quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Reis e Peões na Praia Formosa


O atual metro quadrado mais caro da cidade quadrada é encontrado na Avenida Beira-Mar, cara-a-cara com a antiga Praia Formosa. Se esta praia ainda hodiernamente fosse assim nomeada, estaríamos, com efeito, diante de uma das mais colossais ironias linguístico-urbanas.

Havia lá, quando ainda Formosa, uma pobre comunidade de pescadores.  A expulsão de tais peões ocorreu na medida em que os reis precisavam de exclusividade na tomada daqueles ares praieiros. Seus meninos casarões hoje são senhores prédios, de postura tesa, quase militar, a despeito de seus adornos - de uma sensibilidade arquitetônica quase lúdica.

Os reis foram, no entanto - e é bom que se registre - compassivos com a situação dos desapropriados, e por isto hoje qualquer peão pode caminhar por um belíssimo calçadão que se estira preguiçosamente por toda a extensão da avenida. Está tudo ali, para ser apreciado com a única moderação de que se volte docilmente à zona norte após o passeio.

É quase como sentir a doce e colorida violência das vitrines – observar do outro lado da avenida os edifícios que roubam a colarinho branco a livre ventilação de boa parte da cidade. Mas eles são belos – é verdade! São joias na coroa dos homens que fizeram por merecer – este é um slogan recorrente nos panfletos que propagandeiam os novos grandes investimentos: para morar ou investir – sobretudo este último -, visite o novo Eldorado da especulação imobiliária!

O calçadão foi tão exatamente criado para os que ali não se instalam com ânimo definitivo, que com algum mínimo grau de inquisição se percebe que sua utilidade publicitária – praticar exercícios, buscar os ideais de bem-estar do novo século – pode ser alcançada nos limites dos próprios prédios em que vivem seus habitantes. São dotados de academias e piscinas particulares, espaços coletivos e congêneres.

E na verdade, o mangue que agora verdeja o passeio pelo calçadão esconde o despejo forte e organicamente aromatizado do esgoto. Sua fauna é composta sobretudo por animais de  alta estatura simbólica, como os ratos. Todos saindo em saques noturnos ao sono dos donos do poder.  Poder-se-iam tecer os mais fortes escândalos alegóricos, se se tivesse em vista o fato de que a cidade enriquece em direção a este calçadão. Não demoraria muito até que algum aventureiro voltairiano desferisse: em Aracaju, o caminho da riqueza é no sentido do esgoto.

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