas, o “errar” deixa de ser visto como algo reprovativo e passa a ser visto como algo re-ativador de novas tentativas, de novas estratégias. Nesse sentido, o “não acertar” não significará mais o “não saber”, mas sim, uma nova possibilidade de reformular esse saber.
A textualidade de um conteúdo, antes de ser reduzida ao seu plano estrutural, ou seja, reduzida a uma leitura limitada ao significado pronto e acabado, deve ser permissiva e estimulante à aventura do discente. Uma leitura de um texto, seja ele de qual disciplina for, deve provocar no aluno a vontade de desmontar a lógica externa do que se enuncia e produzir destroços dentro de sua carne textual.
O aluno é quem deve remontar seus próprios caminhos, tendo a liberdade de desmontar e refazer sua própria combinação sígnica no conteúdo lido. É necessário a semantização do saber, isto é, a produção de sentidos próprios de cada interpretação, a re-significação do conteúdo a partir da própria necessidade do aluno para com isso ele se reconhecer como capaz de construir seus próprios conhecimentos.
Vale lembrar que eu não estou defendendo uma mera atuação individual do aluno acerca do conhecimento. Acredito na importância do docente em saber transmitir o conhecimento de sua disciplina em seu aspecto formalizado. A minha crítica vai é em direção a uma forma de conhecimento meramente automática, instrumentalizada, pragmática e utilitária que retira a criatividade do aluno.
O que eu sou contra é a essa perspectiva da compreensão que insiste em mostrar o “entendimento” de determinado conteúdo unicamente sob o aspecto externo ao aluno, como se o conhecer pudesse ser reduzido a uma forma. Acho que o conteúdo pode ser dado pelo docente e o próprio docente pode permitir ao aluno desmontar o próprio conteúdo dado, gerando assim, novas questões e vice e versa.
O conhecimento que criamos é resultado de nossas dúvidas e as nossas dúvidas são nossas lacunas as quais nos provocam o desejo de criar. Que o discente se perca na sua aventura interpretativa para que ele reconquiste sua autonomia e auto-estima e não fique mumificado pela mera passividade em esperar um sentido de fora pronto apenas para ser meramente aplicado em sua vida.
O importante é o aluno perceber que ele não é “pior” do que o outro por não “compreender” o modelo pronto de um conhecimento, mas sim, capaz de reconhecer que ele pode se perder no processo de aprendizado, não por não ter a competência sobre um conteúdo, mas por que, como qualquer ator inserido na vida, ele constrói, e que essa construção é um processo inacabado de certezas, de vacilos, de gritos e de glórias.
quinta-feira, 18 de julho de 2013
Entre o ambiente e o sistema escolar
Meu caro Roosevelt, infelizmente eu não consigo visualizar em meio ao contexto educacional um espaço propício para a germinação do ambiente escolar. Obviamente que existem poucos profissionais que buscam quebrar a mesmice que ronda o cotidiano na educação, mas realmente eu detecto essa vontade de alteração por parte de um número bastante restrito de pessoas responsáveis pelo exercício educacional.
O que eu percebo claramente é que as instituições educacionais têm refletido a pequeneza que ronda a sociedade em geral. Não existem muitos professores implicados em buscar estratégias que venham a visualizar pelo menos um possível caminho para que as enfermarias existentes em nossa realidade sejam alteradas. É muito fácil exigir melhoras nas estruturas, melhores salários e não propor soluções.
Na verdade nos deparamos com professores mórbidos que se contentam com suas covardias e vitimizações como forma de amenizar um problema do qual eles fazem parte. Às vezes penso que boa parte deles sequer escolheu a profissão de professor por espontânea vontade. Eu chego a pensar que muitos nem chegaram a pensar no que fazer, e como acabaram os cursos de licenciatura, foram “licenciar”.
Acredito que quem tem o interesse profundo e crítico acerca da educação, deve pensar o espaço educacional como um ambiente educacional e acabar de vez com a ideia de reduzi-lo a um sistema educacional. Digo isso, pois acredito que quando penso em ambiente, eu vejo na educação a possibilidade do borbulhar de idéias, das trocas de informações, enfim, como um lugar marcado pela construção das subjetividades.
Se eu insistir em não refletir acerca da cruel realidade que ronda a nossa educação, infelizmente eu terei que perpetuar um modelo meramente institucional o qual submete toda a amplidão da construção do conhecimento e da intervenção da liberdade e da criatividade, em apenas uma institucionalidade amargamente reduzida ao mero caráter normativo, formal e regimental.
Como dito, ao pensarmos na possibilidade de construirmos um ambiente escolar, traremos ao menos o direito de podermos sonhar com uma escola mercada pela intervenção da subjetividade, pelo convívio com a diferença, pela construção do exercício com a alteridade, e, portanto, como um lugar aberto ao diálogo, às experiências, às trocas, às constantes reformulações do conhecimento, enfim, a cidadania.
Aceitar o ambiente escolar é aceitar a convivência inevitável com as contradições, e por isso mesmo, é construir projetos mais humanos. Negar o ambiente e substituí-lo pelo sistema, apenas conceberemos as normatizações institucionais o direito de fazer parte do dia a dia. Para mim, manter-me no sistema, implica em subtrair todas as coisas apenas a procedimentos formais e imposições de regras.
Aceitar a escola como um lugar de trocas de conhecimentos, de informações e de contatos recorrentes com a riqueza que implica a pluralidade subjetiva de todos que estão envolvidos nesse lugar, significa aceitar o conhecimento através do prisma performático, estético, semiótico com a liberdade de poder re-combinar, re-criar, desfazer e re-fazer o conhecimento através da emancipação do homem.
A partir do instante em que eu retiro o caráter plenamente normativo da educação, eu retiro também a perspectiva limitada de conceber o conhecimento como um modelo acabado. Por outro lado, no momento em que eu me submeto aos critérios meramente regimentais de uma instituição escolar, eu concebo a idéia de associar o conhecimento como uma mera transmissão docente de saberes.
Aceitar a escola enquanto ambiente, significa pensá-la como um lugar no qual o conhecimento, antes de ser regulado pelas regras formalizadas, é pensado enquanto infinitas possibilidades de construção de sentidos, construção de óticas, de pontos de vistas, enfim, um conhecimento vinculado ao caráter coletivo, isto é, resultante das interações e sociabilidades entre os agentes que estão inseridos nele.
Reconhecendo a escola enquanto práticas de subjetividades, consequentemente poderemos visualizá-la como um constante processo de aprendizado e jamais como um aprendizado pronto. Valorizando o olhar de cada um, poderemos tornar o conhecimento um instrumento de revelação, de superação, de conscientização e não como algo amedrontador capaz de hierarquizar o “melhor” e o “pior” aluno.
O sistema escolar apenas obriga o cumprimento das normas institucionais. Por outro lado, o ambiente escolar aceita e precisa do acaso, do acidente, do deslize, do equívoco, uma vez que, como dito mais acima, pensar o ambiente escolar, é pensá-lo enquanto constante e interminável construção do conhecimento, e nenhum conhecimento se constrói sem refutações, sem questionamentos acerca de sua validade.
Querer o ambiente escolar implica em querer o estético, ou seja, a expressividade de cada um. Enfim, implica em reconhecer a importância de se valorizar o conhecimento como variável, relativo e jamais pronto, acabado, eternizado. No ambiente escolar estimulamos a motivação dos alunos e professores encontrarem estratégias para a resolução dos possíveis obstáculos encontrados ao longo do conhecimento.
Acredito que além de não temer esses obstáculos, olhar a escola como um ambiente ao invés de um sistema, também passo a não me culpabilizar por não ter superado esses problemas, até por que, a partir do instante em que eu penso na idéia do conhecimento como um constante construir-se, eu deixo de lado a perspectiva de entendê-lo como “certo” ou “errado”, mas sim, como um processo constante de aprendizagem.
Reconhecendo o conhecimento e a escola enquanto um contínuo processo de reformulações do conhecimento, a relação professor/aluno será colocada sob um aspecto dialógico, altero, interativo e enriquecedor, visto que ambos os universos aprenderão e ensinarão ao mesmo tempo. Nem o professor se sentirá no dever de obrigar o aluno a “aprender”; nem o aluno se penalizará por não ter correspondido às expectativas do professor.
Pensar o ambiente é aceitar o construir. É acreditar na condição ativa do sujeito e na importância da formulação do conhecimento através das práticas coletivas estabelecidas entre os atores a partir do re-questionamento inevitável no instante em que se deparam com a necessidade de repensar certezas e valores ao conviverem com a diferença. Enfim, é aceitar as regras como organização e não como imposição e domesticação do ser.
O que eu percebo claramente é que as instituições educacionais têm refletido a pequeneza que ronda a sociedade em geral. Não existem muitos professores implicados em buscar estratégias que venham a visualizar pelo menos um possível caminho para que as enfermarias existentes em nossa realidade sejam alteradas. É muito fácil exigir melhoras nas estruturas, melhores salários e não propor soluções.
Na verdade nos deparamos com professores mórbidos que se contentam com suas covardias e vitimizações como forma de amenizar um problema do qual eles fazem parte. Às vezes penso que boa parte deles sequer escolheu a profissão de professor por espontânea vontade. Eu chego a pensar que muitos nem chegaram a pensar no que fazer, e como acabaram os cursos de licenciatura, foram “licenciar”.
Acredito que quem tem o interesse profundo e crítico acerca da educação, deve pensar o espaço educacional como um ambiente educacional e acabar de vez com a ideia de reduzi-lo a um sistema educacional. Digo isso, pois acredito que quando penso em ambiente, eu vejo na educação a possibilidade do borbulhar de idéias, das trocas de informações, enfim, como um lugar marcado pela construção das subjetividades.
Se eu insistir em não refletir acerca da cruel realidade que ronda a nossa educação, infelizmente eu terei que perpetuar um modelo meramente institucional o qual submete toda a amplidão da construção do conhecimento e da intervenção da liberdade e da criatividade, em apenas uma institucionalidade amargamente reduzida ao mero caráter normativo, formal e regimental.
Como dito, ao pensarmos na possibilidade de construirmos um ambiente escolar, traremos ao menos o direito de podermos sonhar com uma escola mercada pela intervenção da subjetividade, pelo convívio com a diferença, pela construção do exercício com a alteridade, e, portanto, como um lugar aberto ao diálogo, às experiências, às trocas, às constantes reformulações do conhecimento, enfim, a cidadania.
Aceitar o ambiente escolar é aceitar a convivência inevitável com as contradições, e por isso mesmo, é construir projetos mais humanos. Negar o ambiente e substituí-lo pelo sistema, apenas conceberemos as normatizações institucionais o direito de fazer parte do dia a dia. Para mim, manter-me no sistema, implica em subtrair todas as coisas apenas a procedimentos formais e imposições de regras.
Aceitar a escola como um lugar de trocas de conhecimentos, de informações e de contatos recorrentes com a riqueza que implica a pluralidade subjetiva de todos que estão envolvidos nesse lugar, significa aceitar o conhecimento através do prisma performático, estético, semiótico com a liberdade de poder re-combinar, re-criar, desfazer e re-fazer o conhecimento através da emancipação do homem.
A partir do instante em que eu retiro o caráter plenamente normativo da educação, eu retiro também a perspectiva limitada de conceber o conhecimento como um modelo acabado. Por outro lado, no momento em que eu me submeto aos critérios meramente regimentais de uma instituição escolar, eu concebo a idéia de associar o conhecimento como uma mera transmissão docente de saberes.
Aceitar a escola enquanto ambiente, significa pensá-la como um lugar no qual o conhecimento, antes de ser regulado pelas regras formalizadas, é pensado enquanto infinitas possibilidades de construção de sentidos, construção de óticas, de pontos de vistas, enfim, um conhecimento vinculado ao caráter coletivo, isto é, resultante das interações e sociabilidades entre os agentes que estão inseridos nele.
Reconhecendo a escola enquanto práticas de subjetividades, consequentemente poderemos visualizá-la como um constante processo de aprendizado e jamais como um aprendizado pronto. Valorizando o olhar de cada um, poderemos tornar o conhecimento um instrumento de revelação, de superação, de conscientização e não como algo amedrontador capaz de hierarquizar o “melhor” e o “pior” aluno.
O sistema escolar apenas obriga o cumprimento das normas institucionais. Por outro lado, o ambiente escolar aceita e precisa do acaso, do acidente, do deslize, do equívoco, uma vez que, como dito mais acima, pensar o ambiente escolar, é pensá-lo enquanto constante e interminável construção do conhecimento, e nenhum conhecimento se constrói sem refutações, sem questionamentos acerca de sua validade.
Querer o ambiente escolar implica em querer o estético, ou seja, a expressividade de cada um. Enfim, implica em reconhecer a importância de se valorizar o conhecimento como variável, relativo e jamais pronto, acabado, eternizado. No ambiente escolar estimulamos a motivação dos alunos e professores encontrarem estratégias para a resolução dos possíveis obstáculos encontrados ao longo do conhecimento.
Acredito que além de não temer esses obstáculos, olhar a escola como um ambiente ao invés de um sistema, também passo a não me culpabilizar por não ter superado esses problemas, até por que, a partir do instante em que eu penso na idéia do conhecimento como um constante construir-se, eu deixo de lado a perspectiva de entendê-lo como “certo” ou “errado”, mas sim, como um processo constante de aprendizagem.
Reconhecendo o conhecimento e a escola enquanto um contínuo processo de reformulações do conhecimento, a relação professor/aluno será colocada sob um aspecto dialógico, altero, interativo e enriquecedor, visto que ambos os universos aprenderão e ensinarão ao mesmo tempo. Nem o professor se sentirá no dever de obrigar o aluno a “aprender”; nem o aluno se penalizará por não ter correspondido às expectativas do professor.
Pensar o ambiente é aceitar o construir. É acreditar na condição ativa do sujeito e na importância da formulação do conhecimento através das práticas coletivas estabelecidas entre os atores a partir do re-questionamento inevitável no instante em que se deparam com a necessidade de repensar certezas e valores ao conviverem com a diferença. Enfim, é aceitar as regras como organização e não como imposição e domesticação do ser.
quinta-feira, 11 de julho de 2013
A interpretação dos discursos textuais na escola
O discurso é uma estrutura. Pensar em estrutura significa visualizarmos significados e normas que em geral são compartilhados pelos indivíduos de determinada língua ou cultura no ato da comunicação. Se eu falo: quero essa caneta azul; a pessoa a quem eu falo, sabe automaticamente o que é caneta e qual cor que é azul. A estrutura discursiva é muito importante, pois faz com que os indivíduos possam se compreender nas relações estabelecidas entre eles.
Entretanto, além do discurso ser uma estrutura, ele é também produção de sentidos. Por exemplo: quando eu disse que queria a caneta azul, mesmo sabendo que a pessoa reciprocamente entendeu o que eu quis dizer, ela poderia ter uma visão própria, ou seja, subjetiva acerca da caneta azul. Ela poderia pegar a caneta diferente da que eu havia pedido ou achasse que a caneta vermelha fosse mais bonita do que a azul.
Portanto, o discurso, além de estrutura, é subjetividade.
Entre a estrutura e a subjetividade, o discurso se situa em meio a um contexto histórico; a uma ideologia, ou seja, uma visão de mundo ou a uma relação de poder. Eu posso expressar um discurso a favor da não virgindade feminina, mas se eu estivesse situado em séculos atrás, haveria uma grande probabilidade de eu ser a favor da virgindade. Outro exemplo: a forma como a sociedade compreende a política atualmente, na certa mudará sua concepção em tempos futuros.
Esses exemplos estão diretamente vinculados à questão da ideologia. Eu posso defender a virgindade por ser proveniente de determinados ciclos sociais, ou seja, por possuir concepções de mundo diferentes do outro. No que diz respeito às relações de poder, podemos ter como exemplo o discurso das elites dominantes. O setor privilegiado pode justificar a pobreza usando como argumento a preguiça de trabalhar, camuflando a realidade dos fatos, ou seja, de que a pobreza decorre da falta de oportunidades.
Portanto, ao nos depararmos com o discurso, nós temos que reconhecer que ele não representa a verdade em si mesma, uma vez que ele é resultante das condições históricas, isto é, o que é dito como correto hoje, amanhã não será. Outro ponto pertinente está no fato de que os discursos, apesar de sua capacidade em fazer os indivíduos compartilharem seus significados devido à sua estrutura, dizem respeito aos interesses de classe e diferentes visões de mundo.
Por que é que esses discursos mudam? Ora, ao mesmo tempo em que determinada sociedade, como forma de buscar organizar as relações e manter a integridade entre os indivíduos, estabelece estruturas no discurso; esse discurso, a partir do momento em que entra em conflito com as justificativas ideológicas de poder e se mistura com os constantes contatos estabelecidos entre vários indivíduos de inúmeros meios sociais, vai passando por processos de assimilações e re-significações.
Devido a tudo isso eu pergunto: existe um discurso verdadeiro? Existe a possibilidade de encontrar o sentido de um discurso compartilhado de forma igual para todos? Acredito que não, até por que a forma como cada indivíduo interpreta um discurso vai variar de acordo com as visões de mundo apreendidas por ele em seu meio e pela sua subjetividade. É por isso que os discursos vão sendo alterados ao entrarem em conflito e assimilações com às diversas opiniões e interesses.
Aí é onde eu entro com minha opinião acerca das interpretações dos discursos. Se as estruturas fossem preponderantes nos discursos, eu teria que afirmar que a sociedade é e sempre foi a mesma e seus indivíduos sempre pensaram de forma homogênea e eterna; mas ao observar que as interpretações e os discursos variam, o que eu posso afirmar é que a inevitabilidade das re-significações discursivas existe pelo fato de a sociedade ser permeada de conflitos por comportar diversas realidades e visões de mundo.
Pensando isso em uma realidade escolar, nós podemos perceber que a escola, assim como a sociedade, é permeada por uma infinidade de interesses. Porém, paradoxalmente, o que posso detectar é que em geral, os educadores insistem na idéia de fazer com que as estruturas dos discursos prevaleçam, uma vez que a visão do aprendizado se volta unicamente a uma preocupação em averiguar se o aluno interpretou um texto, ou seja, um discurso, de forma “correta” ou “errada”.
Para me sentir mais a vontade acerca desse posicionamento referente ao conhecimento, acredito que preciso responder a seguinte pergunta: qual é o papel da escola? Acredito que a escola, além de ter como finalidade, transmitir os conhecimentos adquiridos e acumulados pela humanidade ao longo da história; deve também provocar no alunado a capacidade dele reconhecer o seu potencial. Para isso, deve estimular nele sua produção de sentidos, sua liberdade interpretativa.
Acredito que, por um lado, o educador deve expor um texto mostrando sua estrutura, isto é, seu significado; por outro, também acredito que, o professor também deve motivar o aluno a ter o direito de se libertar, desestruturando todos os sentidos contidos no texto. Que o aluno compreenda o que o autor do texto quis dizer, mas que ele também questione os limites e os avanços do texto, construindo sua própria perspectiva,indo além de uma mera reprodução interpretativa.
Apesar de reconhecer a importância de conciliar a estrutura com a produção subjetiva do texto, acredito que a subjetivação deva assumir um lugar de grande importância, uma vez que os discursos textuais, assim como a vida, estão constantemente sendo reformulados. Acho importante propor uma quebra dos limites de um texto, pois, possibilitando os alunos re-significarem um texto, eles passarão a reconhecer a farsa dos discursos de classe, tornando-se questionadores, ativos e críticos.
Além disso, ao estimular o processo da criação do texto, poderemos provocar no aluno a capacidade de reconhecer que, devido ao fato dos discursos serem produtos das trocas e dos conflitos, a sociedade é permeada pela diferença. Reconhecendo que todos os discursos podem ser reformulados, perceberão que não existe opinião errada ou correta, seja dos discursos religiosos, políticos ou estéticos, pois percecerão que os discursos não passam de interesses e variam ao longo do tempo.
Entretanto, além do discurso ser uma estrutura, ele é também produção de sentidos. Por exemplo: quando eu disse que queria a caneta azul, mesmo sabendo que a pessoa reciprocamente entendeu o que eu quis dizer, ela poderia ter uma visão própria, ou seja, subjetiva acerca da caneta azul. Ela poderia pegar a caneta diferente da que eu havia pedido ou achasse que a caneta vermelha fosse mais bonita do que a azul.
Portanto, o discurso, além de estrutura, é subjetividade.
Entre a estrutura e a subjetividade, o discurso se situa em meio a um contexto histórico; a uma ideologia, ou seja, uma visão de mundo ou a uma relação de poder. Eu posso expressar um discurso a favor da não virgindade feminina, mas se eu estivesse situado em séculos atrás, haveria uma grande probabilidade de eu ser a favor da virgindade. Outro exemplo: a forma como a sociedade compreende a política atualmente, na certa mudará sua concepção em tempos futuros.
Esses exemplos estão diretamente vinculados à questão da ideologia. Eu posso defender a virgindade por ser proveniente de determinados ciclos sociais, ou seja, por possuir concepções de mundo diferentes do outro. No que diz respeito às relações de poder, podemos ter como exemplo o discurso das elites dominantes. O setor privilegiado pode justificar a pobreza usando como argumento a preguiça de trabalhar, camuflando a realidade dos fatos, ou seja, de que a pobreza decorre da falta de oportunidades.
Portanto, ao nos depararmos com o discurso, nós temos que reconhecer que ele não representa a verdade em si mesma, uma vez que ele é resultante das condições históricas, isto é, o que é dito como correto hoje, amanhã não será. Outro ponto pertinente está no fato de que os discursos, apesar de sua capacidade em fazer os indivíduos compartilharem seus significados devido à sua estrutura, dizem respeito aos interesses de classe e diferentes visões de mundo.
Por que é que esses discursos mudam? Ora, ao mesmo tempo em que determinada sociedade, como forma de buscar organizar as relações e manter a integridade entre os indivíduos, estabelece estruturas no discurso; esse discurso, a partir do momento em que entra em conflito com as justificativas ideológicas de poder e se mistura com os constantes contatos estabelecidos entre vários indivíduos de inúmeros meios sociais, vai passando por processos de assimilações e re-significações.
Devido a tudo isso eu pergunto: existe um discurso verdadeiro? Existe a possibilidade de encontrar o sentido de um discurso compartilhado de forma igual para todos? Acredito que não, até por que a forma como cada indivíduo interpreta um discurso vai variar de acordo com as visões de mundo apreendidas por ele em seu meio e pela sua subjetividade. É por isso que os discursos vão sendo alterados ao entrarem em conflito e assimilações com às diversas opiniões e interesses.
Aí é onde eu entro com minha opinião acerca das interpretações dos discursos. Se as estruturas fossem preponderantes nos discursos, eu teria que afirmar que a sociedade é e sempre foi a mesma e seus indivíduos sempre pensaram de forma homogênea e eterna; mas ao observar que as interpretações e os discursos variam, o que eu posso afirmar é que a inevitabilidade das re-significações discursivas existe pelo fato de a sociedade ser permeada de conflitos por comportar diversas realidades e visões de mundo.
Pensando isso em uma realidade escolar, nós podemos perceber que a escola, assim como a sociedade, é permeada por uma infinidade de interesses. Porém, paradoxalmente, o que posso detectar é que em geral, os educadores insistem na idéia de fazer com que as estruturas dos discursos prevaleçam, uma vez que a visão do aprendizado se volta unicamente a uma preocupação em averiguar se o aluno interpretou um texto, ou seja, um discurso, de forma “correta” ou “errada”.
Para me sentir mais a vontade acerca desse posicionamento referente ao conhecimento, acredito que preciso responder a seguinte pergunta: qual é o papel da escola? Acredito que a escola, além de ter como finalidade, transmitir os conhecimentos adquiridos e acumulados pela humanidade ao longo da história; deve também provocar no alunado a capacidade dele reconhecer o seu potencial. Para isso, deve estimular nele sua produção de sentidos, sua liberdade interpretativa.
Acredito que, por um lado, o educador deve expor um texto mostrando sua estrutura, isto é, seu significado; por outro, também acredito que, o professor também deve motivar o aluno a ter o direito de se libertar, desestruturando todos os sentidos contidos no texto. Que o aluno compreenda o que o autor do texto quis dizer, mas que ele também questione os limites e os avanços do texto, construindo sua própria perspectiva,indo além de uma mera reprodução interpretativa.
Apesar de reconhecer a importância de conciliar a estrutura com a produção subjetiva do texto, acredito que a subjetivação deva assumir um lugar de grande importância, uma vez que os discursos textuais, assim como a vida, estão constantemente sendo reformulados. Acho importante propor uma quebra dos limites de um texto, pois, possibilitando os alunos re-significarem um texto, eles passarão a reconhecer a farsa dos discursos de classe, tornando-se questionadores, ativos e críticos.
Além disso, ao estimular o processo da criação do texto, poderemos provocar no aluno a capacidade de reconhecer que, devido ao fato dos discursos serem produtos das trocas e dos conflitos, a sociedade é permeada pela diferença. Reconhecendo que todos os discursos podem ser reformulados, perceberão que não existe opinião errada ou correta, seja dos discursos religiosos, políticos ou estéticos, pois percecerão que os discursos não passam de interesses e variam ao longo do tempo.
quarta-feira, 10 de julho de 2013
Arte e acaso
Somos educados a esperar um sentido prévio para a arte. Isso de certa forma é resultado de uma concepção racionalista ocidental que nos reduz apenas ao que se encontra a nível perceptivo, visível. Não aceitamos nada que “não faça sentido”. Negamos tudo aquilo que aparentemente foge de uma função clara e objetiva aos nossos olhos. Somos medíocres sempre à espera do óbvio, do já existente.
Se um determinado objeto se desloca de sua função original, nós os excluímos, pois para nós, ele já não possui mais serventia. Somos limitados e vivemos a insistir na relação previsível entre o objeto, o seu ambiente e a sua função. Fazemos nossos olhos caminharem preguiçosamente e acomodados em detectar o pronto para com isso apreciar o pronto.
Dessa forma nada muda e nem nada pode mudar. Somos seres cartesianos e nocivos demais a nós mesmos. Quando queremos o sempre pronto, nós estamos negando a possibilidade de exercitarmos a nossa capacidade em criar novos olhares capazes de mudar a realidade das coisas. Ao optarmos pelo sedentarismo mental, deixamos de assumir o compromisso com a mudança do panorama existente.
Longe de mim a perspectiva militante enfadonha e imbecilizada pela eterna e redundante seriedade sobre as coisas. A minha preocupação realmente não deixa de ser política, mas é uma preocupação com a política implícita, ou seja, uma política povoada de subjetividades, de negociações, de interesses e de conflitos, mas é com a política do cotidiano que me preocupo.
Estou de olho é na política do dia a dia praticada pelos atores sociais em suas realidades mais íntimas. Quando a arte passa a ser reduzida a uma massacrante mecanicidade à espera de signos ordinários, convencionados e desgastados, a possibilidade de reinvenção do cotidiano desaparece de todos nós; a possibilidade de olhar de forma critica e questionadora as coisas passa a não fazer parte principal dos nossos projetos.
Quando me recolho na espera do que já me vem pronto, automaticamente já estou afirmando para mim mesmo que estou apenas apto em me submeter às regras impostas a mim. Esperar um sentido pronto da arte, é me subjugar a verdade do outro, é jogar fora a minha auto-estima e toda a minha intervenção sobre as coisas. É manter uma relação de imediatismo, de passividade, de incapacidade criativa, de sonolência estética.
Não querer aceitar o “estranho” e o “caótico” na arte, é negar assumir um posicionamento de participação na vida social; é deixar de assumir uma demarcação, uma afirmação do nosso lugar na esfera pública; é negar toda a nossa competência de criar, de fazer, refazer, desfazer as coisas que estão a nossa volta. É morrer na vida, caminhar cansado pelos mesmos caminhos. É se desvalorizar.
Temer se adentrar no não-conhecido significa não alterar uma forma de se conceber o mundo; não se tornar um novo homem; não assumir uma postura própria no plano das opiniões; é temer em ser autônomo, não reconhecendo que a vida, apesar dos códigos, das leis, das estruturas, é também susto, risco, desvio, acidente, desencontros, ruínas, desentendimentos. Enfim, é corpo, mas também é vento.
Não aceitar o acaso, significa ceder à covardia a qual se ilude com a existência concreta de uma mera ilusão chamada realidade. Não aceitar o acaso implica em não buscar se destituir dos preconceitos, pois as intolerâncias só poderão ser retiradas, a partir do instante em que o sujeito reconhecer que a vida só é vida por que muda e que essa vida só muda por que ela é feita de diversidade, de questionamentos, e, portanto, é um lugar de convívio com a diferença.
Se o sujeito não sente esse acaso, essa mudança, ele não tem a menor necessidade em criar. Ora, o que é o homem sem o efeito da criação? A criação já revela a vontade de sermos autônomos, de sermos livres. Construir ao invés de esperar o significado pronto da arte implica em olharmos a vida como ela é, ou seja, uma combinação de valores, de idéias que vão se refazendo o tempo inteiro e criando incessantemente novas formas de se pensar o mundo.
É necessário acabar essa realidade de sujeições espontâneas aos modelos. É importante se acreditar quando muito, apenas nas intenções constantes de se achar modelos, mas jamais em modelos prontos, pois ao longo da vida essas intenções vivem outras experiências e vivem sempre a tentar construir novos modelos. Ou seja, as intenções vivem a desmontar os modelos que sequer se realizaram plenamente e já abrem espaços para outros sonhos, outro homem.
A vida, antes de ser feita de significados prontos, é produto de constantes construções, mas jamais é um produto final de si mesma, pois ela está sempre por se fazer. Assim é a arte, ou seja, uma expressão de um sujeito implicado em uma vida que sempre se refaz e nunca se termina. Por isso que a arte é um desafio, e como todo desafio, necessita ser repensada, e, obviamente, desafiada.
O homem só participa do seu tempo quando ele intervém nesse tempo. Entretanto, só haverá intervenção desse homem no momento em que ele admite se transmutar, se transcodificar, se avançar no seu direito de pecar, de errar, de desmontar para aprender a criar novas estratégias para a sua realização enquanto ser social. A arte que não desmonta, bajula a apatia e infantiliza o homem.
A arte que se preocupa em trazer ao homem o modelo pronto faz da sua capacidade interpretativa uma máquina redutível a um manual preestabelecido da vida. Transfigurar a realidade, esse é o grande objetivo da arte que propõe a construção dos sentidos. O sujeito que se degusta dessa arte, se desmonta, se estranha, mas também se revela enquanto agente participante e construtor da sua história.
Se um determinado objeto se desloca de sua função original, nós os excluímos, pois para nós, ele já não possui mais serventia. Somos limitados e vivemos a insistir na relação previsível entre o objeto, o seu ambiente e a sua função. Fazemos nossos olhos caminharem preguiçosamente e acomodados em detectar o pronto para com isso apreciar o pronto.
Dessa forma nada muda e nem nada pode mudar. Somos seres cartesianos e nocivos demais a nós mesmos. Quando queremos o sempre pronto, nós estamos negando a possibilidade de exercitarmos a nossa capacidade em criar novos olhares capazes de mudar a realidade das coisas. Ao optarmos pelo sedentarismo mental, deixamos de assumir o compromisso com a mudança do panorama existente.
Longe de mim a perspectiva militante enfadonha e imbecilizada pela eterna e redundante seriedade sobre as coisas. A minha preocupação realmente não deixa de ser política, mas é uma preocupação com a política implícita, ou seja, uma política povoada de subjetividades, de negociações, de interesses e de conflitos, mas é com a política do cotidiano que me preocupo.
Estou de olho é na política do dia a dia praticada pelos atores sociais em suas realidades mais íntimas. Quando a arte passa a ser reduzida a uma massacrante mecanicidade à espera de signos ordinários, convencionados e desgastados, a possibilidade de reinvenção do cotidiano desaparece de todos nós; a possibilidade de olhar de forma critica e questionadora as coisas passa a não fazer parte principal dos nossos projetos.
Quando me recolho na espera do que já me vem pronto, automaticamente já estou afirmando para mim mesmo que estou apenas apto em me submeter às regras impostas a mim. Esperar um sentido pronto da arte, é me subjugar a verdade do outro, é jogar fora a minha auto-estima e toda a minha intervenção sobre as coisas. É manter uma relação de imediatismo, de passividade, de incapacidade criativa, de sonolência estética.
Não querer aceitar o “estranho” e o “caótico” na arte, é negar assumir um posicionamento de participação na vida social; é deixar de assumir uma demarcação, uma afirmação do nosso lugar na esfera pública; é negar toda a nossa competência de criar, de fazer, refazer, desfazer as coisas que estão a nossa volta. É morrer na vida, caminhar cansado pelos mesmos caminhos. É se desvalorizar.
Temer se adentrar no não-conhecido significa não alterar uma forma de se conceber o mundo; não se tornar um novo homem; não assumir uma postura própria no plano das opiniões; é temer em ser autônomo, não reconhecendo que a vida, apesar dos códigos, das leis, das estruturas, é também susto, risco, desvio, acidente, desencontros, ruínas, desentendimentos. Enfim, é corpo, mas também é vento.
Não aceitar o acaso, significa ceder à covardia a qual se ilude com a existência concreta de uma mera ilusão chamada realidade. Não aceitar o acaso implica em não buscar se destituir dos preconceitos, pois as intolerâncias só poderão ser retiradas, a partir do instante em que o sujeito reconhecer que a vida só é vida por que muda e que essa vida só muda por que ela é feita de diversidade, de questionamentos, e, portanto, é um lugar de convívio com a diferença.
Se o sujeito não sente esse acaso, essa mudança, ele não tem a menor necessidade em criar. Ora, o que é o homem sem o efeito da criação? A criação já revela a vontade de sermos autônomos, de sermos livres. Construir ao invés de esperar o significado pronto da arte implica em olharmos a vida como ela é, ou seja, uma combinação de valores, de idéias que vão se refazendo o tempo inteiro e criando incessantemente novas formas de se pensar o mundo.
É necessário acabar essa realidade de sujeições espontâneas aos modelos. É importante se acreditar quando muito, apenas nas intenções constantes de se achar modelos, mas jamais em modelos prontos, pois ao longo da vida essas intenções vivem outras experiências e vivem sempre a tentar construir novos modelos. Ou seja, as intenções vivem a desmontar os modelos que sequer se realizaram plenamente e já abrem espaços para outros sonhos, outro homem.
A vida, antes de ser feita de significados prontos, é produto de constantes construções, mas jamais é um produto final de si mesma, pois ela está sempre por se fazer. Assim é a arte, ou seja, uma expressão de um sujeito implicado em uma vida que sempre se refaz e nunca se termina. Por isso que a arte é um desafio, e como todo desafio, necessita ser repensada, e, obviamente, desafiada.
O homem só participa do seu tempo quando ele intervém nesse tempo. Entretanto, só haverá intervenção desse homem no momento em que ele admite se transmutar, se transcodificar, se avançar no seu direito de pecar, de errar, de desmontar para aprender a criar novas estratégias para a sua realização enquanto ser social. A arte que não desmonta, bajula a apatia e infantiliza o homem.
A arte que se preocupa em trazer ao homem o modelo pronto faz da sua capacidade interpretativa uma máquina redutível a um manual preestabelecido da vida. Transfigurar a realidade, esse é o grande objetivo da arte que propõe a construção dos sentidos. O sujeito que se degusta dessa arte, se desmonta, se estranha, mas também se revela enquanto agente participante e construtor da sua história.
terça-feira, 9 de julho de 2013
O surrealismo nas relações conjugais
Todos nós nos encontramos em meio a um contexto marcado pelas mudanças constantes no que diz respeito às concepções de mundo. Nunca estivemos em meio a um emaranhado tão grande de ditos, ou seja, de visões de mundo, de diversos diálogos, como podemos constatar nos dias atuais. Diante dessas mudanças constantes, os sujeitos têm vivido um constante término em seus relacionamentos conjugais.
Entretanto, não compartilho da opinião de que esses términos corriqueiros decorram apenas dessas alterações de identidades nas quais os cônjuges se encontram imersos. O que eu percebo é que paralelo a essa imensa miscelânea de valores que se transmutam incessantemente, as pessoas continuam mantendo certas condutas e formas de encarar as relações pelo ângulo da incapacidade de diálogo entre elas.
Acredito que se as pessoas tivessem acesso a uma leitura mais crítica do surrealismo- movimento artístico e estético de vanguarda proveniente dos anos vinte do século XX na França- no mínimo elas se veriam um pouco mais predispostas a olhar a relação entre duas pessoas de forma menos impositiva, menos controladora; tornando-a mais flexível, mais dialógica, mais plural, mais democrática.
Algumas afirmações muito comuns quando o assunto se trata de relações conjugais são: agora encontrei a pessoa da minha vida; jamais nos machucaremos; ele ou ela pensa exatamente como eu, etc. Não estou querendo dizer que as pessoas não devam investir sonhos de longo prazo com as outras. Fazer projeto não é o problema; o problema é não dialogar esse ideal com a realidade dos fatos.
Um ponto que me faz acreditar na aplicação do surrealismo nos relacionamentos conjugais diz respeito à forma pela qual esse movimento encara a construção da realidade. Para o surrealismo existem duas instâncias que compõem o psiquismo que são o plano racional, isto é, a realidade a qual expressa sua razão objetiva; e o plano sensível, ou seja,o seu lado mais obscuro e intraduzível.
É devido a isso que para o surrealismo, o sujeito fala o que quer, mas, no entanto, nunca fala o que quer, pois ele se encontra no meio de duas esferas, ou seja, a do dito consciente sobre a qual ele tem controle e a do dito inconsciente a qual ele não tem domínio. É por esse dizer sem dizer que o surrealismo acredita que o sujeito jamais atingirá uma resposta completa e acabada sobre as coisas.
É por esse dizer não dito que o sujeito viverá na busca para preencher essa lacuna. É por isso que para o surrealismo, o sujeito se apropria do desejo para tentar preencher essa lacuna, mas a lacuna jamais será preenchida pelo fato do sujeito viver entre as certezas e as realidades não traduzíveis. É esse reconhecimento da incansável construção, que os cônjuges deveriam pensar em suas relações com os outros.
Os cônjuges, ao compreenderem que são constituídos por parcelas de sonhos produzidos por desejos os quais têm como finalidade, buscar preencher ou ao menos compensar a falta que os constitui, reconhecerão que nunca são sujeitos completos e acabados. Deixarão, portanto, de pensar na realidade falaciosa de uma história conjugal permanente, absoluta, previsível e imutável.
Em outras palavras, a ideia ingênua de uma história para a vida toda cai por terra. já que, por perceberem que os sujeitos são movidos pelo desejo por não serem completos, obviamente que a perspectiva da continuidade e da previsibilidade, cederia lugar a uma dimensão marcada pela ruptura, pela mudança de olhar, compreendendo a inevitável natureza contingencial da realidade.
Ao invés dos cônjuges se frustrarem por acreditar que as semelhanças são eternas, aceitariam a inevitável condição de enxergar a identidade de forma mutante. Compreenderiam que hoje podem ser amados e amanhã não; podem gostar de fazer coisas parecidas com o outro, mas futuramente, devido às constantes mudanças de identidade, poderão apreciar algo completamente diferente.
Reconhecendo que a realidade vivida está diretamente vinculada à ideia do sonho, dos desejos, compreenderiam que, antes dela ser marcada por padrões preestabelecidos para tudo, inclusive para as relações conjugais, ela é feita de infinitas perspectivas a partir do olhar de cada um. Com isso, os cônjuges passariam a se ferir menos quando o outro não compartilhasse das perspectivas exigidas por essas regras.
Ou seja, compreendendo a realidade como uma parte que falta a cada sujeito e como algo construído a partir do olhar de cada um, os cônjuges poderiam evitar muitos conflitos entre eles por não mais se frustrarem com a possibilidade do outro não corresponder com as regras preestabelecidas socialmente, pois estas seriam vistas de forma irrisória e fora da condição humana.
É devido aos pontos expostos que eu acredito que se a perspectiva surrealista fosse exercitada nas relações conjugais, os cônjuges se veriam capazes de conviver com a diversidade. A partir da ótica surrealista, cada um dos cônjuges teria capacidade de visualizar o outro como um constante processo de construção, estabelecendo caminhos para a prática da tolerância e do respeito pela diferença.
Entretanto, não compartilho da opinião de que esses términos corriqueiros decorram apenas dessas alterações de identidades nas quais os cônjuges se encontram imersos. O que eu percebo é que paralelo a essa imensa miscelânea de valores que se transmutam incessantemente, as pessoas continuam mantendo certas condutas e formas de encarar as relações pelo ângulo da incapacidade de diálogo entre elas.
Acredito que se as pessoas tivessem acesso a uma leitura mais crítica do surrealismo- movimento artístico e estético de vanguarda proveniente dos anos vinte do século XX na França- no mínimo elas se veriam um pouco mais predispostas a olhar a relação entre duas pessoas de forma menos impositiva, menos controladora; tornando-a mais flexível, mais dialógica, mais plural, mais democrática.
Algumas afirmações muito comuns quando o assunto se trata de relações conjugais são: agora encontrei a pessoa da minha vida; jamais nos machucaremos; ele ou ela pensa exatamente como eu, etc. Não estou querendo dizer que as pessoas não devam investir sonhos de longo prazo com as outras. Fazer projeto não é o problema; o problema é não dialogar esse ideal com a realidade dos fatos.
Um ponto que me faz acreditar na aplicação do surrealismo nos relacionamentos conjugais diz respeito à forma pela qual esse movimento encara a construção da realidade. Para o surrealismo existem duas instâncias que compõem o psiquismo que são o plano racional, isto é, a realidade a qual expressa sua razão objetiva; e o plano sensível, ou seja,o seu lado mais obscuro e intraduzível.
É devido a isso que para o surrealismo, o sujeito fala o que quer, mas, no entanto, nunca fala o que quer, pois ele se encontra no meio de duas esferas, ou seja, a do dito consciente sobre a qual ele tem controle e a do dito inconsciente a qual ele não tem domínio. É por esse dizer sem dizer que o surrealismo acredita que o sujeito jamais atingirá uma resposta completa e acabada sobre as coisas.
É por esse dizer não dito que o sujeito viverá na busca para preencher essa lacuna. É por isso que para o surrealismo, o sujeito se apropria do desejo para tentar preencher essa lacuna, mas a lacuna jamais será preenchida pelo fato do sujeito viver entre as certezas e as realidades não traduzíveis. É esse reconhecimento da incansável construção, que os cônjuges deveriam pensar em suas relações com os outros.
Os cônjuges, ao compreenderem que são constituídos por parcelas de sonhos produzidos por desejos os quais têm como finalidade, buscar preencher ou ao menos compensar a falta que os constitui, reconhecerão que nunca são sujeitos completos e acabados. Deixarão, portanto, de pensar na realidade falaciosa de uma história conjugal permanente, absoluta, previsível e imutável.
Em outras palavras, a ideia ingênua de uma história para a vida toda cai por terra. já que, por perceberem que os sujeitos são movidos pelo desejo por não serem completos, obviamente que a perspectiva da continuidade e da previsibilidade, cederia lugar a uma dimensão marcada pela ruptura, pela mudança de olhar, compreendendo a inevitável natureza contingencial da realidade.
Ao invés dos cônjuges se frustrarem por acreditar que as semelhanças são eternas, aceitariam a inevitável condição de enxergar a identidade de forma mutante. Compreenderiam que hoje podem ser amados e amanhã não; podem gostar de fazer coisas parecidas com o outro, mas futuramente, devido às constantes mudanças de identidade, poderão apreciar algo completamente diferente.
Reconhecendo que a realidade vivida está diretamente vinculada à ideia do sonho, dos desejos, compreenderiam que, antes dela ser marcada por padrões preestabelecidos para tudo, inclusive para as relações conjugais, ela é feita de infinitas perspectivas a partir do olhar de cada um. Com isso, os cônjuges passariam a se ferir menos quando o outro não compartilhasse das perspectivas exigidas por essas regras.
Ou seja, compreendendo a realidade como uma parte que falta a cada sujeito e como algo construído a partir do olhar de cada um, os cônjuges poderiam evitar muitos conflitos entre eles por não mais se frustrarem com a possibilidade do outro não corresponder com as regras preestabelecidas socialmente, pois estas seriam vistas de forma irrisória e fora da condição humana.
É devido aos pontos expostos que eu acredito que se a perspectiva surrealista fosse exercitada nas relações conjugais, os cônjuges se veriam capazes de conviver com a diversidade. A partir da ótica surrealista, cada um dos cônjuges teria capacidade de visualizar o outro como um constante processo de construção, estabelecendo caminhos para a prática da tolerância e do respeito pela diferença.
quinta-feira, 4 de julho de 2013
Eu sou anarquista? É mesmo?
Não tenho bipolaridade. Na verdade, às vezes me pergunto se eu não seria mais feliz tendo essa simples dicotomia para resolver minhas fraudulentas e traiçoeiras opiniões que faço sobre mim e sobre tudo que se encontra a minha volta. Eu sou mesmo é transpolar. Eu extrapolo os limites de mim mesmo o tempo inteiro. Vivo em meio a uma contradição que de tão comum em minha vida, torna-se lógica.
Não me vejo capaz de me impor um tipo de pensamento. Tipos são coisas muito reduzidas por serem delimitados demais para uma pessoa como eu que se acorda em alta, dorme em baixa; que afirma o que nega, que nega o que afirma. Assumir um tipo significa me obrigar em aceitar um número exato de determinadas características para a minha pessoa. Não posso. Sou um mapa sem bússola, um barco sem porto e sem destino certo.
Apesar de saber que muitas das opiniões que recebo são resultantes da ignorância das pessoas; sei também que muitas afirmações “corretas” que ditam sobre minhas posturas éticas, estéticas e políticas, são acomodações e simplismos que beiram descaradamente a irresponsabilidade. As pessoas tentam me sufocar, me castrar, como se quisessem colher contradições de mim, como se para mim, contradições fossem pecados. Ai ai de mim (logo eu!), colocar a contradição como pecado!
Vejamos: vez ou outra eu posto no facebook algumas imagens, opiniões ou pensamentos de indivíduos vinculados ao que se denomina anarquismo. Uma das tais afirmações que recebo é a seguinte: como é que você como um anarquista, é um professor concursado em um serviço público submetido a todas as normas e regras institucionais? Da pergunta, recebo a opinião: isso é o cúmulo da incoerência. Você não é anarquista.
Quem disse que eu sou ou não sou anarquista? Quem disse que eu sou ou não sou qualquer coisa? Eu peço com toda a angústia de um ser que tem que ser submetido a um rótulo, que eu sou alguma coisa por não ter conseguido ser porra nenhuma. Eu sou o processo, eu sou o vento que levanta a saia da gostosa na beira do mar e vai embora sem pedir desculpas, e o máximo que eu consegui até hoje, foi simplesmente reconhecer a ilusão de todas as minhas “verdades”.
Eu penso ser a construção de mim o tempo inteiro. Às vezes quando penso que estou reencontrando por definitivo a minha certeza e meu lugar no mundo, enfim, quando eu penso ter a capacidade de realizar todas as minhas angústias e meus sonhos em um projeto, tenho me deparado e concluído que eu não passo de um borrão de mim mesmo. Sou a tentativa, sou a busca, jamais o ponto final, afinal, minhas ideias não param de percorrer a imensa e embaralhada trama que sou eu.
Prefiro dizer que sou simpatizante do anarquismo. Não posso dizer que sou isso ou aquilo quando sei que ser isso ou aquilo implica em ser tantas coisas! Anarquista? O que denominam de anarquismo possui tantas vertentes... Mesmo se eu disser que tenho imensa simpatia por Proudhon, Max Stirner, assim como pelo que chamam de anarco-comunismo e de anarquismo-mutualista, essas classificações escondem tantos sonhos, tantas contradições jamais resolvidas dentro delas mesmas que prefiro ficar na minha.
Quanto à questão de “ser anarquista” e estar submetido às regras institucionais, vou explicar: quando o anarquismo faz duras críticas acerca da exploração do trabalho capitalista e sua obsessão pela produtividade, ele não nega a necessidade do trabalho. As pessoas têm que acabar com essa idéia de que o anarquismo prega o fim do trabalho. O fato de eu simpatizar com o anarquismo, não me obriga a ter que viver no meio do nada longe de tudo e de todos.
O que o anarquismo vai questionar e confrontar é a forma como a sociedade tem se organizado sob as bases do capitalismo. A sua crítica recai é em uma hierarquia que, antes de ter como objetivo unicamente a organização dos papéis entre os indivíduos, termina por explorá-los e massacrá-los em prol da acumulação do capital. O anarquismo vai negar é a dominação injusta do homem sobre o outro homem. Além disso, vai de encontro a toda forma de poder que sufoque a individualidade de outrem.
O anarquismo vai gritar a favor de um meio de subsistência através do trabalho que dê aos indivíduos o direito a se usufruírem do tempo livre; que faça com que esses indivíduos se humanizem através do trabalho para que eles possam reconhecer a importância e o prazer desse trabalho, e não vê-lo apenas como uma labuta massacrante como é visto no capitalismo por esse sistema econômico torná-lo impessoal, impositivo e produtivista.
O anarquismo vai propor formas de trabalho que não alienem os homens, que esses homens sejam livres e tenham suas individualidades garantidas para que eles reconheçam a marca de sua identidade em seu trabalho, que vejam esse trabalho como um resultado de sua subjetividade. O anarquismo propõe que os homens reconheçam a importância do trabalho enquanto necessidade social, e não enquanto uma competitividade que só tem retirado do homem toda a consciência de sua importância enquanto ser coletivo.
Volto a dizer: o anarquismo não significa negação de toda e qualquer vida humana; como também não nega o trabalho, nem muito menos as regras sociais. Portanto, para finalizar, gostaria de dizer que eu posso muito bem assumir minha função na sociedade, me encontrar em meio a uma instituição, ter minha renda e simpatizar com as propostas anarquistas. Simpatizar, afinal, como dito, por ter tantos eus de mim, acho muito simplista me reduzirem a uma classificação.
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Não me vejo capaz de me impor um tipo de pensamento. Tipos são coisas muito reduzidas por serem delimitados demais para uma pessoa como eu que se acorda em alta, dorme em baixa; que afirma o que nega, que nega o que afirma. Assumir um tipo significa me obrigar em aceitar um número exato de determinadas características para a minha pessoa. Não posso. Sou um mapa sem bússola, um barco sem porto e sem destino certo.
Apesar de saber que muitas das opiniões que recebo são resultantes da ignorância das pessoas; sei também que muitas afirmações “corretas” que ditam sobre minhas posturas éticas, estéticas e políticas, são acomodações e simplismos que beiram descaradamente a irresponsabilidade. As pessoas tentam me sufocar, me castrar, como se quisessem colher contradições de mim, como se para mim, contradições fossem pecados. Ai ai de mim (logo eu!), colocar a contradição como pecado!
Vejamos: vez ou outra eu posto no facebook algumas imagens, opiniões ou pensamentos de indivíduos vinculados ao que se denomina anarquismo. Uma das tais afirmações que recebo é a seguinte: como é que você como um anarquista, é um professor concursado em um serviço público submetido a todas as normas e regras institucionais? Da pergunta, recebo a opinião: isso é o cúmulo da incoerência. Você não é anarquista.
Quem disse que eu sou ou não sou anarquista? Quem disse que eu sou ou não sou qualquer coisa? Eu peço com toda a angústia de um ser que tem que ser submetido a um rótulo, que eu sou alguma coisa por não ter conseguido ser porra nenhuma. Eu sou o processo, eu sou o vento que levanta a saia da gostosa na beira do mar e vai embora sem pedir desculpas, e o máximo que eu consegui até hoje, foi simplesmente reconhecer a ilusão de todas as minhas “verdades”.
Eu penso ser a construção de mim o tempo inteiro. Às vezes quando penso que estou reencontrando por definitivo a minha certeza e meu lugar no mundo, enfim, quando eu penso ter a capacidade de realizar todas as minhas angústias e meus sonhos em um projeto, tenho me deparado e concluído que eu não passo de um borrão de mim mesmo. Sou a tentativa, sou a busca, jamais o ponto final, afinal, minhas ideias não param de percorrer a imensa e embaralhada trama que sou eu.
Prefiro dizer que sou simpatizante do anarquismo. Não posso dizer que sou isso ou aquilo quando sei que ser isso ou aquilo implica em ser tantas coisas! Anarquista? O que denominam de anarquismo possui tantas vertentes... Mesmo se eu disser que tenho imensa simpatia por Proudhon, Max Stirner, assim como pelo que chamam de anarco-comunismo e de anarquismo-mutualista, essas classificações escondem tantos sonhos, tantas contradições jamais resolvidas dentro delas mesmas que prefiro ficar na minha.
Quanto à questão de “ser anarquista” e estar submetido às regras institucionais, vou explicar: quando o anarquismo faz duras críticas acerca da exploração do trabalho capitalista e sua obsessão pela produtividade, ele não nega a necessidade do trabalho. As pessoas têm que acabar com essa idéia de que o anarquismo prega o fim do trabalho. O fato de eu simpatizar com o anarquismo, não me obriga a ter que viver no meio do nada longe de tudo e de todos.
O que o anarquismo vai questionar e confrontar é a forma como a sociedade tem se organizado sob as bases do capitalismo. A sua crítica recai é em uma hierarquia que, antes de ter como objetivo unicamente a organização dos papéis entre os indivíduos, termina por explorá-los e massacrá-los em prol da acumulação do capital. O anarquismo vai negar é a dominação injusta do homem sobre o outro homem. Além disso, vai de encontro a toda forma de poder que sufoque a individualidade de outrem.
O anarquismo vai gritar a favor de um meio de subsistência através do trabalho que dê aos indivíduos o direito a se usufruírem do tempo livre; que faça com que esses indivíduos se humanizem através do trabalho para que eles possam reconhecer a importância e o prazer desse trabalho, e não vê-lo apenas como uma labuta massacrante como é visto no capitalismo por esse sistema econômico torná-lo impessoal, impositivo e produtivista.
O anarquismo vai propor formas de trabalho que não alienem os homens, que esses homens sejam livres e tenham suas individualidades garantidas para que eles reconheçam a marca de sua identidade em seu trabalho, que vejam esse trabalho como um resultado de sua subjetividade. O anarquismo propõe que os homens reconheçam a importância do trabalho enquanto necessidade social, e não enquanto uma competitividade que só tem retirado do homem toda a consciência de sua importância enquanto ser coletivo.
Volto a dizer: o anarquismo não significa negação de toda e qualquer vida humana; como também não nega o trabalho, nem muito menos as regras sociais. Portanto, para finalizar, gostaria de dizer que eu posso muito bem assumir minha função na sociedade, me encontrar em meio a uma instituição, ter minha renda e simpatizar com as propostas anarquistas. Simpatizar, afinal, como dito, por ter tantos eus de mim, acho muito simplista me reduzirem a uma classificação.
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Realidade, sonho e arte no surrealismo
* Este texto foi uma resenha do artigo "Os vasos comunicantes: escritura e psiquismo na poética surrealista" de Gisele Nery de Andrade. .
O surrealismo pretende ir de encontro à lógica racionalista do ocidente a qual separou a razão do universo marcado pela sensibilidade humana. Não é por acaso que o surrealismo vai propor uma reconciliação entre esses dois universos, ou seja, “propor a busca por um ponto de encontro, um espaço de cruzamento entre os dois domínios nos quais o homem se divide: racional e sensível” (ANDRADE; 2011, p.01).
Para o surrealismo, é só através da reconciliação entre esses dois universos que o humano poderia se reencontrar com o seu mundo interior, assim como, se enxergar como capaz de conduzir a sua vida exterior, afinal, ao romper com as barreiras, elas “deixariam de ser instâncias diferentes para se complementarem em um estado psíquico único, harmônico, que deixasse vir à tona a beleza, a magia, o fantasioso”. (ANDRADE; 2011, p.02)
Só através desse contato entre esses dois universos que o homem pode se constituir enquanto totalidade de si mesmo. Entretanto, mesmo acreditando na possibilidade dessa unificação dos dois universos, o surrealismo não acredita na idéia de uma garantia acabada do indivíduo em relação a si, afinal, essa “constituição é o que se deseja (re) encontrar o que está sempre a se realizar, mas nunca é alcançada”. (ANDRADE; 2011, p.02)
Não é do interesse do surrealismo encontrar um lugar definitivo para os humanos, até por que, por dialogar com a psicanálise acerca da compreensão dos sonhos, ele vai trafegar pelas linhas do desejo, ou seja, “assim como a teoria psicanalítica nos diz que o que move o psiquismo é a busca pela coisa perdida das Ding, que jamais é reencontrada, o objetivo do surrealismo é a busca do igualmente inalcançável”. (ANDRADE; 2011, p.06)
Como dito, para o surrealismo, a integração dessas duas dimensões influenciaria o homem em sua relação com o mundo exterior. Para os surrealistas, o homem encontraria a sua “realidade superior” por meio da unificação das instâncias psíquicas, pois só “a vivência do desejo que antes fora aprisionado nos porões do inconsciente pela racionalidade censora tornaria o homem finalmente livre e conhecedor de si” (ANDRADE; 2011, p.05)
É justamente por ir de encontro a essa racionalidade instrumental ocidental marcada pela lógica da razão negadora das subjetividades e dos sonhos que “o positivismo e o empirismo são rechaçados veementemente”. (ANDRADE; 2011, p.02). Essa negação se deve ao fato do surrealismo propor uma outra lógica a qual, antes de ser unicamente ligada à experiência, “vai ter de ceder lugar ao inconsciente e à imaginação”. (ANDRADE; 2011, p.02)
Porém, vale observar que o fato do surrealismo propor uma não-submissão do homem à razão, não significa dizer que essa corrente artística e estética vá de encontro ao processo lógico racional, buscando com isso uma fuga da realidade. Na verdade, o surrealismo pretende, em um primeiro momento, sobrepor a sensibilidade à racionalidade para que, por meio dela, o homem consiga se libertar das censuras impostas pela razão as quais inibem a expressão dos seus desejos mais profundos. (ANDRADE; 2011)
É por encontrar um novo caminho para a lógica proposta, que os surrealistas vão também questionar o estatuto interpretativo da arte. Ao invés de apoiar uma concepção de arte que perpetua o modelo da dimensão objetiva da representação, o surrealismo, por enveredar pelo caminho do onírico, “foge ao stablishment artístico de representação da natureza e da realidade exterior”.
A realidade exterior, uma interpretação produzida unicamente pela razão é negada pelo fato dos surrealistas acreditarem que o objeto artístico é articulado ao inconsciente, pois “tanto o sonho quanto a obra de arte surrealista teriam como objetivo levar o homem a entrar em contato com a própria subjetividade” (ANDRADE; 2011, p.08), uma vez que para o surrealismo “a arte, assim como o sonho, é território do símbolo”. (ANDRADE; 2011, p.05)
Não é por acaso que encontramos nas obras surrealistas os mesmos rompimentos com as lógicas conscientes, assim como nos sonhos. No surrealismo encontramos “os mesmos deslocamentos espaciais, temporais e contextuais” provocados pelos momentos oníricos (ANDRADE; 2011, p.05). É por isso que o surrealismo produz obras que apresentam imagens as quais promovem “um diálogo inadmissível por nossa lógica racional e totalmente pertinente ao plano onírico”. (ANDRADE; 2011, p.05)
Portanto, para o surrealismo, a criação artística se encontra diretamente ligada ao inconsciente, portanto, ao sonho, uma vez que o artista, assim como no sonho, termina por expressar um conteúdo latente, realizando “deslocamentos e condensações para comunicar uma mensagem que, ao mesmo tempo, diz respeito a uma inquietação pessoal”. (ANDRADE; 2011, p.08) Por isso que o surrealismo insiste na realização da arte enquanto escolha livre de elementos.
Se apropriando de todos os debates vigentes da psicanálise sobre o inconsciente, o surrealismo buscava reencontrar perspectivas interpretativas libertas dos modelos externos, e por isso mesmo “pregava a comunicação das ideias e das imagens que surgissem na alma humana sem que se permitisse qualquer intervenção dos mecanismos censores da consciência”. (ANDRADE; 2011, p.03). Além disso, propunha ao artista conceber uma obra completamente livre da censura da razão (ANDRADE; 2011, p.04)
Por propor a arte e a libertação do homem, o surrealismo nega a idéia da arte enquanto um modelo previamente acabado de sentidos, acreditando na “perspectiva de o homem vir poder dispor verdadeiramente de si mesmo” (BRETON, 1924a, p. 258 apud ANDRADE; 2011). Ou seja, ao invés de uma obra de arte reduzida a sentidos acabados, “o que se valoriza na linguagem são os elementos individuais, particulares do subjetivismo de cada indivíduo”. (ANDRADE; 2011, p.04)
O surrealismo propõe que o homem busque seus próprios caminhos e que “esteja munido para viajar para dentro de si (...) dissecando, elaborando a própria história” (ANDRADE; 2011, p.08). A proposta é que “o homem se permita uma entrega um pouco maior à própria sensibilidade, recuperando o contato com a inspiração, a intuição, a fantasia, a criatividade” (ANDRADE; 2011, p.04); acreditando na onipotência do sonho e no desempenho desinteressado do pensamento.
É por esse interesse em fazer o leitor passar a ser dono de suas próprias elaborações através da obra de arte que o surrealismo também não prioriza a formalidade das regras gramaticais, pois acha que a arte deveria ser uma espécie de força criativa e ilimitada do inconsciente o qual não poderia se submeter essas regras, ou seja, “o que importava era a libertação do espírito via pensamento e imaginação”. (ANDRADE; 2011, p.04)
Portanto, as palavras, antes de se resumirem às regras gramaticais e se encontrarem reduzidas à meras estruturas e preocupadas com a imagem e o som unicamente, passam a ser acolhidas pelos sentidos e abertas à re-significação. Como bem expõe Andrade, “a palavra teria a missão indelével de transformar a realidade interior e exterior, servindo como munição do verdadeiro sentido do Surrealismo: transformar”. (2011, p.04)
Como se nota, a partir do instante em que o surrealismo propõe um estilo interpretativo mudando a direção do consciente para o inconsciente, o leitor da obra de arte, antes de se apropriar de um sentido acabado, passa a re-significar os códigos “que orientam e confundem em direção à falta causada pela coisa perdida desde sempre que buscamos, sem sucesso, reencontrar”. (ANDRADE; 2011, p.07)
É por partir da perspectiva a qual se adentra no universo onírico que o surrealismo propõe que o leitor da obra de arte não deixe “que os planejamentos do devaneio sejam costurados pela linha da lógica da linguagem” (ANDRADE; 2011, p.07). Ao contrário. O que o surrealismo propõe é uma realidade que, sem a censura da razão, expressaria os conteúdos velados até então abrindo espaços para a falta que constitui o homem.
Em outras palavras, o surrealismo, a partir do reconhecimento da sensibilidade, tem como finalidade, a libertação do homem das amarras da razão. É pelo fato da cultura ocidental se encontrar habituada em se situar diante da obra de arte estrutural e preocupada com a reprodução dos sentidos, que o surrealismo termina desarmando o leitor da obra por “romper com os sistemas e as regras aprisionantes”. (ANDRADE; 2011, p.04)
Para o surrealismo, a partir do instante em que o homem abandona a restrição provocada pela lógica racional, além dele se encontrar em meio a um campo de realização em sua plenitude por diluir as fronteiras entre o imaginário e o real, “o espírito do homem que sonha se satisfaz plenamente com o que lhe acontece. A angustiante questão da possibilidade não está mais presente” (BRETON, 1924a, p. 45 apud ANDRADE; 2011)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Gisele Nery de. Os vasos comunicantes: escritura e psiquismo na poética surrealista. XII Congresso Internacional da ABRALIC, Curitiba, pgs: 01-08, jul. 2011
O surrealismo pretende ir de encontro à lógica racionalista do ocidente a qual separou a razão do universo marcado pela sensibilidade humana. Não é por acaso que o surrealismo vai propor uma reconciliação entre esses dois universos, ou seja, “propor a busca por um ponto de encontro, um espaço de cruzamento entre os dois domínios nos quais o homem se divide: racional e sensível” (ANDRADE; 2011, p.01).
Para o surrealismo, é só através da reconciliação entre esses dois universos que o humano poderia se reencontrar com o seu mundo interior, assim como, se enxergar como capaz de conduzir a sua vida exterior, afinal, ao romper com as barreiras, elas “deixariam de ser instâncias diferentes para se complementarem em um estado psíquico único, harmônico, que deixasse vir à tona a beleza, a magia, o fantasioso”. (ANDRADE; 2011, p.02)
Só através desse contato entre esses dois universos que o homem pode se constituir enquanto totalidade de si mesmo. Entretanto, mesmo acreditando na possibilidade dessa unificação dos dois universos, o surrealismo não acredita na idéia de uma garantia acabada do indivíduo em relação a si, afinal, essa “constituição é o que se deseja (re) encontrar o que está sempre a se realizar, mas nunca é alcançada”. (ANDRADE; 2011, p.02)
Não é do interesse do surrealismo encontrar um lugar definitivo para os humanos, até por que, por dialogar com a psicanálise acerca da compreensão dos sonhos, ele vai trafegar pelas linhas do desejo, ou seja, “assim como a teoria psicanalítica nos diz que o que move o psiquismo é a busca pela coisa perdida das Ding, que jamais é reencontrada, o objetivo do surrealismo é a busca do igualmente inalcançável”. (ANDRADE; 2011, p.06)
Como dito, para o surrealismo, a integração dessas duas dimensões influenciaria o homem em sua relação com o mundo exterior. Para os surrealistas, o homem encontraria a sua “realidade superior” por meio da unificação das instâncias psíquicas, pois só “a vivência do desejo que antes fora aprisionado nos porões do inconsciente pela racionalidade censora tornaria o homem finalmente livre e conhecedor de si” (ANDRADE; 2011, p.05)
É justamente por ir de encontro a essa racionalidade instrumental ocidental marcada pela lógica da razão negadora das subjetividades e dos sonhos que “o positivismo e o empirismo são rechaçados veementemente”. (ANDRADE; 2011, p.02). Essa negação se deve ao fato do surrealismo propor uma outra lógica a qual, antes de ser unicamente ligada à experiência, “vai ter de ceder lugar ao inconsciente e à imaginação”. (ANDRADE; 2011, p.02)
Porém, vale observar que o fato do surrealismo propor uma não-submissão do homem à razão, não significa dizer que essa corrente artística e estética vá de encontro ao processo lógico racional, buscando com isso uma fuga da realidade. Na verdade, o surrealismo pretende, em um primeiro momento, sobrepor a sensibilidade à racionalidade para que, por meio dela, o homem consiga se libertar das censuras impostas pela razão as quais inibem a expressão dos seus desejos mais profundos. (ANDRADE; 2011)
É por encontrar um novo caminho para a lógica proposta, que os surrealistas vão também questionar o estatuto interpretativo da arte. Ao invés de apoiar uma concepção de arte que perpetua o modelo da dimensão objetiva da representação, o surrealismo, por enveredar pelo caminho do onírico, “foge ao stablishment artístico de representação da natureza e da realidade exterior”.
A realidade exterior, uma interpretação produzida unicamente pela razão é negada pelo fato dos surrealistas acreditarem que o objeto artístico é articulado ao inconsciente, pois “tanto o sonho quanto a obra de arte surrealista teriam como objetivo levar o homem a entrar em contato com a própria subjetividade” (ANDRADE; 2011, p.08), uma vez que para o surrealismo “a arte, assim como o sonho, é território do símbolo”. (ANDRADE; 2011, p.05)
Não é por acaso que encontramos nas obras surrealistas os mesmos rompimentos com as lógicas conscientes, assim como nos sonhos. No surrealismo encontramos “os mesmos deslocamentos espaciais, temporais e contextuais” provocados pelos momentos oníricos (ANDRADE; 2011, p.05). É por isso que o surrealismo produz obras que apresentam imagens as quais promovem “um diálogo inadmissível por nossa lógica racional e totalmente pertinente ao plano onírico”. (ANDRADE; 2011, p.05)
Portanto, para o surrealismo, a criação artística se encontra diretamente ligada ao inconsciente, portanto, ao sonho, uma vez que o artista, assim como no sonho, termina por expressar um conteúdo latente, realizando “deslocamentos e condensações para comunicar uma mensagem que, ao mesmo tempo, diz respeito a uma inquietação pessoal”. (ANDRADE; 2011, p.08) Por isso que o surrealismo insiste na realização da arte enquanto escolha livre de elementos.
Se apropriando de todos os debates vigentes da psicanálise sobre o inconsciente, o surrealismo buscava reencontrar perspectivas interpretativas libertas dos modelos externos, e por isso mesmo “pregava a comunicação das ideias e das imagens que surgissem na alma humana sem que se permitisse qualquer intervenção dos mecanismos censores da consciência”. (ANDRADE; 2011, p.03). Além disso, propunha ao artista conceber uma obra completamente livre da censura da razão (ANDRADE; 2011, p.04)
Por propor a arte e a libertação do homem, o surrealismo nega a idéia da arte enquanto um modelo previamente acabado de sentidos, acreditando na “perspectiva de o homem vir poder dispor verdadeiramente de si mesmo” (BRETON, 1924a, p. 258 apud ANDRADE; 2011). Ou seja, ao invés de uma obra de arte reduzida a sentidos acabados, “o que se valoriza na linguagem são os elementos individuais, particulares do subjetivismo de cada indivíduo”. (ANDRADE; 2011, p.04)
O surrealismo propõe que o homem busque seus próprios caminhos e que “esteja munido para viajar para dentro de si (...) dissecando, elaborando a própria história” (ANDRADE; 2011, p.08). A proposta é que “o homem se permita uma entrega um pouco maior à própria sensibilidade, recuperando o contato com a inspiração, a intuição, a fantasia, a criatividade” (ANDRADE; 2011, p.04); acreditando na onipotência do sonho e no desempenho desinteressado do pensamento.
É por esse interesse em fazer o leitor passar a ser dono de suas próprias elaborações através da obra de arte que o surrealismo também não prioriza a formalidade das regras gramaticais, pois acha que a arte deveria ser uma espécie de força criativa e ilimitada do inconsciente o qual não poderia se submeter essas regras, ou seja, “o que importava era a libertação do espírito via pensamento e imaginação”. (ANDRADE; 2011, p.04)
Portanto, as palavras, antes de se resumirem às regras gramaticais e se encontrarem reduzidas à meras estruturas e preocupadas com a imagem e o som unicamente, passam a ser acolhidas pelos sentidos e abertas à re-significação. Como bem expõe Andrade, “a palavra teria a missão indelével de transformar a realidade interior e exterior, servindo como munição do verdadeiro sentido do Surrealismo: transformar”. (2011, p.04)
Como se nota, a partir do instante em que o surrealismo propõe um estilo interpretativo mudando a direção do consciente para o inconsciente, o leitor da obra de arte, antes de se apropriar de um sentido acabado, passa a re-significar os códigos “que orientam e confundem em direção à falta causada pela coisa perdida desde sempre que buscamos, sem sucesso, reencontrar”. (ANDRADE; 2011, p.07)
É por partir da perspectiva a qual se adentra no universo onírico que o surrealismo propõe que o leitor da obra de arte não deixe “que os planejamentos do devaneio sejam costurados pela linha da lógica da linguagem” (ANDRADE; 2011, p.07). Ao contrário. O que o surrealismo propõe é uma realidade que, sem a censura da razão, expressaria os conteúdos velados até então abrindo espaços para a falta que constitui o homem.
Em outras palavras, o surrealismo, a partir do reconhecimento da sensibilidade, tem como finalidade, a libertação do homem das amarras da razão. É pelo fato da cultura ocidental se encontrar habituada em se situar diante da obra de arte estrutural e preocupada com a reprodução dos sentidos, que o surrealismo termina desarmando o leitor da obra por “romper com os sistemas e as regras aprisionantes”. (ANDRADE; 2011, p.04)
Para o surrealismo, a partir do instante em que o homem abandona a restrição provocada pela lógica racional, além dele se encontrar em meio a um campo de realização em sua plenitude por diluir as fronteiras entre o imaginário e o real, “o espírito do homem que sonha se satisfaz plenamente com o que lhe acontece. A angustiante questão da possibilidade não está mais presente” (BRETON, 1924a, p. 45 apud ANDRADE; 2011)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Gisele Nery de. Os vasos comunicantes: escritura e psiquismo na poética surrealista. XII Congresso Internacional da ABRALIC, Curitiba, pgs: 01-08, jul. 2011
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