Depois da proposta do quarto santo junino é hora de botar os santos para entrarem no forró e cair no rala coxa. Como dizia uma música catada por Alcimar Monteiro, “Eu vou bulir com tu, eu vou bulir”, inclusive essa frase poderia ser aplicada facilmente aqui no Torto, afinal esse movimento já gosta de bulir com os outros. Como estamos no ciclo junino, um dos ciclos que mexe principalmente com o Nordeste brasileiro, vamos analisá-lo por dentro, no meio do forró, da dança, das relações culturais e das canções que compõem esse caldeirão.
Sou um péssimo dançarino e nesse meio, a dança, é um dos meios para promover a inserção em grupos e até mesmo para iniciar relacionamentos. A regra é estar alegre de qualquer maneira, o tempo todo e a qualquer custo, até parece Salvador (a terra da alegria constante e, diria, contrastante). Diante desse espírito qualquer face mais séria pode ser um sinal para perguntas do tipo: você tá triste? Tudo bem com você? Tá se sentindo bem? Aconteceu alguma coisa? Como se uma face sem sorrisos avulsos fosse uma condição de protesto silencioso ou que você é chato mesmo que devia ficar em casa.
A dança é um excelente instrumento para arrumar namoro, pegação, divertir as pessoas, tirar onda, fazer e fortalecer amizades. O fato é que dançar forró faz você pensar. Claro que não é aconselhável que você pense nos passos, senão, meu fio! já era! É pisão, erro no compasso (ops!)... e você passa a ser motivo de gozação e pode ficar mal com a figura desejada. Mas Como estava dizendo... o forró faz você pensar.
Quando se quer pegar alguém, a primeira coisa que você faz é rapidamente pensar na estratégia de como vai fazer para catar a criatura. Daí você pensa: - vou chamar pra dançar. Geralmente as mulheres se amarram em dançar, juntando isso a mente criativa masculina para idéias permissivas e sexuais acaba sendo um prato cheio. Pois, a dança acaba sendo um mediador para duas satisfações, por um lado, a da mulher de querer dançar e do homem de se aproximar com o intuito de alcançar o seu objetivo. Claro que, as mulheres não são inocentes a ponto de não perceberem a movimentação. Porém, a dança é instrumento de diversão e de aproximação.
Depois que o convite para dançar foi aceito, vem a etapa do impressionar. Nesse jogo de aproximação e contato é que inicia o rala coxa. Para que os passos mais difíceis possam ser executados, os corpos se encaixam numa sintonia das pernas, em que as coxas ocupam o meio das pernas numa espécie de busca de uma sincronia dos corpos. A essa altura o rapaz, para impressionar, começa a fazer passos mais ousados (se souber fazer, claro) joga para um lado, joga para o outro, mexe, suinga, mexe, vai até o chão, mexe e mexe. Já dá pra entender o por que de algumas expressões como ralar o bucho, ariar a fivela, melar a cueca, entre outras. Inclusive essas expressões delimitam o jogo sensual que remete a processos de acasalamento.
Além da dança, existem outras coisas gozadas nesse ritual. De acordo com os discursos dos “entendidos” em forró existem duas categorias: as musicas de duplo sentido e as de único sentido. As de duplo sentido são aquelas que ludibriam o entendimento imediato, deixam a certeza e a dúvida do que está sendo dito, buscam burlar a moral, por meio do jogo de palavras e dos artifícios que a língua portuguesa proporciona. Por exemplo, “ela tá de olho é na butique dela”; “eu só fumo no cachimbo da mulher”; “Karolina hum!hum!hum!”; “seu delegado pega o Tadeu, ele pegou minha irmã e...”. Por outro lado, aquelas, as de sentido único, falam escancaradamente sobre o que querem dizer, ou seja, em uma linguagem direta apresentam a situação que é afrontosa aos valores morais, ou seja, elas “extrapolam” o que a moral permite. Alguns exemplos, “na sua boca eu viro fruta, chupa que é de uva”, “Eu vou dar lapada na rachada”, “senta que é de menta”,
O conteúdo sexual está nas duas canções, a diferença é o padrão estético e os valores morais, afinal todas surgiram em um determinado momento influenciados pelo contexto.
Tenho minha preferência musical pela linha de Gonzaga, mas em muitos momentos a incoerência na critica do forró eletrônico traz mais conflitos de valores morais do qualquer outra coisa. Mas por que os (pseudo)intelectuais seguidores de Gonzaga, ou do pé-de-serra, não são acusados pela moral vigente de carregarem conteúdos sexuais e consequentemente afrontarem aos valores morais estabelecidos?
Quero dizer com isso que o palco está armado, os ingredientes estão postos (forró, dança, bebida, suor, mulheres e homens), misturados em cada encontro festivo. E para encerrar de verdade, estava num forró caju desses e uma das bandas de vaneirão (forró eletrônico para alguns), vi e ouvi o vocalista cantar várias letras sensuais, “vou pra putaria”, “ela sai de saia de bicicletinha, uma mão no guidon e outra tapando a calcinha”, além das vozes orgasmáticas das cantoras e do balanço das dançarinas semi-nuas no palco, no final de tudo, o cara ainda abençoa tudo e diz: fiquem com deus e até a próxima. Eu também agradeceria. Você não?
Querido Aly soul,
ResponderExcluirÉ isso mesmo. No final das contas, tá todo mundo sedento, doido pra dar uma trepadinha, e a dança, tanto no forró eletrônico, como no dito forró "raiz", usa como instrumento a dança para possibilitar com que o bicho-homem saia rasgando por ai as brechas molhadas dos outros bichos. No final das contas, é só gostosura: é xavasca com rochuda, rochuda com rochuda e xavasca com xavasca.
Gostei muito de sua observação novamente referente ao jogo do sagrado com o profano. Foi importante você ter mostrado que mesmo diante de um repertório descaradamente sexual, o agradecimento ao divino pode ao mesmo tempo se manifestar e a crença nele não implica na falta de vontade de dar uma, até por que o sexo é mais que divino. Acredito até que é um dos poucos momentos que nos chegamos mais perto de deus hehehe
Meu caro AlyssonR torto,
ResponderExcluirSeu texto foi muito bem construído e aborda um tema que merece nossa atenção. Seu olhar socíológico para o tempo junino mostra com clareza as contradições da cultura. Essa análise, pode, com considerações socio-ambientais diferentes, servir para mostrar que dormimos, como dizia um filosófo alemão: "A moral é a obediência cega aos costumes". Até a nossa idéia de transgressão moral é cultural. Não podemos de forma racional transgredir o que não é fato, exceto no âmbito de um consciente coletivo constantemente dissossiado da realidade por causa de operações inconscientes e constantes em seu psiquismo. Vivemos sempre imersos na idéia e por meio dela contruímos sonhos, por isso o mestre Jung diz que nossa atividade onírica não se limita ao estado de sono. Também sonhamos no estado de vigília. O que me chama muito a atenção no seu texto foi a amarração entre o sagrado e o profano no meio católico. O mesmo ocorre, em uma dimensão diferente, no meio evangélico com o Gospel. Embora não haja o duplo sentido ou o sentido único, existe um só o objetivo: "Por meio de uma estratégia de market se vende a imagem que a Igreja fala a linguagem do povo, e então, você uma vez nela encontra pessoas que te entendem e que sua proposta ética pode se harmonizar com a da Igreja". Só que isso não ocorre na prática. Uma vez na rede virou moqueca. O texto ainda me levou para a História das religiões. O tempo em que havias nítida uma relação entre o sagrado e o profano. Essa relação é tão forte que o culto ao Sagrado exigia a presença do profano. O culto orgiástico a deusa Diana de Éfeso é um exemplo disso. Podemos então dizer que. A pulsão religiosa caminha lada a lado com a pulsão sexual. Curioso é que ambas estão numa região de nosso cérebro chamada de campo hipotalâmico. Me atravo a ir um pouco mais além em meu comentário sobre o texto do amigo torto. Ele levanta a questão da relação do Poder com o Sagrado e o profano.É interessante o que ficou nas entre linhas do texto. Quem banca tudo isso? Quem promove esses eventos e por que assim? O estado faz uso de seu aparelho para de tortas as formas nos passar a imagem que estamos bem e felizes por que ele está cuidando de nossos interesses. Afinal, essa é sua função, sem isso, qual sua utilidade? Já dizia o velho Hobbes. O profano e o sagrado se mesclam no processo de alienação da sociedade, no processo de escamoteamento da realidade. Muito bom texto parabéns.
Gostei da analise moral que você deu Roosevelt, muito foda! O que acontece nesse hibridismo é justamente a adequação dos discursos profano e sagrado às situações que os indivíduos vivem. E esses contem um fundamento moral, concordo com você, quando diz que é cultural, pois se trata de uma prática precedida de conceitos construídos a partir dessa prática, assim como, o senso comum costuma fazer. E essa moral cristã, tão arraigada em nossas práticas, é também resignificada nas ações.
ResponderExcluirQuanto ao discurso das entre linhas. Realmente daria mais "pano pra manga" se fosse falar sobre quem custeia esses eventos. Afinal são mega eventos, com diversas atrações e com uma adequação na relação tempo-espaço, pois existe uma visita aos discursos tradicionais como alegoria e fetiche. Por outro lado, o respaldo político, no qual está envolvido o evento.No intuito de impressionar pela reunião de tantas pessoas, pela visibilidade e pelos critérios dos eleitores que legitimam e justificam as ações dos seguidores do velho lema dos tempos de crise de Roma do "Pão e circo".
Obrigado pelas valorosas observações e mais uma vez, parabéns pelo conto dessa semana. Gostei muito e estou divulgando para outras pessoas.
Caro, Vina. Quando me refiro a dança, trato dela como uma espécie de ritual do acasalamento mesmo. Com todas as estratégias de conquista que permeiam o processo entre o sagrado e o profano, além disso, mostra o que a cultura brasileira tem em suas práticas esse hibridismo que subverte ou reinventa as práticas católicas, como exemplo,o catolicismo popular.
ResponderExcluirComo cheguei a dizer a Roosevelt, a tenue fronteira entre o sagrado e o profano talvez seja a herança permissiva do catolicismo em pouco vigiar os atos de seu fiel. Numa religião em que seguidores se auto denominam de católicos não praticantes, já pode ser percebido que tá valendo muita coisa e a brecha para as interpretações particulares.
E o que seria essa tradição que todos(as) seguem sem se perguntar por quê? Como ela nasceu? Certa vez uma senhora pra cozinhar o peixe sempre cortava a cabeça e a calda e as jogava fora. Perguntada por qual motivo fazia isso, ela dizia que era tradição da família, que ela havia aprendido com sua mãe a preparar o peixe daquele jeito. Então perguntamos à sua mãe a mesma coisa, por qual motivo preparava o peixe daquele jeito. Ela não foi diferente e disse que era tradição familiar, aprendeu com sua mãe também. Pra nossa sorte, a velhinha que iniciou todo esse processo de preparação do peixe, ainda estava viva e pudemos questioná-la pra quem sabe finalmente sabermos por que ao preparar o peixe ela arrancava a cabeça e a calda. Pra nossa surpresa ela simplesmente disse: "Meu fio, eu cortava e arrancava a cabeça e calda do peixe, porque não cabia o peixe inteiro na panela". (Risos) Por fim chegamos à conclusão de que tudo é uma construção. Cultura, tradição, comportamento... nada veio por acaso, assim como essa tradição e cultura juninas muito bem abordadas por Alysson. Então, construamos agora nossas novas tradições, ao nosso gosto e que não que sejamos apenas reprodutores de algo e sim produtores. Abraços a todos.
ResponderExcluirValeu, Malandragem. AS tradições são inventadas, sociologos e historiadores já falaram sobre isso. Acredito que a discussão entre o que está posto pelas convenções devem e precisam ser rediscutidas, principalmente para que possamos nos conhecer. Não compreendo discutir as convenções necessariamente como negação, mas sim como forma de negociação, respeitando as situações e condições.
ResponderExcluirNem todas são invenções do acaso. Um exemplo milenar é a circuncisão, que, muito embora no texto bíblico alegue-se "vontade divina", tem sua justificativa medicinal científica descoberta muito depois. E sim, o Cristianismo político profanou, propositadamente, as práticas sagradas pagãs.
ResponderExcluirMeu caro, Lou. Obrigado pelo seu comentário.
ResponderExcluirQuando me refiro sobre tradições inventadas quero dizer que o processo histórico transforma as relações, portanto, não está ao acaso. É a partir da interação entre os atores sociais e o mudança cultural que essas tradições são (re)criadas.
Caro Alysson,
ResponderExcluirBelo texto, gostei e me identifico muito com toda a abordagem que começa aqui "Sou um péssimo dançarino e nesse meio, a dança, é um dos meios para promover a inserção em grupos e até mesmo para iniciar relacionamentos" até o "acasalamento".
ps. Em Ouro Preto fala-se em "Ralar a Coxa" nestes momentos de muito forrozin.
abraços..