O
atual metro quadrado mais caro da cidade quadrada é encontrado na Avenida Beira-Mar,
cara-a-cara com a antiga Praia Formosa. Se esta praia ainda hodiernamente fosse
assim nomeada, estaríamos, com efeito, diante de uma das mais colossais ironias
linguístico-urbanas.
Havia
lá, quando ainda Formosa, uma pobre comunidade de pescadores. A expulsão de tais peões ocorreu na medida em
que os reis precisavam de exclusividade na tomada daqueles ares praieiros. Seus
meninos casarões hoje são senhores prédios, de postura tesa, quase militar, a
despeito de seus adornos - de uma sensibilidade arquitetônica quase lúdica.
Os
reis foram, no entanto - e é bom que se registre - compassivos com a situação
dos desapropriados, e por isto hoje qualquer peão pode caminhar por um
belíssimo calçadão que se estira preguiçosamente por toda a extensão da
avenida. Está tudo ali, para ser apreciado com a única moderação de que se
volte docilmente à zona norte após o passeio.
É
quase como sentir a doce e colorida violência das vitrines – observar do outro
lado da avenida os edifícios que roubam a colarinho branco a livre ventilação
de boa parte da cidade. Mas eles são belos – é verdade! São joias na coroa dos
homens que fizeram por merecer – este é um slogan recorrente nos panfletos que
propagandeiam os novos grandes investimentos: para morar ou investir –
sobretudo este último -, visite o novo Eldorado da especulação imobiliária!
O
calçadão foi tão exatamente criado para os que ali não se instalam com ânimo
definitivo, que com algum mínimo grau de inquisição se percebe que sua
utilidade publicitária – praticar exercícios, buscar os ideais de bem-estar do
novo século – pode ser alcançada nos limites dos próprios prédios em que vivem
seus habitantes. São dotados de academias e piscinas particulares, espaços
coletivos e congêneres.
E
na verdade, o mangue que agora verdeja o passeio pelo calçadão esconde o
despejo forte e organicamente aromatizado do esgoto. Sua fauna é composta
sobretudo por animais de alta estatura
simbólica, como os ratos. Todos saindo em saques noturnos ao sono dos donos do
poder. Poder-se-iam tecer os mais fortes
escândalos alegóricos, se se tivesse em vista o fato de que a cidade enriquece
em direção a este calçadão. Não demoraria muito até que algum aventureiro
voltairiano desferisse: em Aracaju, o caminho da riqueza é no sentido do
esgoto.
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